sábado, 14 de fevereiro de 2009

PPS: Executiva debate projeto de país e alianças para 2010

Por: Valéria de Oliveira
DEU NO PORTAL DO PPS

Foi uma noite de debates sobre os mais variados temas, desde os ligados ao momento de crise da economia mundial, passando pela crise de identidade dos partidos políticos, até a falta de perspectiva dos jovens, que enveredam para o crime, inclusive aqueles de classe média alta. Entretanto, o assunto mais discutido na reunião da Executiva Nacional do PPS e os coordenadores estaduais para participar do XVI Congresso foram as eleições de 2010.

"Para galvanizar as pessoas, não podemos apenas colocar o bloco na rua; precisamos de um samba-enredo, de um projeto transformador", metaforizou o secretário de formação do partido, Francisco Almeida. Esse enredo deu pano pra manga. Idéias vieram de todos os estados e dos dirigentes. Afinal, as teses que serão levadas ao congresso estão fervilhando na cabeça de todos.

Emoção - O presidente do PPS-ES, Luciano Rezende, disse que o partido precisa emocionar. "Não é fácil falar ao coração do Brasil; não basta um projeto técnico bem fundamentado; é preciso levar a massa a se emocionar", propôs. A eleição do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foi a referência de Rezende. Aliás, quase todos aqueles que usaram o microfone mencionaram o grande passo da democracia americana ao eleger um negro, pobre, que estudou em Harvard.

Mobilizar a sociedade em torno de uma plataforma eleitoral com ênfase na crise econômica, na educação, no trabalho, na tecnologia e na equidade social. "Sucesso, só envolvendo movimentos sociais, que estão muito petizados - mas isso não pode tirar nossa vontade de lutar", apontou Tereza Vitale, coordenadora da Comissão de Mulheres do PPS.

Arnaldo Jordy, do Pará, emendou: "O projeto de país vai dar a liga. A partir daí virá a decisão sobre quais forças políticas apoiaremos, nos aliaremos". Ele também estava com uma preocupação que permeou todos os discursos. "A sociedade civil está órfã de projeto político porque Lula é uma fraude", afirmou.

Humberto Chitto, coordenador do Rio Grande do Sul, se apresentou como um municipalista e propôs ao PPS a iniciativa de apresentar, na Câmara, uma proposta de reforma de competências. "A União fica com 78% das receitas, os estados com 18% e os municípios com o resto; por isso, o prefeito vive de pires na mão e aceita tudo o que o governo federal oferece. Porque precisa, ainda que sejam migalhas", protestou. O encontro de prefeitos promovido pelo Palácio do Planalto que o diga.

Embora tenha sido opinião consensual entre os participantes da reunião do PPS nesta sexta-feira, Givaldo Siqueira, dirigente do partido, chamou atenção para o timing dos fatos. Voltou à metáfora do carnaval, citada por Almeida. "O bloco não começa com samba-enredo, não. Começa com o batuque e às vezes nem tem samba-enredo", afirmou. "O que podemos é ficar esperando o samba-enredo, a fantasia e chegar depois que o carnaval acabar".

O significado é claro. É preciso, sim, ter um projeto, estar com as massas, os movimentos sociais, a sociedade organizada. Mas é mais necessário ainda ter um olho no peixe e outro no gato. Ou seja, não perder o momento da discussão das candidaturas do campo do PPS - os governadores do PSDB José Serra (São Paulo) e Aécio Neves (Minas Gerais).

Comandando a massa

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Uma coisa é indiscutível: poucos políticos entenderam tão bem o mecanismo da democracia de massas como o presidente Lula, o que não quer dizer que aja de maneira a não colocar em risco essa democracia. Qual um Chacrinha redivivo, vestindo a camisa de um time de futebol do interior, Lula vai balançando a pança e comandando a massa nos palanques. Os abusos que vem cometendo do alto de seus 84% de popularidade mostram que para ele não há limites legais.

Assim como esterilizou a política partidária dividindo a máquina do Estado entre 14 partidos que formam a mais heterogênea e anódina coalizão política da história brasileira; assim como neutralizou os movimentos sociais cooptando-os com verbas públicas e empregos, assim também vai Lula fazendo tábula rasa das leis para tentar eleger sua candidata, a ministra Dilma Rousseff.

Também o principal partido de oposição, o PSDB, caiu na armadilha montada pelo presidente Lula, que o imobilizou com acenos em direção ao governador de Minas, Aécio Neves, e insinuações de que não se incomodaria se o eleito na sua sucessão for o governador de São Paulo, José Serra, de quem se consideraria amigo.

