sábado, 24 de janeiro de 2009

Comemorações protocolares

Marco Aurélio Nogueira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


São Paulo comemora um novo ano de vida consolidada como metrópole dinâmica, diversificada, mergulhada em contrastes, dificuldades e paradoxos.

Nela tudo é superlativo. A população de 11 milhões de pessoas é maior do que seria razoável.

São mais de 5 milhões os veículos que nela circulam, a velocidades médias sempre menores.

Milhares de bares e restaurantes, 1 milhão de pizzas por dia, mais de 250 mil estabelecimentos comerciais, pelo menos três dezenas de grandes shopping centers, 10 milhões de visitantes/ano, cerca de 80% dos eventos do País, 500 helicópteros, mais de mil academias de ginástica. Das 15 mil toneladas de lixo que produz por dia, quase nada é reciclado ou coletado de forma seletiva, gerando montanhas de resíduos e sujeira. O desperdício é generalizado, nas casas, nas indústrias, no comércio, na construção civil. Dá para estimar o gigantesco volume de dinheiro que escorre pelos interstícios de seu sistema bancário, de fazer inveja a qualquer país desenvolvido. A riqueza faz eco a uma miséria persistente. Terra de oportunidades, empregos, sonhos e fantasias. Globalizada, repleta de ofertas culturais e espaços públicos, com um patrimônio histórico relevante e uma população multiétnica, a cidade pulsa sem cessar. É a locomotiva do Brasil, como diz a tradição, especialmente quando se leva em conta que é a partir de sua efervescência, de seu empreendedorismo e de seu poder de consumo que o País se mantém entre os principais protagonistas da economia mundial.

São Paulo poderia ser excelente para se viver. Mas não é. Por sua grandeza, pelo papel que desempenha, por suas glórias e tradições, deveria sê-lo. Não que falte perspectiva comunitária. Inúmeros paulistanos se identificam com a cidade e sentem orgulho por dela fazer parte.

Criaram raízes nela e estão decididos a construir a vida em seus espaços. Talvez até estejam dispostos a agir para fazer com que as coisas melhorem, ainda que a maioria acalente o sonho de deixar a cidade, fugir de seus tentáculos e pressões, buscar o futuro em outro lugar. Mas falta alguma coisa para dar norte humanizado à cidade, ao mesmo tempo que sobram problemas.

São vergonhosos os indicadores da qualidade de vida dos paulistanos, especialmente em termos sociais. Os cidadãos percebem isso e se manifestam com clareza sempre que perguntados: a cidade não é justa, submete seus moradores a sacrifícios pesados, como se quisesse expulsá-los. Amplifica desigualdades, em vez de reduzi-las. Suas periferias são indignas. A educação deixa a desejar em todos os níveis, em que pese a cidade desempenhar importantíssimo papel na produção técnica e científica nacional, graças às suas universidades públicas e a seus institutos de pesquisa. Há deficiências graves no sistema de saúde. O custo de vida agride os moradores. A insegurança e o medo condicionam hábitos, valores e opções de convivência. A poluição está tão radicalizada que parece não ter como ser monitorada: o ruído urbano atinge níveis insuportáveis, os dois grandes rios que cruzam a cidade são imundos, a fumaça negra que a impregna bloqueia a visão e envenena os pulmões.

Com a força magnética e os recursos (humanos, técnicos, financeiros, intelectuais) de que dispõe, chega a ser incompreensível o atraso que a cidade exibe em vários de seus setores.

Tome-se o transporte público, por exemplo. Numa teia urbana gigantesca como a de São Paulo, é óbvio que o deslocamento da população adquire dimensão estratégica. Pessoas que passam mais de duas horas por dia para fazer o percurso casa-trabalho-casa, como ocorre com a maioria dos paulistanos, não dispõem de condições razoáveis para crescer na vida. Acabam ficando tentadas pelo automóvel particular, este categórico objeto de desejo da modernidade, com o que se desinteressam da luta pela melhoria dos meios públicos. E quando conseguem - à custa de restrições e endividamentos - comprá-lo, terminam por contribuir para piorar ainda mais a situação.

Muito pouco tem sido feito nos últimos tempos para enfrentar o problema. As expectativas de melhoria continuam a ser transferidas para a ampliação do metrô. Perante os ônibus, a imaginação parece entorpecida, escrava de corredores exclusivos e obras viárias. O que se desenhou anos atrás como plataforma inovadora quase nada deixou de legado. Os veículos não são amigáveis. São mal sinalizados, pouco informativos, sujos e desconfortáveis. O bilhete único foi uma das poucas boas ideias a serem postas em prática, mas ainda é insuficientemente explorado e não se combinou nem com a implantação de linhas setoriais que fluam com maior rapidez e desobstruam as vias públicas, nem com uma tarifação mais flexível e inteligente. O Sistema de Monitoramento do Transporte ("Olho Vivo"), implantado pela SPTrans para fornecer aos usuários informações em tempo real sobre os ônibus, é uma excelente iniciativa, mas atinge pouca gente e não é otimizado. O próprio sistema de transporte em seu todo é mal conhecido pela população, que não tem como se informar a respeito dele ou visualizá-lo de modo abrangente.

Qualquer intervenção dedicada a reformular um sistema de transporte público requer muito conhecimento especializado. São Paulo dispõe de inteligência e informação em doses mais que suficientes. Precisa saber usá-las para propor ideias novas e convocar a população para agir coletivamente.

O problema tem uma clara dimensão técnica e financeira, mas é sobretudo político. Para ser solucionado depende de determinação, ousadia e apoio social, coisas que somente a política pode fornecer.

Enquanto isso não se produzir, aniversários continuarão a ser comemorados de modo protocolar, para honrar a história, mas não para demarcar novos espaços de cidadania e vida digna.

Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp, é autor dos livros Em Defesa da Política (Senac, 2001) e Um Estado para a Sociedade Civil (Cortez, 2004)

O efeito Obama

Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

FOFOCAS INTENCIONALMENTE VAZADAS pelas brechas do Palácio do Planalto espalham o aviso que acende a luz vermelha de advertência, sobre o mau humor que virou pelo avesso o temperamento alegre do presidente Lula . O tom de voz subiu na escala para os berros que ressoam nos corredores palacianos sem que se saiba exatamente o que provocou a explosão. Não é necessário o faro de detetive para reconhecer que os últimos dias, ou semanas, têm sido férteis em aborrecimentos. A marolinha da crise econômica explode nas praias em ondas que desafiam a ousadia dos surfistas. E a equipe econômica bate cabeça na teimosia de quem insiste nos erros, com a esperança de uma nova reviravolta.

Acautelo-me contra a praga da arrogância. E não quero descobrir a pólvora. Mas tenho lá a minha desconfiança de que o efeito Obama mexeu com a cuca do menino nordestino que fugiu da seca no pau-de-arara com a heróica mãe, Dona Lindu, vendeu badulaques nas ruas de São Paulo, completou o curso primário em três escolas públicas até matricular-se no Senai para conquistar a profissão de torneiro mecânico. Daí, um pulo para a militância sindical que revelaria o maior líder popular do país ­ comandou greves que paralisaram as empresas em São Bernardo do Campo. A fundação do Partido dos Trabalhadores foi o arranque para a militância política, com a escalada que impôs a disciplina do aprendizado dos insucessos para o impulso dos sucessos. Lula perdeu e ganhou eleições.

Deputado federal por São Paulo, com milhares de votos, não se ajustou à rotina parlamentar, nem mesmo com o estímulo da Assembléia Constituinte, responsável pela contraditória colcha de retalhos da Constituição de 88, mais remendada que calça de mendigo. O menino de Garanhuns, o rapaz do Senai, o líder sindical de São Bernardo do Campo chegou à Presidência da República, em 2003, e emplacou o segundo mandato que termina em 1º de janeiro de 2011. Lula sorveu a suprema delícia da ascensão vertiginosa. E com a sua pronta inteligência e aguda intuição logo ficou à vontade entre os grandes do mundo ­ presidentes, reis e rainhas, primeiros-ministros de países parlamentaristas ­ galgando os degraus da escada até o reconhecimento como um dos mais destacados líderes, não apenas do continente mas de assembléias internacionais. Juscelino e Jânio também desfrutaram de grande popularidade.

Mas ­ se JK naufragou no JK-65 pela sofreguidão com que foi ao pote, inaugurando Brasília antes de estar pronta e injustamente punido com a cassação do mandato de senador e a perda dos direitos políticos pelo constrangido marechal-presidente Castelo Branco, e se Jânio se perdeu com o golpe frustrado da renúncia, tramado para a volta ao poder nos braços do povo, que não saiu à rua nem para assistir ao embarque para o exterior ­ nenhum dos dois chegou ao recorde de Lula de popularidade aos seis anos já passados de dois mandatos. Lula acusa o golpe de inesperadas dificuldades em duas frentes.

Tem até o fim do ano para comprovar que é capaz de transferir pelo menos metade da sua popularidade para viabilizar a candidatura da ministra Dilma Rousseff, por ele lançada sem ouvir ninguém, ignorando o PT, calado e submisso. A munição armazenada para a arrancada da ministra-candidata este ano, a partir do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), terá que ser dividida entre as centenas de obras em diferentes estágios, alguns com tudo por fazer, e os socorros urgentes, inadiáveis para os milhares de desabrigados, que perderam tudo menos a vida, na interminável e dramática sucessão de enchentes em várias regiões do país: Santa Catarina, Rio Grande do Sul, estado do Rio, São Paulo, Espírito Santo.

E a chuvarada continua a castigar os que não têm mais nada a perder e os que construíram suas casas em áreas de risco. Há dezenas de pontes a serem reconstruídas, rodovias com o asfalto comprometido, trechos com o trânsito desviado. Além de porto com filas intermináveis de caminhões lotados de carga, paralisados pela buraqueira das estradas, com trechos interditados.

É difícil manter o bom humor com tantos problemas a reclamar a urgência prioritária do socorro.
E, para mal dos pecados, o Barack Obama a explodir como um fenômeno político ­ que junta 2 milhões de pessoas nas ruas geladas de Washington para assistir à posse do presidente do mais poderoso país do mundo.

Crise de abundância

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Se a eleição para presidentes da Câmara e do Senado tivesse sido anteontem muito provavelmente o PMDB hoje teria o comando das duas Casas. Hoje, a probabilidade seria menor.

Na semana que vem, pode se reduzir e, no dia 2 de fevereiro tudo pode acontecer, inclusive o senador José Sarney e o deputado Michel Temer ficarem no ora veja. É uma hipótese remota, mas já não absurda para efeito de análise da cena.

Principalmente daquela que se desenrola longe dos olhos do público, na coxia dos partidos, onde as forças da reação se movimentam poderosa e dissimuladamente.

Candidato a presidente do Senado depois de assegurar ao partido, aos colegas e ao presidente da República que não teria mais saúde nem paciência para aguentar essa vida de conflitos e intrigas, preferindo se dedicar à literatura, José Sarney busca apoios.

Começou pela ala do partido que preferia manter o compromisso com o PT, votar em Tião Viana no Senado e garantir a presidência da Câmara para Michel Temer. Foi recebido com frieza, mas com fidalguia.

Tom gentil que não traduz a verdadeira disposição do grupo, cujo ânimo é absolutamente conflituoso.

