sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Governo pune classe média pela queda de arrecadação

Martha Beck, Brasília
DEU EM O GLOBO


Para compensar gastos, Mantega admite adiar restituição de IR para 2010

A classe média brasileira vai pagar a conta da forte expansão dos gastos do governo este ano, que ocorre em meio à queda de arrecadação. O ministro Guido Mantega confirmou ontem que o governo terá de usar receitas destinadas ao pagamento das restituições do Imposto de Renda da Pessoa Física para cumprir suas metas fiscais. Com isso, contribuintes que já têm direito à devolução do imposto poderão ter de esperar até 2010 pelo dinheiro. O pagamento de restituições vem sendo represado desde junho, quando lotes do IR 2009 começaram a ser pagos. Tributaristas e parlamentares criticaram o atraso.

IR no cofre do governo

Com queda de arrecadação e gastos em alta, Mantega admite adiar restituição do imposto

Diante de uma queda na arrecadação, a classe média vai pagar a conta da forte expansão dos gastos em 2009. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitiu ontem que o governo terá de usar receitas que seriam destinadas ao pagamento das restituições do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para cumprir suas metas fiscais. Isso significa que contribuintes que estão em dia com o Fisco e têm direito à devolução do imposto pago a mais poderão ter de esperar até 2010 pelo dinheiro. O pagamento de restituições já vem sendo represado desde junho, quando os lotes do IR 2009 (ano-base 2008) começaram a ser pagos.

Sem se comprometer com datas para o pagamento das restituições de 2009, o ministro disse apenas que o ritmo desses desembolsos está diretamente ligado ao comportamento da arrecadação, que ainda não se recuperou depois de passado o auge da crise econômica mundial: — Estamos num ano mais difícil, a arrecadação tem sido mais baixa, portanto, é um ano de ajuste e pode ser que a restituição demore mais a ser feita. Mas nosso critério é sempre fazer a restituição o mais rápido possível.

Mantega confirmou, assim, informação publicada ontem no jornal “Folha de S.Paulo”, sobre a estratégia do governo de atrasar o pagamento das restituições. O ministro negou, porém, que o governo tenha utilizado algum artifício para não pagar as restituições. Ele ressaltou que, em anos de aumento de receita, o governo antecipa esses pagamentos e que uma demora não traz perda para os contribuintes, pois as restituições são corrigidas pela taxa básica de juros Selic, hoje em 8,75% ao ano.

— Mesmo quando demoramos mais, pagamos a Selic, portanto, tornase uma poupança, uma boa aplicação.

‘Contribuintes têm menos poder político’

Para o economista Raul Veloso, porém, o governo escolheu quem vai punir para cumprir suas metas fiscais: — Ele prefere segurar as restituições do IR a cortar gastos. Os contribuintes com devolução de imposto a receber têm menos poder político que uma categoria que negocia reajustes salariais, por exemplo.

Todos os anos, o governo paga as restituições do IR em sete lotes, entre junho e setembro, sempre por volta do dia 15 de cada mês. Os primeiros a receber são aqueles com mais de 60 anos. Quem entrega a declaração do IR pela internet e no início do prazo também entra nos primeiros lotes.

Fica para o final quem demorou ou caiu na malha fina. No último caso, o contribuinte acaba recebendo os recursos em lotes residuais, que podem ser pagos em até cinco anos.

No site da Receita, contradições

Não é a primeira vez que o governo usa as restituições para calibrar suas contas. Em 2003, chegou a anunciar que a parcela de dezembro só sairia em janeiro de 2004 para não afetar os repasses do Fundo de Participação dos Municípios.

Mas a medida foi tão criticada que o governo recuou.

Segundo dados da Receita, o montante de restituições pagas este ano está bem abaixo do registrado no mesmo período de 2008. Até agosto do ano passado, foram pagos R$ 7 bilhões a 3,4 milhões de contribuintes. Este ano, o montante chega a R$ 5,4 bilhões para 4,9 milhões de pessoas físicas.

Os lotes também ficaram menores.

Em agosto de 2008, por exemplo, as restituições registraram o total de R$ 1,5 bilhão. Já este ano, foram R$ 636 milhões.

Para piorar, contribuintes têm tido problemas na hora de receber. Ao consultar o site da Receita, são avisados de que suas declarações já foram processadas. No dia seguinte, são informados de que o documento voltou para a base de dados do Fisco.

A Receita diz que isso ocorre, por exemplo, se o empregador do contribuinte entrega uma retificação.

Mantega negou a avaliação de que o governo teria mudado seu foco de fiscalização dos grandes contribuintes para as pessoas físicas. Segundo técnicos da Fazenda, integrantes da equipe da ex-secretária da Receita Lina Vieira têm divulgado informações para tentar minar o trabalho da área econômica após sua demissão. Lina alegou ter sido afastada por fiscalizar grandes contribuintes e não a classe média.

— Os grandes contribuintes sempre são o foco principal — disse Mantega.

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