O DEM é o mais coerente partido oposicionista, e partiu dele a iniciativa de reclamar na Justiça Eleitoral do uso da máquina pública nesta campanha antecipada. Mas não tem força política para ser protagonista na sucessão. O que não significa que seja um modelo de partido a ser seguido, haja vista o caso do castelão Edmar Moreira, cujos pecados são mais antigos do que faz supor o espanto e a indignação do DEM que o acolheu.

O fato é que o sucesso da estratégia para viabilizar a candidatura da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pegou a oposição desprevenida, e ela agora corre literalmente atrás do prejuízo, embora continue tendo os candidatos mais viáveis para a eleição de 2010.

Mas, enquanto o PT engoliu em seco a candidatura de Dilma, tirada do bolso do colete por Lula, e agora se une em torno dela, os tucanos não conseguem chegar a acordo quanto ao seu candidato, e se digladiam entre diversos grupos.

Mais difícil ainda para um partido de oposição, os governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais, temem encarar uma disputa com um presidente popular e quase brigam em público pela primazia de ser amigo dele. O PSDB age como se, para ser eleito presidente, o candidato tem que ser aceito por Lula. Lula, diferentemente, aumenta sua força política à medida que transforma um poste em uma candidata viável, numa atuação política ilegal, mas eficaz.

Num dos muitos comícios que tem feito pelo país, Lula cutucou o governador paulista José Serra ressaltando o absurdo de o estado mais rico da Federação ter uma taxa de 10% de analfabetos, para constrangimento do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, do DEM, aliado dos tucanos.

Constatado o erro - São Paulo tem cerca de 4% de analfabetos - , a "acusação" foi retirada da versão oficial do discurso, mas não houve pedido de desculpas. Quem reagiu, indignado, foi o ex-ministro da Educação e hoje deputado federal Paulo Renato de Souza, que chamou a atitude de Lula de "covarde".

Serra, ao contrário, tirou a culpa de Lula e jogou-a no colo do ministro da Educação. Assim como quando quer criticar o governo, ataca o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, pela manutenção da maior taxa real de juros do mundo, como se Lula nada tivesse com essa decisão.

Já o governador de Minas, Aécio Neves, vai a Brasília e faz questão de confraternizar com o maior partido de apoio ao governo, o PMDB, alimentando a especulação de que poderá trocar de legenda para disputar a eleição presidencial.

Em visita ao presidente Lula, que já defendeu publicamente sua adesão ao PMDB, Aécio fez questão de elogiar a ministra Dilma Rousseff.

A oposição está cometendo o mesmo erro de 2005, quando considerou que o presidente Lula estava ferido de morte com o escândalo do mensalão e sangraria em praça pública até ser derrotado na eleição de 2006 por qualquer tucano que se apresentasse ao eleitorado.

Na suposição de que o governo não tinha candidato viável dentro do PT, e que Lula não conseguiria fazer a transferência de sua popularidade para um "poste", os tucanos aguardavam a campanha de 2010 certos de que tinham tempo para acertos internos entre os dois governadores.

Ao contrário, a divisão só faz aumentar, e o PSDB emite sinais desencontrados sobre seu papel oposicionista. Na sucessão do Senado, ao contrário de apoiar a candidatura de Sarney, como fez o DEM, aliou-se ao PT, como se o senador Tião Viana representasse "a parte boa" do partido, ressuscitando o PT como representante da ética na política.

A estratégia correspondeu a um desejo dos que apoiam a candidatura de Serra, que com isso queria fortalecer seus laços com o PMDB da Câmara, representado pela candidatura de Michel Temer.

Já os seguidores de Aécio queriam o apoio a Sarney. Adiante, na escolha do líder na Câmara, mais uma vez dividiu-se o partido entre os apoiadores de Aécio, que manobraram para eleger o deputado José Aníbal, e os do governador Serra, que ameaçaram criar uma dissidência interna.

Pelo lado petista, o movimento é justamente o contrário. O antigo Campo Majoritário, que ainda obedece à liderança do ex-ministro José Dirceu, e o grupo liderado pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, reagiram inicialmente à indicação de Dilma Rousseff como a candidata oficial do partido, mas logo compreenderam que o apoio de Lula seria essencial para qualquer candidatura vingar e se uniram em torno da imposição presidencial.

A escolha de Dilma pareceu inicialmente uma cartada fadada ao fracasso, mas aos poucos "a mãe do PAC" foi ganhando visibilidade e hoje já parece uma possibilidade real de candidatura.

