quinta-feira, 19 de março de 2009

Guiseppe Vacca no Rio de Janeiro


Ontem, houve debate com o pensador italiano, Guiseppe Vacca, presidente da Fundação Instituto Gramsci, Roma., na sede do Instituto de Cultura da Itália, promovido pela Fundação Astrojildo Pereira, entidade ligada ao Partido Popular Socialista (PPS).

Na mesa estavam Luiz Sérgio Henriques, editor do site Gramsci e o Brasil, organizador e tradutor do livro, lançado na ocasião; o palestrante, Guiseppe Vacca, Givaldo Siqueira, Dirigente Nacional do PPS, moderador do debate; Cândido Grzybowshi, Diretor Geral do IBASE, Luiz Werneck Viana, Professor e pesquisador do IUPERJ e César Benjamin, dirigente da editora Contraponto.
Hoje o debate será em S. Paulo, ás 19 horas, na Câmara de Vereadores da capital

Os cadáveres

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Têm a mesma origem a revolta dos contribuintes americanos com a farra em companhias financeiras, como a seguradora AIG, que pagaram bônus a seus executivos com dinheiro público, e a dos contribuintes brasileiros, mais uma vez abismados com os maus hábitos de seus congressistas, que se acostumaram a gastar o dinheiro público sem os freios do bom-senso. Depois que o senador Jarbas Vasconcellos subiu à tribuna para denunciar a corrupção que domina nossa vida política, e em especial o seu partido, o PMDB, desencadeou-se uma onda que se propaga até hoje, fazendo com que o senador José Sarney exclamasse não saber por que de repente resolveram tirar todos esses esqueletos do armário.

Seu espanto insinua que as denúncias ininterruptas fazem parte de um esquema político insatisfeito com sua vitória para a presidência do Senado, mas também revela como o hábito do cachimbo faz a boca torta.

São realmente velhos hábitos que estão sendo denunciados, e tanto espanta o senador petista Tião Vianna, derrotado por Sarney, ao saber que denunciam que emprestou um celular pago com o dinheiro do erário público para sua filha usar no México, quanto a filha de Sarney, a também senadora Roseana, que deu passagens pagas pelo Senado para parentes irem a Brasília.

São velhos hábitos repetidos por quase todos os senadores, ou deputados, de quase todos os partidos, e que somente agora são denunciados.

Como há muito tempo essa farra com os apartamentos funcionais existe e é denunciada pela imprensa, mas só de tempos em tempos essas denúncias encontram receptividade na opinião pública, e os políticos se espantam quando isso acontece.

Por isso, burocratas que há anos usavam indevidamente apartamentos funcionais, de repente veem-se na obrigação de devolvê-los, funcionários que sempre receberam hora extra sem trabalhar ficam constrangidos, políticos surpreendem-se com a indignação causada por seus castelos e mansões, que sempre estiveram onde estão e, de uma hora para outra, tornam-se estorvos a suas imagens públicas.

A negação da opinião pública, como virou moda no Parlamento e no governo brasileiros desde o mensalão, representa a tentativa de retroceder na história, de fazer prevalecer o atraso nas relações do Congresso com os eleitores.

Os muitos políticos que foram absolvidos pelo espírito corporativo no plenário da Câmara usaram a tática de convencer seus colegas de que o eleitorado que realmente importa na hora do voto, aquele majoritário, não é influenciado pelos "formadores de opinião" da mídia, que só conseguiriam ter força com uma elite intelectual, que não é mais capaz de transmitir como antigamente seu julgamento para as camadas populares.

O próprio presidente Lula, depois de se recuperar da crise do mensalão, vangloria-se de não necessitar da intermediação dos meios de comunicação para se comunicar com o eleitorado, e chega a comemorar que os "formadores de opinião" já não tenham tanta influência como antigamente.

Ao contrário, o presidente americano, Barack Obama, não titubeia: diz que recusa o clipping oficial e prefere ler os próprios jornais, chegando a descrever o prazer que lhe dá folheá-los.

E não se diga que este é um sentimento retrógrado de um político à moda antiga. Obama é aquele que introduziu os modernos meios tecnológicos de comunicação na campanha presidencial, o que se comunica com os eleitores através de torpedos eletrônicos e pelo twitter.

Quando, ainda candidato, defendeu um limite salarial para os executivos de companhias auxiliadas pelo governo, estava reverberando a opinião pública, mesmo que os especialistas considerassem a medida pura demagogia.

Obama, para os padrões americanos, é tão populista quanto Lula, e por isso foi beijar eleitores em uma pequena cidade atingida pelo desemprego quando quis forçar o Congresso a aprovar seu pacote econômico.

E é também por isso que trata o caso do pequeno Sean como prioridade para os Estados Unidos, mandando a secretária de Estado, Hillary Clinton, abordar a questão com o chanceler brasileiro, transformando em questão de Estado uma disputa pela guarda de uma criança de dupla nacionalidade.

É claro que há a legislação internacional, que está em jogo, mas nada justifica, a não ser o faro populista, que um presidente com tantos problemas pela frente dedique seu tempo a um caso como esse.

Lula fez a mesma coisa com a brasileira supostamente flagelada por nazistas suíços, mas o patriotismo exacerbado acabou com os burros n"água.

Pode ser que Lula continue infenso às críticas, mesmo mexendo no rendimento das cadernetas de poupança ou não cumprindo a promessa de aumento dos servidores públicos. E com a economia em recessão. Será um caso único a ser estudado pela ciência política.

Mas os demais políticos, meros mortais, continuarão tendo que prestar contas à opinião pública, essa entidade que surgiu no fim do século XVIII como maneira de as elites se contraporem à força do Estado absolutista, com a imprensa tendo papel fundamental na sua consolidação.

O surgimento da "opinião pública" está ligado ao surgimento do Estado moderno, e não é à toa que o senador José Sarney, conhecedor da história política brasileira e velho homem de imprensa, está tentando reagir com presteza à sucessão de denúncias, para não ser tragado por elas.

Essa disputa entre petistas derrotados pelo PMDB de Sarney ainda vai ter repercussões fortes na sucessão presidencial, e muitos outros cadáveres sairão dos armários.

Atalhos para lugar nenhum

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O Parlamento anda tão mal das pernas que erra até quando tenta acertar. O afastamento de todos os diretores do Senado e a decisão de passar em revista os meios e modos adotados na Casa parecem uma boa medida do presidente José Sarney.

Teria sido ótima se tomada por livre e espontânea vontade, antes de o mesmo presidente que agora anuncia mudanças ter qualificado como "coisas pequenas" as irregularidades denunciadas e visto nas denúncias a intenção de se transformar o Senado em "boi de piranha".

Anunciada na marra, sob o peso da pressão e do escândalo, a providência entra em cena com baixo de teor de credibilidade.

