quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Miriam Leitão:: Real e imaginário

DEU EM O GLOBO

Não existe câmbio ideal. Esse tema é mais complexo do que sugere o ministro Guido Mantega, que elegeu o R$ 2,60 como o ponto no qual “venceríamos todos”.

No ano passado, o dólar subiu, os exportadores pararam de exportar e o BC teve que vender reservas.

O pior momento da crise foi quando chegou a R$ 2,60.

Problema mesmo é o yuan artificial. O real já subiu 42% diante da moeda chinesa desde março.

Há um ano a situação era a seguinte: o dólar subia demais, rápido demais. O salto do dólar quebrou empresas exportadoras que haviam comprado derivativos apostando em valorização do real; os bancos suspenderam o financiamento à exportação; a inflação ameaçou subir pelo impacto dos custos das matérias-primas e insumos; as empresas pararam de investir pela incerteza sobre o futuro da economia e o custo das máquinas e equipamentos. Não é uma determinada cotação do dólar que provoca crise, ou a salvação, do exportador.

Naquele momento, a alta prejudicou.

No dia 19 de novembro do ano passado, o dólar subiu de R$ 2,29 para R$ 2,37. A matéria principal da economia do GLOBO dizia: “Apesar de todo o arsenal usado pelo Banco Central para conter o dólar, a cotação disparou. A moeda chegou a ser cotada a R$ 2,41. Já acumula alta de 34%.” No dia 20, o dólar fechou a R$ 2,39 e o ministro Mantega protestou: “O real está muito desvalorizado.” Vejam só a ironia. Há um ano, o país atingido pela crise, o ministro achava que a moeda brasileira estava muito desvalorizada, numa cotação de R$ 2,39. Agora que o país está tendo forte entrada de capital, o ministro calcula que o ideal seria que o real estivesse ainda mais desvalorizado, a R$ 2,60.

Esse patamar foi atingido só uma vez nesta crise, no meio de um ataque especulativo, no dia 5 de dezembro, como contou a reportagem de Cristiano Romero e Alex Ribeiro, do “Valor Econômico”, na semana passada. “O ataque foi sorrateiro. A taxa de câmbio disparou e bateu na máxima de R$ 2,62. Ninguém, nem o BC, sabia o que estava acontecendo”, diz a reportagem. Naquele dia, o Banco Central contra-atacou em duas frentes: vendendo moeda à vista e swap cambial.

Venceu a queda-de-braço e o dia terminou com o câmbio em R$ 2,50.

Voltar a fita do filme mostra como tudo é relativo no câmbio. Teoricamente, o dólar subindo ajuda exportadores, mas naquele contexto de alta súbita, de crise internacional, de empresas expostas a derivativos cambiais, a alta do dólar produziu o oposto do que se imagina: travou o financiamento de exportação e quebrou algumas empresas exportadoras.

Uma lição que se pode tirar é que o pior problema no câmbio é a volatilidade. Quando ele sobe rapidamente e parece não ter teto, ou quando ele cai muito e parece não ter piso, há perdas, incertezas, negócios adiados.

Algumas empresas perdem e ganham ao mesmo tempo com a cotação do dólar. Esteja em que cotação estiver. A Petrobras perde em suas exportações quando o dólar cai, mas, como foi mostrado aqui na coluna ontem, ganhou só em um trimestre e apenas com um empréstimo junto ao BNDES, indexado ao dólar, R$ 1,9 bilhão. Como é importadora, também ganhou no preço mais baixo dos produtos que compra. Tudo depende do mix de negócios de cada empresa. Câmbio não é uma coisa binária: prejuízo quando o dólar está baixo, lucro quando o dólar está alto. É um fenômeno mais complexo.

O mesmo agronegócio que perde na exportação por causa do dólar baixo é o que ganha nos insumos e máquinas agrícolas mais baratos pela queda do dólar.

Por outro lado, parte da queda da rentabilidade com a exportação pode ser neutralizada se os preços das c ommodities subirem .

Além disso, as moedas de outros países exportadores também se valorizaram frente ao dólar: o dólar neozelandês subiu 51% desde março; o dólar australiano, 46%; o rand sul-africano, 40,8%.

O grande problema do mundo continua sendo a China pelo fato de a moeda chinesa não ter livre flutuação.

Todas as moedas subiram em relação ao dólar nos últimos tempos, principalmente as de países exportadores de commodities.

A revista “Economist” registrou ontem que a China tem ignorado as pressões de todos os países e instituições para que permita a valorização do yuan.

Desta vez, quem foi ignorado foi Barack Obama.

“Desde março, o real brasileiro e o won sul-coreano se valorizaram 42% e 36% frente ao yuan, erodindo seriamente a competitividade destes países”, disse a revista em reportagem posta ontem na edição online. Na China, a política cambial é decidida não pelo Banco Central, mas pelo Conselho de Estado, que não é favorável à valorização do yuan, diz a “Economist”.

Além do real e do won, outras moedas também subiram fortemente em relação ao yuan: dólar neozelandês, 50,4%; dólar australiano, 45,3%; rand sul-africano, 40,7%. Tudo desde março.

O mundo convive com esse artificialismo que dá às exportações chinesas uma competitividade desleal em outros mercados. A China diz que vai permitir a valorização do yuan, mas não agora porque as exportações ainda estão caindo 14% nos últimos 12 meses. O yuan é um problema realmente grave na economia mundial, e ninguém sabe como lidar com um jogador desleal.

Com Alvaro Gribel e Bruno Villas Bôas

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