A oposição, especialmente o PSDB, com receio de se opor a um presidente popular e sem ter alternativas para apresentar ao eleitorado, já que suas bandeiras foram assumidas por Lula, anda às tontas, e o máximo que consegue é imitar o governo federal. (Continua amanhã)

Universidade do magistério

Cristovam Buarque
DEU EM O GLOBO


Os dados do último censo escolar mostram a tragédia de uma hemorragia no organismo do Brasil: a redução no número de jovens que buscam a carreira do magistério nas nossas universidades. A continuar nesse rumo, o Brasil terá o agravamento da anemia intelectual que nos caracteriza. Em um mundo competitivo, isso significa a anemia na economia, na cultura, na vida social. Sem uma boa educação de base, não teremos uma boa universidade, porque desperdiçaremos os cérebros excluídos por falta de boa qualidade nos primeiros anos de educação. Mas sem uma boa universidade, não teremos boa educação de base, por falta de bons professores; esse é o círculo vicioso da hemorragia intelectual do Brasil.

A culpa está na falta de prestígio da carreira do magistério, por causa dos baixos salários, das vergonhosas condições de trabalho, da violência a que são submetidos os professores e da falta de adaptação da escola atual às necessidades e gostos das novas gerações. Mas a culpa está também na estrutura universitária, que não produz os profissionais de que o país precisa, nem com a qualificação necessária.

A universidade deve formar uma elite intelectual que se ponha a serviço do país, da população e da Humanidade. A formação de professores é uma prioridade fundamental. Mas não é só isso. Nossa elite é pobre intelectualmente, minúscula numericamente e alienada socialmente. Formamos uma elite muito aquém do potencial de nossa população; e sem profissionais nas especialidades de que precisamos, em quantidade e qualidade, especialmente professores.

Entretanto, a criação de mais universidades não aumentará o número de professores, nem melhorará a qualidade na formação deles. Os alunos dessas universidades continuarão preferindo outras carreiras e as universidades continuarão mantendo uma estrutura sem vínculos com a educação de base.

Em vez de mais universidades similares às atuais, o círculo vicioso da hemorragia intelectual pode ser quebrado pela criação de uma "universidade" diferente das atuais. Uma Universidade do Magistério que consistiria simplesmente de uma estrutura administrativa, com as funções de definir o número de estudantes necessários para preencher a anemia de professores; selecionar os estudantes especificamente para as carreiras de magistério, no número necessário a cada especialidade para os próximos anos; selecionar universidades e faculdades com qualidade, sejam estatais ou particulares; e financiar os estudos desses jovens, incluindo salários durante a formação.

A Universidade para o Magistério definiria o número de alunos conforme a necessidade do sistema educacional, teria uma pequena estrutura para selecionar os alunos e as faculdades com qualidade onde eles estudariam; financiaria os cursos; e pagaria um salário para os alunos. O diploma de cada formando seria assinado pela universidade onde estudou e pela Universidade do Magistério, ambas controlariam a qualificação.

Com uma pequena estrutura basicamente administrativa, a Universidade do Magistério começaria de imediato, ajustada às necessidades de profissionais deste momento, aproveitando o imenso potencial já existente na universidade brasileira, ajustando-a às exigências atuais.

Uma proposta parecida foi oferecida pelo Ministério da Educação, em 2003, à Presidência da República, para formar professores e outros profissionais. Essa foi a sugestão dada também para a nova universidade orientada a estudantes vindos de países pobres. Os alunos seriam selecionados e distribuídos nas universidades já existentes, e com estruturas consolidadas.

A Universidade do Magistério teria a flexibilidade de aumentar ou reduzir o número de alunos de cada especialidade, conforme a demanda; aproveitar o potencial universitário de qualidade já disponível; evitar o custo de novas estruturas; permitir a dinâmica estrutural que o mundo moderno exige e, sobretudo, começar imediatamente, com a urgência de tratamento que as hemorragias exigem.

A quem não interessar possa

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


No início da semana os ministros Tarso Genro, da Justiça, e José Múcio Monteiro, das Relações Institucionais, fizeram aos presidentes da Câmara e do Senado a entrega solene de uma proposta de reforma política elaborada pelo Executivo.

É a mesma que os mesmos ministros haviam apresentado no dia 27 de agosto de 2008 aos antecessores do senador José Sarney e do deputado Michel Temer à guisa de colaboração para um debate ao qual se esperava o engajamento do Congresso e a apresentação de novas contribuições.

Seis meses depois não aconteceu nem uma coisa nem outra, conforme, aliás, já previam os então comandantes do Congresso. Arlindo Chinaglia, presidente da Câmara, avisou logo que a Casa tinha "outras prioridades".

