sábado, 7 de março de 2009

Estupra, mas não mata

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Quis o destino que o fato que chocou a sociedade brasileira, a excomunhão em massa por causa do aborto sofrido por uma criança de 9 anos, acontecesse no ano de centenário de nascimento de Dom Helder Câmara, como a culminância das diferenças entre as duas Igrejas que representam. Dom Helder, um dos líderes da Teologia da Libertação, foi substituído no arcebispado de Olinda e Recife por Dom José Cardoso Sobrinho em 1985, e desde então um rigoroso expurgo de sua obra social e política vem sendo realizado: foram fechados o Instituto de Teologia de Recife e o Seminário Regional Nordeste II, fundados por Dom Helder, considerados formadores de religiosos esquerdistas. Todos os antigos colaboradores de Dom Helder foram retirados ou se retiraram de suas funções.

Dois exemplos: padre Reginaldo Velloso, muito ligado ao seu antecessor, era o pároco de uma das principais paróquias onde ocorre anualmente, na festa de Nossa Senhora da Conceição, uma grande peregrinação popular, com cerca de um milhão de pessoas. Ligado às Comunidades Eclesiais de Base (CEB), tinha grande prestígio político.

Foi destituído de todas as suas funções, acusado de desvirtuar a Igreja Católica e de conspirar contra o arcebispo. Hoje está casado e continua ligado aos movimentos da Teologia da Libertação.

Já o padre Edwaldo Gomes, para marcar os 50 anos de sacerdócio, titular que era há 36 anos da paróquia do bairro de Casa Forte, em Recife, celebrou missa na companhia de dois bispos anglicanos, uma celebração ecumênica, como tentou explicar.

Dom José Cardoso Sobrinho pediu a Roma uma punição para o padre, pois, pelo Código Canônico, bispos anglicanos não podem participar de ritos da Igreja Católica. Mesmo tendo pedido desculpas públicas, o padre Gomes foi afastado por três meses da função de pároco.

Enquanto se tratava de uma disputa entre tendências da mesma Igreja Católica, era possível que ambos os lados tivessem detratores e defensores.

Mas a decisão de seguir ao pé da letra uma norma da Igreja Católica - todo aborto merece uma excomunhão - sem levar em conta as circunstâncias, que permitiram o aborto duplamente legal - a concepção fora fruto de um estupro e a gravidez de gêmeos colocava em risco a vida da mãe - e que poderiam, na interpretação religiosa, servir de atenuantes, o arcebispo José Cardoso Sobrinho demonstrou uma insensibilidade que não se coaduna com uma vida cristã.

A repercussão, até internacional, política, cultural e ética do caso, demonstra que a atitude radical do chefe da Igreja Católica em Recife a coloca em flagrante distanciamento com o sentimento generalizado da população brasileira, que ela deveria representar.

Essa "excomunhão genérica" que o arcebispo decretou pode gerar até problemas jurídicos à luz do Direito Canônico, lembra o deputado Chico Alencar, do PSOL, líder católico ligado à Teologia da Libertação.

O nada piedoso prelado, ironiza Alencar, se alguém recorrer de sua decisão de grande violência simbólica, terá que detalhar no Vaticano, circunstância por circunstância, ação por ação, o nome de cada um dos "envolvidos", entre eles o maqueiro que levou a criança à sala de cirurgia, a enfermeira que esterilizou os materiais, os médicos que fizeram exame prévio na menina, o motorista da ambulância, a diretora do hospital onde ocorreu o procedimento.

Por outro lado, confrontado com o fato de que o padrasto estuprador não estava sendo punido pela Igreja, Dom José Cardoso deu mais uma demonstração de insensibilidade ao afirmar que "tirar a vida de um inocente" é pior que o ato de estuprar.

A comparação absurda torna inevitável a lembrança da frase de Paulo Maluf que ficou eternizada no mundo político, quando deixou escapar um comentário completamente absurdo que definia bem seus valores morais:

"Estupra, mas não mata", exclamou Maluf num debate sobre a violência urbana, dando gradações para a barbárie, assim como Dom José Sobrinho, sem nenhuma piedade, arvora-se no direito de definir que um estupro é menos grave do que a tentativa de salvar a vida de uma criança já arrasada pela tragédia.

