DEU NO VALOR ECONÔMICO
No último dia 10, a maior parte do Brasil ficou às escuras. Em algumas zonas, o apagão durou mais de quatro horas. O país viveu uma experiência próxima ao caos. Indústrias sofreram danos, residências perderam eletrodomésticos, pessoas ficaram presas em elevadores, pacientes tiveram terapias e apoios clínicos cancelados, os assaltantes ficaram em casa. Houve, a posteriori, um apagão de explicações.
São Pedro não mandou raios suficientes; a natureza não foi a culpada. Assim sendo, se impõe o óbvio ululante: falha de gestão ou de operação humana. Não houve previsão nem provisão nos sistemas de segurança da rede de transmissão; faltou gente treinada ou houve falha das equipes em operação no dia... A tendência da alta administração é sempre procurar um bode expiatório.
Quando houve o acidente do avião da Gol com o da Legacy, o bode escolhido foi o controlador de voo. O ministro da Defesa, embaixador Viegas, havia advertido o Ministério da Fazenda, a Casa Civil e a Casa Militar que havia uma falta trágica de controladores de voo e que os disponíveis estavam sobrecarregados. Mas, até o acidente, não houve nenhuma providência para completar os quadros e o concurso para novos controladores saiu atrasado meses em relação ao sepultamento das vítimas do acidente. Quem foram os culpados?
Tenho ante os meus olhos o excelente artigo de Gustavo Galvão e outros, publicado na Revista do BNDES de junho de 2008, sobre a situação lamentável do sistema de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica que emergiu das presidências neoliberais dos anos 90 e do perverso esquartejamento e privatização, que não foram revertidos pela atual presidência. O artigo de Galvão tem o didático título de "Porque as tarifas foram para os céus?".
Lembro que o sambista popular dizia, no início dos anos 50: "Rio, cidade que me seduz; de dia falta água, de noite falta luz". Em três décadas, o Estado brasileiro criou um sistema hidrelétrico modelar. Durante os 90, os "Fernandos" presidentes aderiram ao Consenso de Washington e privatizaram esse sistema elétrico modelar. No novo milênio, as médias das tarifas residenciais subiram para R$ 297,24 (9/09) a partir de R$ 138,33 (12/99), enquanto as industriais, no mesmo período, evoluíram de R$ 66,11 para R$ 219,24. Nesse mesmo período, a inflação foi de 93,74%, porém o custo de transmissão subiu mais que o de geração e distribuição, cresceu 398,06%.
O Brasil esquartejou o modelar sistema público de eletricidade. O Paraná, que não privatizou a Copel, desfruta do melhor sistema elétrico do país. Hoje praticamos tarifas que são mais que o dobro, em dólar, da energia da Noruega e Canadá, nações que dispõem de abundantes recursos hídricos. O Brasil, com três macrossistemas hídricos, é mais bem dotado de recursos e tem a incomparável vantagem de ser um país tropical. Mantidas as atuais regras, não há como reduzir o preço da energia pois, nos próximos quatro anos, os leilões estarão concentrados em energia térmica. A hidrelétrica custa 1/3 da termelétrica com óleo diesel e 1/6 da queima de diesel. Estão em construção 66 termelétricas, que emitem 20 vezes mais CO2 por MWh com a queima de gás e derivados de petróleo e 40 vezes mais com a termeletricidade obtida pelo carvão. Essa projeção mostra a fraca atuação da atual administração federal em relação ao suprimento de energia elétrica. Confesso que não entendo os ambientalistas que, ferrenhos opositores a novas hidrelétricas, ficam calados em relação à crescente participação da termelétrica - altamente poluente - na matriz energética brasileira.
O processo genético constitutivo da péssima situação atual é produto da adoção, nos anos 90, das recomendações do Consenso de Washington, da miragem da "globalização", do discurso neoliberal e atividades negociais da privatização, da desmontagem das equipes públicas e do terrível "apagão" de um projeto nacional de desenvolvimento. A ressurgência da maldição de infraestrutura e dos estrangulamentos do dinamismo econômico nacional tem sua origem nas presidências que, após a Constituição de 88, se dedicaram a desconstruir o futuro brasileiro optando implicitamente pela mediocridade econômica.