Garibaldi Alves, presidente do Senado, deu uma volta maior, mas chegou ao mesmo lugar: "Nessa altura é uma discussão utópica, pretensiosa até. Fragilizados, os partidos não estão a serviço de um ideário e sim à disposição dos interesses de seus donatários que chegam a dominar três legendas em um Estado."

Ópera resumida por quem entende do riscado, cada um à sua maneira queria dizer que o governo estava chovendo no molhando, malhando em ferro frio, enxugando gelo e quantas forem as figuras de linguagem disponíveis no idioma para traduzir a absoluta inutilidade da proposta.

Ao menos nesse tipo de abordagem que não vai ao centro da questão, não mobiliza as energias necessárias, não se dispõe a enfrentar os obstáculos com instrumentos eficazes e insiste na mesma sistemática dos fracassos anteriores, aí incluídos os pontos escolhidos para serem "reformados".

Aos seis apresentados em agosto passado a Garibaldi e Chinaglia a título de ponto de partida e agora reapresentados a Sarney e Temer como a reta de chegada na reforma política, o Legislativo não acrescentou uma vírgula.

E, se a previsão feita na época pelo senador Garibaldi Alves estiver correta, o Parlamento tampouco dará votos para aprová-los. À exceção daquele ponto que flexibiliza a interpretação da Justiça sobre fidelidade partidária e permite a troca de partido sem justa causa por um período de 30 dias a cada quatro anos.

"Esse passa fácil", dizia. Os outros morrem de inanição ou de inadequação ao que a sociedade considere aceitável.

Listas fechadas de candidatos sem outras mudanças estruturais, apontava o senador, só aumentarão o poder de manipulação das cúpulas partidárias. Sobre financiamento público: "Será que a população confiará na distribuição correta de um dinheiro que vem do orçamento a fundo perdido?"

A essa avaliação acrescentem-se dúvidas sobre o destino da cláusula de barreira, já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e a restrição ao registro de candidatos processados.

Esta última, além de ter sido derrubada na Justiça, não mereceu dos políticos um pingo da atenção pretendida pela campanha contra a eleição de "fichas sujas" patrocinada pela Associação dos Magistrados do Brasil. Logo, não é de se esperar que o veto ganhe votos para virar lei.

Fio da navalha

O deputado ACM Neto, novo corregedor da Câmara, acha mesmo que a tarefa é espinhosa, tem consciência de que caminhará numa corda bamba entre a pressão da opinião pública e as demandas da corporação, mas acha que saberá encontrar o ponto de equilíbrio.

A receita do êxito, na opinião dele, requer sobriedade antes de qualquer coisa. "Quando o corregedor quer aparecer, quer fazer carnaval, dificilmente consegue resultados", diz.

O deputado não vê desconforto especial na primeira missão: o exame do caso de Edmar Moreira, alvo de um pedido de investigação apresentado pelo PSOL em virtude da suspeita de que possa ter usado indevidamente a verba extra de R$ 15 mil mensais.

Moreira foi desligado do DEM, partido do corregedor, que não vê nisso qualquer impedimento à isenção de seu trabalho. "A corregedoria não julga, ela instrui uma investigação sobre um fato específico, no caso o do uso da verba indenizatória. Já o partido faz um juízo político, envolvendo os mais variados aspectos da conduta do parlamentar. São dois critérios distintos."

O cancelamento da filiação partidária deu-se pelo conjunto da obra, enquanto o acatamento, ou não, do pedido de investigação pelo Conselho de Ética, segundo ele, vai se basear apenas nas provas sobre o fato específico. "Se o deputado não serve para ficar no partido não é por isso que deve ser cassado."

ACM Neto por ora adota a tática da boca fechada. Recusa pedidos de entrevistas, evitar até falar em tese sobre questões de natureza ética, não diz o que pensa sobre a conveniência da divulgação de notas fiscais dos gastos da verba extra e antecipa apenas que está formulando "umas ideias" para apresentar na sua primeira reunião da Mesa Diretora.

"Se der um passo em falso, posso ser acusado de parcialidade e prejudicar os processos."

O imenso deserto da política

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Aí, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva leva sua candidata do coração a um passeio pelo sertão nordestino. A horas tantas, apresenta: "Dilma, este é o sertanejo, veja como é diferente".

Dilma deslumbra-se e produz uma frase que nunca ninguém antes havia dito neste país (ou em qualquer outro país): "Nós sabemos que aqui no Nordeste há um imenso potencial de homens e mulheres trabalhadores, que muitas vezes, com seu braço, sustentaram o desenvolvimento de outras regiões".

