quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Todos em campanha

Rosângela Bittar
DEU NA VALOR ECONÔMICO


Havia uma lenda muito difundida desde o primeiro ano do primeiro mandato que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia passar os seus dias viajando, dedicar-se integralmente à diplomacia presidencial, em sucessivas viagens ao exterior, e a alimentar seus eleitores Brasil afora por anos e anos, quando no país, para manter acesa a chama de sua eleição e reeleição, sem nunca precisar descer do palanque. Tomadas as decisões básicas, o governo andaria sozinho, e os índices de popularidade não cairiam, como não cairam.

O presidente só precisaria aparecer para associar sua marca ao fato do dia. Os programas de assistência social ampliados e com prioridade, a economia sob controle, o resto surgiria por magia. No início, o Ministério da Fazenda, com Antonio Palocci, e o Banco Central, com Henrique Meirelles, garantiriam a execução da política econômica austera, à prova de pressões dos dilapidadores; a Casa Civil da Presidência, com José Dirceu, garantiria a política, as alianças e apoios necessários à fidelidade de uma maioria necessária no Congresso.

Esta perspectiva não mudou após a queda de alguns desses personagens colhidos em escândalos e irregularidades. No fim do primeiro e já no segundo mandato, foram trocados os nomes mas o esboço geral sobreviveu e, segundo a lenda, com até mais conforto para o presidente Lula. No caso da Casa Civil, viria a assumir uma gerente de programas para fazer a coordenação do governo e dar ao presidente resultados concretos, Dilma Rousseff. Lula poderia continuar em campanha, como continuou, e gostou tanto do seu desempenho que a designou candidata a sucedê-lo. A coordenação política ficou com ele próprio, o presidente, que a amalgamou aos seus afazeres eleitorais.

Os mega-programas, mais explorados em campanha generalizada na segunda metade da segunda gestão, todos coordenados pela ministra já em processo de credenciamento para ser opção de candidata a presidente, prescindiram das decisões de Lula. A aceleração do crescimento, com o PAC, uma reunião na sigla de obras que vinham sendo realizadas em governos anteriores e neste, o programa de expansão do financiamento habitacional popular marcado como Minha Casa Minha Vida, as descobertas do Pré-Sal, os reajustes e expansão do Bolsa Família, a ampliação do crédito, o envolvimento dos bancos oficiais nos projetos populares do governo, tudo o que se convencionou reunir o guarda-chuva "realizações do governo Lula", compuseram o arsenal do palanque presidencial.

Com a popularidade amazônica que lhe concederam a sorte e o carisma, alimentada por este menu de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se permitiu seguir com a perfomance. Os insucessos, porém, começaram a aparecer, de uma forma, inclusive, que podem afetar o efeito eleitoral de algumas bandeiras. E eles coincidem com o momento em que não só o presidente, mas todo o governo, a começar pela até agora chefe da gestão, se lança à campanha.

Os ministros também, precocemente, e sem vacilar, mostram-se em estado de campanha. Slogans foram se reproduzindo. Surgiram o Pac-Educação, o Pac-Saúde, o Pac-Saneamento, de cujos resultados não se tem notícia. Os balanços do Pac-Obras, o original, são de uma timidez visível de resultados. Estes tão coitados que levam o governo a procurar culpados, especialmente onde considera que precisa intervir na ação de adversários: aqueles que, no TCU, no Ibama, em órgãos reguladores, em comissões de licitação, prestam atenção aos desvios e ao descontrole.

Depois de atravessar a crise dos hospitais, a crise da dengue, a crise do sangue, a crise dos escândalos, o Ministério da Saúde chegou à crise da gripe suína apontando sempre a mesma solução: nada a fazer a não ser recriar o imposto do cheque, a CPMF. E a saúde vai ficando um problema crônico. Dia 6 de outubro último, José Alencar, presidente em exercício, editou medida provisoria liberando R$ 1 bilhão em crédito extraordinário para a prevenção e combate à influenza A, a suína. Mas de acordo com boletim do próprio ministério, de 16 de setembro, o número de casos graves já havia caído muito e o pior havia passado. Ainda ontem, porém, o ministro José Gomes Temporão, sem o menor constrangimento, voltava a pedir mais imposto.

Numa guinada na política fiscal, o ministério da Fazenda se viu diante de um buraco nas contas para pagar os benefícios que concedeu e os gastos que fez sem a correspondente receita. A saída foi garfar a classe média sustando a devolução do imposto cobrado a mais, na fonte, medida cinicamente confirmada pelo ministro Guido Mantega como uma poupança forçada, pois a devolução viria corrigida pela Selic.

O Ministério da Educação, contra opiniões de instituições universitárias e especialistas, impôs a implantação do Enem reformulado, o exame geral de avaliação do ensino médio que permite acesso ao ensino superior, com pressa, sem tempo de maturação e preparação. O vazamento da prova, a fraude, fizeram o tempo político desatrelar-se do sucesso educacional. O governo perdeu terreno e a Educação, assim como a Saúde, vêm justificando a liderança na desaprovação do eleitorado. Bem como a Segurança, questões que pesquisas de opinião pública e sondagens eleitorais apontam ainda estarem no topo das preocupações do cidadão.

O presidente quer conter quem lhe restringe a corrida sem limites a bordo das obras, mas parece ter jogado a toalha quanto à Educação, à Saúde e à Segurança. À falta de atenção a estas áreas atribui-se o Brasil ter apenas se mantido na escala de IDH, sem progressos. O pré-sal é intangível, slogan em estado puro.

Com a Saúde exigindo novo imposto, a retenção do dinheiro do contribuinte no Ministério da Fazenda, a Educação em vertigem, a Segurança ausente do rol de iniciativas, as obras em processo de reprovação, vai ficando claro que a campanha eleitoral do governo pode ficar desestabilizada, ceder ao nervosismo, e novos problemas serem produzidos. Nota-se que as concessões à política começam a sujar o palanque antes da hora. O presidente Lula não parece, porém, preocupado pois, como sempre, sua imensa popularidade permanece intacta.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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