terça-feira, 31 de março de 2009

FRASE DO DIA

“O período transcorrido da promulgação do AI-5 até agora foi marcado, politicamente, pelo avanço do processo de fascistização do país. Para levar avante seu programa antinacional, antidemocrático e antipopular, o regime criado pelo golpe de 64 vem, sucessivamente, a partir do AI-1, restringindo as liberdades civis, concentrando o poder nas mãos de uma minoria militar e usando o arbítrio e o terror como métodos de governo para dar solução aos problemas políticos na ordem do dia. Isso não constitui, evidentemente, um traço peculiar à modalidade brasileira do fascismo.

Aqui, como em todas as partes, ele se caracteriza por surgir e definir-se, antes de tudo, como um ataque violento, armado, contra as organizações e instituições democráticas, em geral, e contra as associações de trabalhadores, em particular.”

(Da Resolução Política do Comitê Estadual da Guanabara do PCB – março de 1970)

A crise é do governo Lula

Sérgio Guerra
DEU EM O GLOBO

Mudou o presidente dos Estados Unidos, o do Brasil continua o mesmo. Há poucos meses o presidente Lula dizia: “A crise é do Bush.” Agora foi a Obama pedir providências com a mesmíssima intenção: convencer os brasileiros e talvez a si mesmo que a culpa não é dele.

Se fosse só uma questão de culpas, podíamos nos sentar e esperar o juízo da história. O problema é que o subtexto do “não me culpem” é “não me cobrem mais providências”.

Aí parece demais.

Vamos começar pelas culpas intransferíveis, para cobrar as providências que o governo do PT deve ao país. Porque desculpas sinceras, já sabemos, eles devem, mas não vão pedir nunca. Não pediram pelo “mensalão”. Por que iriam se abalar agora? A culpa de Lula e seu governo não foi a de ter provocado a crise mundial, obviamente, mas eles cometeram dois erros fatais: escancararam as portas do Brasil para a crise e reagiram tarde e mal quando ela chegou.

Primeiro, nos anos de bonança com que foram contemplados, aproveitaram a superabundância de capital externo e o forte aumento da demanda e dos preços das nossas matérias-primas exportadas, não para investir em educação, saúde e infraestrutura, como o país precisa tanto.

Em vez disso, patrocinaram uma verdadeira farra de juros astronômicos para os banqueiros e especuladores; a farra de importações alavancadas pelo câmbio superapreciado; a farra dos gastos de custeio, dos salários inflacionados e dos cabides de emprego para os companheiros na máquina federal. E ainda empurraram muitas empresas produtivas para a armadilha de um hedge cambial insensato, versão cabocla das pirâmides especulativas que arruinaram milhares de empresas e milhões de famílias americanas.

Mesmo dia nteda aceleração da crise, nos meses que antecederam a quebrado Lehman Brothers, o Brasil continuou subindo os juros dos títulos públicos, base da pirâmide dos juros privados siderais e fonte de gastos e déficit públicos.

Erro de economia e subordinação ao capital financeiro, que não é de responsabilidade apenas do Banco Central, mas do governo e do presidente.

Esse erro — na verdade uma sequência espantosa de erros — explica por que a crise está batendo mais forte no Brasil do que na maioria dos países, como os dados do PIB e do emprego começam a mostrar.

Segundo, quando a crise apontou no horizonte, reagiram com as bravatas de sempre. Palanque, propaganda, piadinhas e pesquisas. Pesquisas, diga-se de passagem, que refletem a popularidade do presidente no espelho retrovisor (com os primeiros sinais de desgaste), enquanto o muro da frustração cresce à sua frente. Mas a inconsequência, num quadro desses, e partindo de quem parte, tem consequências.

Do ponto de observação privilegiado em que se encontram, o mínimo que o presidente e seus auxiliares tinham obrigação de fazer era ver o tsunami chegar e tocar o alarme. Em vez disso, chamaram o povo para a praia — ou para as compras.

Em suma, esbaldaramse feito a cigarra da fábula no verão. E mentem feito Pinnochio na chegada do inverno. Tripudiam sobre a verdade ao repetir sem descanso nem pudor o conto do PAC. Não deixa de ser um verdadeiro escárnio com o país falar-se em “aceleração do crescimento” quando o PIB desaba desse jeito. “Aceleração” de 5% ao ano para zero? Mas não se dão por achados e já estão no palanque inaugurando casas de vento.

E o pior: enquanto enganam, perdem tempo quando o país mais precisa de verdade e coragem para tomar as duras decisões que poderiam, talvez, amortecer o tombo econômico nacional e amenizar o sofrimento da crise.