Se a eleição presidencial fosse um torneio do lugar-comum, Dilma passaria facilmente à frente nas pesquisas. E olhe que é um torneio muito disputado, o mais disputado deste país entre políticos. Depois ainda tem gente que se espanta com o fato de que cada vez menos brasileiros se interessam por política.

Até eu, que sou obrigado a fazê-lo por motivos profissionais, só aguento porque a Folha me dá a oportunidade de, vez ou outra, fugir para o exterior, respirar outros ares, ver outros debates, às vezes até piores, conhecer outros políticos, ter ao menos uma chance de entender o que está acontecendo com o mundo nesta quadra confusa, complexa, delicada.

A 22 meses e meio da posse do novo presidente, você aí tem a mais remota ideia do que Aécio Neves, Ciro Gomes, Dilma Rousseff ou José Serra, os principais "presidenciáveis", ou mesmo qualquer outro político relevante, pensa da crise, dos seus desdobramentos, do mundo e do país que emergirão dela, dos novos desafios que surgirão?

Para não falar dos velhos desafios, como a imensa pobreza (o trabalhador brasileiro ganhava, ao final de 2008, menos do que ao final de 2002, apesar do crescimento dos cinco anos mais recentes), a obscena desigualdade, a educação esculhambada, a saúde sempre em frangalhos, a violência e todo o imenso etc. que todos conhecem.

A volta do PT de raiz

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - É cedo para saber se o PT permanecerá no Planalto com Dilma Rousseff a partir de 1º de janeiro de 2011. Mas já está claro que os petistas hoje estão muito mais parecidos com aqueles do período pré-Lulinha paz e amor. A crise econômica mundial açulou os instintos mais básicos e históricos dos dirigentes do PT. "Teses como a da independência do Banco Central foram para o espaço", resume de forma direta o presidente nacional da legenda, o deputado Ricardo Berzoini (SP).

A companheirada andava macambúzia havia seis anos. Lula havia vencido, mas eles não tinham levado. Agora, rasgaram a fantasia. Ninguém mais fala na "Carta ao Povo Brasileiro", de 2002, o documento usado pelo PT quando flertou com o liberalismo, namorou a banca e bajulou o establishment. A novilíngua petista está na pouco noticiada "resolução política" aprovada pelo Diretório Nacional na última terça-feira -a íntegra está em www.pt.org.br. Acabaram-se as concessões. A hora é de uma "ofensiva contra a ideologia dos senhores do capitalismo neoliberal".

Em meio à crise, os petistas pretendem "encarar os políticos do PSDB e do DEM, seus ideólogos e propagandistas, mostrar que eles não têm condições de dirigir o país". Como será esse embate?

Defendendo o Estado forte.
Para não pairar dúvida sobre o rumo preferencial dos discípulos de Lula, eis mais um trecho do pensamento petista repaginado: "A intervenção do Estado desmoraliza o discurso conservador hegemônico nos últimos 25 anos -o que equivale, na disputa político-ideológica, à queda do "muro de Berlim" neoliberal".
Por analogia, se o muro caiu, o Estado grande vai avançar.

O PT de raiz surfa na crise financeira e nos 84% de popularidade de Lula. Com o discurso antiliberal ressuscitado, muitos no partido já enxergam "Dilma lá".

A lição que se aprende em casa

Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

O presidente Lula conseguiu dar a volta por cima de uma das mais complicadas enrascadas em que se envolveu por precipitação e com a dose excessiva de empáfia, na crise de nervos, muito parecida com o chilique, da sua irritada reação à cobertura da imprensa à festa de arromba, que reuniu em Brasília cerca de 5 mil prefeitos, acompanhados das respectivas esposas e familiares, além de secretários, convidados, amigos e penetras, a pretexto do lançamento do programa federal, ensopado de demagogia, de socorro às prefeituras endividadas.

Durante os dois dias do magno espetáculo, Brasília viveu o sonho da capital projetada por Lúcio Costa enriquecida pelo gênio de Oscar Niemeyer. E, no pódio, ao lado do presidente Lula, a presença da ministra Dilma Rousseff, candidata da sua escolha pessoal, que o PT engoliu disfarçando a careta e já agora com o sorriso aberto pela esperança de mais um ou dois mandatos na folia do poder.

Ninguém neste país, por mais desatento ou desligado, deixou de reconhecer o evidente sentido eleitoreiro, com o duplo objetivo de apresentar a candidata aos prefeitos, que controlam as bases municipais e do oba-oba sobre as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), entregue de bandeja à gerência da ministra-candidata.

Ora, o que tanto irritou o presidente nas reclamações à cobertura da imprensa obtusa, que ainda não percebeu que "acabou o tempo em que alguém achava que podia interferir numa eleição porque é formador de opinião"?

