quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Governo cosmético e oposição conivente

José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Não é de hoje que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abusa da licença especial que o País e o mundo lhe dão para cometer gafes e as transforma em frases e episódios pitorescos que aumentam seu prestígio com eleitores, ricos ou pobres, que não dão a mínima para isso. A lembrança da mãe nordestina nascida analfabeta, coitada, e o deslumbramento com a cidade que não parecia africana se tornaram registros folclóricos a provocar risos de folgazã simpatia. Mas desde que uma pesquisa lhe deu 84% de popularidade (e 75% de aprovação a seu governo, que se fez alguma obra importante para consertar a indigente infraestrutura nacional ou algo de notável no combate à violência, ao tráfico de drogas e à corrupção, grandes problemas que parecem se eternizar, ninguém sabe, ninguém viu), o homem tem extrapolado.

A desfaçatez com que Sua Excelência se desloca pelo País de palanque em palanque carregando a própria candidata na disputa presidencial de 2010 é cínica e notória. O périplo de Dilma Rousseff mataria de inveja os demagogos de antanho, useiros e vezeiros inauguradores de pedras fundamentais de obras inacabadas. Dia destes, ela foi a São Leopoldo (RS) inaugurar o início da obra de uma estrada para Novo Hamburgo. E dali foi a Novo Hamburgo, onde subiu num palanque para comemorar a perspectiva de obra da mesma estrada para São Leopoldo.

Antes disso, a candidatíssima compartilhou com o chefe e patrono os lados extremos de um cartaz com um espaço no meio, usado por um fotógrafo de Goiânia para produzir fotomontagens, nunca antes tão disputadas, com prefeitos do Brasil inteiro. A fila se comparava às dos postos de INSS e hospitais públicos e o preço era módico para o resultado final: R$ 30, 8 mil vezes menos que o que se calcula que tenha sido gasto dos cofres da viúva no grande convescote municipal da semana passada na capital federal: R$ 240 mil.

Na tal fila se viveu o episódio mais esclarecedor sobre a relação entre representantes e representados numa democraççia como a noçça, em que a participação popular se resume à ida às urnas para escolher qual entre os nomes do cardápio preparado pelos caciques partidários é capaz de seduzi-lo e abandoná-lo. O prefeito petista de Timbira, do Maranhão dos Sarneys, Raimundo Nonato Ponte, informou que mandará escanear a foto em que fingia estar com o presidente e a candidata do PT para provar a maledicência de seus adversários que o acusam de não ter o prestígio de que se gaba com noçço guia máççimo.

A cena é um símbolo exato do jogo de "me engana que eu gosto" eleitoral, reproduzido depois pelo presidente, ao mostrar sagrada (e talvez sincera) indignação contra a pequenez da imprensa que confundiu aquele "profícuo" encontro dos prefeitos com o chefe da Nação com um mesquinho comício. Talvez Lula pense de fato que serve à Nação dizendo às mulheres dos prefeitos, que os acompanhavam, que está na hora de o Brasil ser governado por uma delas e que seria melhor que ninguém entendesse isso como propaganda direta de uma candidata que ainda não pode sê-lo. Mas imaginar que o respaldo popular baste para fazer de pedra pão é uma sensação de megalômana inimputabilidade, concedida pela Constituição a menores e índios, mas não aos homens públicos. Ainda não!

No referido convescote municipalesco, o presidente mostrou-se íntimo de valores no mesmo grau da própria familiaridade com a gramática. "Nós cortaremos o batom de dona Dilma, o meu corte de unhas, mas não cortaremos nenhuma obra do PAC", afirmou, sem saber que estava reduzindo sua única plataforma administrativa ao que ela é mesmo: uma intervenção cosmética.

Nesse pronunciamento, que se tornou histórico por "nunca antes" um presidente ter insultado tanto a inteligência da plateia, ele ainda cometeu o desplante de se dirigir a um adversário, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), para manipular dados estatísticos de maneira inesperada até para sua lavra. Ao dizer que 10% da população do Estado mais rico da Federação, São Paulo, governado pelo principal candidato da oposição à disputa de 2010 para a Presidência, José Serra (do PSDB), é analfabeta, quando, na verdade, moram em São Paulo 4,6% dos analfabetos do País, índice inferior à média nacional, Lula deixou no ar uma dúvida: se não sabe sabe distinguir 4,6 de 10 ou se falsificou o dado para obter proveito político próprio.

Qualquer resposta a esta questão tropeça numa conclusão pior: a da própria inutilidade. Tenha dificuldade para compreender um dado comezinho da realidade ou facilidade para falsificar estatísticas, o presidente de noçça República se beneficiaria da banalização da amoralidade, comprovada pelo fato de ninguém se ter espantado com o senador Jarbas Vasconcelos (PE) ter dito à Veja que a maioria de seus colegas do PMDB se especializou em "manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral".

E mais até que da ignorância do lúmpen das favelas ou dos condomínios de luxo, tira ele vantagem da concupiscência da classe política, incapaz de um vagido de civismo. Faltam à oposição autoridade moral, capacidade gerencial e desapego pessoal até para expor os disparates que o presidente tem disseminado desde que os 84% de uma pesquisa de credibilidade duvidosa retiraram dele qualquer noção de risco. Com o DEM perdido nos desvãos do castelo de um corregedor incorrigível e a coragem cívica dos tucanos reduzida aos rodeios retóricos do ex-presidente Fernando Henrique, enquanto os pretendentes ao trono, José Serra e Aécio Neves, fazem de tudo para não perturbar El Rei, este nada de braçadas ao iniciar uma campanha que a lei proíbe, mas a Justiça, só preocupada em aumentar os vencimentos de seus membros, tolera. E a oposição se limita a invejar.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

Virtudes e defeitos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

A crise econômica internacional já está provocando efeitos na distribuição das classes sociais no país que foram detectados em pesquisa pela Fundação Getulio Vargas. Embora continue em crescimento e representasse, no final de 2008, 53,8% do total de brasileiros das seis maiores regiões metropolitanas, a classe C mantém seu desempenho graças mais ao efeito nocivo da crise nas classes A e B do que simplesmente ao crescimento virtuoso da economia que tira cidadãos das classes D e E.