Com verdade e coragem, já deveriam ter revertido o que ainda der para reverter da gastança desatinada que promoveram. Já deveriam ter alinhado os juros básicos do Brasil com os do resto do mundo. Já deveriam ter implantado mecanismos que avalizassem o crédito para as pequenas e médias empresas. Já deveriam ter refeito em moeda nacional os créditos perdidos no mercado internacional pelos exportadores. Já deveriam ter começado uma verdadeira parceria com os governos estaduais e prefeituras que têm capacidade gerencial e financeira para acelerar efetivamente os investimentos.

Com pirotecnias e paliativos, prolongam a agonia e aprofundam o buraco aos seus pés, arrastando um país inteiro com eles! Os Estados Unidos tiveram ao menos a sorte de poder trocar de comando quando a crise bateu à porta.

O Brasil terá de agüentar mais dois anos desse não governo. Haja fé na democracia e paciência.

Sérgio Guerra é senador (PE) e presidente nacional do PSDB.

Bolhas, paradigmas e arquiteturas

Lourdes Sola
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A perspectiva de uma desaceleração econômica maior do que foi antecipada pelo governo desarmou de vez sua estratégia de comunicação política, que de ofensiva passa a defensiva. De um só golpe as cifras desautorizam os "diagnósticos" e a qualidade técnica dos discursos que compunham o quadro otimista - as reações espertas do tipo "o problema é do Bush", a metáfora da "marolinha" e a imprudência de reiterar uma taxa de crescimento implausível para 2009.

Estourada a bolha otimista, as incertezas do cenário econômico impõem sobriedade e coerência ao governo e a seus críticos. Afetam os cálculos eleitorais e abrem espaço para uma revisão dos cálculos políticos de longo prazo, ou seja, para as estratégias a partir das quais se constroem (e reconstroem) a imagem e a tradição dos partidos entre outras instituições. Dessa perspectiva, a variável relevante é a construção de uma agenda pública viável, que organize as respostas ao novo cenário político-econômico. Mas a eficácia de uma agenda propositiva depende também de sua forma de apresentação e de seu timing, portanto, da estratégia de comunicação política.

Nem governo nem oposições se preparam para tanto, porque não superam os termos em que se dá a concorrência eleitoral. Estão pautados pela dominância midiática do presidente Lula e pelo uso intensivo dos recursos políticos à sua disposição. Quando muito invoca-se uma "mudança de paradigma" - (mal) entendida como a volta à prevalência do Estado sobre o mercado - toda vez que estão em pauta questões como disciplina fiscal, qualidade dos gastos e o sistema de privilégios incrustados no Estado.

A falta de empenho de uns e outros na construção de uma agenda propositiva tem uma explicação: os termos por onde passa o debate sobre ela já mudaram, mas os mapas cognitivos continuam defasados, por conveniência, rigidez ou ideologia. A crise global, de fato, ilumina uma mudança na equação Estado-mercado, mas não há como inferir a natureza do "novo paradigma" - expressão que denota um sistema estável e sustentável. Ironicamente, trata-se de uma metáfora equivalente àquela de "arquitetura financeira", ainda cultivada pelos ideólogos do mercado e arautos da desregulação financeira radical. Uma metáfora que serviu para assegurar que o sistema pós-Bretton Woods (1972-2008) - por definição, instável e movediço, um "não-sistema" - tinha as qualidades de um bom edifício: solidez, funcionalidade e, se possível, elegância. Deu no que deu.

O cenário político-econômico global impõe uma mudança de perspectiva, sim, mas a partir de um diagnóstico sensível aos contextos e às trajetórias específicas. A nossa estará pautada por duas grandes transformações: pela forma de inserção do Brasil no sistema internacional e pela nova forma que adquire o conflito distributivo no novo cenário econômico.

As novas formas de inserção do Brasil no sistema internacional incluem, mas não se esgotam na invulnerabilidade comparativa a choques externos. Derivam de uma mudança no eixo do poder econômico global, com destaque para dois dos demais Brics, a China e a Índia, cuja ascensão se explica também por suas respectivas trajetórias de integração à economia global. No caso do Brasil, ela é um subproduto de dois processos que pautaram a agenda pública nos anos 90. Por um lado, a integração à economia global por meio da liberalização gradativa do comércio internacional e do sistema financeiro, que, somados à política seletiva de privatizações, redundaram numa mudança significativa na equação Estado-mercado, a favor do segundo termo. Por outro lado, a construção gradual e negociada de um sistema institucional moderno de regulação e de supervisão financeira - que explica o baixo risco de uma crise bancária entre nós - reflete o papel disciplinador do Estado como poder público, nessa esfera específica. Esses são desdobramentos que o presidente Lula se empenha em valorizar aos olhos do G-20 e do presidente Obama, embora inseparáveis da herança bendita. Dessa perspectiva há espaço para otimismos, desde que se reconheça o seguinte: tais mudanças estruturais explicam porque o Brasil tem interesse direto na "globalização". A rejeição do protecionismo (dos ricos) a ser reiterada na cúpula do G-20 não é marola, tem bases em interesses socioeconômicos já consolidados e corresponde ao interesse nacional.