Que fé cristã é essa que coloca a estupidez do estupro e os direitos da menina vítima, que precisa de paz e amparo para se curar desse tremendo trauma, em segundo plano?

Além de a decisão radical revelar uma alma nada bondosa, o arcebispo de Olinda e Recife, tão preocupado com as disputas políticas dentro da Igreja Católica, deveria ter pensado que as igrejas neopentecostais, especialmente a Igreja Universal do Reino de Deus, que têm posição muito mais aberta que a católica nessa questão da interrupção da gravidez, agradeceriam o ultraconservadorismo.

A Igreja já voltou atrás muitas vezes, e mais recentemente até o Papa já retrocedeu de várias decisões pelo clamor público. No século XVI, um papa decidiu "excomungar" os fumantes, mas a força do lobby tabagista derrubou essa medida drástica.

Seria encorajador para os católicos que a decisão radical e desprovida de humanidade de excomungar os que participaram da decisão e da cirurgia do aborto fosse reconsiderada por Dom José Cardoso Sobrinho.

Sua luta contra os religiosos "progressistas" da Igreja Católica poderia continuar sem que representasse uma visão desumanizadora da Igreja Católica. Seria apenas a expressão conservadora da Igreja, atualmente predominante.

Gatos pingados

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O grau de adesão de suas excelências ao primeiro encontro da frente parlamentar anticorrupção fala por si. Dispensa maiores explicações, mede o interesse e evidencia o quanto de empenho deputados e senadores estão dispostos a dedicar ao assunto.

Dos 594 congressistas, menos de 30 - exatamente 29 (27 deputados e 2 senadores) - participaram da reunião em que se decidiu pelo nome oficial de Movimento pela Transparência e se definiu a pauta inicial dos trabalhos.

Muito mais gente se reuniu no dia seguinte para saudar, aos gritos de "volta, volta", o ex-diretor-geral do Senado Agaciel Maia, obrigado a se afastar por ter escondido da Receita uma casa de R$ 5 milhões.

Na Câmara, um número muito superior ao dos 27 deputados interessados na causa da melhoria da política integra a linha de defesa do mau combate; no Senado, foram 40 os que se associaram ao acordo de salvação do mandato de Renan Calheiros em troca da renúncia a uma presidência já totalmente desmoralizada.

Na última terça-feira, um terço do colegiado reverenciou o discurso em que o senador Jarbas Vasconcelos reafirmava suas declarações à Veja e conclamava a classe política a reagir contra o avanço da corrupção e da esperteza como valor preponderante à inteligência e à correção ética.

Quase todos partiram da premissa de que está nas mãos dos políticos a solução. Condenaram a corrupção e concordaram quanto à urgência de uma reação.

Parecia que sairiam dali atrás de instrumentos para construir os alicerces de uma providência.

Nada. Cumprida a formalidade, atendidos os impulsos imediatos da consciência, ficou o dito pelo não dito. Dos 81 senadores, 2 apareceram na reunião da frente anticorrupção para avalizar o movimento.

É amazônica a distância entre a intenção anunciada e o gesto efetivo. Por quê?

Por que são todos venais, mentirosos, gostam de correr o risco constante do constrangimento em locais públicos, pouco ligando à proximidade do dia em que a rejeição implícita será substituída pelo insulto explícito e daí o perigo da degeneração para a pancadaria física?

É a conclusão mais fácil, mas também a mais apressada e não necessariamente a mais acertada.

Uma minoria de psicopatas que não têm nada a perder encara a política como uma atividade transitória e predatória até se enquadra naquele perfil.

Mas a maioria é de profissionais do ramo, vive da opinião pública, precisa de prestígio, preferia muito mais ser respeitada que desqualificada.

Então, por que não se engajam nas melhores causas, não se juntam aos 29 combatentes? Por que não reforçam a frente anticorrupção a fim de evitar que vire de novo um movimento de bem-intencionados gatos pingados, solitários carregadores de estandartes bons de largada, mas sempre derrubados antes de conseguir entrar na reta de chegada?

