sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Pela janela basculante

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Tancredo Neves apostou no vazio político criado pelo empate entre um regime militar combalido, de um lado, e uma oposição sem força de outro. A opção pelo colégio eleitoral desempataria o jogo.

Vinte e cinco anos depois, é outra a polarização que move a política. Mas é o herdeiro da tradição do PSD mineiro que continua armando o jogo. Aécio Neves aposta que o vazio advindo de uma candidatura José Serra inviabilizada e uma opção Dilma Rousseff sem fôlego de vitória pavimente sua chegada ao poder.

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais e um dos mais ativos intelectuais do PT, Juarez Guimarães formula a analogia na expectativa de que o neto de Tancredo não vingue a tradição a que se filia.

Sua aposta é que a polarização entre PT e PSDB, que pauta a política nacional desde 1994 e movimenta 70% do eleitorado, ainda não deu sinais de esgotamento.

É por esta polarização que certamente se pautam tanto o QG de Dilma Rousseff quanto os partidários de José Serra. Foi pelo desmonte dela que o governador de Minas Gerais levou, suado, a sucessão municipal em Belo Horizonte. E é nessa toada que tem construído o discurso pós-lulista de suas ambições presidenciais.

Só o pessedismo mineiro explica por que esse discurso destoa menos em Aécio do que em Serra. O PSD de Juscelino Kubitschek que inspira Aécio compunha a base política de Getúlio Vargas, a quem Luiz Inácio Lula da Silva é costumeiramente comparado.

Ao contrário dos liberais paulistas, que chegaram a fazer guerra contra a legislação trabalhista, explica Guimarães, os mineiros nunca encamparam um discurso radicalmente antiestatal.

A concentração financeira em São Paulo e a decadência da Praça Sete de Setembro, antigo centro bancário de Belo Horizonte, cunhariam as duas faces de uma mesma moeda.

São Paulo se desenvolveria sob a aliança entre o capital financeiro e industrial enquanto Minas continuaria a contar com a forte presença estatal para alavancar os investimentos estaduais.

É sob esta luz de popa que urge observar a posição do governador mineiro nesse imbróglio que envolve a Vale. O governador era líder do PSDB na Câmara quando fechou com seu partido em defesa dos leilões de privatização da empresa.

Uma crise mundial e um pré-sal depois, o discurso de Aécio está mais nacionalista. Fecha com o governo federal no modelo de partilha e busca tirar proveito da mudança na legislação para obter royalties mais gordos ao Estado na exploração dos minérios. Tenta dobrar os empresários do setor pela moderação, a contrastar com o mando petista.

Esta semana, Aécio recebeu Roger Agnelli no Palácio da Liberdade. Na foto posada, cobranças mútuas. Aécio por investimentos da Vale e Agnelli pelo empenho do Estado no desfazimento dos percalços ambientais.

A portas fechadas, encontraram-se ali um presidenciável com um discurso mais próximo da Casa das Garças do que dos fundos de pensão e um executivo por estes premido. Horas depois, Aécio e Lula seriam flagrados num registro fotográfico de discreto entrevero - "Não acredite em tudo o que vê pela janela basculante", diria Aécio negando desentendimentos.

Para vingar, o pós-lulismo de Aécio - estatismo mitigado de um liberal mineiro - já incensada pela postulação de Ciro Gomes, ainda precisaria contar com o esvaziamento de Serra, seguido pelo de Dilma.

Na oposição, cresce a hipótese de que Serra pode vir a optar pela reeleição face a um risco cada vez maior de a candidatura Dilma chegar ao carnaval em condição de empate técnico.

O risco é agravado pela perspectiva de o comando do Estado cair nas mãos de Geraldo Alckmin, uma opção que não agrada ao PSDB de Serra e, desde os entreveros da sucessão paulistana, nem ao DEM de Gilberto Kassab.

A outra condição para Aécio emplacar - o esvaziamento da candidatura Dilma - é mais incerta. Além de manter os partidos aliados sob relativo controle, todos os indicadores da economia - do emprego às reservas cambiais - lhe servem de cabos eleitorais. É mais do que improvável que o principal deles - um presidente da República aprovado por 80% do eleitorado - seja incapaz de levar sua candidata ao segundo turno.

Ainda que derrotado, Aécio seria vitorioso numa disputa contra Dilma. Dela sairia como líder da oposição. Dezoito anos mais velho, duas vezes candidato derrotado à Presidência e com o Palácio dos Bandeirantes entregue de bandeja ao fogo amigo, Serra não poderia reivindicar a mesma posição.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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