Segundo pesquisa intitulada "Crônica de uma Crise Anunciada: Choques Externos e a Nova Classe Média", do Centro de Políticas Sociais do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas, coordenada pelo economista Marcelo Neri, a partir de setembro de 2008, quando se determina início da fase aguda da crise, com a quebra do banco Lehman Brothers nos Estados Unidos, há aumento da classe C e redução dos extremos dos estratos sociais.

"Pessoas que estavam mais no topo da distribuição estão caindo ou deixando de crescer", diz o estudo. A classe AB apresenta um crescimento negativo de 0,65% entre setembro e dezembro do ano passado. A classe C apresentou, nesse mesmo período, um crescimento de 1,24%, e as classes E e D continuam em queda de 2,51% e 1,23% respectivamente.

Segundo os dados da FGV, houve o aumento acumulado de 2004 a 2007 das classes C e AB de 26% e 42%, respectivamente, com correspondente redução da participação das classes D e E. A classe C - a nova classe média emergente - continuou em expansão de 3,7% comparando os extremos de 2008, chegando a 53,8%, e as classes A e B também ficaram 3,9% maiores no período, com queda das classes D e E de 6,8% e 8%, respectivamente.

A partir de setembro, porém, a pesquisa constatou que quem está perdendo mais são os que eram inicialmente mais ricos. Um exemplo: no período antes do agravamento da crise, 19 pessoas a cada cem que estavam na classe AB caíam para as classes mais baixas, e este número teve um aumento de cerca de 30%, subindo para 25.

Segundo o estudo da FGV, que aliás foi apontada pela revista americana Foreign Policy como um dos cinco melhores "think-tanks" do mundo em políticas públicas, há um claro "movimento de instabilidade" no topo da distribuição de renda, onde os sinais da crise são mais visíveis.

Este efeito é chamado de "contraelite", e se dá pelo tipo de crise, que afeta mais os setores exportador, formal, financeiro e imobiliário. O lado bom, segundo a pesquisa, é que esses setores são relativamente pequenos em relação ao conjunto da população.

Mesmo a indústria nas metrópoles industrializadas ocupa só 12% dos trabalhadores, uma pequena parte da mão-de-obra. Esses setores são também menos importantes no Brasil do que em outros países, e por isso a economia brasileira, que é relativamente pouco aberta, será afetada com menor gravidade.

Também o trabalhador brasileiro comum está mais protegido do que o trabalhador ocupado em setores mais modernos da economia. Para a FGV, o fator fundamental é a pujança do mercado interno, que continua aquecido "e isso vai fazer a diferença".

Paradoxalmente, os defeitos de nossa política econômica agora viraram virtudes, ressalta o trabalho da FGV. Mesmo não tendo sido uma decisão deliberada de planejamento de política, a nossa história nos teria levado a uma situação que é relativamente mais confortável em épocas de choques externos adversos, analisa o estudo.

O Brasil dispõe, segundo a FGV, de instrumentos de política pública à disposição em maior número e diversidade do que outros países. O Bolsa Família, que atinge hoje quase um quarto da população brasileira e chega aos de menor renda que consomem boa parte de sua renda, seria um exemplo, com efeito duplo: é bom em termos equitativos e em termos de aquecimento de demanda.

O aumento do salário mínimo, por sua vez, não tem o mesmo efeito na base da distribuição, aumenta a rigidez trabalhista, mas tem um efeito direto sobre demanda pelas vias dos programas sociais a ele vinculados.

O estudo da FGV trata o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como se fosse o New Deal do presidente americano Franklin Roosevelt, programa que ajudou o país a sair da Grande Depressão. Mesmo admitindo que o PAC, ao ser lançado, não fazia muito sentido, o economista Marcelo Neri tira uma conclusão otimista de sua existência:

"O Brasil criou um New Deal antes que o risco de depressão fosse sequer anunciado. Àqueles que achavam que o Brasil estava com sorte antes, pelo crescimento da economia mundial, eu diria que sorte nós temos agora. É como se descobríssemos o que não sabíamos: compramos nos anos anteriores um bilhete, não de loteria, mas de seguro premiado".

Segundo o estudo, depois do fim da recessão de 2003, o Brasil vinha apresentando até 2006 um crescimento mais acelerado do que nas chamadas décadas perdidas, mas menor do que os demais países emergentes, ou desenvolvidos. Mais recentemente, "o Brasil começou a subir no ranking internacional de crescimento ano a ano, sem mudar o patamar da expansão, pois são os outros que estão desacelerando". Segundo as tabelas da revista britânica The Economist, em 2007, o Brasil foi o 33º no total de 43 países. Em 2008, se tornou o 21º, e, nas projeções para 2009, estamos em 8º lugar no ranking.

O estudo tem notícias boas, sem dúvida, mas terminei de lê-lo com a sensação desagradável de que estamos melhores porque estamos atrasados economicamente, temos programas assistencialistas, e só melhoramos na comparação internacional porque os outros pioram.

Eu sou, mas quem não é?

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Seria de rir, não fosse de chorar - pelo que evidencia da miséria moral da política brasileira - a nota com que o PMDB se manifestou sobre a entrevista do senador pernambucano Jarbas Vasconcelos, um dos fundadores da legenda, em que ele acusa "mais de 90%" dos seus correligionários de praticar o clientelismo, no escambo do apoio aos governantes de turno, em troca, principalmente, de cargos. Em raquíticas oito linhas, a Executiva Nacional peemedebista faz saber que não dará "maior relevo" às denúncias, desqualificadas como mero "desabafo". Tivesse a agremiação um átimo de pudor, chamaria o dissidente às falas porque o seu assim denominado desabafo expõe o cerne do comportamento fisiológico que de há muito se tornou a razão de ser desse que é o carro-chefe do sistema partidário nacional.