Não obstante bem recebida, a medida deve ser vista também com alguma reserva, sem comemorações apressadas. De loas, cumpre lembrar, foi cercado o anúncio do corte de 10% nas despesas da Casa. Foi no primeiro discurso de Sarney, depois do qual ocorreu o que se viu.

De reformas convém esperar os resultados, conforme nos informam as inúmeras vezes em que a reforma política foi anunciada com o único e artificial objetivo de desviar a discussão dos erros do presente para a presunção de correções futuras.

Por ora, a decisão dá duas notícias. A boa revela ao País a existência de 181 diretores para 81 senadores. A má conta que o afastamento não tem prazo para acontecer. A direção do Senado vai esperar a conclusão de um levantamento da Fundação Getúlio Vargas sobre "os problemas estruturais" da instituição para oficializar exonerações.

De estudos encomendados à FGV também é bom esperar o que, de fato, é feito com eles. Vários já foram pedidos em outras ocasiões no Parlamento, para servir de base para planos de reestruturação jamais executados.

Em situações de crise o mundo político costuma confundir alhos com bugalhos, misturar todas as farinhas no mesmo saco e, quando a opinião pública está bem perplexa, mas já sem entender direito o que se passa, anunciam-se "medidas duras".

Isso vale para o Legislativo e vale também para o Executivo. Vale para o Senado e vale para a Câmara, onde o presidente Michel Temer resolveu inovar.

Abandonou sua ideia inicial de alimentar a cultura do respeito à Constituição - "devemos nos submeter às ordens do Livrinho", dizia em fevereiro, dois dias depois de eleito - e achou sua solução para o problema das medidas provisórias numa lacuna constitucional.

Disse que agiu "politicamente" para dar "uma resposta à sociedade".

Vamos por partes e com muita calma porque o negócio é forte.

Ainda que o presidente licenciado do PMDB, na ocasião no exercício do cargo, estivesse pleno de autoridade moral por ter dado à sociedade "uma resposta" às acusações do senador Jarbas Vasconcelos de que o fisiologismo e a corrupção grassam no partido, o assunto em destaque no momento não são as medidas provisórias.

São os procedimentos adotados pelo Legislativo, em boa medida relacionados ao tema levantado - e solenemente ignorado - pelo senador Jarbas Vasconcelos.

Se quisesse mesmo resolver a questão e ser fiel aos seus propósitos iniciais, o presidente da Câmara poderia simplesmente fazer cumprir a Constituição. Ela não fala da restrição do poder de trancar a pauta de votações às leis ordinárias. Fala do poder do Parlamento de devolver todas as MPs que não sejas urgentes ou relevantes.

Como Sarney com seu plano de reformulação do Senado ao tempo adequado, Michel Temer teria mais trabalho, mas estaria escolhendo o caminho certo.

Ambos, porém, preferiram tomar atalhos que, salvo engano passível de remissão a qualquer tempo, não levarão a lugar algum.

Melhor dizendo

Preocupado em manter linha direta com a filha que viajou para o México, o senador Tião Viana emprestou à moça um telefone do Senado. "Foi uma atitude de pai", disse ele.

De pai senador que não separa o público do privado e cultua o privilégio, bem entendido.

Aos fatos

No universo político mineiro prevalece a tese segundo a qual Minas Gerais defenderá a todo custo a candidatura presidencial de Aécio Neves e acorrerá, furiosa, às ruas caso o governador seja preterido em seu partido, o PSDB.

Era o que se dizia, no mesmo ambiente, sobre a disposição do mineiro de eleger liminarmente em primeiro turno, e com honras de chefe de Estado, Márcio Lacerda para a Prefeitura de Belo Horizonte.

O tucanato leva a sério, pois trata-se do segundo colégio eleitoral do País e não convém deixar de se prevenir porque depois pode ser tarde para remediar.

Agora, para efeito de análise do cenário convém também levar em conta, em cotejo com o desejo, o seguinte fato: Márcio Lacerda quase perde a eleição, ganha em segundo turno mediante esforço colossal para desfazer, junto ao eleitor, a impressão de que aonde Aécio Neves vai o mineiro vai atrás.

Uma CPI da Tapioca para o Senado

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Difícil acreditar que as sucessivas denúncias contra o uso que os senadores fazem da máquina administrativa do Senado, e que os diretores da Casa fazem em favor próprio e dos eleitos, seja uma onda moralizante. As denúncias que pipocam nas páginas dos jornais se assemelham mais a uma guerra interna deflagrada pela disputa pela mesa diretora da Casa. A briga de poder tem como objeto uma instituição com um enorme orçamento e uma grande burocracia "técnica" e altamente politizada - ela é em sua maior parte concursada, mas apenas consegue subir hierarquicamente se ligada a algum grupo político.

Se o processo de sucessão para a mesa da Casa não segue a lógica de negociação interna por espaços de poder na máquina burocrática, os conflitos tendem a transbordar para as páginas dos jornais em denúncias alimentadas pelos grupos rivais. Uma estrutura de 136 diretores, quase dois para cada Senador, serve a uma "tradição" de negociação, capaz de acomodar interesses os mais variados. O problema é que, na hora do conflito, sobra para todo mundo. O tiroteio tem potencial de atingir gregos e troianos.

O senador José Sarney, eleito pela terceira vez presidente do Senado, domina parte dessa máquina. Construiu essa hegemonia, que praticamente não foi abalada por seus sucessores, ao longo de seus mandatos na presidência da Casa. A lógica desse poder quase sempre foge ao domínio partidário. Não existem divergências na condução do Senado, por exemplo, entre o senador maranhense, que é da base de apoio de Lula, e o primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), um extremado oposicionista. É em nome de um grupo "suprapartidário" que venceu a disputa para a mesa diretora que Fortes defende a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA), filha do presidente da instituição, acusada de distribuir passagens de sua cota parlamentar para levar amigos a Brasília, e de hospedá-los na residência oficial do Senado. "Não posso ser bedel de passagem. Cada um assume a responsabilidade por isso", disse Fortes, afirmando que, se for investigar o uso de passagens, deixaria a descoberto vários jornalistas beneficiados por senadores.

A denúncia contra o senador Tião Viana (PT-RO), de que teria emprestado um celular da Casa para a filha levar a uma viagem no México, pode ser entendida como uma contra-ofensiva. Viana disputou contra Sarney a presidência do Senado e teve o apoio do PSDB, que é oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e do grupo dissidente do PMDB, que também não vai estar no mesmo time da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff na disputa pela Presidência da República em 2010.

