terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Miriam Leitão:: Tempo dramático

DEU EM O GLOBO

A Inglaterra e a Alemanha culpam a China; a França culpa Estados Unidos e China; o Brasil culpa os países ricos; a África culpa ricos e emergentes. Casa Branca e governo chinês usam a mesma palavra — “significativo” — para definir o suposto avanço que o mundo chama de fracasso. A Terra ainda treme pósCOP-15. Não houve o acordo que se esperava, mas ficou nítida a divisão do poder mundial no clima.

Estados Unidos e China são os dois pólos de poder, mas querem a mesma coisa.

Os dois países têm simbioses e falsos conflitos. No clima, para ambos é interessante adiar tratados internacionais que estabeleçam restrições que eles ainda não têm. Eles não se alinham mesmo tendo os mesmos objetivos: brigam, produzem um impasse, que é bom para ambos. São os dois maiores poluidores, e sem acordo em Copenhague nada os obriga a reduzir suas emissões. Enfrentaramse em Copenhague por detalhes técnicos que poderiam ter sido resolvidos depois, como a fórmula de verificação internacional das ações nacionais de redução das emissões. Convenhamos! O importante era ter as metas no acordo.

A Europa é um poder moderador.

Está mais comprometida com a questão climática: assinou Kioto, cumpre metas, tem propostas ousadas. Há muito tempo tem dito que sua meta, hoje em 20% abaixo de 1990, poderia chegar a 30%, se houvesse um bom acordo. O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, disse que ninguém pediu à Europa que fosse a 30%. Se pedissem, ela daria esse passo.

A diplomacia brasileira ainda tenta passar a ideia de que no clima, como no comércio, a divisão se dá entre ricos e pobres. E na lista dos pobres inclui Brasil, Índia e China. Os pobres não acham que esses países sejam pobres.

Tuvalu fez um favor ao mundo: ajudou a mostrar as reais fissuras no Grupo dos 77. Os muito pobres têm uma agenda, os petrolíferos, outra. O BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China), outra. Foi para a sala do BASIC que o presidente Barack Obama se dirigiu, no meio da tarde de sexta-feira, e de lá saiu, às oito da noite, dizendo que tinha fechado um acordo. A imprensa americana comprou a versão.

A Venezuela tenta melar qualquer jogo. Ficou contra Tuvalu, junto com os outros petroleiros e mais a China e a Índia, quando a pequena ilha quis um acordo mais ambicioso.

Hugo Chávez não foi ao jantar da rainha da Dinamarca, onde se articulou, para logo depois, a reunião no Bella Center, na noite de quinta-feira. E depois, junto com Evo Morales — que também esnobou a rainha —, protestou contra a reunião noturna de “alguns poucos”.

Quando Tuvalu, na madrugada final da conferência, disse que não poderia assinar o acordo de Copenhague, a Venezuela então se solidarizou com Tuvalu, e votou pela rejeição do acordo.

No final da sexta-feira, por volta das seis da tarde, o presidente do México, Felipe Calderón, se debruçou no parapeito do mezanino da delegação da Dinamarca e olhou longamente para nós, aglomerados abaixo. Nas salas do mezanino, chefes de Estado dos países mais poderosos estavam reunidos.

Jornalistas aguardavam embaixo.

Calderón estava ali fora, e não na reunião dos emergentes com Obama, apesar de ser emergente. Detalhe interessante: o México se uniu à Noruega, país exemplo, lançou um fundo verde em que todos terão que contribuir, exceto os muito pobres, e se prepara para liderar a próxima COP.

Horas depois, os chefes de Estado abandonaram o texto e o local. O que se passou em seguida foi um dos eventos mais estranhos que já se viu. Houve uma debandada de líderes. Eles foram saindo um a um e deixando negociadores para terminar o texto. Abandonado, o texto, que já vinha sendo desidratado, foi ficando ainda menor e mais impreciso.

Até que às três da manhã as magras duas páginas e meia de não compromissos foi apresentada no plenário da Convenção para que as partes “tomassem nota”, o que, em linguagem diplomática, quer dizer que o texto não valeu.

A COP-15 veio para dividir.

Até a imprensa. No domingo, os jornais franceses e americanos falavam de dois mundos. Os americanos continuavam contando uma história que não houve: a de que Obama foi a Copenhague e resolveu o problema fechando um acordo. O francês “Liberation” tinha a manchete que definia o sentimento mais comum por lá: “Copenhague em meio à dor”.

Maratona, avalanche, drama, tragédia, fúria. Palavras assim tão intensas não costumam qualificar reuniões da ONU, nem cúpulas. Mas são elas que foram usadas pelos jornalistas de todos os países para descrever os últimos dias em Copenhague. Não houve um único dia calmo, mas alguns foram piores.

Aquela imensa sala onde se aglomeravam 3.500 jornalistas parecia o mundo inteiro: ouviam-se, em todos os idiomas, pessoas gravando textos para rádios, blogs, vídeos, matérias de TV, escrevendo, discutindo, tuitando. O twitter explodiu como produto e fonte dos jornalistas. Os governos da França e da Inglaterra usaram o twitter, muitas vezes dando furo.

A explosão dos microblogs, a vasta cobertura, o colapso logístico da Conferência, o enfrentamento dos países, quase na nossa frente, a avalanche dos fatos, o fim espantoso, tudo fez da COP15 uma cobertura inesquecível.

Um tempo dramático.

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