O Brasil chegou a ter a 8ª economia industrial do mundo, mas retrocedeu para a 13ª. A Coreia do Sul, que estava lá atrás do Brasil, tem hoje renda per capita muito superior e melhor distribuída que a nossa. Alguns atribuem 30% da melhoria da renda coreana à sua infraestrutura, superior à brasileira. O modo de "combater a hiperinflação" foi praticar hiperelevados juros reais. Deixamos de ser uma "República de Empreiteiros" para nos converter em "Império dos Banqueiros e do Mercado de Capitais". Não tivemos ganhos na modalidade pública e, ao contrário, perdemos dinamismo. O patrimônio é hoje cotado em dólar e toda e qualquer fração de riqueza tem como peso o terceiro colocado no podium da remuneração financeira real. O empresário tem à vista a opção rentista e, se muito rico, pode comprar cotas em fundos internacionais instalados no Caribe e, talvez, um apartamento em Miami ou um estúdio em Paris. O filho do muito rico pode superar as fragilidades do sistema educacional brasileiro e formar um "capital social" com seus colegas, estudando no exterior com os filhos muito ricos da globalização. Resta, para a juventude brasileira, cada vez mais cheia de dúvidas quanto ao futuro do país, a opção de migrar para o mercado de trabalho do Primeiro Mundo se, como uma emanação da crise mundial, não vier a ser dificultado o acesso.
Uma sequela do neoapagão - além das consequências sobre as famílias, empresas e a iluminação urbana derivadas da elevação brutal das tarifas de energia elétrica - é o desgaste na opinião pública mundial, que passa a admitir a possibilidade de um apagão na Copa do Mundo ou na Olimpíada. No mínimo, será abalado o fluxo turístico.
Sem ser especialista, arrisco algumas teses para o neoapagão elétrico: falta de pessoal, a exemplo do apagão aéreo? Falta de manutenção das estradas federais? Em 2002, a cada 7,3 minutos houve um acidente sem vítima, a cada 8,8 minutos uma pessoa ferida e a cada 1h40min uma morte.
Falta de investimento em infraestrutura de transporte - redução da quilometragem ferroviária, naufrágio da cabotagem e opção pela modalidade rodoviária, a mais onerosa - e de energia hidrelétrica? As usinas do Rio Madeira e Belo Monte, com suas eclusas, já deveriam ter seus canteiros de obras instalados pelo menos em 2003, mas superávit primário, a postergação dos Rima e a oposição ambiental radical bloquearam os canteiros.
Há, contudo, uma explicação para a as mazelas do neoapagão e para as "crônicas de morte anunciada" de apagões disfarçados: a preferência irrestrita da política monetária por praticar juros primários hiperelevados e política cambial de valorização do real. Com reservas internacionais crescentes aplicadas em títulos do Tesouro americano, recebe 1% ao ano e emite títulos de dívida pública que remuneram 8,75% ao ano. Somente essa arbitragem explica os "apagões disfarçados" na educação, saúde e segurança e, em última instância, explica o pano de fundo do neoapagão.
Carlos Lessa é professor emérito de economia brasileira da UFRJ. Escreve mensalmente às quartas-feiras.
No último dia 10, a maior parte do Brasil ficou às escuras. Em algumas zonas, o apagão durou mais de quatro horas. O país viveu uma experiência próxima ao caos. Indústrias sofreram danos, residências perderam eletrodomésticos, pessoas ficaram presas em elevadores, pacientes tiveram terapias e apoios clínicos cancelados, os assaltantes ficaram em casa. Houve, a posteriori, um apagão de explicações.
São Pedro não mandou raios suficientes; a natureza não foi a culpada. Assim sendo, se impõe o óbvio ululante: falha de gestão ou de operação humana. Não houve previsão nem provisão nos sistemas de segurança da rede de transmissão; faltou gente treinada ou houve falha das equipes em operação no dia... A tendência da alta administração é sempre procurar um bode expiatório.
