domingo, 22 de novembro de 2009

'Macunaímas têm tomado o poder no país'

DEU EM O GLOBO

Para filósofo fundador do Cebrap, políticos de hoje são malandros e heróis sem nenhum caráter, e país precisa se pensar

ENTREVISTA José Arthur Giannotti

Para o filósofo José Arthur Giannotti, um dos fundadores do Cebrap, o poder no país está tomado por Macunaímas, os heróis sem caráter da ficção de Mário de Andrade; e o Brasil precisa pensar mais sobre si. Ele lembra que, 40 anos atrás, ele, Fernando Henrique Cardoso, o cientista político Francisco de Oliveira e outros pensadores discordavam politicamente, mas isso não aparecia porque o inimigo comum, o autoritarismo, era maior que as divergências

Hoje há mais espaço para se pensar o Brasil?

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI: A pergunta é ambígua. No momento em que não tínhamos espaço, o esforço era para compreendermos o Brasil e essa falta de espaço. Hoje, há muito espaço, mas as pessoas se dispersam. Tanto assim que nós não temos até agora uma boa interpretação tanto do governo Fernando Henrique Cardoso como do governo Lula.

O que falta para sermos um país mais reflexivo?

GIANNOTTI: Precisamos de um ensino melhor. O ensino fundamental é um escândalo.
Boa parte dos professores não sabe dividir ou multiplicar, muito menos domina a língua portuguesa. Tudo no Brasil virou um samba do crioulo doido.
A legalidade é uma legalidade que vale numa esquina e não vale na outra. Estamos em situação de desenvolvimento econômico, de progresso, e ao mesmo tempo uma bagunça generalizada.

Qual a grande questão sobre a política brasileira?

GIANNOTTI: Há, cada vez mais, um enervamento das instituições.
Tudo é possível aos donos do poder. Isso cria, justamente, uma situação em que os políticos e os líderes da sociedade não se apresentam mais como exemplo. Aparecem como exemplos da malandragem. Macunaímas têm tomado o poder.

Nós somos um país de Macunaímas, ou os Macunaímas estão só no poder?
GIANNOTTI: Quando tem Macunaíma no poder, já começam a germinar algumas pessoas que querem sair disso. Vamos ver como vai se encaminhar todo esse processo sucessório, se as informações começam a fluir melhor e se os governos de todos os lados aprendem a dar melhor as satisfações à população.
E que a população aprenda a demandar informações.

‘Precisamos ter templos para pensar o Brasil’

Que importância o senhor atribui ao Cebrap nesses últimos 40 anos?

GIANNOTTI: Nos anos 50, o Cebrap foi um foco de resistência intelectual à ditadura.
Começou a pensar o que eram os sistemas militares na América Latina. E teve um enorme empenho na formação de quadros. As pessoas que passaram pelo Cebrap hoje estão nas universidades, no setor privado, no terceiro setor, na diplomacia.
Foi uma escola, uma escola de quadros.

Hoje não há mais essa formação de quadros.

GIANNOTTI: Hoje menos , porque o próprio Cebrap está mais disperso. A ideia de comemorar os 40 anos é dizer que há um legado, e que este legado tem de ser apropriado.

É um pedido de socorro de recursos?
GIANNOTTI: É também um pedido de socorro de recursos, mas é um alerta: nós precisamos ter templos reflexivos e de ponta, para que possamos pensar o Brasil.

A preocupação quando o Cebrap começou era com o autoritarismo. Ainda temos de nos preocupar com isso?

GIANNOTTI: O problema do Brasil hoje é o contrário. É a falta de autoridade impessoal e o aumento das autoridades personalistas.

Nossa democracia é estável?

GIANNOTTI: Do ponto de vista eleitoral, temos uma estabilidade.
Mas, quando a democracia não reflete mais o jogo das vontades, eu pergunto se essa estabilidade não é um ocultamento. A política hoje é, sobretudo, um esconder dos desafios reais com os quais nós temos de nos debater.

Entre os que fizeram a história do Cebrap, há muitas pessoas com ideias e histórias divergentes, como o senhor, o professor Chico de Oliveira e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Os senhores sempre pensaram diferente, ou as divergências apareceram depois?

GIANNOTTI: As ideias sempre foram muito divergentes.
Cada um tentou fazer o seu caminho. Mas, como tínhamos um inimigo comum, que era o regime autoritário, essas diferenças não apareciam.
Agora que não temos um inimigo comum, essas divergências não só aparecem, como aumentam.

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