terça-feira, 24 de novembro de 2009

Cristian Klein:: Um intrincado quebra-cabeça

DEU NO JORNAL DO BRASIL

O momento atual da política brasileira é o período em que a elite política se mexe para fazer as suas escolhas. Isso é o que dará o rumo das eleições de 2010. Inúmeras articulações são costuradas, a construção das alianças é montada, num processo que, à parte a encomenda de algumas pesquisas de opinião pública, passa ao largo da maioria da população. Num governo representativo, o povo é chamado a dar seu veredito apenas no fim de um longo caminho, depois que muitos já escolheram por ele: governantes, caciques partidários e lobistas (num sentido amplo, de empresários a movimentos sociais) que têm interesse mais direto (e mais ou menos pronunciável) nos resultados da política.

O circo a ser levantado para seduzir o respeitável público, durante a campanha eleitoral, será tão complexo quanto as características institucionais em jogo. Num país como o Brasil, multipartidário e federativo, as escolhas da elite passam por um intrincado quebra-cabeça.

As duas principais dimensões da dinâmica política, os interesses partidários e os regionais, desafiam o encaixe perfeito. As manchetes de ontem de alguns dos principais jornais do país mostram isso. Quase idênticas, revelavam a dificuldade do governo em repetir nos estados a mesma aliança pactuada no plano nacional, especialmente com o PMDB, parceiro de maior peso da coalizão. O próprio presidente Lula já admite a inevitabilidade de haver dois palanques em alguns estados, com o confronto dos partidos que dão sustentação ao projeto nacional – o que pode prejudicar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff.

Os interesses regionais contam e ampliam as etapas de produção no processo de fabricação da vontade popular. Logo, nem sempre tudo emana de alguns iluminados, embora a escolha dos presidenciáveis tenha se dado dessa forma nos últimos anos. A escolha de Dilma foi uma decisão pessoal de Lula, e sua confirmação será apenas referendada pelo PT. Do lado da oposição, o PSDB chegou até a cogitar a realização de prévias, para ampliar o escopo e democratizar o processo de seleção. Mas a decisão está praticamente na cabeça de um homem só, o governador paulista José Serra, que prorroga o quanto pode seu anúncio para ter mais certeza de que entrará para ganhar, sem desperdiçar a reeleição certa ao Palácio dos Bandeirantes.

No entanto, seja feito por um colegiado menor ou maior de líderes, dentro de um contexto institucional mais ou menos complexo, o fato é que o processo de formação da vontade popular numa democracia moderna depende de tantos atores e variáveis que torna a ideia da “volonté générale”, expressa por Rousseau, uma obra de ficção. Foi contra essa idealização da doutrina clássica da democracia que se voltaram autores como Benjamin Constant, Hans Kelsen e Joseph Schumpeter. Os dois primeiros foram mencionados na coluna de ontem.

Mas é o trabalho de Schumpeter que cunha a expressão mais interessante para dessacralizar e desmistificar os pressupostos altamente ideais de Rousseau, de que haveria uma vontade geral do povo, única, genuína, espontânea. Para o austríaco, a era moderna – diferentemente dos tempos dos antigos, dos gregos, da democracia direta – é caracterizada pela vontade manufaturada. A vontade do povo é o produto e não o motor do processo político. As pessoas nem levantam nem decidem temas, mas os temas que conformam seu destino é que são normalmente levantados e decididos por elas.

Por isso, embora a chamada democracia direta tenha servido de ponto de partida para muitos teóricos políticos, afirma Schumpeter, não podemos falar de governo pelo povo, mas sim de governo aprovado pelo povo.

Essa característica seria uma consequência das modernas democracias. E significaria algo ao mesmo tempo vantajoso e perigoso. Vantajoso, porque a formação da vontade popular por um órgão de Estado como o Parlamento, por exemplo, minimizaria o problema da irracionalidade das massas. A decisão por poucos seria mais lógica e conteria um elemento fundamental: a responsabilidade, impossível de se conferir à multidão. O perigo é que, dependendo de como e quem esteja por trás dessa vontade manufaturada, os resultados podem ser catastróficos, pela manipulação dos impulsos e do inconsciente. Uma saída para se reduzir as irracionalidades? O aprendizado que se adquire no curso das decisões repetidas com frequência. Por exemplo, o antídoto de sucessivas eleições.

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