O fato de a oposição ter fechado com Viana pode dar conteúdo eleitoral à briga interna que chega aos jornais; o fato de Viana ser do PT desmente essa leitura. Mas, se há alguma intencionalidade que transcende a luta pela máquina do Senado, certamente ela mira o poder que a estrutura burocrática e orçamentária da Casa pode oferecer aos que detêm a hegemonia interna. Um senador Renan Calheiros, mesmo líder do PMDB no Senado, tem menos poder que um Renan Calheiros líder do PMDB e aliado do presidente da máquina partidária. O poder que o grupo sarneyzista do PMDB voltou a desfrutar na Casa conta a favor dele, quer para cooptar aliados, quer para massacrar adversários.

Essas denúncias, pelo menos, servem para desmistificar a ideia de que o Senado é um oásis cercado de imoralidades de deputados por todos os lados. O fato de ter menos representantes, e da maior parte deles se eleger por meio de uma política tradicional, favorece uma certa divisão de benefícios, dos quais se apropriam mais os representantes que são mais dependentes de políticas de clientela.

As denúncias que vazaram até agora da disputa interna mereceriam uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Renderiam mais do que a investigação, seriamente investigada pelo Senado, de que o ministro dos Esportes, Orlando Silva, teria gasto R$ 8,30 na compra de uma tapioca.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feira

Perto do fogo

Demétrio Magnoli
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O que há numa palavra? Semanas atrás, um editorial da Folha de S.Paulo usou o termo "ditabranda" para fazer referência à ditadura brasileira. Ato contínuo, a abóbada celeste caiu sobre o jornal. Um manifesto encabeçado por ícones da esquerda como Antônio Cândido e Dalmo Dallari acusou o editorial de promover "uma fraudulenta revisão histórica" e "insultar" e "aviltar" a memória dos que lutaram pela redemocratização. Em erupções paralelas de fúria santa, a socióloga Maria Victoria Benevides crismou o texto como uma "infâmia" e o jurista Fábio Comparato sugeriu que os responsáveis por ele sejam "condenados a ficar de joelhos em praça pública e pedir perdão ao povo brasileiro".

O jornal reconheceu a impropriedade do termo e depois, nas cordas, reagiu acusando Benevides e Comparato de complacência com a ditadura cubana, o que faria da indignação deles uma manifestação "cínica e mentirosa". Eugênio Bucci, por sua vez, lembrou que a história brasileira é feita de rupturas pouco violentas, quase doces, e perguntou, desolado: "Será que só as nossas brigas irracionais precisam ser tão sanguinárias, tão incendiárias, tão alucinadamente inúteis?"

A indagação tem o seu interesse, mas se orienta pelo propósito utilitário de promover uma reconciliação. No editorial, a Folha empregou o termo maldito num implícito contexto comparativo, apenas para distinguir o regime brasileiro de seus congêneres no Cone Sul, que assassinaram muito mais gente. Não é uma blasfêmia digna de excomunhão sugerir uma tipificação de ditaduras, que são sempre intoleráveis. O erro de princípio do jornal só pode ser evidenciado por meio da análise histórica. Na Argentina e no Chile, as ditaduras foram desafiadas por grupos em armas com amplas raízes nos sistemas políticos previamente existentes. No Brasil, uma resistência armada pífia se articulou entre organizações minoritárias de uma esquerda esfacelada, impotente. Não existiam diferenças ideológicas cruciais entre os regimes militares da região. Apenas, por aqui, a estabilização da ordem ditatorial não demandava o mesmo grau de violência aplicado alhures.

Por que os intelectuais indignados não usaram seu acesso irrestrito às páginas dos jornais, inclusive da própria Folha, para explicar isso? Eu sugiro uma variante mais esclarecedora da indagação de Bucci: qual é a racionalidade, a utilidade política, da ofensiva incendiária conduzida pelos intelectuais sob o pretexto de protestar contra um erro tão óbvio quanto obviamente involuntário cometido pelo editorial do jornal?

A ditadura militar já se convertia em objeto de investigação histórica quando o advento do governo Lula a reativou como fonte de transações simbólicas inscritas nas lutas políticas atuais. No seu percurso evolutivo, o lulismo transfigurou-se em poderoso alicerce da ordem vigente. Lula estabeleceu promissoras alianças com as altas finanças e trançou uma rede política abrangente, que incorpora personagens icônicos dos tempos do regime militar. Os bancos financiam as campanhas de Lula e do PT. Delfim Netto e José Sarney figuram como conselheiros privilegiados do novo "pai dos pobres". Entre a fidelidade a Lula e o apego a suas próprias biografias políticas, os intelectuais de esquerda escolheram os dois. A opção oportunista solicita cíclicos rituais de descontaminação simbólica, como o empreendido a partir do providencial equívoco da Folha.

Mais de uma vez Lula elogiou a "capacidade de planejamento estratégico" da ditadura militar, debaixo de um silêncio sólido, quase palpável, da intelectualidade de esquerda. Num plano mais prático, o governo Lula conservou intocados os dogmas abomináveis negociados pela ditadura na hora da passagem do bastão para os civis. Os arquivos da repressão não devem ser expostos à luz do dia. A anatomia dos porões não pode ser escrutinada pela via judicial. O cone de sombra da Lei de Anistia continua a ocultar a cadeia hierárquica que manejava os botões da tortura. Os intelectuais ultrajados condenam a Folha num tribunal moral de ocasião para não dar combate à muralha remanescente do castelo da ditadura.

"Grite sobre o passado; cale sobre o presente" - eis o dístico dos heroicos líderes do levante contra o editorial. O ministro Tarso Genro, numa das recorrentes piruetas vazias promovidas pelo governo Lula, difundiu a proposta de processar os ratos dos porões preservando a Lei de Anistia, que protege na sua redoma os altos figurões da cadeia de comando da tortura. Um Manifesto dos Juristas firmado por Dallari e Comparato se alinhou com o ministro e ofereceu um álibi histórico para a ditadura militar. Referindo-se aos crimes de tortura e ao desaparecimento forçado, o texto utiliza sua patente ilegalidade como artifício jurídico para justificar uma absolvição prévia dos generais estrelados: "Tais crimes são, portanto, crimes de lesa humanidade, praticados à margem de qualquer legalidade, já que os governos da ditadura jamais os autorizaram ou os reconheceram como atos oficiais do Estado."

Ao escrever "ditabranda", a Folha comete um erro de avaliação histórica, mas não um atentado contra princípios sagrados. Na moldura da democracia, Lula tem o direito moral de se aliar a Delfim e Sarney - e mesmo de atribuir à ditadura um projeto nacional benigno. A vigência das liberdades políticas também assegura aos intelectuais de esquerda a oportunidade legítima de fabricar monstros imaginários, a fim de desviar os olhares para o passado e confundir os debates do presente. No fim das contas, o que eles estão fazendo é só sentar ao redor do fogo, no convívio sem dissidências dos fiéis, purificando-se pela leitura de um livro de memórias seletivas e exibindo aos mais jovens as cicatrizes de uma batalha justa travada muito tempo atrás.