Pois quando fala do apetite compulsivo do PMDB por cargos, o senador observa que a ocupação de espaços na máquina federal não se explica basicamente pela busca de dividendos políticos, portanto eleitorais, que o enfeudamento rende aos ocupantes e, sobretudo, aos seus padrinhos. Se disso se tratasse, até que não seria o pior dos mundos, descontada, vá lá, a promiscuidade que desnatura o princípio constitucional da impessoalidade da administração pública e das decisões de Estado - e a entrevista do senador não passaria de uma dissertação superficial sobre o toma-lá-dá-cá nas relações de poder no País. Só que ele atingiu a veia da questão ao dizer que a maioria dos peemedebistas interessados em cargos "se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral". E, para o caso de alguém ainda não ter entendido, cravou: "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção."

Diante disso, com a sua murmurada resposta, o baronato partidário passou o proverbial recibo ao denunciante, elevando inadvertidamente os seus argumentos à categoria de constatação de uma realidade objetiva. Ao mesmo tempo, a cúpula deixou subentendido o paradoxo que é a marca de Caim da sigla - e, diga-se desde logo, não apenas desta. Sim, porque, tivessem esses cavalheiros algum resquício de pudor, como se mencionou acima, iriam com tudo contra quem não mediu palavras para dizer a que vem "boa parte" deles. Mas, fizesse o pudor parte de seu padrão de atuação política, não seriam o que são, e o libelo que caiu sobre as suas cabeças teria tanta contundência quanto um tiro de pólvora seca. Em desespero de causa, a nota acusa Vasconcelos de lançar a pecha de corrupção a todo o sistema político, por ter ele afirmado que "a corrupção está impregnada em todos os partidos". Praticamente dá para ouvir os autores repetindo, em coro, o velho bordão do personagem de Chico Anísio: "Sou, mas quem não é?"

Dizem eles ainda que não darão "maior atenção" às suas palavras "em razão da generalidade das acusações". Efetivamente, ele "não aponta nenhum fato concreto que fundamente suas declarações". Vasconcelos se deteve apenas no episódio do colega Renan Calheiros, que em dezembro de 2007 renunciou à presidência do Senado dentro de um arranjo para não ser cassado por quebra de decoro no affair do lobista que pagava as suas contas. Refeito, assumiu a liderança da bancada peemedebista na Casa e foi um dos mais notórios cabos eleitorais do bom amigo José Sarney, cuja volta ao comando do Senado, pela terceira vez, Vasconcelos considera "um completo retrocesso". "Não quero citar ninguém por enquanto", justifica-se. "Tenho de ter o mínimo de estratégia." Mas os fatos falam - ou, melhor, clamam - por si.

Para não ir mais longe, a própria representação do PMDB na Câmara Alta é uma usina de indícios veementes de impropriedades. A legenda tem 20 senadores. Basta uma simples consulta à base de dados do Supremo Tribunal Federal (STF) para verificar que 1 de cada 2 deles responde a processo ou está sob investigação. Tudo somado, são 13 inquéritos, 4 ações penais e 5 investigações. Envolvem peixes graúdos, como o líder do governo Romero Jucá, alvo de dois inquéritos, e senadores sem voto, como Edison Lobão Filho. O "per capita" é inigualável, o que representa uma proeza e tanto, mesmo sendo o que é "boa parte", como diria Vasconcelos, dos políticos brasileiros.

A tempo: além de Pedro Simon, o único peemedebista de 1º escalão que apoiou Vasconcelos foi Orestes Quércia...

Serra dá sinal verde para PSDB fazer prévias

Christiane Samarco, BRASÍLIA
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente do partido fala em ?questão resolvida? e anuncia reunião para definir regras

Com o sinal verde do governador de São Paulo, José Serra, o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), garantiu ao governador de Minas, Aécio Neves, que o partido atenderá à sua exigência de organizar as prévias partidárias para escolher o candidato à Presidência em 2010. Segundo o senador, em encontro em São Paulo, na segunda-feira da semana passada, Serra não apenas se disse favorável às prévias como defendeu a tese de que sua regulamentação seja feita logo.

"Serra está disposto a disputar as prévias. É uma questão resolvida", afirma Guerra. Logo depois do carnaval, ele planeja reunir dirigentes tucanos e representantes das duas pré-candidaturas para definir as regras. O objetivo é atender Aécio, que fixou prazo até 30 de março para uma definição.

"Ninguém negará a uma liderança do porte do governador mineiro o direito de disputar dentro do partido a escolha para ser candidato a presidente", acrescentou o senador. Guerra diz que a tarefa da direção, no primeiro semestre, é organizar o partido em todo o País e começar a montagem dos palanques estaduais. Para facilitar a composição com os aliados, o PSDB planeja uma agenda conjunta nos Estados com os presidentes do DEM, Rodrigo Maia, e do PPS, Roberto Freire.

Apesar de, nos bastidores, a cúpula do DEM revelar clara preferência pela candidatura de Serra, que lidera com folga as pesquisas de intenção de voto, Maia afirma que a ideia das prévias tucanas não contraria seu partido. "Ruim é o impasse", argumenta. "Um processo como este pode até fortalecer as candidaturas estaduais."

Em conversas de bastidor, Guerra tem argumentado que o PSDB cresceu, é um partido nacional e todos "querem e serão" ouvidos. Mas há resistências internas à consulta. Até líderes mais identificados com a candidatura de Aécio, como o senador Tasso Jereissati (CE), têm ponderado que é tarde.