Duas hipóteses. A teia de compromissos partidários que os impede de contrariar interesses é a mais evidente. Quanto mais comprometido com partido que, por sua vez, tenha satisfações outras a prestar - seja no setor público ou privado -, menos o parlamentar se sente estimulado a remar contra a maré. O castigo pode ser o ostracismo.

A outra hipótese guarda relação com as preferências do público. A despeito da indignação ética que permeia o ambiente, na hora do vamos ver o eleitorado não dá muita bola para essas questões.

Elege e reelege corruptos juramentados, cai no conto da farinha do mesmo saco, aceita a tese de que todos são iguais, não se dá ao trabalho de distinguir situações, mostra nas pesquisas que a compostura não é prioritária, celebra o esperto em detrimento do correto.

O político, um vivente de sufrágios, coteja os dados, interpreta o clima e conclui que essa batalha não dá voto. Algo semelhante ao governante que prefere construir pontes a investir em saneamento básico.

Não obstante a realidade malsã, a missão dos gatos pingados não é de todo vã. A primeira reunião do Movimento pela Transparência decidiu retomar na Câmara a proposta do fim do voto secreto no Parlamento e pressionar o Senado para divulgar os gastos com a verba extra.

Era a pauta da semana que vem, esvaziada porque as presidências das duas Casas já anunciaram as medidas. Convém, no entanto, não comemorar antes de conferir se é para valer ou se o plano é só dar tempo ao tempo até a poeira baixar.

Parte a parte

O governador Aécio Neves confirma, como previsto, que não autoriza nem patrocina ofensivas de difamação contra seus críticos.

Pondera, porém, que por vezes os ânimos na imprensa se exacerbam levando à ultrapassagem da fronteira que separa a crítica do insulto e isso leva a reações incontroláveis.

Não deixa de ter razão. O ideal seria cada um cuidar de sua seara com firmeza sem perder de vista as boas maneiras. Causa menos impacto, mas é mais civilizado.

Ayres Britto: 'Este ano vai nos desafiar'

DEU EM O GLOBO

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, afirmou ontem que, apesar de ser um ano "eleitoralmente neutro", 2009 trará desafios à Justiça Eleitoral, por causa das ações contra a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por propaganda eleitoral antecipada.

- Este ano vai nos desafiar a partir desta representação (feita pelo DEM e pelo PSDB). Tradicionalmente é um ano eleitoralmente neutro, uma espécie de indiferente jurídico, mas como os tempos mudam e certos comportamentos podem assumir um grau de ostensividade eleitoral, em tese... - disse o ministro, antes de cerimônia no Centro Cultural da Justiça Eleitoral, no Centro do Rio.

O ministro afirmou ainda que o caso do governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), cassado pelo TSE por abuso de poder econômico, é diferente do que envolve Dilma e Lula:

- Os acontecimentos protagonizados por Jackson Lago ocorreram em ano aleitoral. Os protagonizados este ano por Serra e Dilma se dão em ano de entressafra eleitoral.

FH: governo Lula é indulgente com violência do MST

Wagner Gomes
DEU EM O GLOBO

"Ou defendem a lei ou a mudam, e não existe mais propriedade"

SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez ontem duras críticas à política agrária do governo Lula. Para o ex-presidente, o governo está sendo indulgente com a "transgressão à lei" por parte do Movimento dos Sem Terra (MST) em invasões violentas. Ele disse que o MST tem "desrespeitado a lei, o que é incompreensível", e que o governo não tem é veemente na repressão:

- O que aconteceu em Pernambuco, com o assassinato de quatro seguranças de uma fazenda, não foi uma ocupação de terra. Foi uma ocupação violenta. Quando era presidente, baixei uma MP dizendo que as terras ocupadas não poderiam ser desapropriadas. E isso não está sendo cumprido, porque há indulgência do governo com a transgressão à lei. E esse é um problema grave - disse, em seminário para discutir a democracia na América Latina, em São Paulo.

Em tom irônico, cobrou:

- Ou o governo se manifesta a favor da lei, ou então que mude a lei no Congresso. Ele que diga que não existe mais a propriedade privada na terra e que se pode ocupar à vontade. Aí, se isso for aprovado, fazemos um plebiscito, como em outros países, e viva a liberdade de invadir.

