sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Dos dois lados, sinais de disposição ao diálogo

Ricardo Galhardo Enviado especial
DEU EM O GLOBO

Micheletti baixa o tom com o Brasil e Zelaya diz estar disposto a se submeter à Justiça, embora imponha condições

TEGUCIGALPA. Dez dias depois do retorno do presidente deposto Manuel Zelaya a Honduras, os dois lados do conflito, que já dura mais de três meses, deram ontem sinais de disposição para dialogar. O presidente interino, Roberto Micheletti, baixou o tom com o Brasil, suspendendo o ultimato para que Brasília definisse o status de Zelaya e prometendo não tomar “medidas adicionais” contra a embaixada brasileira, onde o presidente deposto está abrigado. Mas a mudança mais forte veio de Zelaya, que disse estar disposto a se submeter à Justiça e aceitou ter seus poderes reduzidos — caso seja restituído na Presidência.

— Que me tirem o poder — disse ele, segundo o relato de um grupo de seis deputados brasileiros que chegou ontem a Honduras para avaliar a situação política do país. — Estou disposto a ir aos tribunais para responder aos processos que há contra mim, não tenho problema quanto a isso. Voltei porque sou inocente.

Zelaya, no entanto, lembrou que hoje não há diálogo com o governo interino. E condicionou suas propostas de concessão à mediação da crise pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e à assinatura do acordo de San José, que prevê sua restituição no cargo. Apenas depois disso, disse, estaria disposto a flexibilizar os termos.

De duas a quatro semanas de negociação Uma comissão da OEA chega hoje a Tegucigalpa para articular um diálogo. Zelaya entregou uma carta a John Bihel, assessor da Secretaria-Geral da OEA, indicando cinco nomes para compor uma mesa de negociação.

Micheletti faria o mesmo. Segundo Bihel, a OEA está otimista sobre um acordo.

Mas o grupo de deputados brasileiros acredita que o processo pode ser lento. Segundo Zelaya, as negociações levariam de duas a quatro semanas. Mais que isso, diz Zelaya, a população não iria aceitar.

Além da reunião com Zelaya na embaixada, os deputados estiveram no Congresso e na Suprema Corte, onde receberam a garantia de que o governo interino não invadirá a representação.

No Congresso, o presidente da Casa, Alfredo Zaafreda, ligado a Micheletti, se comprometeu a votar uma moção que prorroga o prazo de dez dias dado sábado pelo governo interino para que o Brasil defina o status diplomático de Zelaya.

Ao mesmo tempo, a chegada da comissão da OEA (a mesma que foi proibida de entrar no país domingo) prepara o caminho para a reunião de chanceleres prevista para o dia 7 e aumenta a pressão por acordo.

População volta a encher bares e restaurantes A sensação no meio político hondurenho é que a situação caminha para um pacto. O grande entrave é a falta de garantias quanto a seu cumprimento.

— O governo ainda não aceitou um acordo que passa pela restituição porque acha que Zelaya não vai cumpri-lo e vai retomar o tema da Constituinte — disse ao GLOBO o empresário Adolfo Facussé, presidente da Associação Nacional dos Industriais.

Apesar do repúdio de amplos setores da sociedade hondurenha, Micheletti continua protelando — agora por pelo menos mais um dia — a revogação do decreto que suspende os direitos civis e impede a liberdade de imprensa.

Enquanto isso, a resistência ao golpe continua impedida de se manifestar. Um protesto em frente ao Canal 36, depredado na segunda-feira pelas tropas de repressão, foi abortado em função da presença de centenas de militares no local. A saída foi mudar o lugar da manifestação para a porta da embaixada dos EUA mas, devido à forte repressão dos dois últimos dias, apenas algumas dezenas de pessoas se arriscaram a participar do ato.

Ontem magistrados da Suprema Corte, que apoiaram o golpe, se reuniram com Micheletti para avaliar o decreto. Na segundafeira, o presidente interino prometeu ao Congresso que retiraria o decreto depois de uma consulta à Suprema Corte e à Justiça eleitoral. Mas Micheletti pediu mais um dia para consultar, desta vez, o Colégio de Ministros, antes de revogar o ato.

Enquanto isso, nas ruas de Tegucigalpa, o povo hondurenho pôde desfrutar pela primeira vez desde a volta de Zelaya ao país, na segunda-feira passada, de uma noite normal, sem toque de recolher. Isso fez com que a população, em especial os jovens, lotasse bares para colocar em dia a vida social

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