O argumento nesse caso é o de que a montagem e a organização da consulta consumiria tempo demais, permitindo que a candidata do governo, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, corra sozinha até a decisão final do tucanato.

O partido só aguarda a resposta de uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para reunir a direção e definir as regras das prévias.

O barraco no PMDB

Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Ninguém pode dizer que se enganou com o PMDB e seus caciques regionais. Mas a política brasileira poderia ser ainda pior sem eles, como aliás já foi provado

O senador Jarbas Vasconcelos , ex-governador de Pernambuco e fundador do partido, armou o maior barraco no PMDB e ficou por isso mesmo. A cúpula da legenda resolveu deixá-lo falando sozinho, embora a repercussão de sua entrevista à revista Veja, na qual acusa o partido de corrupção e fisiologismo, continue grande na mídia. Aparentemente, Jarbas cansou de ser escanteado pelos demais caciques da legenda e resolveu abrir uma dissidência que, pelo teor das acusações, não tem volta e deixa o PMDB na berlinda.

Fiel da balança

Não vou entrar no mérito da discussão aberta por Jarbas, que resolveu lavar a roupa suja de seu partido em público, para alegria da imprensa, pois quebrou a monotonia da cobertura política.

Tão pouco quero adivinhar suas motivações íntimas, que para alguns analistas seriam fundar outro partido e virar vice da candidatura do governador paulista José Serra (PSDB) a presidente da República. Também não discuto suas críticas ao governo Lula, principalmente ao Bolsa Família, que para alguns são coisas de quem não gosta de pobre. Vou fechar o foco no que julgo mais importante: o PMDB começa a pagar o preço de ser o fiel da balança na sucessão de Lula em 2010.

Com seus governadores, prefeitos e parlamentares, a força renovada do PMDB no Congresso foi construída de baixo para cima, nas duas últimas eleições, e sua presença no governo Lula é muito mais uma consequência do que a causa desse fortalecimento. A legenda é fiadora da governabilidade do país. Sem o apoio do PMDB, o governo Lula não teria sustentação política no Congresso e ficaria à matroca. Não é à toa que ocupa seis ministérios na Esplanada, muito menos que tenha conquistado as presidências do Senado e da Câmara, ocupadas respectivamente por um antigo desafeto de Jarbas, o senador José Sarney (AP), e um suposto aliado, o deputado Michel Temer (SP).

A propósito, há uma curiosa assimetria nas relações do PT com o PMDB nas duas casas do Congresso. No Senado, as relações entre os dois partidos do “governo de coalizão” vão de mal a pior. Jarbas apoiou o petista Tião Viana (AC), que deveria ter retirado a sua candidatura anti-Sarney e não o fez porque recebeu o apoio da oposição. Na Câmara, ao contrário do que se poderia supor, o PT nunca esteve tão afinado com o PMDB, numa aliança que serviu de eixo para eleição de Michel Temer, diga-se de passagem, com apoio dos partidos de oposição.

Uma esfinge

Ninguém pode dizer que se enganou com o PMDB e seus caciques regionais. Mas a política brasileira poderia ser ainda pior sem eles, como aliás já foi provado. Ocorre que a cúpula do PMDB — da qual Jarbas se excluiu — há muito não estava tão unida como agora. E transformou a legenda numa esfinge, capaz de devorar aqueles que não forem capazes de decifrá-la.

Ninguém, por exemplo, precisa falar ao ex-presidente José Sarney que ele é um personagem do passado, que teima em protagonizar o presente. Ele sabe disso melhor do que ninguém.

Mas qual Sarney? O da UDN Bossa Nova, que era suspeito de ser comunista? O deputado da Arena que apoiava o regime militar? O dissidente que articulou o PDS e se filiou ao PMDB para ser vice do presidente Tancredo Neves? O presidente da República que legalizou o Partido Comunista? O chefe de Estado que autorizou o Exército a reprimir os operários de Volta Redonda? O oligarca que resolveu embarcar na candidatura de Lula em 2002? Ninguém sabe o que Sarney fará na eleição de 2010, só que ele está no jogo.

Temer, com a sua troika de escudeiros na bancada de deputados do PMDB — Henrique Eduardo Alves (RN), Eliseu Padilha (RS) e Eduardo Cunha (RJ) —-, dá as cartas na Câmara. Qual é a do presidente licenciado do PMDB, um notório equilibrista da política? Para onde irá essa turma em 2010? Ninguém sabe ainda, pois operam ao mesmo tempo com o governo e a oposição, num jogo em que garantem apoio ao presidente Lula mas se reservam ao direito de lançar um candidato próprio ou apoiar um candidato não oficial desde que não seja um anti-Lula. Por isso, dividir o PMDB anula esse jogo.

Degeneração progressiva

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A despeito das disposições em contrário, ainda há gente - e muita - de bem fazendo política no Brasil. Inclusive no PMDB. É mesmo o que se depreende da afirmação do senador Jarbas Vasconcelos quando se refere na entrevista à revista Veja ao interesse de "boa parte do PMDB" em usar o partido para fazer corrupção e fisiologismo.

Isso quer dizer que outra "parte" está fora disso. Como é mais silenciosa, não está todo dia no noticiário reivindicando cargos, protagonizando escândalos, armando jogos de pressão, participando dos mais insidiosos conchavos, acaba integrando um todo de imagem nefasta.

A essa parcela muito provavelmente desconforta mais a reação anódina da Executiva à entrevista do senador do que propriamente as declarações dele.

Ao não esboçar defesa, a cúpula do PMDB deixa o que ainda lhe resta de saudável exposto ao sol e ao sereno. Confirma a impressão de que não responde porque não tem resposta.

A generalização da má fama não é invenção de Jarbas Vasconcelos, que nem de longe pode ser responsabilizado por tudo o que de mal se fala a respeito do PMDB. É produto de uma série de escolhas, do afrouxamento de padrões de qualidade no exercício da atividade pública.