Ao presidente Luiz Inácio da Silva já fizeram chegar as queixas e a informação de que os pemedebistas adeptos de Temer trabalharão por Tião Viana.

Assumidamente próxima do PSDB - de cujo governo fez parte - essa turma já mandou recados ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e aguarda a volta do governador José Serra do exterior para procurá-lo. O argumento: para a candidatura de Serra em 2010, melhor a eleição do PT no Senado.

Nessa ofensiva, petistas e pemedebistas têm discurso preparado para trabalhar a rusga do DEM com o PT. Dirão o seguinte: se o que o partido quer é confusão na área governista, a derrota de Sarney seria perfeita, pois o deixaria agastado não só com o PT, mas também com Lula, que não teria se empenhado na eleição dele.

Não é uma tarefa fácil, mas é de se registrar que esse pessoal é o mesmo que durante o primeiro mandato de Lula impôs sucessivas derrotas a Sarney e Renan Calheiros dentro do partido, mesmo estando formalmente na oposição e de fato sem ministérios nem cargos importantes na máquina pública.

Hoje dispõem de boa parte do patrimônio federal do PMDB e têm acesso ao presidente da República.

Querem acoplar ao capital a presidência da Câmara, que o próprio partido acabou pondo em situação de risco por querer também a do Senado. Percebe-se com nitidez agora que a proclamada unidade do PMDB era de fachada.

Incitado por Renan Calheiros e sentindo-se em desvantagem, o outro grupo partiu para tentar se igualar aos adversários internos disputando o Senado com Sarney, tido como imbatível.

Condição que poderá perder, se a forte reação inicial prosperar. Sozinho, o PT talvez não tivesse êxito no embate. Mas, com a ajuda dos pemedebistas e do trunfo deles junto com PSDB e ao DEM (candidatura Serra), Tião Viana ganha reforço importante.

Se será suficiente, os próximo dias e o andamento da candidatura de Michel Temer na Câmara dirão. Quanto mais risco houver de o PT retaliar no início da noite do dia 2 de fevereiro, se de manhã for derrotado pelo PMDB no Senado, mais acirrado tenderá a ficar o conflito interno no partido.

Batalha que pode ser assim resumida: o PMDB quer derrubar Sarney, que pode derrubar Michel Temer, que preside um partido com muitos votos, muita influência, muito poder, muita força, muita ousadia e, por isso mesmo, pode ter muitos problemas numa demonstração de que o que excede às vezes prejudica.

À italiana

Avaliação de um ex-embaixador do Brasil em Roma é a de que não adianta o governo brasileiro apostar no "esquecimento" do caso Cesare Battisti como ocorrem com as crises por aqui.

A Itália não dará trégua, podendo, além de chamar de volta o embaixador em Brasília, criar obstáculos - mediante exigências burocráticas - para a entrada de cidadãos brasileiros no País.

Matemática aplicada

É tradicional: a contabilidade de campanhas dificilmente se entende com o número de eleitores disponíveis.

A julgar pelos números dos dois pretendentes à presidência do Senado, há muito mais que 81 votos (79, descontados os concorrentes) no colegiado, bem como na Câmara os 513 deputados não são suficientes para preencher as listas de apoios que os quatro candidatos alegam ter.

Só Michel Temer, do PMDB, divulga vantagem de 300.

No Senado, contam-se como seguros para Tião Viana "trinta e tantos" votos, aos quais seus aliados acrescentam três ou quatro do PMDB, mais dissidências do PSDB e do DEM, duas legendas até agora de compromisso feito com José Sarney, cuja listagem está em 56 votos.

Noves fora, ou tem muita gente mentindo ou muita gente se iludindo.

Prévia é certeza no PSDB

Márcio de Morais
DEU NO ESTADO DE MINAS


Presidente nacional do partido garante que candidato tucano à sucessão de Lula será escolhido de forma democrática. Ele se colocou à disposição de Aécio para acompanhá-lo em suas viagens

O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse ontem ao Estado de Minas que o PSDB vai às prévias, pois não existe preferência ou que seria a “vez” do governador de São Paulo, José Serra, como candidato único do partido à eleição presidencial de 2010, na qual o país escolherá o sucessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Guerra revelou que, na quarta-feira, durante visita que fez ao gabinete do governador no Palácio da Liberdade, ele próprio fez convite a Aécio Neves para que inclua, no seu roteiro de viagem pelas prévias, a cidade de Petrolina, no seu estado natal, Pernambuco.

O presidente tucano ainda se ofereceu para integrar a comitiva do mineiro e lhe solicitou o envio da agenda de viagens, para ter conhecimento das datas disponíveis a novos compromissos. Isso vai permitir, segundo Guerra, que possa agendar visitas de Aécio Neves à sua área geográfica de influência, como Petrolina. “Eu vou (viajar) com o Aécio quantas vezes ele quiser”, acentuou, ao negar que haja uma definição da cúpula do partido em favor da segunda candidatura de Serra à presidência – na primeira, em 2002, o paulista foi derrotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Desminto que eu tenha feito qualquer afirmação (ao governador) nesses termos”, assegurou, referindo-se a informações publicadas ontem por jornais paulistas. Irritado com a repercussão da notícia, Guerra esclareceu que, ainda ontem, faria contato pessoal com a redação da publicação para corrigir a informação, publicada sem identificação da origem. O secretário-geral do PSDB, Rodrigo de Castro, única testemunha presente ao encontro de Aécio com Guerra, confirmou em Belo Horizonte o teor das declarações do presidente do partido: “Não houve esse tipo de conversa”.

