sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Ainda a questão da taxa de câmbio...

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A valorização do real decorre da política econômica simplória perseguida por nossas autoridades

TENHO CHAMADO a atenção do leitor para as mudanças estruturais que estão acontecendo na economia mundial. Esse fenômeno já ocorre há muitos anos, mas a crise internacional serviu para torná-lo ainda mais claro aos olhos do analista. Nos meses que se seguiram ao colapso do Lehman Brothers, os que insistem em manter os olhos fechados para essas mudanças chegaram a ensaiar críticas contundentes aos defensores do chamado "descolamento". Afinal, a queda da atividade econômica nos emergentes foi maior do que a que ocorreu nos países do G7. O mundo continuava redondo, diziam eles.

Hoje, um ano após o setembro negro do ano passado, o fenômeno do descolamento aparece em toda a sua intensidade. Um dos aspectos mais marcantes desses novos tempos é a diferença da velocidade de crescimento do consumo nas sociedades maduras e no mundo emergente.

Em 2004, as vendas ao varejo nos EUA adicionaram 0,7% ao crescimento do consumo no mundo, ante 0,5% dos chamados Brics. Em 2007, esses mesmos números foram 0,3% e 0,7%, respectivamente. Essa tendência reduzirá nos próximos dez anos a participação americana no consumo total do mundo para 21%, ante os 30% de 2007.

A desvalorização do dólar americano é uma das principais consequências dessas mudanças.

Alguns historiadores dizem que estamos assistindo à repetição do ocorrido no período que sucedeu a Primeira Guerra Mundial. Naqueles tempos, a liderança financeira (não mais a econômica) do mundo ainda pertencia à Inglaterra, e a libra esterlina era a principal moeda internacional de reserva. Com o enfraquecimento da dominação inglesa, a libra foi perdendo a confiança do mundo dos negócios e o dólar começou a ocupar espaço crescente nas transações internacionais. Em 1944, a liderança econômica e política dos EUA foi institucionalizada, e o dólar, transformado em moeda de reserva.

Nesse mundo novo que estamos vendo nascer, é a posição do dólar que está sendo questionada. Nesta semana, mais um sinal desse fenômeno: o jornal inglês "The Independent" apurou que a Opep está estudando utilizar uma cesta de moedas para fixar o preço do petróleo. A justificativa: o dólar não preencheria mais os quesitos de confiança que precisa ter uma moeda de referência, uma das características de uma moeda de reserva. Real ou exagerado, o fato é que essas tensões têm permeado os mercados de câmbio, com mais uma rodada de valorização das moedas emergentes e do ouro, que subiu mais de 5% em poucos dias de negócios. Isso demonstra que se trata de movimento global.

Mas há um elemento adicional que importa a nós, brasileiros: nesse movimento de valorização recente, o real voltou para a cotação média dos primeiros meses de 2008. No mesmo período, o won sul-coreano se desvalorizou em 15% ante o dólar, o peso argentino, em 17%, o peso chileno, em 20%, e a rupia indiana, em 14%. Ou seja, do patamar anterior à crise, nossa moeda está hoje mais forte que a de outros países emergentes, que sofrem do mesmo efeito do dólar fraco.

Em outras palavras, sofremos uma valorização de segunda ordem, específica ao Brasil. Isso decorre da política econômica simplória perseguida por nossas autoridades. Deveríamos estar elaborando políticas que levassem ao aumento da poupança nacional. Esse seria um caminho para compatibilizar a busca de um câmbio menos valorizado com as metas de inflação. Essa valorização de segunda ordem do real precisa ser evitada, sob pena de comprometer as possibilidades de desenvolvimento da economia brasileira.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

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