Fogueiras aquecem e aproximam. A luz das chamas ofusca o entorno desagradável.

Demétrio Magnoli, sociólogo, é doutor em Geografia Humana pela USP.

Cumplicidade no abuso

Rolf Kuntz
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O presidente da República poderá continuar assinando medidas provisórias (MPs) sobre qualquer assunto e a qualquer momento, se isso depender dos chefes do Congresso. Poderá dar aumento ao funcionalismo, intervir no mercado financeiro, mexer no orçamento, mudar a regra de reajuste do salário mínimo ou tomar qualquer outra medida, aconselhada por um ministro, pedida por um lobby ou inventada num happy hour palaciano. A fórmula escolhida esta semana pelos presidentes da Câmara e do Senado poderá reduzir o trancamento da pauta e facilitar a votação de vários tipos de projetos, mas não resolverá o problema essencial: o abuso das MPs pelo ocupante do Palácio do Planalto.

O chefe de governo terá liberdade para legislar, como tem feito, sobre os mais variados assuntos econômicos, administrativos e até políticos, sem ser incomodado, haja ou não urgência e relevância - critérios indicados naquele livrinho lançado em outubro de 1988, com grande sucesso de público e alguma restrição da crítica. A perda de validade da MP, depois de certo prazo, não é grande problema, quando se tem imaginação.

Aquele mesmo livrinho atribuiu ao Poder Legislativo a prerrogativa de recusar, logo na entrada, toda MP elaborada sem o atendimento daquele par de requisitos. Não seria preciso acolhê-la para fazê-la tramitar até a votação. O uso dessa prerrogativa nunca foi parte da rotina parlamentar. O senador Garibaldi Alves quase causou uma comoção nacional, em novembro do ano passado, quando resolveu, como presidente da Casa, devolver a MP das filantrópicas - conhecida por favorecer entidades acusadas de fraude.

Pode ter agido de forma desastrada, por não haver convocado uma comissão para decidir o assunto, mas fez valer uma faculdade atribuída ao Congresso pela Constituição.

"O que pretendo é levantar a cabeça do Legislativo", disse o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), ao justificar o expediente encontrado para reduzir o trancamento de pauta. Pela solução encontrada, o trancamento valerá para projetos de lei, mas não para propostas de emenda constitucional e projetos de lei complementar, de decreto legislativo e de resoluções. Não precisaria recorrer a isso para cuidar da honra do Congresso. Bastaria combinar com o presidente do Senado, José Sarney, seu companheiro de partido, o exercício da atribuição de filtrar as MPs.

Essa atribuição corresponde não só a uma faculdade. Quando os congressistas deixam de avaliar a admissibilidade de uma MP, não renunciam apenas ao exercício de um poder. O fato é mais grave: deixam de cumprir um dever. Se a MP enviada ao Congresso não se enquadra nas condições previstas na Constituição, quem tem o poder de barrá-la deve ter também a obrigação de fazê-lo. Omitir-se, nesse caso, é tornar-se cúmplice de um atentado à ordem constitucional. A cumplicidade pode ser apenas moral, mas é inegável.

Se o Supremo Tribunal Federal não derrubar o expediente escolhido pelos chefes do Congresso, poderá haver algum prejuízo para a oposição e também para o Executivo. Este perderá um instrumento de pressão sobre o Legislativo - a ameaça permanente do trancamento de pauta. Os oposicionistas terão menos ocasiões para recorrer à obstrução, quando quiserem deter a votação de uma MP e manter a pauta trancada. Mas tudo isso é apenas parte do joguinho diário da política partidária. Tem sua importância prática, naturalmente, mas pouco significado quando se trata de grandes questões institucionais. A divisão de Poderes, a valorização do Parlamento e o uso correto das atribuições - como a emissão de MPs - são questões dessa magnitude. Não tem sentido falar em "levantar a cabeça do Legislativo" quando se inventa apenas um remendo e não uma solução para o abuso de um poder conferido ao Executivo.

Talvez se considere irrealista cobrar tanto do Congresso brasileiro, uma instituição muito mais eficiente na produção de escândalos do que na elaboração de leis e de atos de fiscalização do Executivo. Na situação atual, parece uma ambição desmedida pretender algo mais que a redução dos 136 cargos de diretoria do Senado, a prestação de contas da verba indenizatória e um pouco mais de respeito ao orçamento do próprio Congresso. Pode ser. Mas, se não se puder cobrar mais que isso dos congressistas, como se poderá esperar o equilíbrio indispensável à democracia? Sobrará, se não ocorrer nada pior, apenas o Judiciário como contraponto ao Executivo e o império da lei ficará na dependência dos mandados de injunção e instrumentos aparentados.

*Rolf Kuntz é jornalista

A democracia brasileira e seus inimigos

Everardo Maciel
DEU NA GAZETA MERCANTIL

Há consenso quanto às evidências de consolidação da democracia brasileira. Ela já não se sujeita aos ventos golpistas que costumam soprar em solos sul- americanos, inclusive sob disfarçadas formas de mudanças constitucionais abonadas por inapropriados plebiscitos.

Otávio Mangabeira, notável político baiano com grande prestígio nas décadas de 1940 e 1950, dizia que a "democracia brasileira é uma plantinha muito tenra" que exige especiais cuidados para não fenecer. Os tempos são outros, dirão. Sem pretender esgotar o tema, não custa todavia identificar algumas fragilidades que podem solapar gradativamente o que se presume consolidado e comprometer o efetivo exercício da democracia, ainda que preservada em seus aspectos formais.

As ameaças ao patrimônio são reais. Quando movimentos ditos sociais, como Movimento dos Sem Terra (MST) e Via Campesina, invadem e destroem propriedades é sintoma de que a democracia não anda bem, pois se abdica dos meios legais em nome da pressa por uma obsoleta e fastidiosa reforma agrária. Esses movimentos sequer têm identificação como pessoa jurídica e se utilizam de instituições "laranjas" para praticar toda sorte de desmandos com recursos provenientes do erário. Invadem prédios públicos, cuja desocupação demanda uma reintegração de posse pela via judicial, sem que haja responsabilização criminal dos ocupantes.

Será que o desrespeito à lei concorre para edificação da democracia? Será que a expropriação de terras e sua subsequente ocupação por pessoas sem qualificação técnica ou gerencial vão melhorar o nível da atividade agrícola ou gerar mais emprego e renda?

O uso social da propriedade deve fundamentar a desapropriação do latifúndio improdutivo. Sua exploração, observados limites que previnam a concentração da propriedade, deve ser feita da forma mais eficiente possível do ponto de vista econômico e social. Caso contrário, veremos, como já se vê, um inovador tipo sociopolítico: o parapatrimonialismo.