O processo de degenerescência começou no primeiro governo civil pós-64 com a transformação da distribuição de poder entre os fundadores da Nova República, arquitetado por Tancredo Neves, em um acintoso "é dando que se recebe" no governo José Sarney e consolidado durante a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) para assegurar cinco anos de mandato ao então presidente.

De lá para cá o PMDB foi se reconstruindo. Abandonou a feição de frente de resistência à ditadura, de gerador de movimentos como o das Diretas-Já, para assumir o perfil de confederação de interesses regionais, agora uma grande organização com objetivo centralizado de se incrustar em definitivo nas estruturas de poder de todas as esferas, municipal, estadual e federal.

Por artimanha do destino, o MDB que serviu de abrigo aos opositores do regime militar se transformou na democracia no PMDB desenhado à imagem e semelhança da versão preferida do autoritarismo para sistemas democráticos e sua base de representação política.

Os ditadores menosprezam os políticos, os autoritários se regozijam desqualificando uma atividade cujo princípio é dos mais nobres: o equilíbrio das vontades. Sem ela, prevalece a força.

Lamentável sob todos os aspectos é que não só o PMDB, mas os outros partidos e uma ala considerável da sociedade informada e influente não se deem conta da importância do tema levantado pelo senador Jarbas Vasconcelos, preferindo ignorá-lo ou questionar suas motivações.

Sejam elas quais forem, não modificam a realidade: o descrédito crescente com a política motivado por um comportamento deformado, referido na obtenção de vantagens. Isso inclui partidos governistas e oposicionistas.

Não por acaso todos mantiveram um silêncio reverencial, buscando pelos cantos desvendar as razões do senador, agindo como se o conteúdo das declarações guardasse relação exclusiva com a economia doméstica do PMDB, quando o assunto é do interesse de todos (até de quem não sabe que é) e em algum momento terá de ser enfrentado com seriedade.

Ao bispo

A nota do PMDB de resposta a Jarbas Vasconcelos não saiu ao gosto dos senadores Renan Calheiros e José Sarney, os únicos políticos citados nominalmente na entrevista à Veja.

O presidente do Senado e o líder do partido na Casa queriam que a Executiva fosse mais assertiva na defesa da honra de ambos. Sarney foi chamado de "retrógrado" e Calheiros acusado de não ter moral para ser senador.

Ainda assim, a cúpula preferiu dizer que as acusações eram "genéricas". Por um motivo: não comprometer ainda mais a já tão comprometida legenda com duas figuras tão estigmatizadas na opinião pública.

Sem contar a rasteira que Sarney e Calheiros tentaram dar na candidatura do presidente do partido, Michel Temer, à presidência da Câmara, para tirá-lo do comando do PMDB.

Depois da reunião de segunda-feira durante o dia, uma nova tentativa de pressão em prol da tomada de dores foi feita à noite na casa da senadora Roseana Sarney. Inútil, porém.

Duas vidas

O deputado Eduardo Cunha foi dos primeiros a defender a saída de Jarbas Vasconcelos do PMDB por causa da análise feita pelo senador sobre a situação em que se encontra o partido que ajudou a fundar no regime militar.

Cunha entrou mais recentemente na agremiação. Pelas mãos do ex-governador Anthony Garotinho, que o herdou do PRN, legenda que levou Fernando Collor à presidência da República em 1989 e entronizou Eduardo Cunha na vida pública, à época com a credencial de representante de Paulo César Farias (o tesoureiro) no Rio de Janeiro.

O silêncio dos incriminados

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O ministro José Gomes Temporão (PMDB-RJ), da Saúde, já havia se rebelado publicamente contra a desfaçatez com que seu partido pratica a gestão dos recursos públicos e foi mal sucedido ao tentar trocar a direção da Funasa (Fundação Nacional de Saúde, bunker pemedebista de cargos e verbas). Anos atrás, o atual governador Roberto Requião (PMDB-PR) inventou, contra um colega de partido, o "disque Quércia", expressão autoexplicativa. O próprio presidente Lula já insultou o senador José Sarney (PMDB-AP), não houve processo e hoje são amigos e aliados. O PMDB do Rio, que domina comissões no Parlamento como instrumento de pressão sobre o governo, atravessa períodos de intensas críticas e suspeitas sobre suas relações com Furnas, por exemplo, sem reagir ou se sentir impelido a torná-las transparentes.

Ninguém ignora, nem o eleitorado, as concepções e métodos do PMDB e o partido sabe disso: há cerca de 10 anos encomendou uma pesquisa, divulgada em convenção que realizou no Hotel Nacional, em Brasília, em que um dado deixou a platéia boquiaberta. Os entrevistados declararam ser o PMDB o partido mais corrupto da política brasileira. A informação foi transmitida à imprensa, numa entrevista coletiva, sem o menor sinal de constrangimento ou preocupação. Afirmou-se, na ocasião, que a direção tudo faria para superar esta imagem impregnada, por alguma razão, no imaginário do eleitorado.

A entrevista do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) à revista "Veja" é mais um desses momentos em que seu partido, e o governo Lula, a quem o senador se opõe politicamente em dissidência , se veem diante de um perfil desprezível, traçado por uma voz contundente, uma fala substantiva, um discurso político, como há muito se cobrava à oposição. Jarbas não observou conveniências e tudo no seu discurso fez sentido.

Não há novidade no que disse o senador e nem em sua atitude, sempre coerente. Já no discurso inaugural de início de mandato, em 2007, Jarbas Vasconcelos apresentou um olhar em perspectiva não só sobre o seu partido como sobre a política em geral. De volta ao Congresso, depois de 21 anos de mandatos no Executivo, explicitou um manual de atitudes sobre a prática da democracia e o exercício da oposição. Não condenou as alianças, mas alertou que em paises com grande fragilidade do quadro partidário, embora as alianças sejam necessárias para governar, é preciso ter como base o respeito ao pluralismo partidário e expressar um programa de governo com objetivos definidos. Não vendo no PT esta condição, o senador defendeu que o PMDB ficasse como "principal escoadouro das esperanças em construir um Brasil melhor e mais justo".