Numa democracia de massas o consumidor-eleitor tem duas vozes, que não falam no mesmo tom. O consumidor já acusou o golpe e redefine seus hábitos. As reações do consumidor-eleitor dependerão das estratégias de persuasão empregadas pelas forças políticas em jogo e da credibilidade das instituições a partir das quais essas forças se manifestam (em queda livre no Legislativo). A frustração e a incerteza típicas dos tempos de vacas magras levarão nosso ator a ser mais atento a dois desdobramentos: aos mecanismos da corrupção e aos sistemas de privilégio articulados em torno do Estado. Minha aposta é que, junto ao crescimento, a questão distributiva ocupará o centro do palco político, sob nova roupagem. Para além da desigualdade da renda e da inclusão social - que é também inclusão no mercado consumidor, aqui como na China -, o foco deverá incidir também sobre a redistribuição de penalidades e de privilégios que se articulam em torno do Estado. A opinião pública estará mais sensível aos outros ingredientes que compõem a justiça distributiva: aos mecanismos de prestação de contas que o sistema político deixa de oferecer, às reivindicações de maior igualdade perante a lei e ante o Leão. As respostas a essa nova sensibilidade podem redundar em aprimoramento das instituições ou em caça às bruxas, que já é o grande risco dessa oportunidade.

Lourdes Sola, professora da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências, é presidente da Associação Internacional de Ciência Política, do conselho diretor da Global Development Network, da International Institute for Democracy and Electoral Assistance e do Instituto Internacional de Ciências Sociais

Com a crise, popularidade de Lula cai

Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO

Pesquisa do Sensus mostra queda de 10 pontos percentuais na avaliação do governo

BRASÍLIA. Os reflexos da crise global na economia brasileira provocaram abalo na avaliação do governo e na aprovação do desempenho pessoal do presidente Lula. A avaliação do governo sofreu uma queda de dez pontos percentuais em março, segundo a pesquisa do Instituto Sensus encomendada pela Confederação Nacional de Transportes (CNT) e divulgada ontem. O índice positivo passou de 72,5%, registrado em janeiro, para 62,4%, agora. Já a queda na aprovação pessoal de Lula foi de oito pontos no mesmo período, passando de 84% para 76,2%. E a desaprovação subiu de 12,2% para 19,9%. A pesquisa foi feita entre 23 e 27 de março, com dois mil eleitores em 136 municípios de 24 estados. A margem de erro é de três pontos percentuais.

O levantamento confirma que a queda de popularidade está diretamente relacionada à crise.

Em dezembro, quando os efeitos da crise ainda não eram fortemente sentidos no país, 38,5% dos entrevistados pelo Sensus disseram que a situação do emprego piorara. Agora, esse percentual é de 54,5%. E os otimistas, que consideram que houve melhora na geração de empregos, diminuíram: de 32,7% em janeiro para 20,9% em março.

Na pesquisa, 38,7% dos entrevistados afirmaram que conhecem alguém que perdeu o emprego devido à crise, e outros 24,8% souberam de pessoas que ficaram desempregadas. Outros 34,9% disseram não conhecer ninguém nessa situação.

A pesquisa mostra que, hoje, 44,8% têm receio de perder seu emprego caso a crise se agrave. Em janeiro, esse índice era de 43,8%.

Outro dado que reflete a preocupação da população trata da renda mensal nos últimos seis meses. Para 32,6 %, a renda diminuiu nesse período — em janeiro, o índice era de 23,2%. A renda ficou igual para 40,3%, contra 49,3% em janeiro.

Entre os que dizem que a renda aumentou, houve leve oscilação: de 25,3% para 24,6%. Mesmo assim, 40,1% afirmaram que o Brasil está lidando adequadamente com a crise econômica, enquanto 26,5% disseram o contrário.

— Está claro que a avaliação do emprego e da renda influenciaram na popularidade do governo.
Houve uma queda significativa no desempenho do governo Lula, embora a aprovação permaneça alta. Esses números mostram que voltamos aos patamares anteriores à crise financeira — observou o cientista político Ricardo Guedes, do instituto Sensus.

Serra lidera nas intenções de voto para 2010

Os dados da pesquisa para a sucessão presidencial de 2010 apontam uma polarização entre o o governador paulista José Serra (PSDB), pré-candidato do PSDB, e a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), nome do presidente Lula. Serra lidera com folga em todos os cenários em que aparece, tendo crescido três pontos percentuais entre janeiro e março.

Dilma também cresceu no período e, pela primeira vez, está à frente do governador Aécio Neves (PSDB-MG), numa eventual disputa com ele no segundo turno. Ela também supera Aécio na pesquisa espontânea, quando os nomes não são sugeridos.