O desapreço pela propriedade também se vê nas áreas urbanas. A ocupação desordenada das favelas cariocas e outras áreas periféricas das grandes cidades é uma calamidade. Põe em risco a vida de seus ocupantes, agride despudoradamente o meio ambiente e passa a abrigar o narcotráfico e outras atividades criminosas. De tudo resulta uma miserável grilagem de terras públicas, que reproduz, nas cidades, o que é feito irresponsável e impunemente, na Amazônia e no Centro-Oeste, por fazendeiros e seus prepostos.

Os ministérios constituídos para cuidar dessas matérias esgotam suas agendas de trabalho na administração de verbas destinadas a entidades públicas e organizações não-governamentais, segundo critérios ditados por mesquinhos interesses político-eleitorais.

As diversas formas de violências contra as pessoas são também ameaças à democracia brasileira. É impressionante o crescimento da violência especialmente nos grandes aglomerados urbanos. Induzidas por fortes circunstâncias prosperam verdadeiras zonas de exclusão social nas periferias das cidades.

Nada se faz para deter a onda criminosa. O Estado se perde em questiúnculas corporativas e fica inerte. Abastecidos por fundados argumentos que assinalam práticas ilegais por parte das polícias, os meios de comunicação assumem uma espécie de condescendência jesuítica que finda por paralisar qualquer ação ordenada e sistemática visando a debelar a criminalidade.

O furor persecutório do Estado, não raro como nítida inspiração política, conspira igualmente contra a democracia. De forma sibilina, porém não menos perversa. Interceptações telefônicas ilegais ou abusivas, denunciação caluniosa, vazamento criminoso de informações sigilosas, ações espetaculosas e frequentemente iníquas, etc. compõem um cenário típico de terrorismo de Estado, que afasta nos homens honrados a justa pretensão do exercício da atividade pública. A acusação injusta a inocentes faz a alegria dos culpados.

A autoridade exige, na mesma proporção, responsabilidade - melhor dizendo, a possibilidade de responsabilização. As leis que disciplinam o abuso de poder e a responsabilidade civil do Estado há muito demandam aperfeiçoamentos. O que hoje vigora é inócuo.

A corrupção desenfreada ocupa lugar de destaque entre os inimigos da democracia. Não se diga que o aumento dos níveis de corrupção constitui falsa impressão decorrente da crescente divulgação de ilícitos. É verdade que a transparência é cada vez maior, mas é também verdade que a corrupção no setor público ou privado cresce assustadoramente, mormente porque se faz acompanhar da impunidade. A desejada transparência, infelizmente, conseguiu banalizar a corrupção. Mensaleiros e sanguessugas, negociadores de emendas orçamentárias e comensais dos festins das casas legislativas, fraudadores de balanços e doleiros, são todos eles protagonistas da corrupção sistêmica.

O que fazer? Só nos resta realimentar a esperança de que processos político-eleitorais possam nos conduzir à boa governança (good governance ou simplesmente goo-goo, como dizem os americanos), que seja capaz de empolgar atitudes afirmativas em favor de uma democracia de verdade. Não precisam me lembrar, contudo, que "otimista é um pessimista mal-informado".

Obama contra o povo

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O GLOBO


Pesquisa nos Estados Unidos: você acha que as pessoas de Wall Street são tão honestas e éticas quanto as demais? "Sim", foi a resposta de 41% - mas isso em 2006, um ano muito bom.

Refeita a pergunta nesta semana, para o jornal "USA Today", apenas 26% responderam "sim". Três anos atrás, a opinião da maioria refletia a bronca universal contra bancos e banqueiros. Do ponto de vista do senso comum, os bancos não fazem nada e ficam com a melhor parte do lucro.

Assim: pegam dinheiro de um sujeito esforçado e econômico, que consegue guardar algum à custa de muito sacrifício, e emprestam a outro que "precisa" comprar algo ou para o empreendedor que teve uma boa ideia para tocar um negócio e que põe ali toda sua energia. O banco paga pouco para aquele de quem toma emprestado, cobra caro do devedor e salva o seu mesmo quando o negócio fracassa.

Eis por que, em circunstâncias normais, toda vez que os governos precisam arrecadar uns trocados a mais, os bancos são sempre os primeiros candidatos chamados ao caixa.

Acrescente a isso o maior fracasso da história do sistema financeiro, com reflexos diretos na vida das pessoas, que perderam nas suas ações, nos seus fundos de pensão, nas suas casas, nos seus empregos. Acrescente ainda que os governos estão pegando o dinheiro dos contribuintes e devolvendo aos bancos o que perderam em maus negócios e especulações.

Nem era preciso que os executivos financeiros distribuíssem entre si os bônus milionários, para que se formasse uma enorme rejeição do público. Raiva, dizem os jornais americanos.

Isso cria um enorme problema político, um abismo entre a visão racional, digamos assim, e o entendimento da maioria do povo. Pelas últimas pesquisas, cerca de 60% dos americanos se opõem a dar mais dinheiro para os bancos que estão à beira do colapso. (Opõem-se também ao resgate das montadoras, mas deixemos isso de lado.)

Ocorre que a visão racional, baseada na história e em milhares de estudos, sustenta que os bancos e o sistema financeiro em geral precisam ser resgatados e que isso só pode ser feito com caminhões de dinheiro público.

O lance principal a ser feito está nas mãos de Barack Obama, já que colocar de pé o sistema financeiro americano é a condição para arrumar o resto do mundo.

Obama tem suporte político. Assim como 60% dos americanos acham que o governo não deve resgatar bancos, também 60% aprovam o presidente.

Obama precisa, portanto, usar os seus 60% para convencer ao menos boa parte dos outros 60% que, sim, ele precisa solicitar ao Congresso mais US$750 bilhões para tirar os ativos podres dos bancos.

O jornalista Thomas Friedman escreveu no "N. Y. Times" de ontem que esse será "o primeiro grande teste de liderança" de Obama. Uma coisa é eleger-se na onda - e o candidato democrata soube converter o desapontamento com a era Bush, aí incluído o colapso financeiro, em apoio à sua mensagem de esperança.

Agora, trata-se de apresentar uma conta aos eleitores: mais US$750 bilhões para os bancos. Precisa ir contra a onda. Precisa convencer que os 60% estão errados e que o bem da nação exige o resgate do sistema financeiro, para impedir uma longa depressão econômica.

Obama estaria atrasado? Esta é a inquietação de muita gente. As alternativas técnicas já foram todas examinadas - comprar os ativos podres, nacionalizar, separar banco bom do ruim - de maneira que agora é escolher e agir.

Estaria Obama com receio da reação popular e, assim, procurando uma, improvável, saída que resolva o problema dos bancos, sem ofender a opinião pública?

