domingo, 20 de dezembro de 2009

Serra nem precisa decidir

ÉPOCA

A desistência de Aécio Neves transforma José Serra no que ele menos queria: candidato da oposição à Presidência, antes da hora marcada

Leandro Loyola e Paulo Moreira Leite

ESCOLHIDO

O governador de São Paulo, José Serra, estava de saída de Copenhague, na Dinamarca, na semana passada, quando soube que seria tratado como candidato à Presidência da República ao chegar ao Brasil. Pouco antes de embarcar, Serra recebeu uma ligação de Aécio Neves, governador de Minas Gerais. Aécio avisava que estava definitivamente fora da disputa pela vaga de candidato do PSDB à Presidência. Ao desembarcar, Serra foi direto a um compromisso no interior de São Paulo. Chegou mal-humorado e, mais tarde, cancelou uma entrevista coletiva marcada para falar sobre um programa do governo paulista. A um amigo, Serra reclamou do modo repentino como Aécio fez seu anúncio. Mas ele também estava contrariado porque deixara de ser o condutor da presença do PSDB na sucessão presidencial para se transformar em refém da dinâmica da eleição de 2010. Aécio anunciou, na tarde da quinta-feira, que não insistiria na disputa para ser o candidato tucano à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Busco contribuir, dessa forma, para que o PSDB e nossos aliados possam, da maneira que compreenderem mais apropriada, com serenidade e sem tensões, construir o caminho que nos levará à vitória em 2010”, disse, ao lado do presidente do PSDB, Sérgio Guerra. Aécio anunciou a decisão numa carta de 1.000 palavras. A principal informação no texto era uma ausência. Em nenhum momento ele menciona o nome de José Serra.

A decisão colocou Serra na posição que ele procurava evitar havia meses. A presença de Aécio na disputa servia como uma espécie de proteção a sua candidatura. Na intimidade, Serra jamais acreditou que o concorrente de Minas Gerais pudesse ameaçá-lo, nem mesmo quando a direção do PSDB fingiu que levaria a sério a ideia de escolher o candidato ao Planalto em prévias eleitorais. Com a sombra de Aécio, Serra podia inaugurar obras, percorrer o país e comparecer a programas de TV sem responder a questões desgastantes sobre a disputa presidencial. Líder nas pesquisas, seu principal cuidado sempre tem sido evitar situações que possam lhe trazer qualquer tipo de prejuízo eleitoral. Horas depois de Aécio anunciar a decisão, Serra se dizia disposto a manter a mesma estratégia silenciosa – até março de 2010.

Observador atento dos costumes políticos, Serra considera que alimentar o suspense sobre sua decisão é a melhor forma de manter a fidelidade e o bom comportamento do PSDB e das legendas aliadas, que serão obrigados a multiplicar gestos de simpatia para garantir a candidatura. No momento em que anunciar a decisão de concorrer, porém, a situação se inverterá. É o candidato quem vai precisar andar atrás dos aliados em busca de todo tipo de apoio. O raciocínio faz sentido. Mas a saída de Aécio criou um fato novo. Serra torna-se candidato até por eliminação. “Serra agora é o candidato à Presidência pelo PSDB. E será tratado como tal.

Ele estava tentando evitar isso”, afirma o cientista político Fernando Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e colunista de ÉPOCA. Mantidas as atuais condições, a simples hipótese de Serra desistir de concorrer ao Planalto pode ser um golpe equivalente a destruir o PSDB.


“Na política, tudo pode mudar“

(AÉCIO NEVES, governador de Minas)

A decisão de Aécio sepultou, por ora, a ideia de uma “chapa puro-sangue” só com peessedebistas em 2010. Nem todos os tucanos desistiram da ideia, porém, até porque Aécio anunciou que zelaria pelo futuro de Minas e dos mineiros, mas não entrou em detalhes sobre seu próprio futuro. Nem sequer falou de seu projeto mais provável: disputar o Senado, cadeira para a qual seria eleito sem sair de casa. Questionado pelos jornalistas, Aécio lembrou que, “na política, tudo pode mudar.” “O modo como Aécio anunciou sua decisão não prejudica a possibilidade de o PSDB formar uma chapa pura”, afirma o deputado José Aníbal (PSDB-SP).

Num esforço para seduzir Aécio, até o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, aliado de Serra, já entrou em campo. Há meses, Quércia vem tratando com Aécio de uma alternativa. Ele propõe uma grande operação. Aécio assume a vaga de vice de Serra, enquanto o PMDB entra na campanha do candidato de Aécio à sucessão, o vice Antonio Anastasia, que tem apenas 6% das intenções de voto. É um projeto tão engenhoso como complicado. O candidato a governador do PMDB é o ministro das Comunicações, Hélio Costa, que há anos batalha para concorrer. Para o plano sair do papel, seria preciso convencer Costa a rebaixar suas ambições e disputar o senado mais uma vez.

Apesar dos encontros pessoais e constantes conversas pelo telefone, nos últimos tempos o convívio entre Serra e Aécio já deixara de ser cordial. Aécio dava sinais de impaciência ao participar de um ritual que se transformou numa armadilha para retirá-lo da disputa no momento conveniente para Serra. A decisão de Aécio não foi uma surpresa em si. Surpresa foi o momento do anúncio. Os aliados de Serra sonhavam com uma cerimônia grandiosa, em que um concorrente levanta o braço do outro e faz juras de apoio eterno até a contagem do último voto.

“Uma coisa é uma decisão em janeiro, com todo o partido, o Sérgio Guerra e talvez até o Serra presentes”, diz um deputado tucano. “Outra é fazer de repente, pela imprensa, antes do que se esperava.” Informados da decisão na última hora, aliados de Serra chegaram a referir-se a Aécio com palavrões, na semana passada. De olho nos próximos meses, a principal dúvida dos aliados de Serra envolve a postura de Aécio diante do eleitorado mineiro, o segundo maior do país, indispensável em qualquer plano de vitória tucana. Serra fará tudo, mas tudo mesmo, para não perder um aliado tão precioso.

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