segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Freire vê articulação por terceiro mandato para Lula

Ana Paula Scinocca, BRASÍLIA
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para presidente do PPS, governistas querem dar ‘golpe’; relator da reforma política nega

Nem mesmo o recesso do Congresso impediu a oposição de acusar o Planalto de articular um “golpe” para aprovar, em meio à reforma política, o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente do PPS, Roberto Freire, passou a semana advertindo colegas sobre a possibilidade, aberta com a futura instalação de uma comissão especial na Câmara.

No mês passado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara barrou três propostas de emendas constitucionais que abriam brechas para a possível aprovação de um terceiro mandato. Mas, como a CCJ deu parecer favorável a outras 62 propostas de emenda que mudam o rito político, a Câmara terá de se debruçar sobre o assunto em 2009. Na comissão especial a ser criada, será possível a apresentação de novas emendas. Daí, o temor de parte da oposição de que ressurja a discussão sobre a possibilidade de uma nova reeleição.

CRISE

A preocupação de oposicionistas aumentou quando o deputado Carlos Willian (PTC-MG), da base de sustentação do governo, avisou que já se prepara para apresentar proposta que permitirá ao presidente Lula buscar um novo mandato.

“O discurso do governo e as sinalizações de um terceiro mandato são um absurdo completo”, afirmou Freire. “Há cheiro de golpe no ar.” Para ele, só a crise financeira mundial e a mobilização da sociedade podem demover aliados de Lula da ideia de “se perpetuar no poder”.

“Apenas o agravamento da crise, que infelizmente creio que irá ocorrer, e a incapacidade do governo frente à ela pode demover o PT da ideia de mais um mandato. O PT sabe que o Lula é um candidato forte, mas a sociedade pode e deve se mobilizar”, afirmou Freire. Para o deputado, o governo e o próprio presidente Lula “não têm nenhum compromisso com a democracia”.

Relator da reforma política, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), já deu reiteradas declarações que não há tentativa de golpe ou de terceiro mandato em vista. Para ele, a oposição está vendo “fantasmas” em plena luz do meio-dia. Lula também já disse em diversas ocasiões que não há possibilidade de concorrer em 2010, e vem se dedicando a viabilizar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Ao alertar sobre uma suposta articulação por uma nova eleição de Lula, Freire desconsidera uma proposta que vai no sentido contrário e que é vista com simpatia por governistas e líderes da oposição: o fim da reeleição e a extensão dos mandatos de chefes do Executivo de quatro para cinco anos. A ideia já recebeu o apoio dos governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, ambos do PSDB. Também já foi defendida pelo presidente Lula.

SEM RESPALDO

Líder do PSDB na Câmara, o deputado José Aníbal (PSDB) também vê com preocupação a discussão sobre um terceiro mandato de Lula, mas acredita que a tese não terá ressonância no Congresso. “Não acredito que a Câmara e o Senado possam dar sequência a isso”, disse.

O líder tucano não poupou críticas à tentativa de reforma política em curso. “Aquilo não passa de reforma eleitoral. Reforma política de verdade é pensar em mudar a relação entre o eleitor e o eleitorado”, comentou.

Aníbal destacou que, ao analisar as 62 propostas de emendas constitucionais aprovadas na CCJ no mês passado, o que se vê são apenas tentativas de mudanças no calendário eleitoral. “A discussão ficou em cima de mandato de quatro ou cinco anos, de reeleição ou não e de coincidência das eleições em todos os níveis de representação”, observou.

FRASES

Roberto Freire
Presidente do PPS

“Apenas o agravamento da crise e a incapacidade do governo frente à ela pode demover o PT da ideia de mais um mandato para Lula”

José Aníbal
Líder do PSDB na Câmara

“Reforma política de verdade é pensar em mudar a relação entre o eleitor e o eleitorado”

PSDB, DEM e PPS preparam ofensiva

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

BRASÍLIA – Daqui a dois meses, a oposição intensificará a ofensiva contra o nome apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à sua sucessão nas eleições de 2010. A ideia é mostrar publicamente a parceria do PSDB, DEM e PPS em defesa de um candidato único. Também haverá um esforço para indicar que, mesmo sem a definição de nome, a oposição seguirá unida sem rachas.