No primeiro cenário, Serra lidera com 45,7% das intenções de voto (eram 42,8% em janeiro), enquanto Dilma subiu de 13,5% para 16,3%. A vereadora Heloísa Helena (PSOL) oscilou de 11,2% para 11%. Quando Serra é substituído por Aécio, há empate técnico entre o mineiro (22%) e a petista (19,9%). Como candidato governista, Ciro Gomes (PSB-CE) fica em segundo lugar, com 14,9%. Serra tem 43,1% e Heloísa, 12,8%.

Nas simulações de segundo turno, Serra ganharia com folga, se a eleição fosse hoje. Teria 53,5% dos votos, numa disputa com Dilma, que ficaria com 21,3%. Mas, se o candidato tucano fosse Aécio, Dilma levaria vantagem, numa disputa acirrada: 29,1% contra 28,3% do tucano. Em janeiro, Aécio aparecia com 30,4% das intenções de voto, contra 23,9% de Dilma.

Na pesquisa espontânea, ela também é mais lembrada do que Aécio (2,9%), ficando em terceiro lugar, com 3,6%, atrás de Serra, com 8,8%, e de Lula, com 16,2%. Outro dado que chamou atenção é que, apesar da queda de popularidade, cresceu a capacidade de Lula de transferir votos: 21,5% disseram que votariam em um candidato apoiado pelo presidente.

Em dezembro, eram 15,6%.

Alma do negócio

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O aumento do índice de intenções de voto da ministra Dilma Rousseff (29%) para a Presidência da República no confronto com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (28%), é a notícia nova que traz o instituto Sensus em relação às pesquisas do Ibope e Datafolha, divulgadas na semana passada.

As três registraram a queda na popularidade do presidente Luiz Inácio da Silva, bem como a redução da confiabilidade no desempenho do governo.

Todas confirmam a dianteira ainda folgada do governador de São Paulo, José Serra, na disputa presidencial de 2010 e também ratificam as manifestações espontâneas de preferência pelo presidente Lula, se fosse candidato.

É um cenário difícil de ser transposto para a realidade futura e tomado como verdade absoluta, porque muitas de suas variantes são hipotéticas. Umas prováveis, algumas possíveis, outras meras conjecturas sobre o inexequível, como a candidatura Lula citada por 16% dos consultados.

Nesse quadro das lembranças não induzidas, Serra cai dos 45,7%, quando a escolha é feita em lista de potenciais concorrentes, para 8,8%. Dilma fica com 3,6% e Aécio com 2,9%. Em matéria de escolha eleitoral propriamente dita, esses dados não significam nada, mas dizem muito a respeito do trabalho de divulgação de um pretendente a candidato.

Se 16% citam Lula sabendo que não estará na disputa, fazem isso porque é o nome que lhes vêm à mente em primeiro lugar, é o personagem mais presente na cena nacional. A mesma lógica pode se aplicar à evolução dos índices de Dilma, uma evidência da eficácia da ofensiva posta em prática pelo governo desde fevereiro de 2008, quando do batizado da "mãe do PAC".

Abstraindo juízo de valor sobre os métodos e a desigualdade dos instrumentos, está demonstrado o quanto, também na política, a propaganda é a alma do negócio.

Aécio Neves está na vida pública há mais de 20 anos, foi presidente da Câmara dos Deputados, é neto do fiador da transição democrática, cumpre o segundo mandato como governador do segundo colégio eleitoral do País, há um ano circula como presumido pretendente a presidente.

É bem visto no empresariado, cobiçado por partidos políticos, nos últimos meses reforçou e explicitou as investidas para se apresentar como alternativa de poder, tem estampa e juventude, inegável "appeal" e vocação à cortesia. Tanto esforço e atributos, porém, não o fazem andar para frente nas pesquisas.

Nem de maneira substancial para baixo. Ficou ali, andando meio de lado, enquanto a ministra Dilma, que nunca disputou um voto, não chegaria entre as dez primeiras em concurso de miss simpatia, não encarna grandes simbologias, não tem traquejo político, depende do capital eleitoral de outrem, conseguiu entrar no rumo de uma trajetória ascendente.

É, na percepção de uma parcela crescente, a imagem e semelhança do presidente Lula. Ainda não se trata de saber - por impossível - se com isso poderia se eleger, mas de constatar que conseguiu obter uma marca. Dilma é Lula e ponto.

Serra é o obstinado que perdeu uma vez a Presidência, retomou a trilha via prefeitura, tentou disputar outra vez sem sucesso, contornou o obstáculo elegendo-se governador e agora se empenha em definitivo para chegar lá. Serra, portanto, simboliza algo facilmente reconhecível pelo eleitorado.

Heloísa Helena é reduto dos utópicos e radicais, sucessora de Lula na representação do combate a isso "tudo que está aí".