''Lula é dissimulado'', ataca Aníbal

Roberto Almeida
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), criticou ontem a participação da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, na missa do padre Marcelo Rossi, anteontem à noite, em São Paulo. Na avaliação do líder tucano, trata-se de uma estratégia articulada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, "a pessoa mais dissimulada do mundo".

"Ele está percebendo que as condições do governo são precárias e está procurando desviar a atenção. É piada daqui, história de acolá e lançamento antecipado de campanha", alfinetou. De acordo com o tucano, Dilma "não tem o que anunciar", já que a execução do PAC é "calamitosa". "É por isso que ela fica cavando oportunidades para aparecer", observou.

O deputado garantiu que a movimentação petista não apressa o PSDB a apresentar uma candidatura. "Não vamos nos deixar levar por isso", rebateu. Segundo Aníbal, os tucanos estão "atentos" e não há necessidade de tomar uma decisão imediatamente.

Ele avaliou ainda as chances do governador mineiro Aécio Neves na corrida pela Presidência em 2010. "O governador de São Paulo está muito bem para ser o nosso candidato. E o governador de Minas quer se colocar, mas reconhece que é uma situação que favorece fortemente nosso governador", disse.

Tucanos já focam data para prévias

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Legenda se divide entre setores que defendem definição já e os que são a favor de deixar questão para 2010

Com o debate sobre as prévias no PSDB se tornando um "consenso", segundo o presidente da legenda, Sérgio Guerra, o partido passou para outra etapa na discussão sobre a escolha do candidato que concorrerá à Presidência: a definição da data mais conveniente para a realização da disputa interna.

Setores da legenda defendem que o debate seja feito apenas em 2010, ano da eleição, enquanto outras alas do tucanato cobram a definição do nome de um candidato ainda neste ano.

Em entrevista publicada ontem no Estado, o senador tucano Tasso Jereissati (CE) acendeu o debate no partido ao defender a realização das prévias, se não houver consenso entre os dois nomes que pretendem entrar na disputa presidencial: os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG).

"Se não tiver acordo, não temos saída. A não ser promover as prévias", disse Tasso, para quem "política não tem fila, tem acordo ou voto". Para Guerra, "todos sabem que deverá haver prévias, se não houver um entendimento". "Uns são mais a favor, outros menos. Tasso disse o que já é consenso no partido", completou Guerra.

Maior entusiasta da realização das prévias, Aécio defende que elas sejam realizadas ainda no segundo semestre, a fim de que o partido tenha mais tempo para trabalhar a candidatura do escolhido. Outros tucanos citam as viagens da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), como fator catalisador da definição do PSDB. Candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma é acusada por tucanos de já estar em campanha com suas viagens pelo País.

Mas, para tucanos ligados a Serra, se as prévias tiverem de ser realizadas, o melhor é que sejam feitas apenas em 2010.

"Os governadores têm de se concentrar em combater a crise, que terá efeitos muito deletérios. Eles têm de se preocupar em melhorar a vida das pessoas. Não tem cabimento mudar esse enfoque", declarou o deputado Mendes Thame, presidente do PSDB paulista.

Para o deputado Arnaldo Madeira (SP), se as prévias forem realizadas, deverão ser feitas em abril - mês de desincompatibilização dos que têm cargo no Executivo e disputarão eleição. "Esse é assunto para 2010. Devagar com o andor: eleição se ganha nos últimos três meses (de campanha)", disse.

O deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas (ES) acha que, se a decisão for feita agora, atrapalha os governadores, que serão vistos como candidatos. "Lula é que faz campanha ilegal e irresponsável e usa uma máquina poderosa." Para o deputado, o partido tem de ponderar qual a melhor estratégia para vencer. "A prévia não é um big issue (grande questão). Se tivermos de fazer,vamos fazer", declarou.

FHC cobra TSE sobre Dilma

Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O ex-presidente FHC exigiu ontem que o Tribunal Superior Eleitoral decida sobre ação movida contra o presidente Lula e a ministra Dilma Rousseff, acusados de usar eleitoralmente um evento oficial. "Tem de coibir os abusos em marcha já, para evitar anulação da votação", disse FHC. (págs. 1 e A6)

FHC mira em Dilma e diz que TSE deve punir rapidamente

Ex-presidente lembra que já há denúncia de abuso de poder relativa a 2010

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso cobrou ontem uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a ação movida pelo DEM e PSDB contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Os partidos acusam o governo de usar um encontro com prefeitos custeado pelo Palácio do Planalto para promover a pré-candidatura de Dilma à Presidência.