Tanto é que as estrelas do evento, previsto para o começo de março em Brasília, serão os pré-candidatos do PSDB à Presidência da República: os governadores tucanos de Minas Gerais, Aécio Neves, e de São Paulo, José Serra.

O secretário-geral do PSDB, deputado Rodrigo de Castro (MG), negou que a disputa entre Aécio e Serra prejudique a aliança dos três partidos de oposição e a campanha eleitoral rumo ao Palácio do Planalto. Só ganhamos com os dois juntos. Uma disputa entre eles é péssima para todos. Eles são maduros politicamente e sabem disso, afirmou.

Em busca da coesão, setores do PSDB defendem a realização de prévias para a escolha do pré-candidato à Presidência da República ocorra já no final deste ano e, não no começo de 2010. O objetivo é transmitir à sociedade a segurança de um nome já definido.

Senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores também serão convocados a participar do evento batizado de Aliança pelo Brasil. O PSDB, PPS e DEM vão aproveitar a ocasião para fazer campanhas nacionais em busca do aumento do número de seus filiados em todo o País. Paralelamente, os nomes nacionais das três legendas vão percorrer o Brasil aproveitando os palanques estaduais e municipais.

O PSDB, por exemplo, também decidiu rever seu planejamento de comunicação. Uma das alternativas é elevar o número de informações sobre as prefeituras que estão sob comando de integrantes do partido e também a divulgação sobre as ideias e planos da legenda.

No evento em Brasília, parte das reuniões será dedicada aos prefeitos. Segundo Rodrigo de Castro, serão abordados temas políticos e administrativos, além da realização de debates e discussões.

“É o lançamento da corrida para 2010 e temos de mostrar que estamos afinados, todos os partidos de oposição. Para isso precisamos nos mobilizar e organizar”, afirmou o secretário-geral do PSDB.

“É preciso zerar e abrir um processo novo.”

Entrevista: Paulo Odone, DEPUTADO ESTADUAL
DEU NO ZERO HORA (RS)

O deputado estadual Paulo Odone (PPS) verbalizou o incômodo causado pela iniciativa da governadora de apontar nomes de possíveis secretários antes de discutir as relações com os partidos. A síntese da entrevista, concedida ontem à tarde a Zero Hora:

Zero Hora – A governadora citou nomes do PPS com quem gostaria de contar no governo, entre eles o seu e o do deputado Berfran Rosado. O que o senhor acha dessa possibilidade?

Paulo Odone – Não houve nenhum contato. A questão não é de apontar nomes para secretariado. Tem de ter a conversa com a bancada e com o partido sobre as relações com o governo, que todo mundo sabe que não estão bem.

ZH – O movimento contrário, de o PPS buscar ampliação de seu espaço no governo, já ocorreu?

Odone – Essa coisa dos cargos, todos partidos se queixam de não serem atendidos, é uma coisa engraçada. O PPS então, nem se fala. Não temos sido atendidos e o governo sabe disso. Por isso que não é questão de chamar um nome para o secretariado. E, mais do que isso, tem o suporte que a gente dá lá na Assembleia, com os votos. Há partidos que estão no governo com maior participação e não têm dado o mesmo apoio.

ZH – E a possibilidade de ampliar a participação dos políticos em cargos de segundo escalão, sinalizada pela governadora, interessaria?

Odone –
Depende de conversação transparente. Isso tem sido muito confuso no governo. Não virou realidade nenhuma das disposições do governo, nem com o PPS nem com os outros partidos. Conosco não aconteceu. O que se marcou não se fez, trocou duas vezes de Chefe da Casa Civil, se fez reuniões, se estabeleceu condições e caiu. É preciso zerar e abrir um processo novo.

Câmaras e vereadores

Almir Pazzianotto Pinto
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


O ano principia sob duplo impacto: o da recessão mundial, da qual o Brasil não se descolou, e o das administrações municipais, renovadas no dia 1º. Quanto à crise, é recomendável deixar que os fatos falem por si, tantos têm sido os desencontros de opiniões entre economistas, jornalistas, empresários e políticos. Como de hábito, os maiores sacrifícios serão descarregados sobre as classes trabalhadoras. Os nossos assalariados permanecem órfãos de efetiva proteção, pois a única fórmula encontrada na CLT, para ocasiões como essa, determina demissões em massa após ilusório período de férias coletivas.