Já o governador Aécio até agora não conseguiu se enquadrar em um perfil: fala para Minas como redentor do peso político do Estado, mas para o restante do eleitorado não se apresenta com características marcadas que agradem ou desagradem, muito antes pelo contrário.

É visto como aliado de Lula, é tido como adversário de Serra, avança e recua, movimenta-se, mas não dá o norte ao eleitor, o que traduz uma estratégia de propaganda ineficaz. Ou, então, revela uma vontade apenas relativa de realmente se candidatar agora à Presidência.

Voo cego

O delegado Paulo Lacerda, ex-diretor-geral da Polícia Federal, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência, hoje lotado na Embaixada do Brasil em Portugal, deu a um grande amigo a seguinte definição do delegado Protógenes Queiroz:

"É um investigador muito bom, mas tem de ser monitorado de perto. Se ficar quatro dias solto, por conta própria, sai voando, investiga do presidente dos Estados Unidos às relações de poder na Austrália."

Dilmo


O presidente da Câmara, Michel Temer, sabe da falta de unidade do PMDB para aderir oficialmente a alguma candidatura, mas está mesmo com vontade de ser vice de Dilma Rousseff. Pelo sim pelo não, sondou o ministro Geddel Vieira Lima sobre seus planos de ocupar a vaga.

Saiu a conversa com passe livre para investir.

Sem proteção

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Mesmo tendo sido gerada no centro do sistema econômico internacional pelos “brancos de olhos azuis”, ou justamente por isso, a crise resultará em um “generalizado, profundo e prolongado” efeito negativo na economia da América Latina, sem distinção de países ou de quanto esta ou aquela economia está ligada aos mercados internacionais, o grau de abertura das economias ou suas condições macroeconômicas iniciais. Estas são as conclusões de um estudo dos economistas Ramón Pineda, Esteban Perez e Daniel Titelman, da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), que descartam a possibilidade de algum país estar mais bem preparado para enfrentar a crise, dada sua magnitude sem precedentes e os recentes resultados macroeconômicos da região.

O trabalho analisa o comportamento econômico de 17 países da região: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. As crises acompanhadas foram as da dívida externa (198083); a de instituições de empréstimos e poupança (198791); a mexicana (1994-95); a da Rússia (1997-99), e a da Argentina (2001-2002).

Segundo o estudo, as evidências mostram que o impacto das crises financeiras está relacionado fortemente com o grau em que as finanças externas ficam escassas e caras, e a magnitude da interrupção dos canais de comércio externo.

As evidências atuais, dizem os economistas, não permitem imaginar que os efeitos da crise serão diferentes daqueles que atingiram seriamente a região no passado.

Mais uma vez, dizem, as condições externas estão batendo forte na região.

O fluxo de financiamentos privados para a América Latina está experimentando um declínio em 2008 (US$ 184 bilhões em 2007 contra US$ 89 bilhões in 2008), e uma contração maior é esperada para este ano, quando deve cair para US$ 43 bilhões. O comércio internacional, por sua vez, deve cair mais de 2% em relação ao ano passado.

Uma análise do comportamento do PIB per capita nas crises anteriores mostra que a região teve uma queda média entre 1,2%, durante a crise argentina, e 12,6%, durante a crise da dívida.

Comportamento similar teve o investimento, com uma queda que variou entre 13,7% na crise mexicana e 46,6% na crise da dívida.

A média de redução do fluxo de financiamentos foi de 2,7% do PIB, durante a crise de empréstimos e poupança, e 8,4%, durante a crise da dívida, enquanto a contração média das exportações foi de 4,1% durante a crise mexicana e 38,2% durante a crise da dívida.

Desde o segundo semestre de 2008, o fluxo de capitais privados está decaindo em uma média de 2% do PIB da região. O comércio internacional também está previsto para cair mais de 2% durante este ano.

As evidências também mostram, segundo o estudo, que, nas ocasiões anteriores de crise, a piora das condições externas é acompanhada pela contração da atividade econômica em muitos países da região, pelo mesmo período de tempo.

Já tendo sido superada a fase em que se acreditava que poderia haver um descolamento das economias regionais em relação à crise global, agora se discute até que ponto os governos da região terão condições de adotar uma política contra-cíclica para evitar os efeitos da crise.

O estudo admite que a melhora nas condições econômicas internas nos últimos seis anos, incluindo uma posição fiscal mais equilibrada, a redução da dívida externa, o controle da inflação e a acumulação de reservas internacionais por alguns países da região, estão ajudando alguns países a financiar essas políticas.

O Brasil, segundo o estudo, é um dos países que menos dedicaram recursos a estas políticas contracíclicas: enquanto colocamos 1% do PIB nessas políticas, a Argentina colocou 5,7%; a Bolívia 1,9%; o Chile 2,2%; a Colômbia 4,2%; a Costa Rica 0,7%; a Guatemala 0,8%, Honduras 0.6%; o México 0,6%; e o Peru 2,4%.

