segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Especialistas analisam Bolsa Família

Carolina Brígido
DEU EM O GLOBO

Para eles, adesão ao programa não deve ser confundida com acomodação

BRASÍLIA. Especialistas acreditam que a predominância de empregos degradantes em localidades pobres explica a preferência das pessoas em sobreviver apenas com os recursos do Bolsa Família. Conforme mostrou ontem reportagem do GLOBO, em 85 dos municípios de maior cobertura do programa, a maior parte deles na Região Nordeste, 71% das famílias - 184,3 mil - recebem o benefício federal, ao passo que as economias locais registram apenas 14,1 mil vagas com carteira assinada no setor privado.

Para os economistas especializados na área social, esta opção da população não deve ser confundida com acomodação. André Urani, sócio-fundador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), lembra que tem efeitos sociais importantes o fato de uma mãe ter a oportunidade de deixar de trabalhar como faxineira para cuidar dos filhos.

- Eu não chamaria de acomodação. As pessoas estão deixando de trabalhar em algo que não era gratificante, era mera obrigação, apenas para levar o sustento para casa. Uma mãe de família deixar de limpar banheiro dos outros para cuidar dos filhos é ótimo. Eu não vejo isso como uma coisa ruim. É uma maneira de tirar pessoas de uma atividade degradante. Quando a pessoa está numa atividade degradante, poder sair do mercado de trabalho é bom - avalia.

Mas para a secretária de Assistência Social de Presidente Vargas (MA), Ivete Pereira, o Bolsa Família tem, de fato, levado a uma acomodação dos beneficiados:

- As famílias estão acomodadas, e não é fácil tirá-las da acomodação. Acreditam que podem se manter com cento e poucos reais - disse Ivete, secretária de um município onde 80% das famílias recebem o Bolsa Família. Na cidade, só quatro pessoas têm emprego registrado em carteira.

Já o professor e pesquisador do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marcelo Paixão acrescenta que estatísticas sobre emprego formal não são suficientes para concluir que as pessoas se acomodaram e não trabalham mais por receberem o Bolsa Família. Ele salienta que o desemprego é um problema anterior ao benefício e que medir quem está no mercado informal é muito difícil.

- Estatísticas de emprego formal não são bons instrumentos para medir o desemprego, principalmente na população mais pobre. Além disso, o valor do benefício é modesto, uma família não poderia se estruturar sozinha só com ele a ponto de fazer com que as pessoas desistam de participar do mercado de trabalho - pondera Paixão.

Em carta enviada ontem ao GLOBO, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combater à Fome, por meio de sua assessoria de imprensa, contestou a informação de que o Bolsa Família inibe a expansão do emprego formal no interior do país. Segundo o MDS, a própria reportagem diz que a precariedade do emprego formal nessas cidades não tem relação direta com a concessão do auxílio.

Ministério: beneficiados trabalham acima da média

Segundo o MDS, "a reportagem também não leva em conta que o Brasil e, principalmente, o Nordeste, enfrentam séculos de exclusão e que o Bolsa Família só tem seis anos". O ministério diz ainda que pesquisas constatam que beneficiados pelo Bolsa Família trabalham acima da média nacional. "Segundo estudo do Ipea, a taxa de ocupação entre beneficiários do Bolsa Família é de 77% contra 74% dos não beneficiários".

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