A renovação das administrações municipais, por sua vez, confirma o que já se esperava. A partir dos discursos de posse, podemos nos pôr de acordo em que nada mudou. Na primeira “fala do trono”, os prefeitos se queixaram de que os cofres foram encontrados vazios e as gavetas cheias — mas de dívidas e projetos inconclusos. São discursos elaborados a título de preparação do espírito popular para o esquecimento das famosas propostas de campanha. Afinal, como registrou Napoleão Bonaparte, promessas de políticos somente comprometem quem as ouve.

O que não se nota é a conjugação dos dois fatos, a crise e a tomada de posição responsável diante dos gigantescos desafios que haverão de enfrentar. Poucos prefeitos mostraram-se dispostos a cortar despesas. Pelo contrário, a tendência, mandato após mandato, consiste na ampliação do número de secretarias e na multiplicação dos cargos comissionados destinados a parentes, amigos, companheiros e membros da base de sustentação política, construída sobre os alicerces da imoralidade e da corrupção.

As câmaras municipais fazem parte do problema. Presentes em nossa história desde o período colonial, os vereadores desempenharam papel importante no processo de evolução política, como demonstra Caio Prado Júnior em livro clássico. A Carta Imperial de 1824 prescrevia que se instalassem, em todas as cidades e vilas, câmaras compostas por vereadores em número que a lei determinasse, cabendo a presidência àquele que obtivesse o maior número de votos. A Constituição de 1891 limitou a referência ao município em um único artigo, o de nº 68, onde determinava aos estados que se organizassem “de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”.

A Constituição em vigor inovou ao consagrar quatro dispositivos à matéria. O artigo 29, inciso IV, encerra três faixas destinadas a fixar a proporção de vereadores em relação à quantidade de habitantes. O tema é de natureza constitucional? Certamente, não. O que, então, levou os constituintes a se preocupar em descer a detalhe do qual deveriam cuidar as leis orgânicas municipais?

Ninguém melhor do que a população local para deliberar sobre a composição da Câmara de Vereadores, desde que se assuma a responsabilidade de arcar com os custos. Não é, todavia, o que se observa. Grande parte dos nossos 5.563 municípios esbanja despesas, para, depois, remeter as contas ao estado ou à União.

Espelhados nas Assembléias Legislativas, na Câmara dos Deputados e no Senado, os vereadores – salvo decrescentes exceções – desconhecem as palavras austeridade, moralidade, economia.

Controvertida emenda constitucional trata de aumentar o número de vereadores, elevando de três para 24 o número de faixas, sob o ridículo pretexto de fortalecer a base do sistema político. O país encontra-se diante de indecorosa iniciativa, informada por evidentes objetivos eleitoreiros, fruto da insensibilidade do Senado diante da recessão que chegou a galope.

A Constituição fixa os limites das despesas do Poder Legislativo Municipal, incluídos os subsídios dos vereadores e excluídos os gastos com os inativos. A experiência pós-88 revela, contudo, que sempre são encontrados meios de burlá-la, mesmo que ao preço de nova emenda. Afinal, como decretou o coronel Chico Heráclito, “a lei é como cerca; quando fraca, se vara por cima; quando forte, se vara por baixo”.

A tragédia das constituições republicanas brasileiras revela a sabedoria cínica que existe na máxima atribuída ao velho político nordestino. O art. 37 da Lei Maior ordena à administração pública, direta e indireta, que respeite os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência. Essa norma de conduta, porém, converteu-se em alvo do desprezo por aqueles que deveriam dedicar-lhe exemplar respeito.

Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

Trabalho informal avança

Bruno Rosa
DEU EM O GLOBO

Com crise, país deve ter este ano mais 330 mil sem carteira assinada

Acrise financeira internacional - que secou o crédito, encareceu as taxas de juros e afetou a produção industrial do país - vai aumentar a informalidade no mercado de trabalho. De acordo com projeções de especialistas, o avanço deve chegar a 1,5 ponto percentual, passando dos atuais 32,1% para 33,6% da população ocupada. Ao longo de 2009, serão cerca de 330 mil trabalhadores a mais sem carteira de trabalho somente nas seis principais regiões metropolitanas do país, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre.

