domingo, 20 de dezembro de 2009

Antonio Skámeta*:: No Chile, 2 mais 2 não são 4

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Amigos de diferentes paises escreveram-me estupefactos com os resultados das eleições presidenciais de domingo passado no Chile, nas quais o candidato da direita, Sebastião Piñera, se distanciou a tal ponto da do candidato de centro-esquerda que eles já imaginam uma eventual derrota da coalizaão que governa com sucesso o país há 20 anos, no segundo turno, marcado para 17 de janeiro.

Eles se perguntam o que levou a prestigiosa coalizão, hoje liderada por Michelle Bachelet, a essa melancólica e arriscada situação.

A centro-esquerda perdeu o primeiro turno das eleições porque, ao longo destes 20 anos, no governo do Chile foram ocorrendo atritos no interior dos partidos que levaram alguns socialistas, democrata-cristãos e militantes do Partido pela Democracia a abandonar a Concertación para tentar corrigir, como independentes, os erros da coligação.

Em parte eles têm razão, pois tem havido episódios de corrupção, outros de ineficiência (por exemplo, o escandaloso fracasso inicial de um novo sistema de transporte público, em Santiago), e as reformas não foram suficientemente profundas para atender às necessidades das pessoas.

Por outro lado, os políticos passaram a alimentar suas vaidades pessoais, aspirando a ser eles próprios possíveis candidatos à presidência da república, sem encontrar respaldo na direção de seus partidos de centro-esquerda. A inviabilidade dessas veleidades foi confirmada pelo fracasso dos candidatos rebeldes nas eleições parlamentares, os quais não suscitaram o carinho do eleitorado e perderam suas candidaturas.

Esses "individualistas" não entenderam que era o momento de a democracia cristã (Frei) apresentar um postulante à presidência, depois de dois governos socialistas (Lagos e Bachelet), capaz de manter desse modo um equilíbrio dentro da Concertación formada por democrata-cristãos e socialistas, e agitaram de maneira pouco fraternal as forças não democrata-cristãs da Concertación a fim de carrear votos para os seus candidatos.

Entre eles, o ex-socialista Arrate não prejudica Frei, uma vez que ele consagra muito oportunamente, mediante um pacto com os governistas, o apoio que os comunistas lhe deram em todos os segundos turnos, permitindo que a Concertación ganhasse sempre as eleições.

Ao contrário, os eleitores do ex-socialista Marco Enríquez Ominami poderão acabar com as chances da centro-esquerda no segundo turno de janeiro se dividirem seus votos entre Frei (acredita-se que majoritariamente), entre o candidato da direita, Piñera, ou entre o voto em branco, em sinal de repúdio a ambas as opções.

Se os eleitores independentes da centro-esquerda forem fiéis à sua tradição e não votarem no candidato da direita, a fria matemática falará do seguinte modo no segundo turno: Piñera como candidato único da direita obteve 44% dos votos e, se persistir, essa votação não bastará para ele ser eleito presidente do Chile.

Além disso, somando-se os votos do "núcleo centro-esquerdista e antidireitista" no candidato Frei, teríamos o seguinte: Frei, 30%, Enríquez Ominami, 20%, Arrate, 6%. Total, 56%, que bastariam com folga para Frei ganhar as eleições de janeiro de 2010. Mas, no Chile, 2 + 2 não são 4.

Uma parte minoritária dos votos de Enríquez Ominami irá para o direitista Piñera e outra parte minoritária será em branco ou de votos nulos. Além disso, é possível também que os candidatos independentes derrotados de centro-esquerda queiram se vingar da causa de todos os seus males: as direções dos partidos socialista e democrata-cristão que fecharam o caminho às suas ambições. Não surpreenderá se eles negociarem seu apoio a Frei pedindo as cabeças dos presidentes dos partidos concertacionistas, embora seja pouco provável que o consigam.

A permanecerem assim as coisas, no próximo mês veremos uma campanha sem trégua de Piñera e Frei para conseguir os votos rebeldes de Enríquez Ominami. Sobre seus jovens ombros pesam responsabilidades e dilemas muito difíceis de abordar. Se ele mantiver a postura atual de não dar instruções aos seus partidários, deixando-os com plena liberdade de ação, enfraquecerá a posição de Frei e correrá o risco de ser visto, em última análise, como mero instrumento da direita, o que poderá pesar em seu futuro.

Com seus atos de independência, ele conseguiu despertar na Concertación a necessidade de dar espaço aos jovens e renovar dirigentes de maneira mais imaginativa. Se valorizar esse objetivo e mostrar afeto pelo tronco do qual se desprendeu e conseguiu movimentar, o mais sensato será que faça como o Filho Pródigo e volte ao lar. Ali está seu destino. A população política flutuante do Chile tende em geral a dissolver-se no anonimato e na ineficácia. Mas será que as paixões e as frustrações de hoje serão boas conselheiras nas breves quatro semanas que faltam para a grande definição?

Seja como for, neste momento ninguém ainda ganhou as eleições. O mais provável é que, na reta final, tenhamos um duelo ombro a ombro entre Piñera e Frei, que poderá ser ganho por uma diferença muito apertada de 51% a 49%. Esta seria a minha opinião, queridos amigos do Brasil.

*Escritor chileno, ex-exilado político, autor de O Carteiro e o Poeta (Record, 1996)

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