"Tem de coibir durante o processo, como agora, em que já há reclamações de eleições que vão ser daqui a um ano e meio, de que estão usando o poder público", afirmou. "Acho que tem de coibir os abusos em marcha já para evitar que haja anulação de votação", prosseguiu.

Fernando Henrique fez as considerações quando comentou as duas cassações de governadores determinadas pelo tribunal - Cássio Cunha Lima (Paraíba) e Jackson Lago (Maranhão). A referência ao episódio da ministra foi de forma indireta, sem citá-la nominalmente.

A discussão se o governo Lula está ou não antecipando a disputa eleitoral, promovendo sua candidata fora do período permitido pela legislação, começou em fevereiro, quando chegou ao TSE representação do DEM e do PSDB. Na semana passada, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou a defesa de Lula e Dilma, acusando o governador paulista, José Serra (PSDB), favorito na corrida presidencial segundo as pesquisas, de também ter feito não um, mas dois encontros com prefeitos.

Voltando aos casos de Cunha Lima e Lago, Fernando Henrique disse que a decisão do tribunal não se questiona, mas fez um alerta sobre o risco da banalização dessa medida. "O tribunal analisou, disse que houve abuso do poder econômico. Está bem", avaliou. "Agora, a legitimidade do processo fica tênue. Não tem sentido quem perdeu ganhar", emendou. Para ele, em casos de cassação, devem ser feitas novas eleições. "Tem de fazer nova eleição."

PAC AFOGADO

O ex-presidente comandou ontem um evento na capital paulista ao lado de outros ex-chefes de Estado latino-americanos para debater crescimento econômico e redução da pobreza em tempos de crise. Em entrevista, Fernando Henrique criticou a condução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vitrine do governo Lula. "O PAC não está sendo afogado por falta de recursos, mas por incompetência, falta de projetos", disse.

O tucano classificou o anúncio do governo Lula de construir 1 milhão de casas populares até 2010 de "propaganda de otimismo". "Na época da bonança não fizemos os investimentos efetivos em infraestrutura, não fizemos as reformas. E agora faz a simulação de que vai fazer tudo de uma vez", afirmou. "Um projeto grandioso de fazer 1 milhão de casas. Mas com que recursos? Quem paga? É muito mais efeito de propaganda de otimismo do que ação concreta."

Por outro lado, ele elogiou a ação do governo para estimular o crédito durante a crise. "O governo tomou medidas bastante rápidas."

Uma rosa para Tancredo Neves

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

O impecável artigo do jornalista e escritor Mauro Santayana, publicado neste espaço, quarta-feira, dia 4, quando Tancredo Neves faria 99 anos, cutucou na minha saudade, com a concordância, sem alterar uma vírgula, com o comovido texto de um mestre da língua. Eu também tenho alguma coisa a contar dos muitos anos de convivência com o mais arguto político que conheci em 66 anos de militância como repórter, com o mais competente enxadrista, que não movia uma pedra antes de analisar todas as alternativas, com a previsão de cinco lances.