No entanto, para os economistas da Cepal, não obstante os esforços para mitigar os efeitos da crise, esses devem ser insuficientes para evitar a estagnação ou mesmo a contração da atividade econômica da região, devido ao caráter sistêmico da crise atual, além da sua magnitude incomparável.

O estudo mostra que, desde os anos 80 do século passado, a crise se abate sobre a região de uma maneira generalizada, profunda e prolongada, independentemente das especificidades de cada país.

As consequências econômicas negativas e o acesso restrito aos financiamentos externos são comuns a vários países da região, a despeito da heterogeneidade das economias.

Uma das facetas dessa crise é o aumento da remessa de lucros e dividendos pelas empresas estrangeiras para cobrir dívidas no exterior, especialmente as empresas dos Estados Unidos. As empresas automobilísticas, por exemplo, têm ótimo desempenho aqui e o governo ajuda a manter seus lucros com a redução de impostos. Ao mesmo tempo, elas aumentam a remessa de lucros para suas sedes.

O ex-ministro José Dirceu, reforçado politicamente no papel de um dos articuladores da campanha presidencial da ministra Dilma Roussef, denunciou outro dia em seu blog a remessa para o exterior de US$ 33,8 bilhões em lucros e dividendos. Dirceu está errado ao pedir um maior controle do capital estrangeiro, e ao afirmar que esses investimentos não ajudam na produção, são meramente especulativos.

Mas saída maciça de capitais é verdade, tanto que, no ano passado, estávamos remetendo de volta para os Estados Unidos muito mais capitais do que a China, quando há muito mais capital americano na China do que no Brasil. O que indicaria que a confiança na economia brasileira não é tão grande quanto alardeia o governo.

Ciro embaralha campo governista

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Ciro Gomes já foi o candidato de Lula à Presidência da República. Isso foi em 2005, época de mensalão, quando a popularidade do presidente andava pelas tabelas e ele pensou em não concorrer à reeleição, no ano seguinte. O que o PSB quer agora é que Ciro seja uma opção a mais do campo governista no primeiro turno das eleições de 2010, e nada indica que o deputado cearense possa estar em algum palanque de oposição ao presidente.

Ciro tem afinidades com o governador mineiro Aécio Neves, mas à esta altura do jogo sucessório ninguém imagina que eles possam estar coligados no próximo ano, até porque é pouco provável que Aécio seja o candidato do PSDB ou que ele venha a trocar de partido para disputar a eleição. Ciro faz gestos para Aécio por cálculo político.

Ele joga na divisão dos tucanos, ao insistir que eles têm um candidato com mais condições de compor com outras forças políticas que o governador José Serra (SP), e faz acenos seguidos para Minas Gerais, o terceiro maior colégio eleitoral do país. Incensar Aécio também é discurso para Minas.

Ciro voltou com vontade ao jogo eleitoral, uma reclamação recorrente do PSB que o sentia um tanto "apático" no processo. O próprio Ciro reconhece que passou por uma fase pessoal difícil, mas que está pronto para avançar no projeto do PSB: convencer Lula e o PT que polarizar desde agora com José Serra embute um risco de derrota para o tucano. Duas candidaturas, por outro lado, assegurariam a passagem de um dos nomes governistas para a etapa seguinte, com possibilidades de composições no segundo turno.

O PSB recorre a três exemplos, nas duas últimas eleições, para ilustrar o acerto da estratégia de dois ou mais candidatos do campo governista. Um caso de sucesso e dois de insucessos. O primeiro é a eleição de Eduardo Campos para o governo de Pernambuco, em 2006, quando a base saiu com dois candidatos e, no segundo turno, PSB e PT se uniram contra a coligação PMDB-PFL.

Já em São Paulo e no Rio Grande do Norte, em 2008, ocorreu o contrário. Em São Paulo capital, o Palácio do Planalto pressionou para a retirada da candidatura do deputado Aldo Rebelo (PCdoB) em favor de Marta Suplicy, as oposições se uniram, a eleição foi para o segundo turno, mas ficou sem gás na fase decisiva da disputa eleitoral, pois já não tinha mais espaço por onde compor e ampliar. Em Natal, a candidata única Fátima Bezerra (PT) nem passou de fase.

Lula já conversou com o governador Eduardo Campos, que detém o controle do PSB. Está prevista agora uma reunião do presidente com a Executiva Nacional do partido e, mais tarde, uma conversa individual com Ciro. Enquanto isso, o deputado mantém a agenda de viagens.

