terça-feira, 20 de outubro de 2009

Para presidente do STF, Lula e Dilma antecipam campanha

Carolina Brígido, Adriana Vasconcelos e Maria Lima Brasília
DEU EM O GLOBO


Ao comentar as seguidas viagens do presidente Lula e de sua candidata à Presidência, Dilma Rousseff (PT), o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, alertou para os riscos de antecipação da campanha eleitoral e disse que "nem o mais cândido dos ingênuos acredita que isso é uma fiscalização de obras". Na última semana, Dilma e Lula passaram três dias visitando obras de transposição do Rio São Francisco em quatro estados. Ontem, estavam em São Paulo. Desde o começo de 2009, Lula passou 136 (ou 46%) dos 292 dias fora de Brasília. Para Gilmar, as viagens do presidente e sua candidata para visitar obras do PAC têm que ser examinadas pela Justiça Eleitoral. "Muito do que está se fazendo, sorteios, entregas de brindes, tem característica de campanha", disse o ministro, para quem "estão testando a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral". A oposição vai recorrer ao TSE e avisou que também porá seus candidatos nas ruas, já que Dilma não é punida.

Gilmar: Lula e Dilma estão testando Justiça Eleitoral

´Nem o mais cândido dos ingênuos acredita que isso é uma fiscalização de obras`, diz presidente do STF ao alertar para campanha antecipada

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, disse ontem que as viagens da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para visitar obras do PAC devem ser examinadas pela Justiça Eleitoral. Para ele, muitos atos ditos como de governo têm características de antecipação de campanha política — Dilma é a candidata de Lula e do PT à Presidência em 2010. O ministro não quis fazer juízo de valor sobre eventuais irregularidades nas ações do governo federal, mas disse que nem a pessoa mais ingênua acredita que se trata de fiscalização de obras.

— É uma questão que terá de ser examinada. Muito do que está se fazendo, sorteios, entrega de brindes, tem característica de campanha — disse Gilmar ao GLOBO ontem.

Semana passada, Lula e Dilma passaram três dias visitando as obras de transposição do Rio São Francisco em quatro estados, acompanhados de políticos aliados. Subiram em palanques, discursaram, Lula comandou sorteio de casas e fez ironias ao criticar o governador de São Paulo, José Serra, pré-candidato do PSDB à Presidência.

— Estão testando a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral. É uma situação que, se se tornar repetida e sistêmica, há de merecer reflexão. É uma viagem feita com recursos públicos.

Nem o mais cândido dos ingênuos acredita que isso é uma fiscalização de obras. Não se tinha visto até então a ministra Dilma fiscalizar obras.

A questão tem que ser discutida.

Gilmar alertou para a regra constitucional de igualdade de oportunidade na competição eleitoral: — O processo eleitoral implica em igualdade de competição. O Estado não pode beneficiar um dos candidatos.

Quem está no governo normalmente tem uma mais-valia, é natural.

Agora, caberá à Justiça Eleitoral verificar (as viagens). Apresentar alguém como candidato em atividades de governo é compatível com a Constituição? Não vou emitir juízo quanto a isso.

É um desafio para a Justiça Eleitoral saber o que é atividade de governo e o que é campanha eleitoral.

Para o presidente do Supremo, é possível que o Brasil precise adotar o que fizeram outros países, em que essa diferença é clara na legislação: — Muito provavelmente isso tenha que ser definido. Se isso (misturar atos de governo com campanha) é permitido no plano federal, dá margem para o estadual e o municipal.

Em entrevista ao programa “É notícia”, da Rede TV, Gilmar, que já presidiu o TSE, disse também que o “governo Lula testa os limites de tolerância da Justiça Eleitoral”.

Oposição pede apuração da Justiça

Os palanques de Lula e Dilma pelo país incomodam também a oposição.

Irritados com o que consideram inércia da Justiça Eleitoral em relação ao suposto uso da máquina e campanha antecipada de Dilma, líderes da oposição decidiram recorrer ao TSE questionando a caravana do governo pelo Rio São Francisco. E cobraram de seus pré-candidatos que intensifiquem suas agendas eleitorais.

Sem consenso entre os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG) sobre quem disputará o Planalto, o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), sugeriu aos dois que estabeleçam uma agenda de viagens, juntos ou separados. Com cuidado para que a ação não caracterize antecipação da campanha, Guerra confirmou que Serra e Aécio serão as estrelas dos próximos programas do partido no rádio e TV. As inserções nacionais irão ao ar nos dias 17, 19, 24 e 26 de novembro. E o programa de dez minutos, no dia 3 de dezembro. Cada um deverá produzir suas aparições.

Mesmo tendo perdido ações semelhantes na Justiça Eleitoral, DEM, PSDB e PPS devem protocolar hoje nova ação no TSE pedindo punição para o que consideram campanha eleitoral fora do prazo. Para reforçar a ofensiva, os tucanos devem, inclusive, ceder o tempo de TV do partido nos estados a Serra e Aécio.

— Está na hora de os dois pré-candidatos visitarem as regiões, verem de perto as situações enfrentadas pelos cidadãos, para definir a proposta de governo que vamos apresentar ao país no próximo ano — disse Guerra.

Para o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), e o presidente nacional do PPS, Roberto Freire (PE), é preciso pedir rigorosa punição para Lula e sua candidata.

— Não só a Justiça Eleitoral tem que se pronunciar. A Justiça comum também tem que investigar e punir o desvio de recursos públicos e a corrupção. Construíram uma tenda árabe no meio do sertão, com nove cozinheiros, 22 garçons, um cantor de forró e aviões e helicópteros cruzando para lá e para cá, levando a turma da campanha. Isso não custou menos de R$ 1 milhão, e quem vai pagar? Eles abriram a guarda. A Justiça não pode fingir que isso tudo é normal — atacou Aníbal.

Outro líder tucano, o senador Artur Virgílio, afirmou: — Confio na boa-fé e no bom senso da Justiça. Mas, em não havendo isso, não tem por que não fazer também.

Nessa fase, só poderiam aplicar multas, e dinheiro não acho que seja o problema deles. O ideal seria se já tivéssemos uma definição do candidato.

Então, até lá, que o Serra e o Aécio percorram o Brasil todo com agendas populares, não só reuniões com tucanos, ou visitando shoppings.

O líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), avisa: — Se o presidente, que é guardião da Constituição, viaja três dias em campanha com sua candidata e a Justiça Eleitoral não considera isso campanha antecipada, estou liberado para lançar minha campanha ao governo de Goiás.

“O processo eleitoral implica igualdade de competição. O Estado não pode beneficiar um dos candidatos. Quem está no governo normalmente tem uma mais-valia, é natural. Agora, caberá à Justiça Eleitoral verificar (o caso das viagens de Dilma e Lula).Apresentar alguém como candidato em atividades de governo é compatível com a Constituição? Não vou emitir juízo. É um desafio para a Justiça Eleitoral saber o que é atividade de governo e o que é campanha eleitoral”

(Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal)

“Não é só a Justiça Eleitoral que tem que se pronunciar. A Justiça comum tem que investigar e punir o desvio de recursos públicos. Construíram uma tenda árabe no meio do sertão”

(José Aníbal, líder do PSDB na Câmara dos Deputados)

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