Estaria procurando parceria no Congresso, na mídia?

Ocorre, completa Friedman, que Obama é o único capaz de "persuadir o povo de que esta (resgatar os bancos) é a menos injusta e a mais efetiva solução".

E por falar nisso, olhando para o Brasil, é impressionante a sequência de políticas impopulares, contra o senso comum, aplicadas por FHC - reformas da Previdência, privatizações e resgate do sistema financeiro (o Proer). Hoje, garantem a estabilidade; na época...

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

Razão das ações

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Época de crise pode ser de grandes negócios também, mas, no Brasil, parece que só tem um único negociador presente em todos eles: o BNDES. Ao distinto público não é dado conhecer os critérios e as razões das escolhas do banco. No caso Sadia-Perdigão, fontes envolvidas na negociação garantem que o banco, se entrar, terá só 10% da nova empresa. A LLX garante que foi o banco que quis entrar.

O BNDES jogou bilhões em empréstimos e compra de ações na operação da Votorantim Celulose e Papel e da Aracruz Celulose. As duas perderam bilhões em operações especulativas no mercado de câmbio e foram salvas por essa operação de compra da Aracruz pela VCP, em que o BNDESpar entrou como sócio para capitalizar a nova empresa e o BNDES emprestava dinheiro.

Agora, discute-se a operação Sadia-Perdigão. Toda a expectativa é para o tamanho do rombo da Sadia, que se saberá quando for divulgado o balanço da empresa, na semana que vem. Ela terá de antecipar tudo o que perderá com os derivativos de câmbio até setembro deste ano. A repórter Flávia Barbosa, na edição de ontem do GLOBO, disse que o governo avalia que não há mais salvação para a Sadia e que ela terá de ser comprada pela Perdigão. Portanto, não seria mais o caso de fusão.

O que é preciso saber é quanto de dinheiro público entrará no jogo, e quanto haverá de subsídio ao negócio. A Perdigão é dos fundos de pensão, principalmente a Previ, do Banco do Brasil. No caso da Aracruz-VCP houve subsídio. Vamos ver se vai se repetir agora o padrão hospital que tem voltado a orientar as ações do BNDES nos últimos tempos.

Os argumentos que as duas empresas já levantam para garantir a ajuda do banco público é que o setor não pode ser desnacionalizado como foi o de processamento de soja. As duas juntas formam a maior processadora de proteína animal do mundo. Hoje, elas têm, juntas, 120 mil funcionários e se tornariam o terceiro ou quarto maior exportador do país.

- Dentro da visão estratégica de que as empresas brasileiras precisam criar musculatura para competir no mercado global, a união das duas seria um passo importante. Isso é o que está acontecendo em papel e celulose e pode vir a acontecer em etanol - disse-me uma fonte que participa das negociações.

O argumento é bom se forem observados dois cuidados: que a fusão, ou a aquisição, não seja feita com dinheiro público subsidiado do BNDES e que ela não resulte em excesso de concentração de mercado. Nas empresas, eles argumentam que no abate de aves e suínos as duas juntas teriam apenas 30% do mercado brasileiro e que são grandes apenas em alguns produtos, como pizza congelada e hambúrguer. Dizem também que o BNDES terá uma participação pequena.

- Provavelmente uns 10% da empresa através do BNDESpar, que é o maior fundo de participações do país e tem ações de todas as grandes empresas brasileiras, como Vale, Gerdau, Petrobras. É um fundo de R$50 bilhões a R$60 bilhões de participação em empresas. Mas ele não será um viabilizador do negócio - garante a fonte.

A LLX, de Eike Batista, também terá o BNDESpar como sócio, que vai pôr R$150 milhões por 12% das ações. Segundo a diretora-financeira da empresa, Eliane Lustosa, a decisão foi tomada pelo banco, que considerou o negócio interessante.

- O BNDES financiou parte da dívida, como faz com todas as empresas de infraestrutura. Por isso, há um ano o BNDESpar nos procurou para dizer que também queria ter uma participação em ações. Não houve pleito da empresa, nem havia interesse do Eike, nem do Ontario Teachers" Pension Plan (o fundo de pensão dos professores de Ontário, no Canadá) de diluir sua participação, mas, mesmo assim, os dois sócios vão deixar de subscrever uma parte do que têm direito num aumento de capital para abrir espaço para o banco.

Argumentei que o problema é que essa operação só está sendo feita agora, quando, por causa da queda do mercado de ações, a LLX desistiu de fazer o IPO (oferta inicial de ações).

- O erro no seu raciocínio é que o banco não entrou agora, ele já tinha decidido antes porque considerou um bom negócio. Ele não entrou para substituir o mercado - disse Eliane.

Outra questão em relação ao BNDES: ele tem que aprimorar seus critérios de concessão de empréstimos para não financiar o oposto do que deveria financiar, já que uma das suas fontes é o FAT. O repórter Eduardo Scolese, da "Folha de S.Paulo", contou na edição de terça-feira que o banco emprestou R$1 bilhão para usinas de cana de açúcar multadas por trabalho degradante. As multas chegam a R$540 mil, e algumas foram aplicadas antes da liberação dos empréstimos do BNDES.

Neste momento de crise, as empresas estão todas no banco, pedindo empréstimos ou oferecendo ações. Como o governo não faz qualquer exigência ambiental ou social nas suas operações de socorro a setores, o risco é aumentarem os casos em que o dinheiro público financia empresas que desmatam ou são flagradas pelo próprio governo praticando trabalho degradante ou até trabalho escravo (quando há servidão por dívida). E isso, é bom lembrar, com dinheiro de um fundo que se chama "de amparo ao trabalhador".

Servidor fica mais longe do reajuste

Luciano Pires
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Prometida para junho a várias categorias de servidores civis, a segunda parcela do reajuste salarial do funcionalismo será mesmo adiada, sem nova data para vigorar. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, deu início ontem à estratégia de comunicar a má notícia aos trabalhadores sem, no entanto, falar com todas as letras que o aumento de 2009 foi tragado pela crise econômica mundial. “O governo terá que fazer muita restrição orçamentária”, avisou Bernardo a dirigentes dos sindicatos mais representativos, chamados para uma reunião de emergência. Segundo contaram os trabalhadores, restou claro do encontro que o dinheiro só sairá se a economia brasileira der uma guinada fantástica nos próximos dois meses, algo em que nem eles mesmos acreditam. Sobre o assunto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva procura manter o otimismo. “Minha ideia é cumprir o acordo. Só não cumprirei o acordo se houver anormalidade”, declarou.