Não convenceu o PMDB, postou-se na dissidência minoritária de oposição e a defendeu como direito. O senador não destoa agora de seu pronunciamento mas deve constatar que tanto antes como hoje prega ao vento. Os pemedebistas insultados (eles devem saber com quem Jarbas Vasconcelos está falando) fingem-se de desentendidos. Provavelmente pelo temor de reagir. Talvez deduzam que, mesmo sendo um discurso político, pode haver provas e, se as há, qualquer movimento em falso faz o caso virar um incontrolável "mensalão".

O senador Renan Calheiros, de volta ao cargo de líder do partido depois de graves acusações que sofreu no campo da moral e da ética, faz-se de mouco. O senador José Sarney, presidente do Senado, não repudia a constatação de que sua eleição é retrocesso e continua, como esteve durante a campanha, sem dizer qual projeto tem à frente da Casa. Seus mais próximos preferem apegar-se à idéia de que é possível explorar uma ambiguidade, de resto inexistente, no conceito de que o presidente vai transformar o Senado em um "grande Maranhão". Resolveram achar poético, romântico, como a censura certamente achou quando liberou Chico Buarque na ironia à ditadura, ao prever que "esta terra ainda vai tornar-se um imenso Portugal".

Renan e Sarney apadrinham a maior parte dos cargos que o PMDB quer, na avaliação do senador Jarbas Vasconcelos, para fazer negócios e ganhar comissões. A maioria do partido se especializou, reforça o senador, "nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral". Os jornais mostraram ontem que a metade dos senadores do PMDB responde a inquéritos ou ações penais no Supremo Tribunal Federal. Segundo levantamento do jornal O Globo, 40% da bancada pemedebista do Senado são investigados por crimes de corrupção, formação de quadrilha, falsidade ideológica, compra de votos.

Jarbas Vasconcelos não foi, como se vê, leviano nem injusto. Fez uma manifestação política, e é pena que os políticos recusem mais esta oportunidade de recomeçar do zero.

Serviço de "Melhora"

Um professor universitário que se preocupa com a Educação antevê deterioração incomum da qualidade do ensino superior impulsionada pela política de expansão, a qualquer custo, de faculdades, universidades e vagas, além da pressão pela matrícula a ferro e fogo na Universidade Aberta. O governo aprecia estatísticas inchadas. A expansão é desejada também pelos educadores , desde que lhes forneçam as condições mínimas para isto. O próprio Tribunal de Contas da União, depois de auditoria em 16 universidades federais, vinha alertando as autoridades para os riscos de depreciação da Educação Superior.

Como mais um sinal do que pode vir a se transformar em crise, chama a atenção, em Brasília, a oferta de um serviço dos novos tempos, que está se transformando em símbolo do risco. Por vários bairros da cidade multiplicam-se os cartazes afixados no chão, ao longo das avenidas: "Melhoro sua Monografia", anúncio seguido de um número de telefone celular. O professor universitário experiente contou que está acompanhando full time seus orientandos, com presença física, o que significa dispensar meios mais modernos, para evitar a formação, nas universidades, de gato por lebre.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Nem fingir eles fingem

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Confesso que não me emocionou nem um pouquinho a afirmação do senador Jarbas Vasconcelos de que "boa parte" de seu partido, o PMDB, gosta mesmo é de corrupção. Afinal, não conheço um só jornalista que tenha escrito ao menos duas linhas sobre política nos últimos 20 e tantos anos que não tenha, uma vez na vida, dito em voz baixa a mesma coisa que Jarbas grita. Tampouco conheço um só leitor -que não seja filiado a partido político- que não pense a mesma coisa sobre o PMDB e, de quebra, sobre todos os demais partidos, grandes e médios -ou até alguns pequenos.

Tampouco é novidade. Um certo Luiz Inácio Lula da Silva, antes de ser presidente, já havia dito que o Congresso é formado por uns "300 picaretas". Como o PMDB sempre foi maioria relativa no Congresso, é inescapável supor que Lula acha (ou achava) que "boa parte" do PMDB é formada por "picaretas".

O fato de ter-se unido a eles, uma vez na Presidência, fala mal de Lula, mas não absolve o PMDB. Por tudo isso, não havia uma só razão para prestar muita atenção à fala de Jarbas.

Mas me emocionou, sim, pelas piores razões, a reação do PMDB, esse assobiar e olhar para o lado, como se o senador estivesse falando de outra agrupação. "Não queremos dar relevo a algo que não tem especificidade", reagiu, por exemplo, Michel Temer, ainda presidente do PMDB.

Como não tem? Dizer que "boa parte" do partido gosta de corrupção não é suficientemente específico para iniciar vigorosa ação exigindo nomes? Ou para expulsar o senador por leviandade? Em outros tempos, o PMDB ou qualquer partido urraria de indignação, fingida ou real. Cada peemedebista esfregaria na cara do denunciante a "ilibada" reputação que diria possuir. Hoje, ninguém mais nem finge indignação, e "ilibada reputação" caiu em desuso.

Alto lá, Jarbas não é Roberto Jefferson

Elio Gaspari
DEU EM O GLOBO

O PMDB se ofendeu com a entrevista que o senador Jarbas Vasconcelos deu ao repórter Otávio Cabral. Um dos seus caciques, o deputado Eduardo Cunha (RJ), indignou-se: "Ele generalizou e não deve se sentir confortável no PMDB depois das críticas. Deve sair."

A reação de Cunha ofendeu a Lei de Serpico, o detetive americano (Al Pacino no filme) que levou um tiro na cara durante uma diligência contra traficantes acumpliciados com seus colegas: "É o policial corrupto quem deve ter medo do honesto e não o contrário."