Guerra também defendeu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, citado na matéria como favorável à não-realização das prévias e contrário à insistência de Aécio em disputar a indicação com seu colega paulista. “O Fernando Henrique me disse que, ao atender o jornal, propôs: ‘Vamos às prévias”, relatou Guerra, ao demonstrar seu estranhamento ao conteúdo e sua convicção pessoal sobre a corrida sucessória. “O PSDB ganha (as eleições) com Aécio e com Serra – não dividido”, justificou-se.

O senador demonstrou, no entanto, ter esperanças de que haja um acordo no partido para permitir a definição consensual do escolhido e evitar a disputa interna. Ao relacionar os três princípios que norteiam o processo de escolha do candidato (veja abaixo) dentro do partido, condicionou: “Haverá prévias, se houver disputa pela indicação do candidato”.

Guerra afirmou que ainda não tem os esclarecimentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre as dúvidas do PSDB para realização de eleições primárias, já que pela primeira vez elas entram na pauta de um partido no país. ”É muito simples (o que o partido quer saber): como se pode financiar as pré-campanhas, já que hoje a legislação só prevê financiamento da eleição; como fazer a propaganda dos pré-candidatos e quais os limites devem ser observados para isso”. O PSDB pretende se reunir com o presidente do TSE, para obter tais esclarecimentos, em fevereiro. (Com Isabella Souto)

DECISÕES

Segundo o presidente tucano, senador Sérgio Guerra, o partido já definiu três pressupostos sobre a disputa para 2010:

1 Haverá prévias, se houver disputa pela indicação do candidato à sucessão de Lula;

2 Aécio Neves (serve também para Serra) deve desenvolver e apresentar, tão logo possa, a programação de viagens da pré-campanha;

3 Escolha do candidato do PSDB só será definida no segundo semestre de 2009.

Aécio mantém estratégia

Isabella Souto
DEU NO ESTADO DE MINAS

Governador afirma que o roteiro de viagens pelo país está confirmado e espera que o PSDB escolha "no tempo certo e de forma serena" o melhor nome para disputar a vaga de Lula

O governador Aécio Neves (PSDB) avisou ontem que vai manter a sua campanha para ser o candidato a presidente da República nas eleições de 2010 e estará pronto para enfrentar José Serra (PSDB) nas prévias que vão escolher o nome para a disputa. “Não mudarei o rumo traçado até aqui. O PSDB terá o seu momento de tomar a sua decisão e será feita de forma serena. Se depender do meu esforço, ouvidas as bases do meu partido e não apenas uma ou outra liderança”, afirmou. Em março, o mineiro inicia uma série de viagens pelo país, em que fará contatos e pedirá votos.

As declarações de Aécio Neves foram uma resposta a matéria veiculada na edição de anteontem na Folha de S. Paulo segundo a qual o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), teria dito ao governador mineiro que a cúpula da legenda prefere a candidatura de José Serra e é contra as prévias, pois elas criariam sequelas na campanha eleitoral. De fato o senador esteve em Belo Horizonte na quarta-feira, mas saiu do encontro no Palácio das Mangabeiras dizendo à imprensa que não há tensão no partido e que não há preferência por nenhum dos dois candidatos.

De acordo com o governador Aécio Neves, Sérgio Guerra fez questão de desmentir a reportagem ontem de manhã, em conversa por telefone. “As afirmações são irresponsáveis e levianas e não correspondem à conversa que eu tive com o presidente. O presidente do meu partido veio a Minas Gerais dizer que apoia as prévias”, argumentou. A ideia é que o encontro aconteça até o final do ano e caberá à direção nacional do PSDB definir qual será o colégio eleitoral.

Presente no encontro realizado na capital mineira durante a semana, o secretário-geral do partido, Rodrigo de Castro, também negou que tenha ocorrido qualquer declaração contrária à realização das prévias. E foi além: disse que não há por que mineiros arquitetarem uma reação pró-Aécio. “Ele tem o apoio do presidente nacional do partido e do secretário-geral. Já é um grande indício para a realização das prévias.”

Questionado sobre a possibilidade de filiar-se ao PMDB para assegurar a sua candidatura à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governador afirmou que sempre conversa com filiados à legenda, mas não para fazer parte do grupo. “Eu me sinto confortável no PSDB. E é uma afirmação isolada de uma ou outra figura que se sente realmente preocupada, talvez com a nossa presença não só em Minas, mas também em outras regiões”, completou.

HOMENAGEM A tensão no PSDB cresceu nesta semana, com o anúncio da nomeação do ex-governador Geraldo Alckmin para a Secretaria de Desenvolvimento do governo de São Paulo. A aliança entre os dois tucanos é interpretada como uma estratégia de José Serra para enfraquecer Aécio Neves e se fortalecer em seu partido – haja vista que Alckmin até então era um dos principais aliados do mineiro dentro do PSDB paulista. Durante a semana, Serra negou qualquer conotação eleitoral em seu ato. Aécio Neves afirmou que se sentia “homenageado” com o convite feito a um grande “amigo”.

Ao longo desta semana, além da visita de Guerra, Aécio Neves recebeu em seu gabinete os deputados federais paulistas Paulo Renato e Carlos Sampaio. O primeiro disse que veio tratar com o governador a sua candidatura a líder do partido na Câmara dos Deputados e ponderou que para a realização das prévias é preciso que todas as normas estejam bem claras. O segundo assegurou que esteve em Belo Horizonte para discutir a sucessão da Mesa Diretora e assuntos nacionais. Sobres as prévias, mostrou-se totalmente favorável.

