quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Wilson Figueiredo:: À frondosa sombra da reeleição

DEU EM OPINIÃO E NOTICIA

Lula, o filho do Brasil tem tudo para adicionar ao sucesso cinematográfico, minuciosamente planejado, as suspeitas políticas que haviam se dissipado nas curvas e retas que espicharam a pré-campanha eleitoral além do indispensável. Há dois anos e alguma coisa o Brasil gira no vazio em torno de uma sucessão, sem candidatos, por honra da firma. Mesmo não sendo candidato explícito, o adulto Luiz Inácio Lula da Silva é mais ator do que espectador da própria sucessão. Até aqui, prevaleceu a expectativa de se tratar de filme para fazer carreira cinematográfica, mas depois de exibido para convidados começou a se relacionar com a prioridade política.O efeito inicial da história do menino pobre de uma família abandonada pelo pai, começa a adquirir perfil político e passa a ter a ver com o próprio Lula. Vai se saber mais adiante se Lula o filho do Brasil ressuscitará os ativistas silenciosos do terceiro mandato retirado de pauta .

A iniciativa de produzir o filme e a concordância interessada de Lula criaram um campo magnético onde a tentação do terceiro mandato tende a acelerar, pelo que já se pode perceber, as partículas políticas controladas a partir do momento em que o próprio Lula desautorizou a conspiração. Que tarefa atribuir ao enxame de parlamentares atraídos pela idéia de fazer do plebiscito o motor da democracia.? Criava-se a ferramenta para atender à necessidade suplementar do terceiro mandato sucessivo. A responsabilidade seria do eleitor. A falácia de recuperação do desperdício democrático pelo plebiscito seria perturbadora mas não original. A História pode provar. Seria mais prático alongar mandatos e criar um hospital para tratar megalômanos. Não é por acaso que os regimes que repudiam eleições tentam salvar a face com plebiscitos. Nem por isso melhoram. Não existe parentesco de plebiscito com democracia. A idéia não venceu a dúvida do presidente Lula, que desautorizou a iniciativa e caiu fora da farsa enquanto era possível.

Luiz Inácio Lula da Silva fez a barretada quando o terceiro mandato já estava em andamento, um ano antes da grande curva depois da qual a sucessão de 2010 passou a consumir toda a energia liberada pela fricção política..O caminho sem volta pedia um gesto teatral. Era com ele mesmo.

Ninguém se queimou e Lula, na cota pessoal que se reserva, separou-se da iniciativa a que não era de todo estranho. Renunciou ao terceiro mandato de maneira incisiva, acelerou a solução alternativa e patrocinou, para dentro e para fora do governo, a candidatura Dilma Rousseff. A história seguiu o seu curso sinuoso e, como a água, encontra sempre uma saída.

A ministra Dilma Rousseff ocupou no PAC o espaço em que Lula se virava o tempo todo para apresentar resultados que não são visualizados, pois a ausência de obras públicas não é fotogênica. A questão preocupava o próprio presidente. Além de fazer-lhe companhia no interior e no exterior, a ministra se especializou em bater firme na oposição, mais para agradar ao presidente do que para ganhar simpatia popular. Lula bate sem mostrar rancor, enquanto Dilma ainda não se desfez da intolerância que trouxe da inação revolucionária. Na tentativa de encostar a oposição nas cordas, peca por falta de originalidade no exercício de bater onde Lula já bateu. O brasileiro quer distância cada vez maior de governo com mania de se mirar no passado, a pretexto de focar o futuro. O Brasil descobriu tarde a reeleição, quanto já tinha prestado os poucos serviços de que é capaz. O ideal seria que cada governo fosse sucedido pela oposição, o que já estaria mais próximo se não fosse o presidente Fernando Henrique ter sucumbido ao pecado de Eva, quando deu a dentada no proibido fruto da reeleição, colhido na frondosa árvore republicana.

Sozinho em cena, o cidadão Lula (que também é filho do Brasil), percebeu três anos antes da sucessão que havia no ar velhos sinais de horror à normalidade política. A não ser que tenham sido outras as razões para dissolver o comitê central do PT e desmontar a máquina que devorou seus operadores. Preparava-se mais uma vez o velho emplastro para evitar a agitação eleitoral, que é a melhor maneira de sacudir a cidadania e empoeirar a democracia..O Programa de Aceleração do Crescimento veio para deixar ao menos uma visão de conjunto que falta aos dois governos Lula, com projetos e obras dos quais não se ouve falar. Não sendo governo de obras, nem de idéias, mas de resultado social possível, uma candidatura oficial pedia criatividade. E, para administrar o PAC, sem correr o risco de ser atropelado pelo petismo, o presidente Lula, já com jeito de filho mais velho do Brasil, escalou a própria ministra da Casa Civil para dinamizar a ficção política que permitiria a ele retirar-se de cena, depois de encerrar a questão do terceiro mandato cuja emenda já contava com assinatura suficiente para ser criada.

Lula acertou na conclusão de que a hipótese Dilma Ropusseff tinha tudo para sepultar à beira da estrada o terceiro mandato. Ficou nisso até os sinais de impaciência com a posição secundária da candidata na tela do radar. As pesquisas nada mais têm a dizer, e muito menos os cidadãos. A grande contribuição de Lula para esvaziar a tensão pré-eleitoral foi retirar-se para o segundo plano sem sair de perto da candidata..Ai, começou a correr por fora o presidente que comanda a própria sucessão com o maior índice de aprovação popular nunca suspeitado . O filho do Brasil é a consagração tardia do menino que deu certo, mas que fazer com o filho (já adulto) do Brasil? O que está à mão vem a ser, mais uma vez, o terceiro mandato achado na rua.

Não é preciso ter visto o filme para desconfiar de que não se trata apenas da biografia de um menino pobre que fez por merecer o sucesso na maturidade. E se a paisagem política não sair desse deserto que Osvaldo Aranha, sem ser geólogo, reconheceu à primeira vista pela escassez de homens e de idéias? Sem homens e idéias, a democracia vai continuar árida e imprensada entre uma evasiva social-democracia e um socialismo de sólidos fundamentos capitalistas. O filme é a oportunidade de testar se o presidente Lula renunciou mesmo ou está apenas gastando tempo, enquanto espera que o terceiro mandato passe devidamente arreiado à sua porta. Já haveria saldo se levasse Lula, quando já for ex-presidente, à secretaria-geral da ONU para se ocupar terapeuticamente até à sucessão presidencial de 2014.

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