Quando houve o acidente do avião da Gol com o da Legacy, o bode escolhido foi o controlador de voo. O ministro da Defesa, embaixador Viegas, havia advertido o Ministério da Fazenda, a Casa Civil e a Casa Militar que havia uma falta trágica de controladores de voo e que os disponíveis estavam sobrecarregados. Mas, até o acidente, não houve nenhuma providência para completar os quadros e o concurso para novos controladores saiu atrasado meses em relação ao sepultamento das vítimas do acidente. Quem foram os culpados?
Tenho ante os meus olhos o excelente artigo de Gustavo Galvão e outros, publicado na Revista do BNDES de junho de 2008, sobre a situação lamentável do sistema de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica que emergiu das presidências neoliberais dos anos 90 e do perverso esquartejamento e privatização, que não foram revertidos pela atual presidência. O artigo de Galvão tem o didático título de "Porque as tarifas foram para os céus?".
Lembro que o sambista popular dizia, no início dos anos 50: "Rio, cidade que me seduz; de dia falta água, de noite falta luz". Em três décadas, o Estado brasileiro criou um sistema hidrelétrico modelar. Durante os 90, os "Fernandos" presidentes aderiram ao Consenso de Washington e privatizaram esse sistema elétrico modelar. No novo milênio, as médias das tarifas residenciais subiram para R$ 297,24 (9/09) a partir de R$ 138,33 (12/99), enquanto as industriais, no mesmo período, evoluíram de R$ 66,11 para R$ 219,24. Nesse mesmo período, a inflação foi de 93,74%, porém o custo de transmissão subiu mais que o de geração e distribuição, cresceu 398,06%.
O Brasil esquartejou o modelar sistema público de eletricidade. O Paraná, que não privatizou a Copel, desfruta do melhor sistema elétrico do país. Hoje praticamos tarifas que são mais que o dobro, em dólar, da energia da Noruega e Canadá, nações que dispõem de abundantes recursos hídricos. O Brasil, com três macrossistemas hídricos, é mais bem dotado de recursos e tem a incomparável vantagem de ser um país tropical. Mantidas as atuais regras, não há como reduzir o preço da energia pois, nos próximos quatro anos, os leilões estarão concentrados em energia térmica. A hidrelétrica custa 1/3 da termelétrica com óleo diesel e 1/6 da queima de diesel. Estão em construção 66 termelétricas, que emitem 20 vezes mais CO2 por MWh com a queima de gás e derivados de petróleo e 40 vezes mais com a termeletricidade obtida pelo carvão. Essa projeção mostra a fraca atuação da atual administração federal em relação ao suprimento de energia elétrica. Confesso que não entendo os ambientalistas que, ferrenhos opositores a novas hidrelétricas, ficam calados em relação à crescente participação da termelétrica - altamente poluente - na matriz energética brasileira.
O processo genético constitutivo da péssima situação atual é produto da adoção, nos anos 90, das recomendações do Consenso de Washington, da miragem da "globalização", do discurso neoliberal e atividades negociais da privatização, da desmontagem das equipes públicas e do terrível "apagão" de um projeto nacional de desenvolvimento. A ressurgência da maldição de infraestrutura e dos estrangulamentos do dinamismo econômico nacional tem sua origem nas presidências que, após a Constituição de 88, se dedicaram a desconstruir o futuro brasileiro optando implicitamente pela mediocridade econômica.