Poder inteligente

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Para não haver dúvida de que o conceito de "poder inteligente" ("smart power"), defendido pela secretária de Estado americana, Hillary Clinton, ao assumir o posto, não descarta o uso do "poder forte" ("hard power"), os dois primeiros mísseis da nova administração Obama contra supostos esconderijos da Al Qaeda no Paquistão foram lançados ontem. A manutenção da estratégia, que já matou cerca de oito dos principais líderes da organização terrorista desde julho do ano passado, mostra que nada mudou essencialmente no combate ao terrorismo, embora a procura da negociação seja uma prioridade.

O próprio professor de Harvard Joseph Nye, autor da expressão "smart power" num livro de 1990 chamado "Destinado a liderar" ( "Bound to lead"), explica que o "poder inteligente" é a combinação do "poder forte" com o "poder suave", e não descarta, portanto, o uso da força militar quando necessário.

A decisão de fechar a prisão de Guantánamo e de proibir a tortura formalmente corresponde à linha geral do novo governo de dar o exemplo interno para incentivar uma nova visão da sociedade americana de valorizar conceitos básicos da democracia, como os direitos humanos.

Mas pode gerar, depois de mais de sete anos de uma política antiterrorismo que sacrificou esses valores em troca de uma suposta maior segurança da sociedade, inquietações e críticas por parte dos conservadores.

O candidato derrotado, John McCain, já saiu na frente, acusando o governo Obama de ter sido "apressado" na decisão. E o anúncio de que o segundo homem da escala de poder da Al Qaeda no Yemem é um prisioneiro de Guantánamo, liberado depois de um programa de recuperação na Arábia Saudita, fez crescer o temor de que a nova política seja ingênua diante da ameaça terrorista.

A tese do "smart power" corresponde ao propósito de Barack Obama expresso em seu discurso de posse, de continuar a liderar o mundo, mas pela negociação e pelo convencimento em vez da coerção.

Joseph S. Nye Jr, que trabalhou nos governos Carter e Clinton, nas secretarias de Estado e de Defesa, abordou pela primeira vez o conceito para falar sobre o novo papel dos Estados Unidos com o fim da Guerra Fria e a mudança que já detectava no mundo onde, defendia, o poder, além de econômico e militar, teria uma terceira dimensão, a que chamou de "soft power", a habilidade de conseguir o que se quer através da atração em vez da coerção.

Segundo ele, esse poder pode ser cultivado através de relações com aliados, assistência econômica e intercâmbios culturais. Isso resultaria em uma opinião pública mais favorável e maior credibilidade externa dos Estados Unidos.

A teoria de Nye só fez crescer de importância nos últimos 20 anos, e Obama parece se movimentar nessa direção quando admite que o mundo mudou e os Estados Unidos têm que mudar também.

E que novos polos de poder estão em ascensão num mundo multipolar, que não comporta mais a imposição da hegemonia de apenas um parceiro do jogo internacional, mesmo que seja a maior potência econômica e militar do planeta, apesar da crise.

Neste mundo em que novos polos de poder surgem, os Estados Unidos não deixarão de ser muito influentes. Barack Obama parece concordar com a tese de que o poder dos Estados Unidos hoje depende muito mais de seu "soft power" do que de seu poderio militar, que causou estragos à imagem dos Estados Unidos nos últimos oito anos da Era Bush.

A própria vitória de Obama na eleição presidencial seria uma demonstração de que a sociedade americana estava em busca de uma mudança de rumo, e o amplo apoio internacional ao candidato democrata revela a ânsia por uma mudança de relacionamento com a maior potência do mundo.

Seria a manifesta vontade de dialogar, mesmo com os adversários, em busca de uma saída para crise como a do Oriente Médio, ou a do Paquistão, juntamente com os valores democráticos da sociedade americana reforçados pela atuação do novo governo, por exemplo, que evitaria que os terroristas recrutassem apoio entre as maiorias moderadas.

Mas o "hard power" continua a ser um recurso crucial num mundo em que grupos terroristas e estados-marginais continuam querendo impor suas ideias pela força.

Em artigo recente, Joseph Nye detalhou as fontes do "soft power": cultura, valores, desde que estimulados internamente como exemplo, e políticas inclusivas, que sejam valorizadas como tais e não pareçam intromissão indevida.

Enquanto a imagem dos Estados Unidos vem sendo desgastada pelos últimos anos do governo Bush, Joseph Nye diz que seu conceito vem sendo compreendido cada vez mais, mas não pode ser reduzido, como alguns fazem, transformando-o em apenas a influência dos jeans, da Coca-Cola e do poder do dinheiro.

Segundo ele, os Estados Unidos podem ser um "poder inteligente" investindo em bens públicos mundiais, promovendo desenvolvimento, melhorando a saúde pública e lidando com a questão climática.

Também estaria nessa linha a promoção dos direitos humanos e a democracia, mas pelo exemplo, e não pela imposição, como alegava querer o governo Bush.

O nome correto da prisão iraquiana é Abu Ghraib.

Atolados na desordem

Paul Krugman
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Como todos aqueles que acompanham as notícias da área de economia e negócios, estou num estado de grande ansiedade econômica. Como todas as pessoas de boa vontade, eu esperava que o discurso de posse do presidente Obama transmitisse alguma confiança, que sugerisse que a nova administração sabe como lidar com este problema.

Mas não foi o que aconteceu. Terminei a terça feira menos esperançoso em relação à direção seguida pela política econômica do que estava pela manhã.

Vamos deixar claro que não havia nenhum equívoco flagrante no discurso - apesar de que, para aqueles ainda na esperança de que Obama fosse abrir o caminho para o auxílio médico universal, foi desapontador vê-lo falando só no custo excessivo do sistema de saúde, sem jamais mencionar o suplício daqueles que não têm seguro.

Além disso, seria de se esperar que o discurso tivesse algo mais inspirador do que uma "era de responsabilidade" - coisa que, para não destacar a coincidência, foi o mesmo que pediu o ex-presidente George W. Bush oito anos atrás.

