sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Luiz Carlos Mendonça de Barros:: Real forte chega à exportação de primários

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Certamente os associados da Fiesp e da CNI vão ganhar novos companheiros na luta para enfraquecer o real

A ATENÇÃO quanto aos efeitos negativos da valorização do real estava até agora restrita ao setor industrial, principalmente nos segmentos voltados para a exportação. Não por outra razão são os órgãos representativos da indústria os que mais reclamam e pedem uma ação mais decisiva do governo.

Os exportadores de produtos primários estavam -até agora- protegidos da taxa de câmbio valorizada por uma nova lógica de mercado: os preços em dólar desses produtos subiam na proporção da valorização do real e de outras moedas emergentes. Durante vários meses, os índices que medem os preços das principais commodities, quando calculados em real, apresentavam uma estabilidade monótona, apesar das grandes oscilações do câmbio.

Com a aceleração recente da desvalorização do dólar em razão da percepção de que os juros nos Estados Unidos devem continuar muito baixos em 2010, essa mágica se desfez. Com isso, o valor em real dos produtos primários exportados pelo Brasil começou a ser afetado.

Nesta última semana, o jornal "Valor" trouxe extensa reportagem sobre os preços da carne bovina no Brasil e em outros países exportadores que competem conosco.

A arroba do boi custa hoje US$ 44,50 para os frigoríficos brasileiros, valor equivalente ao que vigora nos Estados Unidos. Na Argentina -grande concorrente do Brasil nos mercados internacionais-, os frigoríficos pagam menos de US$ 30 pela mesma arroba. O mesmo ocorre no Uruguai (US$ 34,60) e na Austrália (US$ 38,60). Mesmo com os preços em dólar mais baixos, os criadores nesses países continuam a receber o mesmo valor em moeda local e estão felizes da vida. No Brasil, os criadores terão de aceitar menos reais por arroba para viabilizar as exportações de carne.

O mesmo fenômeno -perda expressiva de competitividade- está ocorrendo no setor de carne de frango por conta da taxa de câmbio. Nesse segmento, as empresas americanas -que são mais eficientes do que as brasileiras- têm escala de produção que permite aumentar sua presença nos principais mercados consumidores. Da mesma forma, produtos como soja e seus derivados e café também têm seus preços em real deprimidos em razão da moeda brasileira cada vez mais forte. Certamente os associados da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e da CNI (Confederação Nacional da Indústria) vão ganhar novos companheiros na luta para enfraquecer o real nos próximos meses.

Em todos os setores exportadores e nos segmentos mais sujeitos à concorrência das importações, estamos assistindo a uma transferência de renda das empresas para os consumidores, por meio dos preços mais baixos de produtos industriais e alimentícios. Os índices medidos no atacado nos últimos meses mostram esse fenômeno de forma clara, tanto na cadeia industrial como na maioria dos produtos agrícolas.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aconselhou os exportadores mais prejudicados a ganharem competitividade para enfrentar a realidade de uma moeda nacional forte.

Esquece ele que, para que isso ocorra, o governo precisa mudar sua forma de organizar o gasto orçamentário. Somente com investimentos em infraestrutura, principalmente na cadeia logística de exportação e importação, e mudanças profundas na estrutura tributária do setor exportador será possível esse movimento por maior eficiência. Está mais do que na hora de uma melhor execução da política fiscal, com menores gastos de custeio e mais investimentos.

Luiz Carlos Mendonça de Barros , 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

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