O Brasil chegou a ter a 8ª economia industrial do mundo, mas retrocedeu para a 13ª. A Coreia do Sul, que estava lá atrás do Brasil, tem hoje renda per capita muito superior e melhor distribuída que a nossa. Alguns atribuem 30% da melhoria da renda coreana à sua infraestrutura, superior à brasileira. O modo de "combater a hiperinflação" foi praticar hiperelevados juros reais. Deixamos de ser uma "República de Empreiteiros" para nos converter em "Império dos Banqueiros e do Mercado de Capitais". Não tivemos ganhos na modalidade pública e, ao contrário, perdemos dinamismo. O patrimônio é hoje cotado em dólar e toda e qualquer fração de riqueza tem como peso o terceiro colocado no podium da remuneração financeira real. O empresário tem à vista a opção rentista e, se muito rico, pode comprar cotas em fundos internacionais instalados no Caribe e, talvez, um apartamento em Miami ou um estúdio em Paris. O filho do muito rico pode superar as fragilidades do sistema educacional brasileiro e formar um "capital social" com seus colegas, estudando no exterior com os filhos muito ricos da globalização. Resta, para a juventude brasileira, cada vez mais cheia de dúvidas quanto ao futuro do país, a opção de migrar para o mercado de trabalho do Primeiro Mundo se, como uma emanação da crise mundial, não vier a ser dificultado o acesso.
Uma sequela do neoapagão - além das consequências sobre as famílias, empresas e a iluminação urbana derivadas da elevação brutal das tarifas de energia elétrica - é o desgaste na opinião pública mundial, que passa a admitir a possibilidade de um apagão na Copa do Mundo ou na Olimpíada. No mínimo, será abalado o fluxo turístico.
Sem ser especialista, arrisco algumas teses para o neoapagão elétrico: falta de pessoal, a exemplo do apagão aéreo? Falta de manutenção das estradas federais? Em 2002, a cada 7,3 minutos houve um acidente sem vítima, a cada 8,8 minutos uma pessoa ferida e a cada 1h40min uma morte.
Falta de investimento em infraestrutura de transporte - redução da quilometragem ferroviária, naufrágio da cabotagem e opção pela modalidade rodoviária, a mais onerosa - e de energia hidrelétrica? As usinas do Rio Madeira e Belo Monte, com suas eclusas, já deveriam ter seus canteiros de obras instalados pelo menos em 2003, mas superávit primário, a postergação dos Rima e a oposição ambiental radical bloquearam os canteiros.
Há, contudo, uma explicação para a as mazelas do neoapagão e para as "crônicas de morte anunciada" de apagões disfarçados: a preferência irrestrita da política monetária por praticar juros primários hiperelevados e política cambial de valorização do real. Com reservas internacionais crescentes aplicadas em títulos do Tesouro americano, recebe 1% ao ano e emite títulos de dívida pública que remuneram 8,75% ao ano. Somente essa arbitragem explica os "apagões disfarçados" na educação, saúde e segurança e, em última instância, explica o pano de fundo do neoapagão.
Carlos Lessa é professor emérito de economia brasileira da UFRJ. Escreve mensalmente às quartas-feiras.
CONCESSIONÁRIAS DE ENERGIA ELÉTRICA FAZEM "GATO" NAS CONTAS DOS CONSUMIDORES
ResponderExcluirComo as concessionárias de energia elétrica estão apenas confessando na mídia o "engano" no cálculo das tarifas, ou melhor, O GATO QUE FIZERAM NAS CONTAS DOS CONSUMIDORES, sem informar SE, QUANDO e COMO ressarcirão os consumidores, a SOS DIREITOS HUMANOS protocolou no dia 04 de novembro de 2009, no Fórum Clóvis Beviláquoa, em Fortaleza, Ceará, a primeira Ação Civil Coletiva no Brasil requerendo a repetição EM DOBRO do indébito, bem como, que a COELCE seja obrigada a corrigir o erro e, aplicar nas contas vincendas de energia elétrica, os índices corretos, sob pena de pagamento diário de multa no valor de R$100.00,00. O consumidor que quiser habilitar na ação deverá entrar em contato com a SOS DIREITOS HUMANOS pelo email: sosdireitoshumanos@ig.com.br ou pelo celular: (85) 8719.8794.
Dr. Otoniel Ajala Dourado
OAB/CE 9288
Presidente da SOS DIREITOS HUMANOS
www.sosdireitoshumanos.org.br