domingo, 27 de dezembro de 2009

Fernando Abruccio :: As lições de uma década boa para o Brasil

DEU NA REVISTA ÉPOCA

O lulismo e o legado de FHC não estão nem do lado do neoliberalismo nem do estatismo chavista

A primeira década do século XXI foi um período de boas colheitas do que fora plantado no passado recente e nas ações da Era Lula. As principais conquistas foram a consolidação da democracia, a estabilidade econômica, a maior inclusão social e o novo status geopolítico. Outras nos esperam no próximo decênio, com os megaeventos esportivos, o pré-sal e a janela demográfica positiva. Para que este processo virtuoso continue, duas coisas devem ser feitas concomitantemente.

A primeira é entender as razões dos sucessos atuais. A segunda é refletir sobre os obstáculos que impedem que o Brasil seja, definitivamente, o país do futuro.

Os bons resultados do presente começaram a ser plantados nas últimas duas décadas do século passado. O primeiro passo foi a Constituição de 1988. Tão vilipendiada logo após seu nascimento, ela, de fato, tinha alguns problemas, mas continha as bases para uma ordem democrática inédita no Brasil. Trouxe avanços não só no terreno das instituições, como alargou os direitos dos cidadãos, em termos de políticas públicas e de legislações protetoras.

A década de 1990 criou as bases da estabilidade econômica, com o fim da inflação crônica e das “torneirinhas” fiscais que tornavam descontrolado o gasto público. Também foram tomadas medidas para aumentar a competitividade da economia brasileira e sua integração internacional. Ainda foram corrigidas algumas incongruências da Constituição de 1988, por meio de reformas constitucionais patrocinadas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

O novo século foi inaugurado politicamente com a vitória de Lula na disputa presidencial. Consolidava-se a democracia, pois todas as forças relevantes tinham tido sua chance de governar. Soma-se a isso o caráter simbólico da eleição de um ex-operário e retirante nordestino. Ela mostrava que era possível democratizar o acesso ao poder. Esse sinal de ascensão social num país marcado pela enorme desigualdade foi bem entendido por Lula, que deu prioridade à agenda de inclusão de milhares de brasileiros.

O sucesso de Lula pode ser medido hoje pelos resultados sociais e econômicos do país, particularmente se comparados ao passado de estagnação. Além disso, o melhor espelho para um país é a percepção externa sobre sua situação. Deixamos o incômodo clube da dívida para sermos alçados à arena dos que têm influência internacional. Isso é obra iniciada antes do governo petista, com a construção do Mercosul e de uma governabilidade política e econômica mais estável na Era FHC. Lula aproveitou esse alicerce e, afora arroubos de megalomania, ampliou o poder geopolítico brasileiro.

A primeira década do século XXI foi a melhor desde os anos 1970, com a vantagem de ter sido construída num cenário de democracia política e redução das desigualdades. Lula foi o governante na maior parte desse período. O ponto interessante é saber como ele alcançou esse resultado. De um lado, a resposta está na mistura de continuidade de políticas que estavam dando certo com inovações focadas na inclusão social. De outro, na combinação de ações estatais, privadas e da sociedade como forma de resolver os problemas da ação coletiva. Nossa sorte é que o lulismo e grande parte do legado de FHC não estão nem do lado do neoliberalismo nem do estatismo chavista.

O próximo decênio tem tudo para ser melhor do que o atual se mantivermos os acertos e encontrarmos os caminhos das agendas certas. Cinco são os temas que poderão fazer a diferença: modernização da gestão pública, fazendo mais e melhores políticas sem aumentar a carga tributária (talvez até racionalizando-a); investimento em qualidade educacional, melhorando o perfil da mão de obra e dotando a população de condições apropriadas para o exercício da cidadania; melhoria da infraestrutura para dinamizar a economia, com respeito ao meio ambiente; revolução na governança das grandes áreas metropolitanas brasileiras; e ampliação da democratização, aperfeiçoando as instituições e iniciando a renovação da (boa) elite política.

A década passada deve ser comemorada. Mas o caminho para o futuro dependerá de não nos contentarmos com os avanços obtidos até agora.

Fernando Abruccio é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA

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