Passa pelo mau humor presidencial a vaidade de quem se considera – e com boas razões – o dono do eleitorado, com 86% de aprovação nas últimas pesquisas, capaz de inventar uma candidata, impor ao PT a sua aceitação e confiar, com a certeza dos iluminados, na sua eleição em 5 de outubro de 2010. Já é ir longe demais especular sobre o sonho de mais um mandato, lá para 2014 ou 2018, se a reeleição resistir à adiada reforma política.

A vaidade, misturada com orgulho e presunção, subiu à cabeça presidencial na festa de arromba de dois dias de badalação em torno da ministra-candidata e do pacote de generosidade aos prefeitos. E, francamente, passou dos limites do bom senso. Ora, para anunciar não apenas aos prefeitos e suas famílias as obras do PAC, com a ministra-candidata a tiracolo mas, ao país, seria mais simples, muito mais econômico, utilizar a poderosa rede pública de emissoras de rádio e televisão ou apelar para a rede nacional. E com a vantagem nada desprezível da audiência em todo o país.

Certamente, ao presidente ou a seus atentos assessores ocorreu a solução óbvia. Mas Lula sonhou o espetáculo da reunião em Brasília de todos os prefeitos, suas famílias, secretários e cupinchas. E ficou indignado quando a mídia registrou o óbvio.

Ao abrir a guarda, Lula colheu agrados e petelecos em doses variadas. Do presidente nominal do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), com engulhos, a rosa murcha da rendição incondicional: "Certamente que a ministra Dilma vai estar liderando a luta do nosso projeto democrático e popular no próximo ano". Mas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não perdeu a oportunidade de encaixar a reprimenda: Lula está antecipando o processo eleitoral. E em recado direto: "Se Lula continuar forçando a campanha antecipada, o PSDB pode ir ao TSE pedir autorização para fazer campanha também".

A sugestão de FHC não pode ser levada ao pé da letra, pois nenhum partido se exporia ao ridículo de bater às portas do Tribunal Superior Eleitoral para pleitear o descumprimento de um dispositivo constitucional. Os dois dias da milionária festança eleitoral do Encontro Nacional dos Prefeitos em Brasília prometem render ao presidente mais aborrecimentos do que benefícios. A candidatura da ministra Dilma já estava lançada há vários meses e reafirmada em inúmeras declarações do seu patrono. Dilma assumiu a prenda com natural deslumbramento e algum exagero, com a exposição das correções plásticas, a reforma do vestuário e a mudança do temperamento seco para a euforia de quem vive o sonho das mil e uma noites. E ninguém segura a ministra repaginada e inteiramente à vontade no novo desafio.
Se a oposição continuar no chove-não-molha das picuinhas entre os governadores José Serra e Aécio Neves, sozinha no palco, Dilma pode disparar nas pesquisas e virar o jogo.

"Barebones Parliament"

Cesar Maia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


AS INSTITUIÇÕES políticas nacionais vêm sendo desintegradas. O processo de construção institucional, aberto na Constituinte de 1988 e testado pela crise presidencial de 1992, começou a ruir quando reformas econômicas supostamente modernizantes avançaram sobre a ordem do dia, serviram para justificar o superativismo presidencial e deram aval até ao aluguel de votos, de forma a garantir o que se dizia imprescindível.

A partir daí, competências federativas do Senado foram sendo invadidas pelo Ministério da Fazenda. A Federação acabou fragilizada pela centralização fiscal e financeira, além de restrições legais que só se tornaram aplicáveis aos Estados e municípios. Se antes era assim numa Presidência intelectualmente orgânica, quando assumiu o poder quem nunca ocultou o desprezo pelo Poder Legislativo, esse processo ganhou intensidade e, em seis anos, desmontou o que existia de instituições políticas no país.

Caiu até o partido do presidente da República, que se jactava de sua integridade política. Em 2005, o aluguel passou a ser de mandatos e ganhou coordenação, assumida pela própria direção do partido presidencial. Flagrado, o sistema foi substituído por outro mais eficaz: favores generalizados no varejo e um autoritarismo pragmático, com o Executivo assumindo abertamente as funções do Legislativo e tornando-o desnecessário.

Numa situação dessas, tanto faz ter ou não partido na base parlamentar. É até melhor não ter. A votação da Lei do Orçamento -coluna vertebral do Legislativo- passou a ser uma espécie de "videogame" para parlamentares, além de ocupação do noticiário. Tanto faz aprová-la ou não, uma vez que é possível a criação de despesa por medida provisória.

