segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Bate-boca com fatos não leva a nada

Marco Antonio Rocha
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

É normal que políticos no auge de campanhas eleitorais, de cima de palanques ou arengando às massas, ajam como brucutus contra adversários, como cruzados de lança em punho contra os infiéis. Autoridades do governo, mesmo as que militam em partidos, o que precisam é convencer, e não derrotar.

Mas diversos petistas no governo Lula nunca depõem armas, militam a vida toda, em tempo integral.

No ano que vem o PT completa 30 anos. Qualquer jornalista não petista que esteja na profissão um pouco mais do que isso há de lembrar do espírito aguerrido do PT "de combate" nas redações. Era inimigo de morte quem não fosse petista de carteirinha, não cantasse loas a Lula, lançasse a menor dúvida sobre os elevados e puros propósitos do PT e dos líderes do partido ou sobre a capacidade técnica de petistas que exerciam cargos públicos. Pior, era inimigo do povo e lacaio do capitalismo. Era quase impossível, a quem divergisse do PT, argumentar em termos civilizados com o "bom petista".

Essa espécie de vírus xiita ainda não abandonou as veias de muitos petistas que estão em altas funções republicanas, são funcionários de Estado, e não mais militantes de comitês de agit-prop.

Marta Suplicy, depois de trombar com uma administração municipal destruidora de egos e de ser humilhada por uma derrota eleitoral que não esperava, percebeu que não era, afinal, a rainha da cocada preta e que o povo não a comprava pelo preço que ela pensava que valia. Melhorou, mas não se curou de todo da doença infantil do petismo. Ainda reage mal às contrariedades.

Um outro, esse um caso difícil porque junta "petistite" encruada com valentia gaúcha, é o ministro Tarso Genro. Dá a impressão de que todas as manhãs, na frente do espelho, enquanto faz a barba, só pensa nos dragões de tocaia lá fora para comê-lo e que vai ter de abater. Veste o paletó como couraça, pega o guarda-chuva como uma Excalibur e dispara por Brasília como se estivesse em Camelot. Está quase todos os dias nos jornais, "respondendo" a alguém com dois quentes e um fervendo, como diziam nossos avós.

Um terceiro ferrabrás petista, Marco Aurélio Garcia, diplomata - imaginem ! -, vê o mundo povoado por americanos canalhas e seus lacaios. Seu guru não parece mais ser o presidente Lula, e sim o fundador do socialismo bolivariano, ou socialismo do século 21, ou que outro nome tenha a estripulia político-caribenha, cevada em petrodólares, que Chávez perpetra do alto do seu trono na Venezuela. Onde quer que esteja um crítico da política externa do governo Lula, ali estará para combatê-lo o cavaleiro templário Don Diego Garcia, com seu feroz e desarrumado semblante.

Ao que tudo indica, a ministra-candidata, Dilma Rousseff, junta às sezões de agressividade petista o temperamento de praticante de kicking-box, sem nem um pingo do senso de humor do seu líder. Caso o suceda, teremos, provavelmente, a presidente mais ranheta do planeta.

Se na arena política esse comportamento é tedioso e canhestro, no terreno da economia só causa perplexidade, sobre ser inútil. No entanto, há petistas "de combate" também aí.

Acompanhamos todos, no momento, um debate sobre os rumos da economia brasileira que não é apenas acadêmico nem neutro, pois os argumentos, do governo e de analistas não-governo, porém experientes e respeitados na economia, influem em decisões empresariais de investimentos e nos movimentos dos mercados, particularmente os de ações e de futuros. Esse debate já produziu um consenso relativamente amplo de que o governo Lula enfrentou com competência a crise financeira internacional e conseguiu evitar para o Brasil o pior dos mundos, embora nem todos os efeitos negativos.

Mas o governo se mantém na defensiva agressiva. É que a discussão, agora, diz respeito a como retomar o crescimento econômico com políticas que evitem, mais adiante, o recrudescimento da inflação que, em consequência, imporá uma nova rodada ortodoxa na administração da moeda e do crédito.

Ora, a muitos analistas está parecendo que o esforço de investimento que o governo faz, e anuncia, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com os preparativos para a Copa do Mundo e para a Olimpíada, com projetos de infraestrutura importantes, como o trem-bala, com a exploração do petróleo do pré-sal, etc., é maior do que o "Brasil S.A." pode atender. Tudo isso, aliado a gastos inevitáveis com a campanha eleitoral do ano que vem, com o aumento dos gastos de custeio da máquina pública que já ocorre desde o início deste ano, com o aumento do déficit do INSS e de outros déficits governamentais, cria uma expectativa de descontrole gradual das contas fiscais, de maior inflação, de elevação dos juros, etc. Expectativa que inquieta o mercado, eleva os juros futuros e se manifestou até no Relatório de Inflação do Banco Central (BC). Contra sua tradição de não se meter onde não é chamado, o BC advertiu sobre o risco de pressões inflacionárias, alinhando-se com as preocupações de analistas privados.

Foi o que bastou para os templários, aninhados no Ministério da Fazenda, saírem a combater moinhos de vento. Argumentos? - "imbecis", disse Paulo Bernardo, do Planejamento; "terroristas", acusou Nelson Barbosa, da Fazenda; "bobagens", murmurou Mantega. Argumentos bons para gerar manchetes, mas inúteis para amainar ou contraditar as expectativas dos especialistas, de investidores e de empresários. Como inútil foi o presidente Lula proclamar que fez o maior ajuste fiscal da história do Brasil... em 2003 ! Palmas para ele, mas o diabo é o desajuste de agora.

Cabe às autoridades criar fatos que amainem as expectativas e inquietações desfavoráveis. E não ficar batendo boca com os analistas
*Marco Antonio Rocha é jornalista

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