Mas o verdadeiro problema que percebi no discurso, em se tratando de assuntos econômicos, foi o seu caráter convencional. Em resposta a uma crise econômica sem precedentes - ou melhor, cujo único precedente é a Grande Depressão - Obama fez aquilo que fazem os políticos de Washington quando querem dar a impressão de que agem com seriedade: falou, em caráter mais ou menos abstrato, da necessidade de fazer escolhas difíceis e combater os interesses especiais.

Isto não é o bastante. Na verdade, não é sequer correto.

Esta é, acima de tudo, uma crise provocada por uma indústria financeira fora de controle. E se nós falhamos em puxar as rédeas dessa indústria, não foi porque os americanos se recusaram "coletivamente" a fazer escolhas difíceis; o público americano não fazia ideia do que estava acontecendo, e aqueles que de fato sabiam o que se passava na sua maioria acreditavam que a desregulamentação era uma excelente ideia.

Ou então consideremos esta afirmação de Obama: "Nossos trabalhadores não são menos produtivos que no início da crise. Nossas mentes não são menos inventivas, nossos bens e serviços não são menos necessários do que eram na semana passada, ou no mês passado, ou no ano passado. Nossa capacidade continua intacta. Mas nosso tempo de sermos conservadores, de protegermos interesses estreitos e adiarmos decisões difíceis - esse tempo seguramente passou." A primeira parte dessa passagem quase certamente tinha a intenção de parafrasear as palavras que John Maynard Keynes escreveu enquanto o mundo estava mergulhando na Grande Depressão - e foi um grande alívio, depois de décadas de denúncias feitas por reflexo contra o governo, escutar um novo presidente fazendo referência a Keynes. "Os recursos da natureza e os dispositivos do homem", escreveu Keynes, "têm a mesma fertilidade e produtividade anteriores. A velocidade do nosso progresso em direção à solução dos problemas materiais da vida não diminuiu. Somos tão capazes de prover a todos um alto padrão de vida quanto antes.

...Mas hoje nos vemos envolvidos numa desordem colossal, tendo cometido erros crassos na administração de um maquinário delicado, cujo funcionamento não compreendemos."

Mas alguma coisa se perdeu na tradução. Tanto Obama quanto Keynes afirmam que não estamos conseguindo utilizar nossa capacidade econômica. Mas a conclusão de Keynes - de que estamos numa situação de "desordem" que precisa ser corrigida - foi de alguma maneira substituída por uma generalidade do tipo somos-todos-culpados, vamos-ser-mais-rigorosos-com-nós-mesmos.

Lembrem-se, Herbert Hoover não via problema em tomar decisões desagradáveis: teve coragem e firmeza de cortar gastos e aumentar os impostos diante da iminência da Grande Depressão.

Infelizmente, isto apenas piorou as coisas.

Ainda assim, um discurso é apenas um discurso. Os membros da equipe econômica de Obama certamente compreendem a natureza da bagunça na qual estamos metidos. Portanto, o tom do pronunciamento pode nada indicar a respeito das medidas futuras de Obama.

Por outro lado, Obama é, como colocou o seu predecessor, o tomador de decisões. E ele terá de tomar algumas decisões extremamente importantes em breve. Em especial, ele terá de decidir o grau de ousadia das suas jogadas para manter em funcionamento o sistema financeiro, cujo panorama se deteriorou de maneira tão drástica que um número surpreendente de economistas, nem todos eles especialmente liberais, agora concorda que a solução pode exigir a nacionalização temporária de alguns dos principais bancos.

Será que Obama está pronto para fazer uma coisa dessas? Ou será que os chavões do seu discurso de posse são sinal de que ele vai esperar até que o senso comum alcance os fatos? Se for este o caso, sua administração se verá perigosamente atrasada em relação aos acontecimentos. Se não tomarmos medidas drásticas rapidamente, podemos nos descobrir atolados na desordem por um longo período.

* É Prêmio Nobel de Economia 2008

Nova ordem

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Paul Volcker, que já presidiu o Fed e hoje assessora o presidente Obama, chefia o grupo de 30 economistas que estão propondo uma nova regulação para os mercados financeiros. Armínio Fraga é o vice-presidente do grupo. O documento que eles prepararam nos últimos meses acaba de ficar pronto e quer ser, como diz o título, "um marco regulatório para a estabilidade financeira".

A regulação passa por períodos de maior rigidez e mais flexibilidade, mas certamente nunca enfrentou uma devastação como a que se vê atualmente. Diante desses escombros é que os 30 economistas, entre eles vários ex-presidentes de bancos centrais, como Armínio Fraga, do Brasil, fizeram uma proposta de nova regulação. As ideias chegarão ao coração do poder americano através de Paul Volcker, que não tem cargo executivo, mas é assessor e tem muita influência junto ao novo presidente.

O documento final, ao qual eu tive acesso, faz recomendações objetivas aos governos. Uma delas é que todas as instituições financeiras sejam reguladas, mesmo com graus diferentes de supervisão, dependendo da natureza da instituição. A ideia é que a supervisão seja imposta inclusive sobre os hedge funds e todas as que executam atividades "quase bancárias". A crise atual foi detonada por instituições que estavam fora do alcance da supervisão bancária, como os bancos de investimento, hedge funds.

Outra recomendação toca num ponto nevrálgico das últimas crises: o papel das agências de classificação de risco. Lembra que o modelo no qual trabalham faz com que elas sejam pagas não pelos usuários da classificação de risco, mas pelos emissores de papel. Fazem críticas às ambiguidades de seres híbridos como Fannie Mae e Freddie Mac. Sugerem algum tipo de limite da alavancagem. Propõem que os órgãos reguladores corrijam as falhas e contradições que existem entre eles, que podem ser usadas pelos participantes do mercado.