Cinco dias antes da posse que não houve, estive com o presidente Tancredo Neves, em seu apartamento na Avenida Atlântica, para uma conversa que ficou gravada como uma lição de sabedoria. À vontade, de pijama, chinelo e roupão, diante da vista incomparável da Baía de Guanabara, à luz da manhã, Tancredo respondeu às perguntas introdutórias, até me permitir encaixar a ressalva da imprudência: no memorável discurso em que agradeceu a sua escolha como candidato da oposição, lançou o slogan que pegou como tiririca: É proibido gastar. Nos alinhavos para fechar a composição do ministério, parecia ignorar a regra do corte de gastos, criando várias pastas, claro que muito longe do recorde imbatível das 37 do inchado ministério do presidente Lula. No mesmo tom de quem sabe ser paciente com os afoitos, Tancredo cantou a pedra da víspora da mineirice: "Este é o ministério para a Constituinte, quando não posso perder um único aliado. Promulgada a Constituição democrática, a reforma ministerial enxugará gastos, com a montagem da equipe para todo o mandato". Despedi-me do presidente e caminhei pela Avenida Atlântica, ruminando a aula magna da sabedoria mineira de São João del-Rei. Dois dias depois em Brasília, antevéspera da posse, almocei na companhia do meu compadre José Aparecido de Oliveira, de Carlos Castelo Branco, nosso maior repórter político, e de dona Antônia, a secretária particular de absoluta confiança, com anos de serviço e exemplar discrição. Lá pelo meio da conversa, Castelinho pediu o testemunho de dona Antônia sobre uma intrigante informação que recebera horas antes do diretor do Jornal do Brasil, Nascimento Brito: o presidente Tancredo Neves, logo depois da posse, teria que se submeter a uma operação sem maior gravidade, para livrar-se da diverticulite, o popular nó nas tripas, diagnosticado pela equipe médica que o atendera ainda no Rio. Dona Antônia recuperou-se do susto e saiu pela tangente, com toda classe: "O presidente terá que ser operado. Mas sem urgência. Nada de importante".

Como duvidar da palavra de dona Antônia, se daí a algumas horas acompanhamos, pela televisão, o presidente Tancredo, ao lado da esposa, dona Risoleta, de ministros, parlamentares na missa solene na Catedral de Brasília? A TV Manchete levou uma equipe e aparelhagem que exigiu um caminhão para transmitir a posse do presidente Tancredo. Aos fundos do Senado foram improvisados modestos estúdios para as emissoras que desejassem. Na véspera da posse, fomos convocados para a gravação de documentários que ajudariam a encher os vazios durante a solenidade.

Lá pelas 20h terminei a minha tarefa e fui para o hotel para jantar com o futuro ministro Aluisio Alves. Seu filho, Aluisio, recebeu-me à porta com a informação de que seu pai fora para o Hospital de Brasília, onde o presidente Tancredo seria operado não se sabia de quê. Início do calvário de irresponsabilidade, da invasão de parlamentares, ministros, curiosos, na bagunça do Hospital Sarah Kubitschek, do qual Tancredo não escapou com vida. Perdido na noite brasiliense, telefonei para a Manchete para comunicar a reviravolta e caminhei para o apartamento do senador José Sarney, vice-presidente da República, que assumiria interinamente a Presidência. A presença de seguranças à porta do prédio e no andar superior era o sinal da presença do Poder. A filha de Sarney, Roseana, na juventude de seus 16, 17 anos, recebeu-me à porta, abraçou-me em soluços. Estranhei o pânico. Entre engasgos, Roseana justificou a angústia: "Todo mundo está esperando a posse do Tancredo. Papai vai ser vaiado no Congresso".

Não foi vaiado nem aplaudido. Mas a cambalhota da história frustrou a esperança do que poderia ser e não foi.

Industria tem maior queda em 19 anos

SAMANTHA LIMADA
SUCURSAL DO RIO
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Produção recuou 17,2% em janeiro, pior taxa desde o plano Collor; analistas projetam baixa de 1,5 pontos nos juros

A produção industrial brasileira despencou em janeiro 17,2% em relação a igual mês do ano passado. È o pior resultado desde 1990, quando o pais vivia os efeitos recessivos do Plano Collor. No trimestre de novembro a janeiro o desempenho médio da industria mostrou queda de 6,2%, pior patamar dos últimos quatro anos. Em relação a dezembro, o setor cresceu 2,3%, após três meses de queda. A alta foi puxado pelo setor automotivo, graças á redução do IPI. O fraco resultado de janeiro surpreendeu muitos analistas, Eles acreditavam que o ajuste mais forte da produção já tivesse ocorrido no ano passado. Diante dos números divulgados pelo IBGE, o mercado agora aposta em corte de até 1,5 ponto percentual na taxa básica de juros do Banco Central na próxima quarta-feira. Hoje a taxa é de 12,75% ao ano. As consultas ao BNDS sobre novos empréstimos, que indicam a disposição do empresariado para investir , caíram 42% em janeiro em relação a 2008. (Págs.1 e B1 e B3)

