quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Vinicius Torres Freire:: Brasil, Dubai e paraísos exóticos

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

"Crise da dívida" de Dubai afeta mais países do Oriente Médio, da periferia europeia e revela mais inépcia de bancos

A NOVELA EXÓTICA das finanças destes dias, Dubai, ainda não acabou. Os títulos da dívida de uma empresa da holding estatal Dubai World vencem de fato no dia 14 deste mês (US$ 4 bilhões). Ainda está por ser definido o que o emirado entende pela reestruturação de US$ 26 bilhões da sua dívida. Dubai é um dos sete Emirados Árabes Unidos, que ficam no leste da península da Arábia. Endividou-se nos últimos cinco anos para construir ilhas artificiais cheias de empreendimentos imobiliários caros e para se tornar um centro financeiro e o maior entreposto comercial da região. Com o colapso imobiliário, o emirado foi à breca. Bancos do emirado vizinho de Abu Dhabi e do Reino Unido estão entre as principais instituições financeiras credoras. Ainda pouco se sabe das conexões da dívida de Dubai, mas os entendidos acreditam agora que o potencial de danos seja pequeno. Temia-se até o calote dos US$ 59 bilhões da dívida total da Dubai World.

Os mercados financeiros estiveram bem nervosos quando o emirado anunciou de forma confusa uma espécie de moratória, na semana passada, em especial porque era feriado nos EUA. As praças americanas abriram, tomaram seus tombinhos de susto, tropeço que "estava no preço" dadas as perdas em mercados asiáticos e europeus. Mas, depois, nada. A ameaça de tempestade do deserto se dissipa em quase todo mundo. Quase. Países da região começam a apanhar, como o mercado egípcio, embora não se saiba se isso seja apenas a paranoia regular de investidores.
Países pequenos, periféricos e superendividados da Europa, como Irlanda e Grécia, também veem subir os custos de financiamento de suas dívidas.

Mais relevante para o Brasil é que nós, desta vez, não parecemos os mercados exóticos. A Bolsa brasileira reagiu por mímica e devido ao estereotipado "medo de contágio". E, depois, nada.
Mesmo neste período em que os "estrangeiros" diminuíram bem seus negócios por aqui, em parte devido ao IOF, em parte devido a uma ligeira redução do chamado "apetite por risco" que sobreveio à imensa alta dos mercados financeiros. Ressalte-se o motivo da nossa "normalidade": temos dívida pública que, agora, é relativamente pequena, dadas as despesas que as economias centrais fizeram para salvar seus financistas e sua pele.

A lição restante do caso é que os bancos europeus não se cansaram de fazer besteira, de alocar capital de maneira inepta, quando não corrupta, nos anos de boom. Os bancos americanos foram o centro de criação da tecnologia financeira que provocou a crise de 2008/9, mas, pelo jeito, cometeram a maior parte de suas incompetências em casa. Os europeus ocidentais se enrolaram no Leste Europeu, nos países menores da Europa, nos Estados Unidos e, vê-se agora, também fizeram lambança ao dar crédito ao excesso de investimento da ilha da fantasia de Dubai. Note-se que alguns dos bancos mais expostos são instituições britânicas que apenas não faliram porque foram estatizadas e/ou receberam favores do governo. Mas o risco de calote de Dubai não piscava forte nos radares financeiros.

Sabe-se lá quanta inépcia ainda está escondida nos livros obscuros da banca euroamericana.

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