Num debate esta semana em São Paulo, o economista John Welch, do Itaú, historiou as várias fases da regulação, ora de controle excessivo, ora de excesso liberal, pelas quais passou a regulação financeira nos últimos tempos. Sempre que há uma crise, a mudança regulatória tenta organizar o mercado para combater os riscos que já ocorreram. Aí, criam-se regras para evitar o passado, o que leva a uma crise de outra natureza mais adiante. Na proposta do Grupo dos 30, eles tentam evitar isso recomendando que os reguladores tenham um grau de liberdade nas suas decisões para se adaptar às frequentes inovações do mercado financeiro.

Todas as falhas na cobertura da regulação prudencial e de fiscalização têm que ser eliminadas, diz o texto. A crise atual mostrou, de fato, inúmeras omissões e pontos cegos da regulação, além da existência de instituições que fazem parte da intermediação financeira, mas que não estavam sob qualquer controle.

Os economistas registram no relatório que, por mais que tenha havido uma crescente integração dos mercados, em época de globalização, eles permanecem com significantes diferenças entre os países desenvolvidos e emergentes. Essas diferenças podem ter uma influência importante na maneira como a crise se desenvolve e na natureza da resposta para enfrentá-la, alertam. O sistema financeiro americano, por exemplo, é definido como "grande, complexo e multifacetado", com algumas características bem próprias, como a importância dos bancos regionais e locais.

Para dar uma ideia da complexidade do mercado americano, e das falhas na cobertura da regulação, o relatório alerta que no começo de 2008 havia "oito instituições financeiras não bancárias, cinco bancos de investimento, as maiores seguradoras do mundo, duas instituições financeiras garantidas pelo governo, as GSEs, Government-Sponsored Enterprises, leia-se Fanny Mae e Freddie Mac".

Por causa da crise e das intervenções do governo em resposta à crise, estão em curso mudanças em direção a "um sistema financeiro no qual um pequeno número de holdings bancárias excepcionalmente grandes são o coração do sistema". Segundo o texto, apressada pelos dramáticos eventos do ano passado, essa concentração financeira já passou do ponto do não retorno. Como serão instituições conectadas entre si e grandes demais para quebrar, será necessário um sistema mais eficiente e amplo de prevenção de risco e de supervisão bancária, alerta o relatório. Quanto a Fannie Mae e Freddie Mac, o relatório diz que pelo fato de serem híbridas - empresas privadas, mas com garantia do governo - facilitou a alavancagem e a tomada de risco insustentável.

O relatório recomenda aos países que analisem todo o seu sistema regulatório, para evitar qualquer tipo de falha que permita o excesso de alavancagem e a "arbitragem regulatória", ou seja, o aproveitamento pelas instituições financeiras das diferenças entre os órgãos reguladores diferentes. Para resolver isso, sugerem que haja coordenação entre os vários órgãos. Deve-se, também, "proteger os reguladores das pressões políticas e de mercado". O debate sobre esses temas deve ser intenso no futuro próximo.

Emprego e subtração

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


PARIS - Não funciona a ideia vendida pelo ministro Guido Mantega de que o BNDES cuidará para que cada projeto financiado com o bolão novo de R$ 100 bilhões explicite quantos empregos a mais estão sendo criados.

Você acha mesmo que alguém vai ao BNDES, apresenta um projeto e diz que vai cortar empregos, em vez de criá-los?

Fórmula inócua à parte, até que a exigência faz sentido. Claro que, em última análise, quem determina a manutenção ou corte de postos de trabalho é o crescimento econômico, como diz Armando Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional da Indústria.

Mas pode haver um mínimo de responsabilidade social de fato de parte das empresas, em vez de apenas imprimirem todos os anos lindos catálogos com suas realizações nessa área. É óbvio que, quando está havendo prejuízo, é melhor demitir alguns do que demitir todos, pela quebra da empresa.

Outra coisa é demitir quando o lucro cai, mas não cessa. Caso da Microsoft, que lucrou US$ 4,17 bilhões no ano passado (daria, grosso modo, para cobrir 10% da nova carteira do BNDES), mas está demitindo 1.400 funcionários (em 18 meses, serão 5.000), porque o lucro foi 11% inferior ao esperado.

Minha sensação é a de que o empresariado brasileiro ainda deve ao público a comprovação de que não é como John Lancaster, editor-associado da London Review of Books, diz serem as grandes empresas varejistas de sua terra: "Muitas tratam seus empregados como uma commodity. Pagam tão pouco quanto possível, treinam tão pouco quanto possível e empregam o menor número possível. Às vezes parece que a gerência usa uma fórmula: descobre o nível mínimo de empregados para que a loja funcione, depois subtrai 20%".

O que o governo Lula diz querer é apenas que não haja essa subtração. Parece justo.

Lula, quatro presidentes e ministros dividirão o palco do Fórum Social

Soraya Aggege e Chico de Gois
DEU EM O GLOBO

Chávez, Morales, Rafael Corrêa e Fernando Lugo participarão de encontros

SÃO PAULO e BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ocupará os palcos do 9º Fórum Social Mundial, em Belém (PA), que começa na próxima terça-feira e vai até 1º de fevereiro, ao lado dos colegas Evo Morales (Bolívia), Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Correa (Equador) e Fernando Lugo (Paraguai), segundo anunciou ontem o ministro Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência da República. Lula tem participação prevista em pelo menos dois grandes eventos, dias 29 e 30. O governo participará de cerca 70 encontros no Fórum. Já o PT estará em outros 20 eventos e levará mais de dez mil militantes a Belém.
Além da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), pré-candidata à sucessão presidencial, desembarcarão em Belém, a partir de domingo, 11 ministros e centenas de funcionários do governo federal. Nenhum ministro da área econômica tem presença prevista no FSM, que terá a crise global como um de seus principais temas.