Só falta anunciar

Presidente Lula e ministros preparam com cuidado a divulgação do adiamento do reajuste dos servidores. O objetivo é não acirrar os ânimos dos trabalhadores e preparar o espírito dos funcionários para a má notícia

Sem rodeios, o governo abriu ontem caminhos para oficializar aquilo que nos gabinetes da Esplanada dos Ministérios já é dado como certo. Diante da retração econômica provocada pela crise internacional, os reajustes autorizados no ano passado ao funcionalismo não sairão do papel. A não ser que o ambiente de negócios, o emprego, a arrecadação de impostos e a produção reajam de modo convincente. Caso o cenário permaneça como está — ou piore ainda mais —, os aumentos prometidos aos servidores do Executivo federal terão de ser postergados.

Pressionado pelos sindicatos, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, convocou ontem uma reunião de emergência com algumas das entidades mais representativas. Durante o encontro, Bernardo explicou que houve uma mudança radical do quadro econômico e que por essa razão o governo não terá outra alternativa a não ser fazer “muita restrição orçamentária” — entre hoje e amanhã o governo anunciará os cortes no Orçamento e a previsão de receitas e despesas para o ano. “Para movimentar a economia abrimos mão de receitas e fizemos desonerações orçamentárias importantes”, reforçou aos sindicalistas.

Do lado das despesas, reforçou Paulo Bernardo, há uma série de compromissos que, a mando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não sofrerão cortes, entre eles destacou as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os investimentos na área de educação e os programas sociais. Embora não tenha garantido de forma explícita nem se comprometido com o pagamento dos reajustes aos servidores, Paulo Bernardo tentou tranqüilizar o funcionalismo: “Vamos manter os compromissos com os servidores”, disse aos dirigentes dos sindicatos.

Oficialmente, o adiamento não é confirmado, mas o presidente Lula já prepara o terreno para o governo dar a má notícia.

Depois de se reunir com alguns de seus principais conselheiros no Palácio do Planalto —entre eles os ministros Guido Mantega (Fazenda), Paulo Bernardo e Dilma Rousseff (Casa Civil) —, Lula disse, no Rio de Janeiro, que a intenção é respeitar o calendário acertado com as entidades sindicais e pagar, de forma escalonada até 2010, os reajustes aprovados por meio de leis enviadas ao Congresso e que envolvem cerca de 1,8 milhão de servidores entre ativos, inativos, pensionistas civis e militares.

Lula, no entanto, advertiu que há condições para que isso aconteça. “Temos um acordo, a minha ideia é cumprir esse acordo. Só não cumprirei o acordo se houver anormalidade”, justificou. Segundo ele, junho é a data fatal para tomar uma decisão definitiva sobre o assunto — em julho a grande parte das categorias beneficiadas têm parcelas do aumento a receber.

“Com muita paciência, tenho toda a vontade de cumprir o acordo, porque como vim do movimento sindical, sei o quanto é bom a gente cumprir as palavras, cumprir os acordos que a gente tem e que a gente faz com os funcionários públicos, que a gente faz com os empresários, que a gente faz com os trabalhadores. Então, a minha ideia é cumprir. Deus queira que volte à normalidade logo, para que a gente não tenha que mexer em nada”, reforçou.

Divergências

Dentro do governo a manutenção do gasto extra com a folha de pessoal — só neste ano os reajustes custarão R$ 28,4 bilhões — divide opiniões. A área econômica defende a reprogramação imediata dos acordos com base no artifício legal aprovado na Câmara e no Senado que atrela o comportamento das receitas ao pagamento das parcelas restantes. Já a ministra Dilma Rousseff, preferida por Lula para concorrer à sucessão de 2010, e o próprio presidente desaprovam a medida por acreditarem que o adiamento traria desgastes políticos irreparáveis.

Acordos

· Agências reguladoras
· Advogados públicos
· Banco Central
· Diplomatas
· Gestores governamentais
· Auditores-fiscais da Receita Federal
· Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
· Tesouro Nacional
· Imprensa Nacional
· Plano Geral de Cargos do Poder Executivo
· Militares
· Seguridade Social
· Carreira da Previdência, Saúde e Trabalho
· Fiscais agropecuários

Clima é de insatisfação e apreensão
Apesar dos sinais contraditórios e de o governo não ter batido o martelo em relação a nenhuma das possibilidades que discute internamente, os sindicalistas deixaram a reunião com o ministro Paulo Bernardo otimistas. O Correio consultou seis das 15 representações sindicais que participaram do encontro e o sentimento desse grupo foi de “alívio”. “Sentimos que há disposição em cumprir os acordos. Vamos esperar para ver o que acontece, mas acredito que pelo menos a parcela de julho está assegurada”, disse um sindicalista.
“O governo expôs seus motivos e nós, os nossos. Agora é esperar”, completou outro representante dos servidores.

As categorias que têm maior peso político e representam as carreiras típicas de Estado tiveram impressões positivas do encontro. A postura assumida pelo governo, de acordo com a avaliação da maioria dessas entidades, foi de cautela. “Eles não têm como garantir nada, mas também não vão anunciar uma notícia ruim sem saber ao certo se ela vai se concretizar”, completou um servidor que esteve na reunião no Ministério do Planejamento.

De forma tímida, algumas entidades informaram ao ministro Paulo Bernardo que o clima de apreensão e insatisfação é grande nas bases e que por isso uma série de greves poderão pipocar ao longo dos próximos meses, caso os reajustes sejam adiados. A maioria delas, porém, reconheceu a dificuldade de organizar os servidores. Outras admitiram que o enfrentamento passaria para a sociedade a imagem de que o funcionalismo ignora a crise e age única e exclusivamente motivado pelo ganho salarial.

Em uma semana marcada por protestos na Esplanada dos Ministérios, categorias que desempenham funções medianas dentro da máquina pública pretendem discutir propostas de mobilizações como forma de ter “cartas na manga” contra o governo. A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), que tem entre seus filiados a maior parte das entidades que representam a base do Executivo federal, prepara uma plenária nacional para debater que saídas serão adotadas se crise econômica prejudicar o calendário de pagamentos dos reajustes assinados com o Ministério do Planejamento em 2008. (LP)

Arrecadação cai e governo revê PIB

Fábio Zanini e Gustavo Patu
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A arrecadação de tributos federais já está R$ 10,5 bilhões abaixo do previsto no Orçamento deste ano. Apenas em fevereiro, os impostos recolhidos ficaram R$ 8 bilhões aquém do valor estimado pelo governo. Neste mês, o resultado continua abaixo do esperado. Os dados devem ser divulgados oficialmente hoje pela Receita Federal.

Arrecadação em queda reduz rigor fiscal

Governo corta previsão de crescimento de 3,5% para 2% e faz contingenciamento de gastos do Orçamento de R$ 21 bi

Com arrecadação menor, meta de superávit cairá de 3,8% para 3,3% do PIB, e diferença poderá ser usada em obras de infraestrutura

A crise levou o governo a rever suas projeções para este ano. Agora, espera crescimento menor, com queda de arrecadação e menor aperto fiscal.

