quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Tiro e queda

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A natureza humana - assim como a do escorpião - quando muito tarda, mas falhar, não falha jamais. Prova é a emenda constitucional assinada por 1,3 milhão de brasileiros, pedindo que pessoas com contas em aberto na Justiça não possam se candidatar a mandatos eletivos.

A proposta nem bem cruzou a porta de entrada do Congresso e já se deparou com o arsenal de matar inconveniências. Suas excelências, que já haviam deixado o clamado veto de fora das recentes modificações feitas a toque de caixa na lei eleitoral a fim de restringir o espaço de atuação da Justiça Eleitoral, não gostaram.

Antes que a matéria comece a tramitar, já propõem mudanças que, se aprovadas, alteram inteiramente o espírito da proposta popular. A emenda prevê a negativa de registro para candidatos que tenham sido condenados em primeira instância por racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas.

Sem prejuízo, claro, daqueles já condenados por uso da máquina pública e compra de votos, hoje devidamente enquadrados na Lei 9.849/99, que deu base legal à Justiça para a cassação de três governadores eleitos em 2006.

Goste-se ou não da forma de substituição dos cassados - eleição indireta pela Assembleia Legislativa em um caso e, nos outros dois, posse aos segundos colocados nas urnas -, imponham-se reparos à demora das decisões judiciais, imponha-se a necessidade de encontrar uma maneira mais rápida e democrática para troca de comando no Poder Executivo, fato é que a aplicação da lei deu um freio de arrumação no abuso do poder, notadamente econômico.

Hoje, um candidato a presidente da República, um governador ou um prefeito em campanha precisam pensar várias vezes antes de partir para a ignorância no que tange ao uso de recursos, sejam eles públicos ou privados.

Pois a emenda popular contra os chamados fichas-sujas tem o mesmo caráter profilático. A despeito da regra geral que assegura a presunção da inocência até a última instância de julgamento para os cidadãos em geral, é muito justo que a regra seja mais rigorosa para quem pretenda representá-los.

Afinal de contas, quando uma denúncia chega a um tribunal, ela já passou pela polícia, pelo Ministério Público e por um primeiro crivo da Justiça. Pode haver injustiças? Pode, só que não estamos tratando de situações definitivas, irreversíveis.

Se depois de todos os recursos ficar provado que o acusado era inocente, muito bem. Recebe seu atestado de idoneidade - aquele mesmo exigido de qualquer um para se credenciar a cargos públicos - e se inscreve na chapa deste ou daquele partido, que, por sua vez, a registrará no tribunal eleitoral da região pretendida para a disputa de votos.

É tudo muito simples, mas suas excelências já estão achando complicadíssimo. Consideram o projeto "muito duro". Realmente, perto da frouxidão das regras que eles mesmos criam quando estão em jogo seus interesses, a proposta é um obstáculo.

Principalmente à desfaçatez de se achar muito natural que dois terços, ou três quintos, uma parcela dessa ordem de absurdo, dos parlamentares estejam respondendo à Justiça.

Na maioria eles alegam que os processos são produtos de perseguição ou armadilhas políticas. É de se perguntar: e os outros que nada devem, não têm adversários?

Novo rumo

O chanceler Celso Amorim dramatiza, diz que o Brasil abrigou Manuel Zelaya na embaixada em Tegucigalpa para proteger a vida do presidente deposto. Não fosse isso, hoje ele "estaria morto".

Um tom muitos decibéis abaixo da ufanista e animada declaração inicial de que a busca pela representação brasileira era um sinal do "prestígio" internacional do País.

Lição do abismo

Mais inadequada e explícita impossível a escolha do tema do discurso do presidente Lula na cerimônia de posse do novo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha: a defesa da partilha partidária de cargos na administração pública como forma de construir maioria no Congresso.

É assim que funciona, mas a citação rebaixa o Parlamento, representa aval presidencial ao fisiologismo e demonstra zero disposição de tornar mais institucionais as relações.

Túnel do tempo

Melhor que o pragmático era o Lula doutrinário, ainda candidato, em 2002, pregando o voto facultativo: "A política ficará melhor e mais depurada quanto maior for o interesse e a convicção com as quais o eleitor comparecer para votar." Até o português era melhor.

Para o Luiz Inácio de sete anos atrás, o compromisso partidário e o trabalho de conquistar a atenção da sociedade, despertando nela a vontade de participar, eram as missões primordiais do político com vocação para o exercício da representação popular.

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