sábado, 10 de outubro de 2009

Nobel para uma visão

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foi premiado com o Nobel da Paz 2009 pelas mesmas razões por que foi eleito 11 meses atrás: sua visão de pretender, a partir da mudança da maior potência mundial, mudar também o mundo e a maneira como ele é governado. Embora não tenha havido mudança fundamental nas posições do governo americano, afinal o país ainda está metido em duas guerras, no que o Comitê norueguês aposta é na mudança fundamental de visão de mundo, que privilegia o diálogo no lugar da força, a visão multipolar no lugar da hegemonia.

Embora não tenha conseguido nesses nove meses de governo nenhuma vitória concreta que, na visão dos céticos, justificasse a premiação, são claras as demonstrações de que Obama continua fiel ao que prometeu em sua campanha.

No dia de sua vitória, escrevi aqui que ele tinha o entendimento de que no mundo moderno não é mais possível ser a primeira potência sem dar espaços para outras potências emergentes que têm papel importante em temas ou setores políticos e econômicos.

Nesse novo mundo diversificado e multipolar, será preciso dividir o poder e pensar políticas públicas que sejam boas para todos, e não apenas para um país.

Foi classificado de fraco quando anunciou o fim do escudo antimísseis projetado no governo Bush para proteger a Europa de eventuais ataques nucleares, especialmente do Irã.

A decisão da revisão desagradou Polônia e a República Checa, que viam a presença militar americana como um meio de proteção contra a Rússia, mas agradou Moscou, que considerava o plano de defesa americana uma ameaça direta, e abriu caminho para a inspeção nuclear no Irã.

Embora não tenha conseguido ainda uma aprovação do Congresso para um plano de redução de emissão de gases de efeito estufa que lidere o mundo na reunião de dezembro em Copenhague, a preocupação da administração Obama com a ecologia e com a utilização de combustíveis renováveis menos poluentes obedece a uma postura universalista, oposta ao egoísmo que prevalecia na política dos Estados Unidos, que levou o presidente Bush a não assinar o Tratado de Kioto, considerado prejudicial aos interesses das empresas americanas.

Esse mesmo egoísmo da sociedade americana faz com que a ampliação do programa de saúde oficial seja recebida com desconfiança por boa parte da população, que teme perder o que já tem com a inclusão de cerca de 25 milhões de pessoas que hoje não têm cobertura de saúde de nenhuma espécie.

Assim como na política interna defende a solidariedade da sociedade, Obama está convencido de que, no plano externo, os interesses americanos só serão atendidos se o interesse da comunidade internacional for também respeitado.

Obama quer mostrar as vantagens da democracia através do exemplo e do respeito ao outro, e não impô-la a outros países através de guerras, como a administração Bush alegava fazer.

O presidente do comitê do Nobel, Thorbjoern Jagland, ressaltou que “como presidente, Obama criou um novo clima na política internacional.

A diplomacia multilateral voltou a ocupar uma posição central, com enfoque no papel que as Nações Unidas e outras instituições internacionais podem desempenhar”.

Num de seus primeiros atos depois de assumir, Obama confirmou o fechamento da prisão de Guantánamo e proibiu formalmente o uso de torturas nas prisões americanas, na certeza de que não é possível defender a democracia e manter esse tipo de prisão, mesmo sob o pretexto de combater o terrorismo.

Transformar os Estados Unidos em um país amado, e não temido, pelo resto do mundo, parece ser a busca de sua gestão, e, no plano interno, ele vem tentando aprovar os principais pontos com o apoio de republicanos, em busca de um governo suprapartidário anunciado em seu discurso da vitória em Chicago.

A “visão” e os “esforços” de Obama em busca de um mundo sem armas nucleares também foram ressaltados pelo Comitê do Nobel, reforçando a relevância política da recente declaração do presidente dos Estados Unidos na ONU.

Os adversários de Obama, especialmente a direita mais conservadora, viram no Prêmio Nobel uma aprovação da “visão socialista” que ele teria levado para o governo dos Estados Unidos.

A crítica mais frequente é de que os europeus, através do Nobel da Paz, querem estimular políticos americanos que tenham ideias que se aproximam da social-democracia europeia, uma acusação a Obama muito comum durante a campanha eleitoral e que agora está sendo revivida com a tentativa de aprovar no Congresso a ampliação do sistema de saúde no país.

Perguntado sobre se também almejaria receber o Prêmio Nobel da Paz, o presidente Lula primeiro respondeu: “Essa coisa não se almeja.” E depois brincou: “O dia em que eu almejar, eu me inscrevo, ou peço um abaixo-assinado”.

Mesmo sem ter pedido, e embora não se tenha dado muito destaque ao fato, o presidente Lula mais uma vez era um dos concorrentes ao Prêmio Nobel da Paz que Obama acabou levando.

O norueguês Stein Tonnesson, diretor do Instituto Internacional para a Investigação da Paz, fez a indicação, fato que foi festejado na ocasião como um indício de que Lula poderia mesmo ganhar.

Lula já esteve cotado para o prêmio por causa do Fome Zero, mas o escândalo do “mensalão” tirou-o do páreo. Este ano, ao receber um dos mais importantes prêmios mundiais para a preservação da paz, dado pela Unesco, ele voltou a ser cogitado.

Outras personalidades que receberam a mesma homenagem, como Nelson Mandela, Yitzhak Rabin, Yasser Arafat e Jimmy Carter foram agraciadas depois com o Prêmio Nobel da Paz.

Lula hoje é uma “persona” política perfeitamente possível de ganhar um Nobel da Paz. Mas não foi desta vez.

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