A previsão de crescimento do Produto Interno Bruto cairá de 3,5% para 2%, ainda acima das estimativas do mercado, de 0,59%. A arrecadação de tributos federais, em forte queda no primeiro bimestre, deverá ficar R$ 35 bilhões abaixo do previsto no Orçamento aprovado para este ano, apurou a Folha.

Com menos dinheiro em caixa, o governo decidiu buscar um superávit primário (a parcela das receitas destinada ao abatimento da dívida pública) menor neste ano, o que também contribui para injetar mais dinheiro na economia. A meta deverá cair de 3,8% para algo mais próximo a 3,3% do PIB. Para isso, deverá usar um mecanismo avalizado pelo FMI que permite abater da meta o equivalente a 0,5% do PIB em despesas com obras prioritárias em infraestrutura.Essas decisões, tomadas após reuniões recentes do presidente Lula com vários ministros, devem ser anunciadas oficialmente até amanhã, quando deverá ser confirmado um bloqueio de R$ 21 bilhões nos gastos do Orçamento deste ano. O objetivo é adequar as contas públicas ao cenário adverso trazido pela crise global.

A diferença entre os R$ 35 bilhões de receita menor e o corte de R$ 21 bilhões no Orçamento é exatamente o valor da queda inicial da meta de superávit. Ao longo do ano, se as projeções de arrecadação piorarem, tanto pode haver mais cortes como mais redução da meta fiscal.O novo contingenciamento reduz o anunciado em janeiro, de R$ 37 bilhões. Tratava-se, porém, de uma iniciativa assumidamente preventiva, adotada em caráter provisório, cujo cumprimento não era viável.

Descontando a parcela da arrecadação que é automaticamente repassada a Estados e municípios, a lei orçamentária prevê receitas de R$ 662 bilhões neste ano, que equivaleriam a uma vigorosa expansão de 13,4% sobre o resultado do ano passado. Embora as despesas autorizadas cheguem a R$ 610 bilhões, os cortes têm de ser feitos sobre uma parcela bem menor, de R$ 155 bilhões -as demais são obrigatórias.

O bloqueio de despesas pode ser elevado ao longo do ano, como sinalizou ontem Lula. O presidente disse que sua intenção é cumprir os acordos de reajustes salariais firmados no ano passado com os servidores públicos -desde que situação "volte à normalidade"- e postergou a decisão para junho.

A possibilidade de suspender os aumentos do funcionalismo está entre as principais medidas em estudo para adequar a programação de gastos da União ao novo cenário econômico, que reduz a arrecadação. "Nós temos um acordo, a minha ideia é cumprir esse acordo. Eu só não cumprirei o acordo se houver anormalidade.

Mas, como eu só vou ter que decidir no mês de junho, por que eu tenho que ter pressa agora?", disse Lula.

Promovido por meio de três medidas provisórias já transformadas em leis, o pacote de reajustes dos servidores prevê aumentos escalonados até 2012, com gastos novos de R$ 22 bilhões para este ano, levando o gasto total da União com pessoal a R$ 155 bilhões. Foi prevista, porém, a possibilidade de adiar os aumentos em caso de perda de receita.

Lula descartou uma decisão antes de junho. "É que não gosto de tomar medidas precipitadas. Se tem uma coisa que não cabe na minha cabeça, é ficar com medo do que vai acontecer amanhã. Eu não tenho medo precipitado, eu tenho medo premeditado."

Segundo ele, o reajuste depende da evolução dos impactos da crise e da esperada recuperação econômica. "Minha ideia é cumprir. Deus queira que volte à normalidade logo, para que a gente não tenha que mexer em nada."

Colaborou Pedro Soares , da Sucursal do Rio

Emprego em fevereiro tem pior resultado desde 1999

Julianna Sofia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

País cria 9.000 vagas formais em fevereiro

Governo vê início de recuperação, embora seja o pior resultado para o mês desde 1999; indústria corta 56 mil postos

Serviços puxa criação de vagas; Lupi diz que na semana que vem anuncia setores que terão direito a mais parcelas de seguro-desemprego

No pior resultado para fevereiro desde 1999, o mercado de trabalho apresentou em fevereiro saldo positivo de 9.179 vagas com carteira assinada. A indústria, setor mais afetado pela crise, ainda registrou forte retração em fevereiro, com saldo de 56.456 postos demissões.O Ministério do Trabalho crê que a indústria siga com dificuldades neste mês, mas que os demais setores compensem o mau desempenho, permitindo encerrar março com saldo positivo de vagas superior a 100 mil.

De novembro, quando a crise bateu no mercado de trabalho, a fevereiro, o saldo acumulado de fechamento de vagas é de 789 mil postos, sendo dezembro o pico das demissões -655 mil vagas eliminadas.

"O Brasil começou a sair da crise em fevereiro. Houve estabilização e diminuição das demissões. O número ainda é alto, mas está crescendo muito o número das contratações. Março é o mês da virada. Temos o efeito do aumento do salário mínimo. Acredito que podemos gerar no mês mais de 100 mil empregos", disse o ministro Carlos Lupi (Trabalho).

Anteontem, Lupi havia dito que o saldo de emprego formais em fevereiro ficaria "próximo disso [20 mil], não mais de 20 mil". Ontem, declarou que fora pressionado pela imprensa, mas não cravou um número. "Não abri a boca", disse.

Para o professor Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios, já é possível afirmar que o emprego formal saiu do "fundo do poço". "Os números vieram alentadores e batem com outros dados de produção e comércio. Já dá para configurar uma tendência de recuperação, mas será algo lento", disse Leite. Na opinião dele, é factível gerar 100 mil postos neste mês. "Se compararmos com períodos recentes, vamos ver que isso não é muito."

O saldo positivo de fevereiro foi puxado pelo setor de serviços, com geração de 57.518 empregos. No segmento de ensino, o retorno das atividades escolares levou à contração líquida de 35.389 trabalhadores com carteira assinada. Serviços de alojamento e alimentação, influenciados pelo turismo de férias e Carnaval, garantiram mais 13.355 vagas; a administração pública, 14.491 vagas; e a construção civil, 2.842.

Já a indústria de transformação registrou mais demissões líquidas do que em janeiro (55.130). As demissões se concentraram nos segmentos de material de transporte, metalurgia e mecânica.

"É principalmente a indústria de São Paulo. Hoje o problema é no setor de máquinas agrícolas, caminhões e ônibus", disse Lupi.

O ministro afirmou que, na próxima semana, deverão ser anunciados os setores da economia que terão direito a duas parcelas adicionais do seguro-desemprego. "Apesar de as contratações estarem aumentando, há os casos da Embraer, do setor automotivo, da mineração."