Indicadores já mostram que o rendimento médio real dos empregados sem carteira assinada e dos que trabalham por conta própria teve recuo no fim de 2008. Segundo o IBGE, a renda média mensal dos sem carteira caiu de R$822,66, em setembro, para R$792, em novembro de 2008, retração de 3,72%. O ganho dos trabalhadores por conta própria passou de R$1.056,38 para R$1.036,30, queda de 1,9%.

Para economistas, esses dois grupos são os primeiros a sentir os reflexos das incertezas da economia. A tendência, continuam, é de mais retrações nos ganhos mensais até o fim do primeiro semestre deste ano. Segundo o professor José Pastore, da Universidade de São Paulo, são 50 milhões de informais no país.

- Quem sofre primeiro é base da pirâmide, os informais, pois são muito sensíveis aos negócios do dia-a-dia. Com as incertezas, as empresas adiam os investimentos e, assim, as contratações. Aproveitam ainda para demitir e renegociar salários - explica Francisco Barone, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Geração de vagas será a menor desde 2003

Carlos Alberto Lourenço vende livros no Centro do Rio há dez anos e nunca viu um Natal tão fraco como o do ano passado. Ele diz que a crise já afetou em cheio seu rendimento:

- A gente que trabalha na rua sente logo a crise. Somos o termômetro. As pessoas não querem gastar dinheiro.

Segundo Barone, da FGV, a informalidade deve aumentar este ano em empresas terceirizadas e em setores como o de serviços. Para Fábio Romão, economista da LCA Consultores, a alta na informalidade é explicada pela deterioração do trabalho formal. Segundo ele, haverá um milhão de novas vagas com carteira no país, menor número desde 2003, quando foram abertos 645 mil postos. Ontem, O GLOBO informou que o país perdeu cerca de 600 mil empregos formais só em dezembro e que, no trimestre, deverão ser criados cerca de 200 a 250 mil, a metade do registrado um ano antes.

- Com a falta de confiança, ninguém tem ânimo para contratar. Por isso, a participação dos formais entre a população ocupada, que hoje é de 44,5%, pode cair para 43% em 2009.

Luiza Rodrigues, economista do Santander, diz que as demissões e a informalidade já são verificadas marginalmente no país em setores como o exportador e o automobilístico:

- Algumas empresas têm demitido empregados formais e recontratado os mesmos informalmente. Em períodos como o atual, a informalidade aumenta. Neste início de ano vai subir cerca de um ponto percentual. A taxa de desemprego deve chegar a 9% em 2009.

Enquanto a informalidade tende a aumentar, as vagas sem carteira geradas entre setembro e novembro de 2008 apresentaram recuo, passando de 3,035 milhões para 2,955 milhões no período. Segundo Romão, da LCA, o setor de construção civil e o comércio foram os principais responsáveis:

- Sem poder de barganha para negociar, o salário já foi reduzido entre os informais. A tendência é que eles continuem sofrendo.

Segundo os dados do Dieese, que mede a geração de empregos em São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Belo Horizonte, Recife e Distrito Federal, a geração de vagas com carteira já desacelerou em 2008: após alta de 2,2% em setembro, houve avanço de apenas 1% em novembro. Os informais passaram de um crescimento de 2,7% para um recuo de 1%.

- A tendência vai continuar. O mercado informal já sente mais os reflexos do menor número de vagas, devido ao encarecimento do crédito para as empresas. Assim, a crise afeta sempre os rendimentos flexíveis - afirma Mario Rodarte, coordenador de pesquisa do Dieese.

Os informais também são os primeiros a sentir os benefícios do crescimento.

- Em 2006 e 2007, os informais ganharam três vezes mais que os formais - diz Rodarte.

Maria, João e a crise

Luiz Carlos Bresser Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Greenspan não foi um dos causadores da crise porque baixou os juros em 2001, mas porque apoiou a desregulação

A partir de dezembro, passei a escrever esta coluna semanalmente e -dada minha condição de professor- vou aproveitar a maior frequência para partilhar com os leitores um pouco da teoria econômica que aprendi. Eu serei o professor, e Maria e João, meus alunos e interlocutores. O professor adota a teoria econômica "estruturalista", associada à estratégia "desenvolvimentista"; a alternativa é a teoria macroeconômica "neoclássica", associada à política "ortodoxa". As duas escolas partilham de um conjunto de conceitos comuns, inclusive boa parte da microeconomia, mas suas divergências são grandes porque a teoria econômica é uma ciência social e porque é influenciada por ideologias.