O governo deu nome próprio a seu próprio Orçamento e lança-o à opinião pública, e à imprensa, quando bem entende. Por meio de decreto ou de medida provisória, o Executivo legisla sobre qualquer coisa, ignorando a Constituição. Às vezes, o Supremo Tribunal Federal, STF, põe a Constituição de pé e, em alguns casos, até exagera, legislando também.

Há uma década as contas dos presidentes e os vetos presidenciais não são votados. Ou seja, inexiste a função fiscalizadora do Legislativo, e as leis -com vetos- não se completam. Sem sua vértebra institucional básica, a democracia está amputada. E o "Estado" funciona com dois Poderes e um terceiro, de expectadores usurpados, mas que se dizem felizes.

Na busca de uma expressão, os anos 1650, na Inglaterra, ajudaram com sua crise política institucional e um Parlamento desossado: "Barebones". Vale dizer: instituição esvaziada, que se demitiu de suas responsabilidades intransferíveis.

Cesar Maia passa a escrever aos sábados nesta coluna.

Lua minguante

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O governo Barack Obama tem 25 dias e já acumula várias derrotas: quatro quedas no gabinete, fracasso do sonho do apoio bipartidário, um plano de resgate financeiro mal recebido no mercado e um plano de estímulo econômico que demorou muito na tramitação pelos impasses partidários. São avisos de que será um governo difícil nas áreas política e econômica.

A lua-de-mel foi breve, porque a crise econômica é profunda e o mundo político precisava, e queria, que Obama escorregasse. Ele brilhou tanto na campanha, se colocou acima de Washington, uma novidade tão alvissareira que, se cumprida, significaria derrotar uma teia enorme de interesses que está incrustada na capital federal. É assim nas capitais federais, guardadas as devidas proporções.

Obama escorregou em algumas nomeações. Prometeu um governo sem qualquer conexão com lobbistas e más práticas. Por isso a lupa foi aumentada sobre cada um dos escolhidos. Pecados e pecadilhos derrubaram nomeados e enfraqueceram o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, que entrou em campo na defensiva quando foi escalado para o ataque.

Ao perder Tom Daschle, Obama ficou sem a peça-chave para a mais importante reforma interna prometida na campanha, a da assistência à saúde. Ao perder Judd Gregg, o breve secretário do Comércio, ele ficou sem o símbolo de que seria possível fazer um governo que passasse por cima da divisão partidária. Não parece possível. A Câmara não lhe deu um único voto no pacote de estímulo, o Senado deu magros três e Gregg abandonou o cargo, dizendo que não podia ser ele mesmo e colaborar com o governo ao mesmo tempo, e foi comemorado como filho pródigo em retorno pelo Partido Republicano. Obama terá que nomear o terceiro secretário do Comércio, porque o primeiro, antes de Gregg, foi o governador do Novo México, Bill Richardson, que saiu antes de entrar por suspeitas de favorecimento de empresa.

Para o contra-ataque econômico, o presidente tinha escolhido duas armas, numa ação simultânea e definitiva esta semana. O pacote de estímulo econômico, em fase final de aprovação no Congresso, e um amplo ataque à crise de confiança no sistema financeiro, que ainda paralisa o crédito e derruba as ações dos bancos. Incrível que ainda haja espaço para cair. O Citibank já teve ação cotada a US$56, no fim de 2007, e ontem ela foi negociada a US$3,65.

Obama tem nas mãos o pacote de estímulo, aprovado ontem, com algumas escoriações, e pôs um plano financeiro na rua que não agradou. Nas primeiras horas após o anúncio, o principal colunista do "Financial Times", Martin Wolf, disse que o plano fracassaria; e o mais notado economista destes tempos de crise, Nouriel Roubini, está dizendo que não há como fugir do Plano N, de nacionalização (estatização) dos bancos. A revista "Economist" definiu-o como "tímido, incompleto e sem detalhes" e disse que a equipe econômica de Obama cometeu o erro de prometer um plano e entregar um conceito. O Dow Jones caiu 5% em três dias após o anúncio e ontem, mesmo com a aprovação do pacote, fechou em queda de 1%. O que ficou claro é que não haverá solução fácil, nem indolor, para esta crise. Geithner não conseguiria fazer um plano varinha de condão que varresse as dúvidas sobre a sustentabilidade de alguns bancos pilares do mercado financeiro americano.

Dentro dos bancos existem ativos sem liquidez, difíceis de valorizar, e eles precisam ser retirados dos ativos bons dos bancos. O plano ofereceu três fórmulas a serem usadas ao mesmo tempo: capitalização após auditoria nos bancos; fundo público e privado que compraria ativos podres; ação do Fed para destravar o mercado de outras dívidas, como cartão de crédito, de carro, estudantil. Pediu-se a Geithner mais do que ele podia dar, e ele ofereceu menos do que podia. O secretário do Tesouro disse que havia "mais risco no gradualismo do que na ação agressiva". Mas anunciou mecanismos de execução gradual.

