DEU EM O GLOBO
O ex-guerrilheiro tupamaro José Mujica foi eleito ontem presidente do Uruguai, batendo nas urnas o ex-presidente Luis Alberto Lacalle, da direita. Segundo as pesquisas de boca de urna, Mujica teve pouco mais de 50% dos votos. Ele já anunciou que quer maior aproximação com o Mercosul.
Ex-guerrilheiro no poder
Boca de urna aponta o tupamaro José "Pepe" Mujica como presidente eleito do Uruguai
Janaína Figueiredo
Aos 74 anos, o uruguaio José "Pepe" Mujica se tornou ontem o primeiro ex-guerrilheiro da América do Sul a eleger-se presidente de seu país. Segundo pesquisas de boca de urna, o candidato da esquerdista Frente Ampla, no poder desde 2005, venceu o segundo turno da eleição com mais de 50% dos votos. Segundo empresas de consultoria, Mujica teve entre 50,1% e 51,4% dos votos, contra números que variam entre 44,4% e 46,2% do ex-presidente e candidato do Partido Blanco (ou Nacional) Luis Alberto Lacalle (1990-1995), que, à noite, reconheceu a derrota.
Mujica comemorou a vitória num discurso realizado sob um temporal. O presidente eleito reagiu com bom humor à forte chuva.
- Sabe de uma coisa, povo? O mundo está de pernas para o ar. Vocês deveriam estar aqui (no palanque), e nós aí embaixo, aplaudindo - disse ele. - Elegemos um governo que não é dono da verdade e precisa de todos. Custou-me uma vida entender que o poder está nas massas.
O presidente eleito, que nos anos 60 e 70 militou no Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, planeja uma política econômica que dê garantias aos investidores, o aprofundamento da integração do Uruguai no Mercosul e no continente, o combate à pobreza (que atinge 20% dos uruguaios) e algumas propostas polêmicas, como a permissão do trabalho de crianças com mais de 10 anos. Ele também defende processos judiciais sobre violações dos direitos humanos cometidas durante a última ditadura (1973-1985), apesar de a maioria dos uruguaios ter votado pela manutenção da Lei de Caducidade (a anistia aos militares uruguaios, aprovada na década de 80) no referendo de 25 de outubro passado.
- Vamos respeitar a decisão do povo, mas temos de esclarecer que mesmo com a lei vigente, existindo vontade política, existirá margem para esclarecer muitas coisas - assegurou ele.
Mujica, o presidente eleito mais velho do país, também poderia promover a descriminalização do aborto, medida defendida pelo MPP, facção liderada por ele na Frente Ampla. No governo do atual presidente, o esquerdista Tabaré Vázquez, a descriminalização foi aprovada pelo Congresso, mas vetada pelo Executivo.
Sistema de saúde não poderia recusar abortos
Segundo Mujica, o assunto deve voltar a ser discutido. Na visão dele e de sua mulher, a senadora eleita Lucia Topolanksy, o sistema de saúde deve atender mulheres que queiram abortar e tentar evitar essa decisão, mas não podem proibi-las, já que isso provocaria a morte de grávidas que recorrem a clínicas ilegais.
A defesa de Mujica de um "trabalho infantil digno" também despertou preocupação em alguns setores. Para ele, a participação de crianças com mais de 10 anos em trabalhos familiares "é mais digna do que ver como nossos menores são obrigados a estar nas ruas mendigando".
Ontem, Mujica prometeu diálogo e até participação da oposição em seu governo. Votou cedo e foi para sua chácara. Encerrada a votação, reuniu-se com colaboradores no hotel NH Columbia, onde recebeu a visita de Vázquez.
Para o atual presidente, o Uruguai deu um exemplo de civilidade e democracia aos países da região, sobretudo a Honduras, que realizou, para Vázquez, uma "eleição ilegítima", cujo resultado não será reconhecido pelos uruguaios.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
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