Indústria tem pior resultado desde Collor


Produção recua 17% em janeiro na comparação com mesmo mês de 2008, e o IBGE não prevê melhora na situação

Redução de IPI para veículos traz alívio temporário, mas queda na produção se dissemina por quase todos os setores da indústria

A produção da indústria brasileira recuou 17,2% em janeiro na comparação com igual mês de 2008, o pior resultado em 19 anos nessa base de comparação, segundo o IBGE.Já na comparação de janeiro com dezembro, a produção cresceu 2,3%, interrompendo três meses de queda, puxada pela recuperação das montadoras graças à redução do IPI. Mas ficou abaixo das expectativas dos analistas.

"A indústria não ia tão mal desde 1990, quando o país vivia os efeitos do confisco da poupança decretada pelo presidente Fernando Collor", diz Sílvio Sales, coordenador da pesquisa do IBGE. "Mesmo que o resultado mensal seja positivo, os indicadores de longo prazo, que mostram a tendência do setor, vão mal."

O desempenho médio da indústria entre os meses de novembro e janeiro também confirma a percepção do IBGE. O indicador mostrou queda de 6,2%, atingindo o pior patamar dos últimos quatro anos. "Ainda que seja melhor do que os -6,9% de dezembro, não posso afirmar que a produção da indústria parou de cair porque o resultado ainda está muito ruim", diz Sales.Na comparação com dezembro, a alta de 2,3% foi puxada, principalmente, pela indústria automotiva. Depois da fase de redução dos estoques -que incharam após o encarecimento do crédito-, as montadoras viram a demanda reaquecer graças à redução de IPI, no início do ano.Assim, a produção de veículos cresceu 40,8% em janeiro ante o mês anterior, depois de cair 40,8% em dezembro.

Como antecipou a Folha na edição de quarta-feira, o governo anunciará no fim do mês a prorrogação da redução de IPI para o setor automotivo.

Apesar do desempenho pontual de alguns segmentos em janeiro, a queda na produção segue se ampliando. De 755 itens pesquisados pelo IBGE, só 25% avançaram em janeiro. Entre janeiro e setembro, 60% da lista de produtos vinha em produção crescente.

Na comparação anual, o setor de bens de consumo duráveis -automóveis e eletrodomésticos- encolheu 31%. O setor de bens intermediários caiu 20,4%. "O segmento, que inclui insumos, já vinha sofrendo antes da crise porque perdeu a competitividade com a queda do dólar. Agora, o dólar subiu, mas a demanda externa caiu", diz o economista Rogério César Souza, do Iedi.A indústria de máquinas e equipamentos, cujo crescimento indica tendência de expansão da capacidade produtiva do país, encolheu 13%.

O segmento de bens de consumo semi e não-duráveis, que engloba as indústrias de alimento e vestuário, entre outras, apresentou a menor queda -8,3%.

"São setores dependentes da variação da renda do trabalhador, que, embora tenha caído, ainda não se movimentou de forma dramática. Nos próximos meses, ainda serão ancorados pelo aumento do salário mínimo e pelos programas de transferência de renda", afirma Sales.

Crise na indústria

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Era um telhado com goteiras, e o dono da casa tentava pegar a água com baldinhos. Ontem caiu parte do telhado: a queda de 17,2% da produção industrial em janeiro, em comparação com janeiro de 2008 - o pior resultado desde 1991 -, fez cair a ficha de que o país pode ter recessão em 2009. Há fatos preocupantes. Quem acreditou na tese da "marolinha" tomou decisões que aprofundam a crise agora.

A Usiminas, meses atrás, achou que faltaria aço e importou. O produto chegou agora, quando há excesso de estoque na cadeia, e o dólar está mais caro.

O presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço, Cristiano Freire, disse que outras usinas demoraram muito a perceber que a onda estava chegando ao Brasil. O país continua superestocado de aço na cadeia. Então, o consumo da indústria final apenas reduz esse nível de estoque, mas não chega a novas encomendas. Pelos dados do IBGE, os bens intermediários sentiram mais.