Os estruturalistas (também keynesianos, institucionalistas) usam o método histórico-dedutivo e, assim, preveem comportamento econômico não a partir de um hipotético "homo economicus", mas a partir dos comportamentos anteriores observados empiricamente; limitam fortemente o uso da matemática porque é incapaz de explicar sistemas econômicos tão complexos, dinâmicos e imprevisíveis; consideram os mercados um excelente mecanismo de coordenação dos sistemas econômicos, mas um sistema imperfeito que precisa ser permanentemente regulado. Já os neoclássicos usam o método hipotético-dedutivo para, assim, poderem criar modelos matemáticos "irrefutáveis" porque lógicos, nos quais o mercado coordena com quase perfeição o sistema econômico. Quando o modelo não explica a realidade, a culpa não é do modelo, mas da realidade que está "errada" devido a falhas de mercado.

"Mas, em termos práticos", pergunta-me Maria, "como as duas escolas explicam a crise atual?" Nos primeiros modelos neoclássicos, as crises não podiam existir, pois os mercados seriam autorregulados. Entretanto, como isso se chocava com a realidade, encontraram explicação externa ao sistema econômico: os "choques exógenos" -geralmente erros de política econômica.

A crise atual, por exemplo, teria sido causada porque Alan Greenspan manteve os juros em nível baixo em 2001 -o que teria impedido que os mercados se autorregulassem.

Já os estruturalistas supõem que os sistemas econômicos são intrinsecamente instáveis e cíclicos, porque os agentes econômicos estão longe de serem racionais, de forma que os mercados não têm a possibilidade de evitar as crises. Não há o "homo economicus", mas agentes meio-racionais meio-emocionais que, na busca de maiores ganhos, especulam, deixando-se guiar reflexivamente por suas profecias autorrealizadas (conforme mostrou George Soros) que produzem distorções nos mercados. A regulação microeconômica dos mercados e a política macroeconômica existem para evitar, ainda que incompletamente, as crises e, quando elas acabam se desencadeando, para diminuir suas durações e gravidades.

"Com base nessa explicação", observa João, "parece que a teoria estruturalista é mais realista." Não é só mais realista, responde o professor, é mais modesta e menos ideológica. Os neoclássicos, com a arrogância dos seus modelos matemáticos, são em parte responsáveis pela gravidade da crise. Greenspan não foi um dos seus causadores porque baixou os juros em 2001 evitando naquele momento a recessão, mas porque, como pateticamente confessou, apoiou sempre a desregulação do mercado financeiro. Nesse ponto, ele foi neoliberal e neoclássico. Ora, neoliberalismo é uma ideologia fundamentalista -é a radicalização do liberalismo econômico-, e a teoria econômica neoclássica, ao lhe servir de sustentação "científica", acabou desempenhando o papel de metaideologia (de ideologia da ideologia).

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

A pureza das armas

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Em circunstâncias normais na vida doméstica de países democráticos, quando criminosos tomam pessoas inocentes como reféns, o primeiro cuidado, mesmo se as coisas podem ocasionalmente não dar certo, é o de garantir a vida e a segurança dos reféns, o que muitas vezes acarreta a necessidade de delicadas negociações com os criminosos. Nas ações militares como a que agora desenvolve em Gaza, Israel tem se defrontado com situações que apresentam semelhanças com essa, envolvendo criminosos (terroristas) que contam com civis, incluindo crianças, para se defender do fogo inimigo. A postura de Israel, como no episódio das dezenas de vítimas na escola da ONU, em que se alegou que foguetes eram lançados dali, tem sido a de tratar a integridade e mesmo a vida dos civis (e das crianças) como irrelevantes: o que importa é ser eficaz contra os terroristas.