O pior defeito do plano foi ignorar o mercado hipotecário, onde dez mil famílias ficam sem casas por dia. Essa sangria aprofunda mais o valor dos ativos dos bancos, e aprofunda a crise. O governo promete um plano para o resgate dos devedores dos imóveis na semana que vem e os grandes bancos anunciaram ontem uma suspensão das execuções de hipotecas.

Se foi um difícil início, não significa que tudo já deu errado. O governo Obama mal começou, venceu no Congresso, mantém a confiança e continua no ataque. A cobrança seria difícil, os perdedores políticos precisam de espaço, o mercado bancário está em risco de colapso. Não acabou nem o primeiro mês. Há uma longa jornada pela frente. Ela pode melhorar mais cedo.

Um painel de economistas ouvido regularmente pelo "Wall Street Journal" avaliou ontem que a recessão pode ser mais profunda, só que mais curta. A média das previsões é de uma queda de 4,6% do PIB no primeiro trimestre, outra queda de 1,5% no segundo trimestre, mas na segunda metade do ano o país teria 0,7% e 1,9% positivos. Os pessimistas, no painel, acham que a média das previsões está otimista demais e que a recessão será mais longa. Mas Obama tem espaço para trabalhar para que a maioria esteja certa.

Sob Cabral, empresa multiplica os contratos com o governo do Rio

Da sucursal do Rio
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Estado alega que fez pregões; contratos somaram R$ 66,9 milhões em 2008

O governo do Rio comprou a maioria dos equipamentos de informática do Estado em 2008 da empresa do sócio do presidente da Assembleia Legislativa, deputado Jorge Picciani (PMDB), aliado do governador Sérgio Cabral Filho (PMDB).

A Investiplan, de Paulo Trindade, conseguiu multiplicar os contratos após a eleição de Cabral. Em 2006, os contratos do governo com a empresa somavam R$ 11,3 milhões. Um ano depois, os valores multiplicaram em mais de seis vezes, chegando a R$ 73,5 milhões. Em 2008, foram R$ 66,9 milhões.

Trindade passou a negociar gado com Picciani a partir de 2005. Desde então, os dois já compraram bois em condomínio, organizaram leilões e comercializaram gado entre si. O caso foi revelado anteontem pelo jornal "O Globo".

O governo do Estado afirmou que os contratos foram celebrados em pregões eletrônicos, nos quais as empresas que disputam a licitação só são identificadas após a definição do preço. Picciani afirmou que nunca influenciou nas compras do Estado. A Investiplan disse que "nunca precisou de influência política para vencer licitações".

Além da escalada dos valores dos contratos, a Investiplan conseguiu no ano passado um "monopólio" no pagamento por parte do governo do Estado na rubrica "equipamento para processamento de dados". De acordo com dados da Secretaria da Fazenda, 93,9% dos valores efetivamente pagos pelo governo foram para a empresa.

Trindade e Picciani são amigos há 15 anos, segundo o deputado, mas só em 2005 eles fecharam o primeiro negócio. Desde então, participaram juntos de ao menos cinco transações de gado (seja como sócios ou venda entre si). A maior operação ocorreu em 2006, quando Trindade pagou R$ 1,04 milhão por 50% do clone da vaca mais premiada da Fazenda Monte Verde, de Picciani.

"Sou pecuarista há 25 anos e reconhecido no setor como um dos maiores formadores e fornecedores de genética do país, tendo contribuído ao longo desses anos para a melhoria da qualidade do plantel do Brasil, que ocupa hoje a condição de maior exportador de carne do mundo", afirmou o deputado.

Cabral defendeu os contratos: "O pregão eletrônico é transparente, todos podem participar. É um formato que permite o acompanhamento online. Empresas de todo o Brasil podem participar. Se essa empresa oferece o melhor preço, qual é o problema?"

A Investiplan afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que nunca participou "de licitação que tenha sido revogada por qualquer órgão fiscalizador de contas públicas". "Temos tamanho e credibilidade junto a fornecedores e a instituições financeiras para disputar com os menores preços", afirma a nota da empresa.

O deputado Comte Bittencourt fez uma representação no Ministério Público sobre a compra de 31 mil laptops por R$ 58 milhões. Ele afirmou ter estranhado a compra, feita em dezembro, ter sido entregue e paga no período de um mês.