sábado, 19 de dezembro de 2009

Cristovam Buarque :: Atraso político

DEU EM O GLOBO

Nesta semana, o mundo se reuniu em Copenhague para pensar os problemas do século XXI. Mas os políticos presentes estavam presos aos problemas do século XX, e até mais atrás. A ideia era pensar soluções para a vida no planeta nos próximos cem anos, mas cada político representava seus eleitores, não as gerações futuras, e pensava somente nas próximas eleições.

As catástrofes que ameaçam a humanidade adiante não cabem dentro de país nenhum, nem se manifestarão antes das próximas eleições. Prisioneiros de cada país e do horizonte da próxima eleição, a política e nós, políticos, estamos despreparados para enfrentarmos as tragédias adiante.
Os problemas ficaram globais, mas a política ficou provinciana. O horizonte de tempo ficou centenário, mas a política continua limitada aos quatro anos à frente.

Lamentavelmente, a globalização apequenou os políticos. Há até algumas décadas, eles faziam discursos internacionais — pelo socialismo, capitalismo, independência, desenvolvimento —, falavam para o mundo defendendo suas ideias. Agora, falam apenas para seus eleitores, conforme a orientação dos marqueteiros, baseados nas pesquisas de opinião. Na verdade, a globalização transformou os líderes mundiais do passado em gerentes comerciais de seus respectivos países.

Para encontrarmos caminhos para cada país, precisaremos encontrar caminhos para o mundo inteiro. E, para tanto, precisaremos de um tipo de político que ainda não temos. Pelo menos cinco desafios deverão ser enfrentados pela política e pelos políticos nos próximos anos e décadas, para que eles estejam em condições de conduzir os destinos de seus países e da humanidade.

O primeiro desafio é espacial: ser nacional e global, ser capaz de atender às aspirações locais de seus eleitores, sem perder de vista a necessidade de sacrifícios locais em benefício de um planeta equilibrado no futuro.

Esse é um desafio para o qual a geração sentada em Copenhague não parece preparada.

O segundo desafio é temporal: ganhar votos de eleitores imediatistas e ao mesmo tempo olhar para o longo prazo. Combinar o horizonte de décadas adiante, com o horizonte dos meses até as eleições seguintes.

O terceiro desafio é atravessar a fronteira civilizatória: ir além do debate entre o social e o econômico, e formular uma proposta alternativa para a próxima civilização. Em vez de apenas propor como produzir mais e distribuir melhor, pensar no que produzir e em como produzir.
Formular novos propósitos: mais tempo livre, mais produtos públicos, nova composição do produto, nova matriz de energia. Isso vai exigir trocar a busca pelo crescimento pela busca de outro tipo de objetivo, que pode implicar inclusive um decrescimento econômico que traga aumento na qualidade de vida.

O quarto desafio é implícito à atividade política: como se relacionar com o eleitor. O político das próximas décadas não deve ser apenas o boneco de ventríloquo dos marqueteiros e da opinião pública. Terá de se arriscar a propor o novo, mesmo sabendo que diminuem suas chances de ganhar eleições. Voltou o tempo do estadista, mas desta vez com sentimento planetário. Além disso, o político não pode se dar ao luxo de ouvir os eleitores apenas por meio da mídia. A comunicação tem que ser a cada minuto, pelos novos meios de comunicação instantânea.

Finalmente, o quinto desafio é de mentalidade. O político do futuro deve ser um construtor da mentalidade que permitirá um salto: da atual civilização do consumo depredador privado para a mentalidade do equilíbrio ecológico, da satisfação com o uso de bens públicos; da substituição da divindade do consumo pelo reino do bem-estar. E o caminho para mudar a mentalidade é uma revolução educacional em escala global.

Todos na escola, mas em uma nova escola.

Pena que não haja muitas chances de que esses e outros desafios sejam enfrentados, diante da mediocridade ideológica provocada pela globalização atual. Por isso, não dá para sermos otimistas em Copenhague. Nossos líderes ainda não entenderam o que lá estava em jogo.

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