Naturalmente, não é certo que, nas condições do enfrentamento militar de Israel com Hamas ou Hezbollah, caiba falar, sem mais, de "reféns", o que suporia que fossem forçados pelos terroristas a agir como escudo. Tome-se, contudo, a hipótese de que as mulheres e crianças são escudos voluntários. Pode isso ser visto como autorização moral para que Israel as trate simplesmente como alvos militares? Essa posição redundaria em sustentar, no caso de o movimento ou partido responsável pelo terrorismo ser popular (ganhando eleições, por exemplo, como se deu com o Hamas), que Israel, com sua grande força militar, está autorizado, no limite, em nome de sua defesa, a exterminar toda uma população. Tratar-se-ia da reafirmação, nas palavras de David Bidussa em artigo no número 62 da revista "Estudos Avançados" ("A Religião da Política em Israel"), de "um mito de fundação constitutivo da religião civil israelense: o da ´pureza das armas´, ou seja, da ação do exército como medida defensiva e nunca como ´guerra suja´".

As análises e discussões na imprensa sobre a invasão de Gaza têm correspondido com freqüência seja a manifestações de indignação ou edificantes exortações, em geral envolvendo a tomada de posição em favor de um lado ou outro, seja ao exame "técnico" dos pormenores do xadrez político-militar da região. O xadrez é sem dúvida complicado, e não há como negar a difícil situação de Israel, imerso num contexto que lhe é hostil desde o começo e inclui atores empenhados em sua destruição. Se fosse de alguma serventia a esta altura, caberia destacar o papel cumprido, na criação das dificuldades que o país se vê forçado a enfrentar, por decisões condicionadas pelos interesses ou disposições circunstanciais de poderes mundiais decadentes ou em ascensão e em que pouco se fez ouvir a voz da população árabe, combinadas à má consciência produzida pela longa história de maus-tratos dos países europeus aos judeus e seu paroxismo no Holocausto.

Seja como for, o que temos agora é a reiteração de um traço dos conflitos militares em que, desde a Segunda Guerra Mundial, as velhas considerações morais referidas à guerra, e consagradas em convenções meio esquecidas, se vêem substituídas pelo etos associado à idéia da guerra total. Além de casos como Guernica, ou dos civis de Londres vitimados por bombas voadoras nazistas, também os civis de Dresden, para tomar um exemplo mais dramático, foram impiedosamente bombardeados pelos aliados em circunstâncias de justificação moral mais que discutível. Sem falar de Hiroshima e Nagasaki e do hediondo crime envolvido em seu bombardeio atômico por razões mal disfarçadas de cálculo político - e dos numerosos casos, nas décadas recentes, de uso pelos Estados Unidos de avassalador poderio aéreo em que, igualmente, populações civis foram duramente atingidas. Por que esperar que Israel não mate crianças para caçar terroristas em áreas de densas populações urbanas? Trata-se apenas de mais do mesmo em relação às ações de muitos países há muito tempo.

Infelizmente, o que uma perspectiva realista evidencia é que o infantilismo moral que caracterizou desde sempre as relações entre etnias e nações distintas (e ilustrado agora de maneira desconcertante por ninguém menos que Shimon Peres a declarar, a propósito de crianças palestinas mortas pelo fogo israelense, em contraste com "quase nenhuma criança israelense", que "nós cuidamos das nossas crianças") tende a ser favorecido e intensificado nas condições demográficas e tecnológicas das guerras contemporâneas. Quanto ao conflito no Oriente Médio, as chances de reduzir a ocorrência do recurso aberto às armas parecem depender ou de que se alcance maior equilíbrio no poderio militar dos países e forças envolvidos, criando maior disposição a negociar, ou de que a convergência de circunstâncias favoráveis no plano internacional venha a permitir a efetiva intervenção pacificadora de um poder externo e maior. Antes que as coisas desandassem com o 11 de setembro de 2001 e George W. Bush, tivemos, na guerra do Golfo, a conjunção favorável de fatores de "Realpolitik" e fatores de legitimidade e legalidade internacional, com a força militar dos Estados Unidos sendo empregada, sob o manto da especial legitimidade da ONU, para exercer ação de polícia diante de flagrante violação de regras internacionais pelo Iraque de Saddam Hussein - não obstante as dificuldades contidas no inaceitável princípio de responsabilidade coletiva, resultando ele próprio em sancionar que indivíduos inocentes eventualmente paguem pelas decisões criminosas deste ou daquele chefe de Estado; escapar disso, porém, exigiria um governo mundial não apenas internacional, mas efetivamente transnacional. De todo modo, talvez as mudanças esperadas com Barack Obama na política externa americana propiciem a retomada do caminho aí esboçado.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras