segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Editorial:: Lugar da crítica

DEU EM O GLOBO

Bastou um artigo mais forte (mas vazado em termos políticos) do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado no GLOBO de 1/11, para que a fúria do Olimpo desabasse sobre a oposição. O presidente Lula apelou para Hitler. A ministra Dilma Rousseff, que ainda não é candidata mas já age como candidata (o que não é muito correto), engrossou o caldo: “Forças do passado, patéticas e desconexas, usam de esmurradas (sic) táticas para confundir as pessoas, dizendo que os oito anos de governo do PSDB no país são semelhantes aos oito anos de governo do PT.

Eles morrem de medo de comparar nossos governos com os deles e os nossos projetos com os deles. São países completamente diferentes.” Ficamos no plano dos adjetivos, e de uma retórica, esta sim, ultrapassada.

Será que é isto o que espera o eleitorado brasileiro, numa campanha que, tecnicamente, ainda nem começou? O povo brasileiro temas suas intuições, na hora de votar, e cada eleição é uma eleição.

Em 1994 e 1998, preferiu Fernando Henrique a Lula — porque o Plano Real tinha mudado profundamente a vida do país, e Lula era contra o Plano Real. Em 2002 e 2006, preferiu Lula a Serra e depois a Alckmin — porque deve ter achado que era a hora de dar uma chance à oposição. E essa alternância de poder é a própria alma da democracia; impede que esquemas políticos envelheçam e até apodreçam.

Mas o Lula de 2002 já não era o de 1989; e, com grande sabedoria, resolveu manter a política econômica então vigente, enfrentando, para isso, todas as instâncias ideológicas do seu próprio partido.

Só ultimamente é que ele parece mudar de rumo, o que deve ser, em boa parte, fruto da embriaguez do sucesso. Mas o sucesso não teria vindo sem a base sólida — política e econômica — que ficou dos oito anos de FHC.

Nesse caso, como falar em “dois países”, em dois projetos totalmente diferentes? O presidente Lula parece ter alguma diferença pessoal com o expresidente FHC. Daí voltarem sempre as comparações entre operário e professor, que teriam sido resolvidas a favor do operário.

São questões pessoais. Mas as próximas eleições não vão pôr frente a frente o operário e o professor.

É impróprio e inútil ficar repisando o que já passou, e insistir em que o mérito está todo de um lado. A verdade é que, de 1994 a 2009, o Brasil avançou muito, até a posição realmente privilegiada que desfruta hoje.

O que o eleitor vai querer saber, a partir de agora, é o que vai ser feito desse legado.

A oposição já está descobrindo alguns temas - como os que o ex-presidente FHC levantou.
Mesmo sendo o cenário, hoje, favorável, vamos continuar insistindo no rumo de agora — o de uma hiperpresidência que açambarca todo o quadro político, que achata os partidos, atropela outros poderes da República (como se viu na grande crise do Senado)? É de um homem (ou mulher) providencial que precisamos? Ou vale a pela retomar, o quanto antes, a evolução institucional que permitiu, em 2002, uma tranquilíssima transferência de poder? Será antipatriótico fazer críticas ao modelo vigente? Ou a crítica, como em qualquer país bem resolvido, é parte essencial do processo político?
São as questões que, logo logo, precisarão ser debatidas. Desqualificar de antemão qualquer crítica é um cacoete fascista, que tínhamos abandonado, e que não fará bem algum ao país.

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