O que disse Jarbas?

"O PMDB é um partido sem bandeiras, sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos."

O que se pode dizer do deputado Eduardo Cunha?

O doutor tem 40 anos, está no seu segundo mandato federal e o PMDB é seu terceiro domicílio partidário. Cunha começou sua carreira pública presidindo a falecida Telerj (1991-1993), durante o governo de Fernando Collor, e a Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro (1999-2000), durante o mandarinato de Anthony Garotinho. Sua contribuição republicana para o governo Lula foi a indicação do arquiteto Luiz Paulo Conde para a presidência das Centrais Elétricas de Furnas. Nas suas cercanias fica o fundo de pensão dos funcionários, o Real Grandeza, com ativos de R$5,8 bilhões ao final de 2007.

No collorato, Cunha era respeitado pelo acesso que tinha ao empresário-tesoureiro Paulo Cesar Farias. Na virada petista, era visto por Rosinha Garotinho como intermediário fiel em algumas negociações com o PT. Em 2005, numa transação que poderia sepultar a criação da CPI dos Correios, foi desatendido pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy.

Cunha lidera com descortino uma parte da bancada de deputados federais do PMDB. Quando necessário, atua em sintonia com o governador Sérgio Cabral, outro crítico das generalizações de Jarbas. Recentemente, Ronaldo Monteiro Francisco, irmão caçula de Roberto Jefferson, foi nomeado por Cabral para a presidência de uma empresa estatal. O ex-deputado, nacionalmente conhecido desde que implodiu as caixas do Mensalão, lavou as mãos e atribuiu a escolha às "qualidades intelectuais e relações políticas de meu irmão", bem como "à amizade de Sérgio e Eduardo Cunha".

O deputado foi inquilino do doleiro Lúcio Funaro, um dos coadjuvantes da crise do Mensalão.

Explicando-se, disse que se tratava de um aluguel inocente. Quando lhe atribuem nomeações em diretorias de Furnas, da Caixa ou da Petrobras, responde: "Estão exagerando. Eu só indiquei o Luiz Paulo Conde para Furnas. Os outros foram indicados pelas bancadas e eu apenas apoiei."

As críticas de Jarbas Vasconcelos às práticas de uma banda (e que banda) do PMDB diferem das denúncias de Roberto Jefferson porque vêm de fora para dentro das caixas amigas. Todos os seus críticos sabem do que ele está falando e não querem saber de falar nisso. Michel Temer, presidente do partido e da Câmara dos Deputados, diz que elas não têm "especificidade". Se a generalização foi infame, Temer pegou leve. Se não se quer especificar, daqui a pouco começa o carnaval e, quem sabe, muda-se de assunto.

ELIO GASPARI é jornalista.

O "pior já passou" no mundo inteiro

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O pior passeia pelo planeta. Não há lugar intocado pela crise. Leste Europeu quebra devagar e ameaça o "Oeste"

QUANDO A Islândia quebrou, a história circulou o mundo sob um tom de galhofa sinistra mesclado com a graça exótica da ilha gelada e vulcânica da cantora Björk. Mas a estrambótica falência da Disneylândia do liberalismo abilolado não machucou ninguém além dos poucos islandeses e de alguns ingleses que lá arriscavam dinheiro.

O afundamento dos "tigres bálticos" (Estônia, Letônia e Lituânia) e a iminente quebra da Irlanda, à beira de ir ao FMI, também pareciam acontecimentos periféricos. Serviam mais para suscitar a "Schadenfreude" dos inimigos do "neoliberalismo", que se divertiam com a desgraça do hiperliberal "tigre celta".

Ontem, um alerta das desacreditadas agências de classificação de risco sobre o Leste Europeu foi o piparote que levou os mercados do mundo ao chão. Mas o peteleco do risco do Leste Europeu é tão forte assim? Houve algo a mais no ar além de um raio no céu azul da Romênia?

A bem da verdade, o céu de Romênia e cia. nublou faz tempo. Mas quem liga para essas "economias de transição"? Suecos, belgas, austríacos, italianos, mas também franceses e alemães, têm interesses por lá ou são donos de alguns dos maiores bancos da região. Os ex-comunistas convertidos ao capitalismo a crédito se endividaram demais, têm déficits externos gigantes, suas exportações caem e suas moedas derretem com a fuga de capitais: ensaiam um repeteco da crise asiática de 1997-98.

A Moody"s e a Standard & Poor"s avisaram ontem que podem rebaixar a nota de bancos do "Oeste" europeu que têm subsidiárias no Leste. As duas agências não costumam dar notas muito certeiras em período de bonança, mas durante epidemias de peste financeira sabem como "declarar óbitos", quando não ajudam a dar cabo do doente. O risco de mais perdas e mortes bancárias levou os investidores a fugir do risco. Venderam ações, ativos de empresas e países mais periclitantes e compraram títulos do Tesouro americano, que subiram bem ontem. Venderam euros também.

Há mais, claro. A Rússia torra suas reservas, mas não consegue impedir a derrocada do rublo. Ontem teve de fechar sua Bolsa de novo, pois as ações batiam a cabeça no chão. A derrocada do PIB e das exportações do Japão e Alemanha não foi uma notícia que ficou apenas no calendário dos indicadores econômicos. Foi um alerta de coisa feia adiante.

De resto, há cadáveres e zumbis bancários na sala de estar da finança mundial, e ninguém ainda sabe como remover os corpos ou fazer exorcismos. Alguns dos maiores bancos americanos e europeus estão quebrados. Enquanto não se der jeito nisso, não se começa a dar cabo da crise.

Mas ainda não há plano para o conserto da finança americana, o plano britânico chegou a um impasse (não sabem se estatizam mais), o alemão mal foi esboçado.