Governo não informa gasto com viagens de funcionários

Os gastos do governo com as viagens e quantidade de funcionários deslocados não foram informados pelo governo. Segundo Dulci, os ministérios de Justiça, Saúde, Turismo e Educação repassaram R$77,5 milhões ao governo do Pará para investimentos na cidade.

Até ontem, 100,2 mil pessoas estavam inscritas para participar do FSM, mais de 80% brasileiras. A expectativa é a de que o evento reúna, ao todo, 120 mil ativistas sociais e políticos.

Participarão do FSM, além de Dilma, que integrará mesas como "A participação da mulher na política", e do próprio Dulci, que fará um balanço do governo Lula, os ministros Patrus Ananias (Desenvolvimento Social), Carlos Minc (Meio Ambiente), Tarso Genro (Justiça) e José Gomes Temporão (Saúde), entre outros.

Na noite de quinta-feira, haverá um debate reunindo pelo menos 8 mil participantes. Dele farão parte os presidentes Lula, Hugo Chávez, Rafael Correa, Fernando Lugo e Evo Morales. O tema do debate será "América Latina e o desafio da crise internacional".

Lula não vai ao FSM desde 2005, depois de ter participado das edições de 2001, 2002 e 2003. Este ano, ele decidiu não ir ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, para onde mandará o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Dulci descartou ontem qualquer ingerência do Planalto no evento. E negou o suposto preconceito contra o Fórum Social:

- Se o governo apoia grandes eventos culturais e esportivos, por exemplo, por que não apoiar um grande evento social?

'Heróis' de Lula, usineiros demitiram 70 mil em 2008

Eliane Oliveira
DEU EM O GLOBO

Presidente ficou estarrecido

BRASÍLIA. Na noite da última quarta-feira, em reunião no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, números que o deixaram estarrecido. Em dezembro de 2008, o número de desempregados no campo foi de 134 mil pessoas, o dobro do registrado no mesmo mês de 2007. E mais: a perda de postos de trabalho no setor sucroalcooleiro contribuiu com nada menos que 70,1 mil demissões. Ou seja, os que mais demitiram foram os usineiros - a quem Lula chamou de "heróis" em 2007 por terem uma "política séria" de investimentos.

Os desempregados nas lavouras de cana correspondem a 52% do total. Segundo o ministro, Lula determinou que sejam estudadas medidas para estimular os produtores. Também revelou que outros produtos causam preocupação ao presidente. São eles café, algodão e carne suína.

- O setor sucroalcooleiro passou por apertos muito grandes com a crise. Demitiu, não gerou empregos e congelou investimentos - afirmou Stephanes.

O economista da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Ricardo Severo, disse que o reflexo da crise financeira internacional é um fator importante no desemprego do setor. Ele lembrou, porém, que já havia demissões no campo, em decorrência do avanço da colheita mecanizada nas lavouras. Severo lembrou que 1% de mecanização em São Paulo, por exemplo, equivale a 2.700 trabalhadores demitidos.

O ministro da Agricultura disse que o setor sucroalcooleiro será tratado em separado de outras culturas. Medidas para melhorar o cenário atual, incluindo formas de garantir oferta, exportação e preços, estão em discussão.

Para outras culturas, Stephanes destacou a seca no Sul, que fez com que o Paraná tivesse queda de 30% na produção. Outro problema foi a necessidade de recursos para comercialização da safra, que começa a ser colhida no próximo mês. O governo já garantiu uma verba adicional de R$5 bilhões, mas o ministro pediu à Fazenda mais R$2 bilhões para as cooperativas.

Inflação ao consumidor sobe 0,40%

Camila Nóbrega
DEU EM O GLOBO

Resultado do IPCA-15 em janeiro supera estimativas de analistas

A inflação ao consumidor brasileiro começou o ano em ritmo mais forte do que o esperado. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) subiu 0,40% em janeiro, acima da taxa de 0,29% de dezembro, mas abaixo da alta de 0,70% verificada em janeiro de 2008. Nos últimos 12 meses, o índice acumula variação de 5,79%, de dezembro para janeiro. O IPCA-15 é uma prévia do IPCA, índice oficial de inflação, que orienta o sistema de metas do governo.

Segundo o economista Elson Teles, da corretora Concórdia, a média estimada para o índice entre os analistas era de 0,30%.

- Esse IPCA-15 é um aviso de que ainda não podemos comemorar a queda na inflação. O Banco Central precisa continuar monitorando as variações com muita cautela.

Preços de alimentos tiveram alta de 0,72%
De acordo com o IBGE, que calcula o índice, o principal impacto do mês foi das tarifas de ônibus urbanos, cuja alta de 2,35% em janeiro (reajustes aplicados em Belém, Belo Horizonte, Salvador e Curitiba) representou uma contribuição de 0,09 ponto percentual no índice geral.

Os alimentos também contribuíram para a alta do IPCA-15, cujos preços foram coletados de 11 de dezembro a 14 de janeiro. Segundo o IBGE, o segmento sofreu um reajuste de 0,72%, mais do que o dobro da alta de 0,34% registrada em dezembro do ano passado.

Outro grupo que apresentou alta foi o de habitação, passando de 0,32% para 0,50% em janeiro. As maiores variações foram verificadas nos reajustes de aluguéis (1,01%) e condomínios (1,09%).

Por outro lado, o setor de transportes registrou queda de 0,01%, frente a taxa zero obtida em dezembro. A redução foi pressionada pelas quedas nos preços de automóveis novos (-5,08%) e usados (-3,77%).