terça-feira, 17 de novembro de 2009

Wilson Figueiredo:: Apagão com autógrafo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

RIO - Já não é necessário o brasileiro, no caso de escapar ileso ao previsível, bater à porta do sobrenatural para saber se está condenado a render-se ao que – seja o que for – o espera de braços abertos. É que as consequências continuam respeitando as causas que as trazem ao mundo, como acaba de demonstrar o último apagão assinado em baixo por ninguém menos que a pré-candidata Dilma Rousseff à sucessão presidencial no (cada vez mais) próximo ano. Já o presidente Lula ficou na dele: invisível e mudo enquanto outros tergiversavam ou se omitiam. O mais apressado foi o ministro Tarso Genro, para quem foi “um exagero considerar isto um apagão” em 18 estados da Federação. Depois que os dois ministros se esborracharam, Lula manifestou-se insatisfeito com as versões meteorológicas. Quer mais. Acertou na mosca, qual seja, a própria candidata.

Não se pode dizer que a ex-ministra de Minas e Energia tenha melhorado sua imagem no episódio. Ao contrário. Precisou de 48 horas para reencontrar o fio do raciocínio e vir a público assim que as luzes foram acesas, para declarar, com empáfia burocrática, que, “para o governo, este episódio está encerrado”. Não está. Não adianta pensar que a candidatura a imunize diante das implicações oblíquas de frases que ficam soltas fora do contexto. Lula foi ao ponto. O apagão é consequência e se, eventualmente, vier outra vez a faltar luz antes da eleição, o eleitor – eterno inconveniente – vai se lembrar. Não deixaram de ser desconsideração por parte da pré-candidata a indiferença pelo eleitor e a ideia fixa no governo anterior que, se não está morto, faz muito bem este papel de se recusar a ressuscitar antes da hora. Um apagão de três horas, com amplitude federal, não se joga no lixo. Para a opinião pública, o apagão não é uma cortina de fumaça.

Dilma falou com o sotaque de ex-ministra de Minas e Energia porque o atual titular da pasta foi mais reticente do que convincente, mas os dois bateram cabeça em vão (ela para sustentar o sofisma de que blecaute e apagão são diferentes). Ela e ele plantaram apenas suspeitas de que há maior conveniência em esconder do que em revelar o que está por trás (e por dentro) do novo apagão. Ficou o estímulo à suspeita de que, mesmo que mal comparando, debaixo do angu tem carne. De tudo que Dilma disse, com modulação de campanha, sobrou a ressalva de que o Brasil “não está livre de blecautes”. Tem o toque de ameaça velada.

Depois de 48 horas, entre a volta da luz e a volta da dona Dilma ao palanque em que passou a morar, o brasileiro tão cedo esquecerá que – conforme ela mesma anunciou – não se repetirá o que se viu e o que não se viu na noite de terça-feira, 10 de novembro de 2009: “Não estamos livres de blecautes”. Estes são para o consumidor o reles e contundente apagão, o aumentativo genérico insubstituível em português ou na grafia nacional da inglesa black out. Não consta que haja um diminutivo de apagão. Ao dar seu “bom-dia, Brasil”, a ministra prometeu que “não vai ter mais apagão”, o que não é suficiente porque ela nega que tenha sido apagão o que deixou o Brasil no escuro por três horas naquela noite tenebrosa. Apagão era no governo passado, neste é o anglicismo blecaute, sem nada a ver com o cantor que dava o grito de abertura do Carnaval no Rio. Lula perdeu a oportunidade de citar, depois de Freud, o velho Chacrinha, para quem “no Brasil nada se cria, tudo se copia”.

O Brasil poderia se dar por feliz se fosse só esta a diferença entre os governos FHC e Luiz Inácio, mas há outras que o tempo se encarregará de mostrar se perdurar o áspero fundo eleitoral que se desenha. Dilma não quer polêmica em torno de assunto que, para ela, está resolvido com uma palavra que veio para ficar, ainda que seja difícil o eleitor entender o que na vida diária separa blecaute de apagão. Dilma quer saber de campanha, não de política – porque “não é por aí” e “não me interessa”. Por onde, então? Qual a razão para despolitizar a questão da energia? Tem governo? Então tem política em jogo. Não havendo apagão (ela insiste que não foi apagão), a Rousseff quer separar o que a imprensa, no seu modo de entender, misturou para confundir a opinião pública, que abriu os olhos na escuridão mas não viu a ministra durante o blecaute. “Nós (...) não controlamos as chuvas, raios e ventos”, declarou como se desembarcasse da Arca de Noé. Por que não criar um ministério meteorológico? O novo apagão guarda no escuro verdades que valem tanto quanto mentiras verossímeis, mas ainda longe de verdadeiras. A Rousseff tenta ser o trovão que precede as fatalidades históricas.

Wilson Figueiredo é jornalista.

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