quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Repressão nas ruas reforça estado de sítio

Ricardo Galhardo Enviado especial • TEGUCIGALPA
DEU EM O GLOBO

Forças de segurança dispersam violentamente manifestantes em Tegucigalpa e Justiça Eleitoral se une à pressão por revogação de decreto

Amparada no decreto PCM-016 que suspende as liberdades civis por 45 dias, a Polícia Nacional hondurenha, apoiada pelas Forças Armadas, dispersou a golpes de cassetete e bombas de gás lacrimogêneo um protesto contra o fechamento de meios de comunicação e expulsou um grupo de sem-teto que ocupava há três meses um prédio público em protesto contra a destituição do presidente Manuel Zelaya em 28 de junho.

Enquanto a polícia agia, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedia ao presidente interino, Roberto Micheletti, a revogação do decreto. Com o pedido, a Justiça Eleitoral se junta ao Congresso, setores do empresariado e da Igreja Católica na reação contra a truculência do governo interino.

Apesar dos incidentes, as negociações por uma saída para a crise política avançam. Amanhã, uma missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) deve chegar a Honduras para articular um acordo.

O prédio do Instituto Nacional da Agricultura (INA) foi cercado por centenas de homens armados nas primeiras horas da manhã. Um dos pontos do decreto prevê a desocupação de prédios públicos. Na véspera, os semteto da Via Campesina haviam sido advertidos e ontem foram despejados.

Mas não houve violência.

Pouco depois, cerca de mil simpatizantes de Zelaya se reuniram na porta da Rádio Globo, invadida, depredada e tirada do ar pelas forças de repressão na segunda-feira, para protestar contra o cerceamento à liberdade de imprensa. Depois de duas horas de manifestação, a tropa de choque decidiu agir. Sem sequer tirar a máscara contra gás lacrimogêneo, o comandante da tropa fez sinais para que os manifestantes se retirassem.

Enquanto a multidão saía em passeata rumo ao Canal 36, emissora de TV que também foi depredada e tirada do ar, os policiais atacaram com bombas de gás e golpes de cassetete. Centenas de agentes surgiram das esquinas e encurralaram os manifestantes, entre eles mulheres e idosos que fugiram em disparada. Em minutos as ruas estavam vazias. O único vestígio era o cheiro de gás lacrimogêneo.

O porta-voz da polícia, Daniel Molina, disse que ninguém foi detido.

Segundo ele, a ação se deu em cumprimento ao decreto. Perguntado sobre o fato de a medida ter sido rejeitada pelo Congresso, respondeu: — Mesmo assim (o decreto) continua em vigência.

‘Foi destituído por seu esquerdismo’

O TSE, que em Honduras representa um poder independente, engrossou o coro contra o estado de exceção. Em reunião com Micheletti, os magistrados pediram a revogação do decreto.

— Pedimos respeitosamente que o decreto seja revogado para que não haja nenhum questionamento sobre a legitimidade da eleição — disse o magistrado David Matamoros.

Anteontem, depois de receber pedido idêntico do Congresso, Micheletti recuou e disse que consultaria o TSE e a Suprema Corte. Enquanto isso, o decreto continua em vigor. Apesar de terem seus equipamentos danificados, tanto a Rádio Globo quanto o Canal 36 continuam em atividade na internet.

Amanhã deve chegar a Honduras uma missão da OEA com o objetivo de preparar terreno para uma reunião entre os dez chanceleres da América Central semana que vem. Ontem, o chileno John Biehl, assessor do secretáriogeral da OEA, José Miguel Insulza, esteve reunido com Zelaya na embaixada brasileira. A expectativa é de um acordo na próxima semana.

— Desta vez encontramos mais boa vontade em ambos os lados — disse Biehl.

A jornais latino-americanos, Micheletti disse que está disposto a se afastar do poder se isso ajudar numa saída para a crise. Para ele, no entanto, ainda não é o momento de “se sentar” com Zelaya. Micheletti classificou como inconstitucional uma proposta que incluía tropas estrangeiras no país e afirmou que Zelaya foi destituído por seu “esquerdismo e corrupção”.

“Ele foi um presidente liberal, como eu. Mas se tornou amigo de Daniel Ortega (presidente da Nicarágua), (do venezuelano Hugo) Chávez, (do equatoriano Rafael) Correa e (do boliviano) Evo Morales.” Sobre a derrubada, acrescentou: “Nosso único erro foi tirálo da forma como tiramos. No resto, atuamos com a lei.”

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