Sábado Ciro esteve em Manaus, a convite da federação local da indústria. Na sequência deve ir a Cuiabá (MT), Juiz de Fora (MG), Porto Alegre (RS) e Rio Branco (AC)

Nessas viagens, quando é questionado sobre sua vontade política para concorrer, Ciro costuma dizer que foi "candidato pelo PPS quando o PPS tinha dois deputados e um senador". Agora está num partido que tem 30 deputados (29, para ser exato), três governadores estaduais e dois senadores, além de uma conjuntura que considera mais favorável que as de 1998 e 2002, quando foi candidato a presidente. Ou seja, não está "fazendo fita". Mas também costuma ressaltar que só vai ser candidato dentro de um projeto coletivo.

Segundo o raciocínio exposto por Ciro, a candidatura do tucano José Serra já bateu no teto, ficará por volta dos 41% e, depois, só vai para baixo. Ele acredita que Dilma Rousseff, a candidata de Lula, atinge facilmente os 25% nas pesquisas - resultado do prestígio de Lula e o PT, juntos, combinados. Quando ganhar a visibilidade que Dilma atualmente dispõe, quando for para a campanha, Ciro, que já anda na frente da ministra da Casa Civil, acredita que vai crescer ainda mais. Sobretudo porque terá um discurso forte sobre a crise.

"É claro que muita água vai rolar debaixo dessa ponte até a decisão final", diz o líder do PSB na Câmara, Rodrigo Rollemberg (DF). "Agora, nós do PSB temos claro o entendimento que para a continuidade e o aprofundamento do projeto político do presidente Lula é preciso que alguém da base do governo ganhe a eleição - A melhor tática é nos termos mais de uma candidatura da base. Eu não tenho a menor dúvida disso".

"Trata-se de um candidato de continuidade política, mas não necessariamente de continuidade do projeto de governo", diz o vice-presidente do PSB, Roberto Amaral, numa evidente referência à política econômica e financeira.

Duas medidas

Há um tsunami se "agigantando vindo em direção do PT", diz um especialista nos assuntos da sigla. Trata-se da questão da refiliação de Delúbio Soares, o ex-tesoureiro petista que pretende sair candidato a deputado federal por Goiás. O problema todo é que chegou ao PT informação segundo a qual Lula considera que isso é um tiro no pé. Mexer neste assunto, agora, poderia causar complicações desnecessárias para a candidatura Dilma Rousseff.

Ocorre que, por outro lado, o PT vê o ex-ministro José Dirceu atuar com desenvoltura nas composições regionais para fechar a aliança com o PMDB. A pedido de Lula. O mesmo José Dirceu que, em outras épocas, foi vetado por Tarso Genro para compor a direção nacional do partido.

Então há muito muxoxo e ranger de dentes, especialmente entre as pessoas atingidas pelo mensalão e outros escândalos do PT. O choro é que Lula não teria o direito de exercitar duas políticas: vetar Delúbio e dar missões políticas para Dirceu. Um "protesto silencioso" de quem acha que está sendo usado por debaixo dos panos: ninguém quer que eles apareçam, mas precisam deles para controlar o partido.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

OS OLHOS DO SOL (poema)

Graziela Melo (1/4/1938)

Os olhos
Do sol
São vermelhos
Embriagados
De luz

Não são
Verdes
Nem azuis

Inflamados

Ofuscantes

É o olhar
Que me seduz!!!

Rio de Janeiro, 30/ 03/2009

As ressalvas do desrespeito

Mercio Pereira
Antropólogo e ex-Presidente da FUNAI

As ressalvas do STF aqui analisadas neste Blog e numeradas como 17, 19 e 20, constituem a forca, a guilhotina, ou o garrote com o qual se decidiu dar cabo do processo de demarcação de terras indígenas e, ao mesmo tempo, fazer regredir a política e a tradição indigenista rondoniana para o século XIX.

As demais ressalvas contidas na decisão final do STF, ao término da votação sobre a legitimidade da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, constituem o cadafalso sobre o qual se instalou a mencionada forca, ou guilhotina, ou garrote.

São ressalvas que definem proibições e restrições do usufruto das riquezas da terra indígena por parte dos índios, determinando a presença inconsultável de forças policiais e militares, bem como do Instituto Chico Mendes.

Os índios não poderão, por exemplo, daqui por diante, fazer uma pequena faiscação de ouro ou alguma pedra preciosa (sem falar em diamantes, Deus me livre!) em suas terras, a não ser que tenha uma licença de garimpagem. Isso era permitido pelo Estatuto do Índio desde 1973. Não poderão mais entrar ou fazer uso (digamos caçar um tatu) em suas terras se elas também se constituírem parques ou reservas biológicas ou florestais, sem permissão explícita do Instituto Chico Mendes, nova instituição que se desmembrou do IBAMA. (Chico Mendes bem que estaria se remoendo em seu túmulo diante dessa norma restritiva imposta aos índios!)