Enquanto isso, os custos do socorro de instituições financeiras e bancos, o já incorrido e o estimado, são tão grandes que até o "risco-país" de EUA, Alemanha e Japão (zero antes da crise) sobem "a níveis imagináveis", como observava Armínio Fraga em palestra ontem no Instituto FHC. Isto é, o rombo de crédito privado, mal e mal tapado pelos governos, está tornando a dívida desses países centrais mais suspeita.

Mistério dos juros

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


O presidente da Febraban, Fábio Barbosa, está em campanha para provar que o bicho não é tão feio assim, ou seja, que os juros bancários não são tão altos. Mas é difícil brigar com os números. Numa entrevista que me concedeu, Barbosa disse que não negaria que o spread é alto, prometeu que a Febraban incentivará a competição e propôs "acender a luz" sobre o tema.

As razões dos bancos, que ele defendeu na entrevista que concedeu a mim na Globonews, é que há muita desinformação sobre o tema e há produtos que os bancos têm que oferecer cujos custos são mais altos que o preço que podem cobrar, como os empréstimos para o setor rural. Fábio Barbosa disse que o Brasil precisa de um cadastro positivo que ajude os bancos a diferenciar os clientes.

Para quem acompanha essa questão há muito tempo no Brasil, a tendência é ser cético em relação a qualquer promessa de queda estrutural das taxas de juros. Os bancos prometeram que tudo seria diferente quando houvesse a Lei de Falências, ou quando os juros da Selic baixassem, ou quando os compulsórios caíssem. Tudo isso aconteceu. Agora, culpam a crise global. Ela existe, é real e tem aumentado o custo do dinheiro no mundo inteiro, mas, ainda assim, não explica tudo.

Ontem, a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) divulgou, mais uma vez, que os juros bancários continuam subindo mesmo após a queda de um ponto percentual da Selic. Quando estava tudo bem, de 2005 a meados de 2008, os juros não caíram.

Fábio Barbosa, que também é presidente do Santander, argumenta que um dos dados que ajudam a tornar o debate mais nebuloso é o destaque ao custo dos cheques especiais.

- Eles são apenas 2% dos empréstimos bancários, mas fazem um barulho danado. É preciso educar o tomador para que ele não use determinados produtos caros demais. Usar cheque especial é como ir de táxi de São Paulo ao Rio de Janeiro - diz ele.

Outros produtos que são naturalmente mais baratos têm uma composição muito pequena no total do crédito brasileiro, explica Fábio Barbosa.

- No Brasil, o crédito imobiliário é apenas 3% do total. Em outros países, ele tem uma fatia maior e, por isso, reduz, na média, o custo do crédito. Aqui, só agora o país voltou ao volume de crédito imobiliário que tinha há 20 anos.

Os números estão contra os bancos, e os fatos recentes atenuam um pouco a crítica feita a eles. Os dados da Anefac mostram que as taxas de juros de crédito pessoal chegam a 140% ao ano. O spread - a diferença entre custo de captação e custo de empréstimo dos bancos - subiu 7,5% de agosto a dezembro do ano passado, chegando a 45,1% para pessoas físicas. O dos empréstimos a empresas subiu 4% nos últimos seis meses de 2008, passando a 18,40%. Isso apenas o spread, ou seja, só a diferença cobrada pelos bancos, e não a taxa total.

A composição dos spreads é curiosa. Segundo levantamento feito pela repórter Juliana Rosa, produtora do meu programa na Globonews, junto à Anefac, é assim: a inadimplência representa 37,35% do spread, o lucro dos bancos corresponde a 26,93%, os impostos são 18,62%, o custo administrativo é 13,5% e o recolhimento compulsório é 3,6% do spread.

O economista Miguel Oliveira acha que todas as fatias dessa pizza estão gordas demais, e que a inadimplência subiu de 4,2% para 4,4%, não justificando um aumento das taxas por causa do risco de não pagamento.

Fábio Barbosa diz que os dados de Miguel Oliveira são de 90 dias atrás e que, nas últimas semanas, a inadimplência tem crescido sim, mas não deu os números atualizados. O cenário é de incerteza mesmo, e a crise aumenta o risco de qualquer crédito, em qualquer país do mundo.

Ainda assim, há muitas perguntas sem respostas. Que negócio tem um retorno desse tamanho, de 27%? Por que o custo administrativo de operações, cada vez mais facilitadas pelo home banking, precisa ser de 13,5%? Por que o compulsório caiu tanto e isso não produziu uma queda das taxas de juros?

Fábio Barbosa diz que a percepção geral no país é que os lucros dos bancos são altos demais. Por outro lado, a comparação feita dos vários setores empresariais do país mostraria, segundo ele, que os bancos são a sexta maior rentabilidade, e não a primeira.

- Nós estamos lá protegendo o dinheiro dos depositantes. A diferença entre os bancos brasileiros e os bancos de outros países é que o nosso sistema está sólido. Isso é uma virtude - diz ele.

É até um alívio enfrentar uma crise externa com os bancos sólidos. As dificuldades localizadas que aconteceram quando travou o interbancário foram resolvidas por medidas rápidas tomadas pelo Banco Central, direcionadas a manter em pé os bancos menores. A crise bancária vivida pelo Brasil nos anos 90 criou regras mais conservadoras de alavancagem do que as que os bancos de outros países foram autorizados a operar. Ninguém quer bancos falidos, mas isso não significa que o país não possa, ou não deva, discutir alguns fatos dos custos bancários que parecem contraditórios e incompreensíveis.

Para Fábio Barbosa, é preciso "acender a luz" sobre o tema. Discutir, abrir os números, expor as taxas. Ele prometeu que a Febraban vai dar mais transparência às taxas de juros dos diversos bancos.

É quase carnaval

Frevo “chapéu de sol aberto’
Autor: Capiba
Canta: Vanessa Mata

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