- Os distribuidores estavam com um estoque de 930 mil toneladas de aço na virada do ano, que cobria três meses de 310 mil toneladas de consumo mensal. O consumo caiu para 250 mil toneladas, portanto o estoque ideal é de 700 mil toneladas. O preço, que havia começado a subir no mercado internacional, está em queda de novo - explicou Cristiano.

O coordenador de indústria do IBGE, Sílvio Sales, disse que 75% dos 755 produtos acompanhados pela pesquisa tiveram queda. Um percentual inédito. Nos segmentos, 15 tiveram alta, mas com concentração em carros; os 12 que tiveram queda foram puxados para baixo pela siderurgia, que depende da construção civil, máquinas e equipamentos e bens de consumo duráveis. Para fevereiro há duas complicações: um dia útil a menos e o carnaval no fim do mês, que acaba adiando as decisões.

Dentro da cadeia produtiva siderúrgica, os estoques ainda estão sendo reduzidos.

- As usinas produziram 134 mil toneladas, mas chegaram, de importações, 156 mil toneladas em fevereiro. As siderúrgicas pedem medidas protecionistas, mas foram elas mesmas que superdimensionaram o consumo - diz o empresário.

A reação do governo é pontual, sem visão estratégica, e ditada pela força de cada lobby. A redução do IPI dos carros permitiu, de fato, a recuperação da venda, mas há outros setores importantes que não têm atenção do governo por não terem sindicatos fortes, de trabalhadores e empresários.

O pacote da construção foi politizado. A reunião convocada pelo governo não era para decidir sobre o pacote, mas apenas para fazer uma foto preciosa: a candidata Dilma posa de chefe com alguns governadores, entre eles os dois que disputam a candidatura do PSDB. A propósito: a construção teve queda de 9,7%.

Enquanto isso, as informações que a equipe desta coluna e do blog encontram junto aos empresários assustam. Leonardo Zanelli soube na Abimaq que oito mil pessoas já foram demitidas no setor em dois meses. No primeiro bimestre, o faturamento caiu 35%. E o grande tombo foi em relação ao mercado interno - 46%, por cancelamento de encomendas. Segundo José Veloso, vice-presidente da Abimaq, o cancelamento de encomendas vem do setor automobilístico e das usinas de açúcar e álcool.

As consultorias tinham, todas, feito previsões melhores do que os números divulgados ontem pelo IBGE. Erraram feio, por otimismo. Ontem, elas revisaram seus números, e ouvidas por Alvaro Gribel, do blog, deram mensagens parecidas: primeiro, há mais risco de recessão este ano do que julgavam anteriormente; segundo, o corte dos juros na próxima reunião do Copom pode ser maior, de 1,5% ou mais. A MB Associados disse que "a luz do fim do túnel foi para mais longe" e prevê queda para a indústria em 2009.

A crise externa chegou ao Brasil na parada brusca do último trimestre de 2008. Na semana que vem, o IBGE divulgará o PIB do trimestre e se saberá o número do tombo. E o fato de ter sido uma parada brusca ainda está produzindo efeitos desencontrados. Há empresas pequenas na ponta do varejo que ainda nada sentiram. E há empresas nos setores de matérias-primas ou de produção de bens de capital que sentiram o baque de frente, e empresas de bens de consumo duráveis que estão com pouco estoque para oferecer ao varejo, mas com medo de aumentar a produção. O cenário desencontrado piora tudo.

O Executivo e o Judiciário Trabalhista se mobilizaram nos últimos dias para tentar salvar os 4.000 empregos da Embraer. O presidente da empresa, Frederico Curado, me disse que a decisão da Embraer foi tomada diante dos sinais inequívocos da crise.

- Mais de 90% do que produzimos são para exportação, e as encomendas estão sendo canceladas pela recessão dos Estados Unidos, nosso maior mercado, e pela desaceleração da China, para onde estávamos diversificando. Estavam programados 200 aviões de grande porte e agora só faremos 130. Caiu pouco o número de aviões pequenos, mas um grande custa US$30 milhões e um pequeno, US$3 milhões.

O governo Lula continua perdido. Para ele, o que há é uma crise do "neoliberalismo". O que há é uma crise econômica, senhores e senhora. Ela é grande e nos atingiu há meses.