quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Marta e Ciro medem forças

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A declaração de Marta Suplicy após reunião do Diretório Estadual do PT, na segunda-feira, em São Paulo, deve ser posta em perspectiva na disputa que ali se esboça. "Há uma percepção de que a candidatura Ciro não tem a ver com São Paulo", disse a ex-prefeita e líder de um grupo do PT, referindo-se à transferência de domicílio eleitoral do deputado cearense para São Paulo com o objetivo, seguindo planos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de candidatar-se a governador do Estado.

Marta sempre poderá dizer, no momento em que for conveniente, que não falava no desconforto para o eleitor paulista em receber um forasteiro, mas que está falando, como o fizeram Ricardo Berzoini e Antonio Palocci, que a candidatura Ciro já lançada tem a ver com a Presidência da República e não com o governo estadual. Mas já se passaram 24 horas e ela ainda não renegou a interpretação de que o ataque foi intencional e direto, atingindo muito fortemente o deputado do PSB.

Como não há possibilidade de resolverem tão cedo esta disputa entre dois PTs (o de Marta e o de Ciro, que tem em Lula seu único e fortíssimo padrinho) a respeito da candidatura ao governo de São Paulo, a posição inequívoca expressada por Marta Suplicy pode ser tomada como tentativa de equilíbrio de forças que estavam, até o momento, pendendo para Ciro.

O que está em discussão é uma resposta a duas perguntas: O que é melhor para o Lula? O que é melhor para o PT? O presidente da República já deixou claro que, para seus planos, o melhor é uma eleição presidencial plebiscitária entre Dilma Rousseff e José Serra, o PT contra o PSDB, cada um com seus aliados. Sua estratégia é isolar Serra e enfraquecê-lo ao máximo, afastando tudo o que pode adensar esta candidatura e até apostar na sua desistência. "Bastaria, na campanha, compararmos os oito anos do Fernando Henrique com os nossos oito anos de governo e não teria para mais ninguém", resume um frequentador dessas reuniões preliminares a linha de campanha em preparação.

Para chegar a este cenário polarizado, uma providência preliminar era resolver os problemas dos aliados, e o principal deles o Ciro, que já foi candidato, tem uma base eleitoral e projeto pessoal. Lula recomendou que transferisse seu título para São Paulo, disputasse o governo do Estado, se ganhasse seria governador se perdesse seria ministro da Dilma. O presidente vislumbrou neste cenário não só uma solução para depurar a campanha presidencial como para fazer uma radical disputa com o PSDB, capaz de sangrar não só a candidatura tucana ao governo do Estado como a candidatura Serra à Presidência, na sua base eleitoral mais ampla.

A descrição feita por um aliado fiel que Lula tem no PT mostra o efeito esperado: "Ciro seria um bom candidato a governador, já foi candidato a presidente, na crise ele cresce muito, seria um ótimo adversário para o PSDB, não tem medo do Serra, não tem medo do Alckmin, fala as coisas, chuta acima da canela, é um candidato rompedor que estamos precisando em São Paulo". Ciro, neste raciocínio, fez sua parte: transferiu o domicílio eleitoral no fim do prazo, não dando tempo à reação do PT, fez tudo como recomendado pelo presidente e, se não der certo o plano, será candidato a presidente da República pelo PSB.

A partir da análise de que o PT não poderia deixar de ter candidato próprio em São Paulo por uma série de razões - satisfação à militância, manutenção dos 30% de votos cativos do partido, não entregar de graça seu trabalho eleitoral a mais um concorrente, entre outras - o Partido dos Trabalhadores viu consolidar-se um outro cenário com a entrada de Marina Silva na disputa. Ganhou força, dentro do PT, a tese de que "quanto mais candidato melhor", porque isto leva ao segundo turno. E, no segundo turno, os aliados se uniriam contra o PSDB. Nesta hipótese, a candidatura Ciro ao governo de São Paulo perde relevância. Ele seria mais um candidato da base à Presidência e o PT concorreria em São Paulo com um dos cinco ou seis nomes colocados à discussão sendo que, no momento, o principal é Antonio Palocci. Todos os pré-candidatos querem que o PT tenha candidato: o próprio Palocci, Emídio de Souza, Elói Pietá, Arlindo Chinaglia, Eduardo Suplicy, Marta Suplicy, cada um com seus apoiadores.

As duas concepções estão, no momento, convivendo litigiosamente, e assim continuarão provavelmente até o ano que vem. Nada será decidido agora, as posições estão colocadas e o presidente Lula entrará em campo, certamente, para fazer valer a sua vontade, compatibilizando interesses. O mais provável é que consiga o que quer mas é possível que o instinto de autopreservação leve o grupo de Marta Suplicy à disputa. Segundo um dos participantes do encontro de segunda-feira, há mais petistas do que se imagina achando que Lula está centralizando demais o PT, que ainda vê Dilma Rousseff como candidata dele e não do partido, e que mantêm acesa a irritação com os sapos que a popularidade amazônica do presidente os faz engolir todos os dias. Mas o clima é de tensão. Ao bater de frente com Ciro, Marta bateu de frente com Lula.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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