Abrir uma rodovia atravessando uma terra indígena?? Moleza! Agora nem precisa comunicar aos índios, quando mais pedir-lhes permissão, ao menos aconxambrar as coisas! Haja estradas e rodovias a serem feitas pela Amazônia afora. Agora sai a rodovia que querem fazer atravessando a Ilha de Bananal, pois não?! E os índios não terão direito a um mínimo ressarcimento, um simples controle de passagem, um mísero pedágio pelas consequências ambientais e étnicas que advirão dessas estradas.

A segurança das terras indígenas contra invasores fazendeiros, mineradores, madeireiros e pequenos posseiros, caçadores e pescadores sempre esteve a cargo dos próprios indígenas, da Funai (que nem tem poder de polícia, mas os seus funcionários muitas vezes encaram situações perigosas), da Polícia Federal, do IBAMA (que tem poder de polícia) e, por fim, do Exército brasileiro.

Essa segurança tem sido no grosso positiva. Ao contrário dos alarmes das Ongs e do CIMI, somente uma porcentagem pequena das terras indígenas demarcadas e homologadas sofrem invasões; grande parte das invadidas por madeireiros, garimpeiros ou arrendatários o estão por anuência pecuniária com algumas lideranças indígenas mais ousadas e ambiciosas, que passam por cima do sentimento geral do seu próprio povo.

Mesmo assim, terras indígenas são de fato invadidas parcialmente, porém há muito mais terras ameaçadas de serem invadidas. A presença ostensiva das forças acima mencionadas, inclusive a mística protetora dos índios, é fundamental para garantir a segurança das terras indígenas e refrear as ambições de invasores.

Quando há decisão de expulsar invasores de uma determinada terra indígena, com frequência a Polícia Federal e o IBAMA estão a postos para auxiliar as equipes da Funai. Eu mesmo, como presidente da Funai, ordenei tais expedições em diversas terras indígenas, como as do Alto Guamá e Kayapó, no Pará, Arariboia, no Maranhão, Roosevelt e Urueuauau, em Rondônia, Yanomami, em Roraima, Panará e Mekragnoti, no Mato Grosso -- das que eu me lembre. Algumas delas vem sofrendo o retorno de invasores, como no Alto Guamá e na Yanomami -- e aí só com força policial muito forte é que os invasores serão expulsos.

Por sua vez, a segurança de nossas fronteiras sempre esteve a cargo de nossas Forças Armadas, em especial ao Exército. Há batalhões e pelotões do Exército em diversas terras indígenas do Amazonas. Essa presença é essencial para a proteção e segurança do Brasil, sem dúvida alguma. Só a presença do Exército já é importante para que não haja invasores de fora, nem de dentro. Vi isso claramente na região do Alto Rio Negro, em Yauareté.

O relacionamento das Forças Armadas com os povos indígenas tem sido pautado pela tradição do indigenismo rondoniano. Aliás, Rondon sendo um militar positivista não poderia deixar de incutir em seus pares e subordinados a visão que o consagrou de que os índios devem ser respeitados como povos autônomos, suas terras devem ser invioláveis, e, quando se precisar atravessar uma terra indígena, os índios terão que ser consultados sobre isso. O indigenismo rondoniano antecipa em muitos anos a Convenção 169, da OIT, que recomenda a consulta e o consentimento livre e informado dos índios em relação a projetos e ações que os afetem de algum modo.

Eis que, daqui por diante, num retrocesso ímpar, pelas ressalvas 5, 6 e 7, não se precisa mais consultar aos índios sobre essas e outras questões. O Exército não precisa mais consultar os índios sobre manobras militares realizadas em terras indígenas, não precisa mais nem avisá-los sobre suas ações. Por que não?

Considerando tudo isso, o conjunto das 20 ressalvas do STF veio emoldurado por um estranho sentimento de vingança figadal que trata os povos indígenas de uma forma desrespeitosa e, por que não dizer, atrasada e datada. Certamente que esse tipo de atitude, vindo da corte suprema do judiciário brasileiro não cabe no século XXI, no tempo após a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, da Convenção 169/OIT, do próprio Estatuto do Índio e, sobretudo, da consagrada tradição rondoniana brasileira.

Regredimos ao século XIX, à legislação imperial em que as províncias comandavam a aplicação da política indigenista, em que a Igreja Católica enviava missionários para "catequisar" com vistas a "civilizar" os índios, a trazê-los para a ingerência miúda e perniciosa do Estado e dos seus entes federativos.

A corte suprema do judiciário brasileiro declarar que os índios não precisam ser consultados sobre a conveniência ou não de se construir uma estrada, uma hidrelétrica, uma linha de transmissão elétrica ou um prédio público em suas terras, ou uma missão militar mais contundente ou complexa -- é algo que não se via há muitos anos.

O desrespeito é evidente. Porém, pior do que o envólucro é o seu conteúdo. Muito pior são as ressalvas 17, 19 e 20.

Quanto tempo levará enquanto essas restrições produzam efeito antes de serem revogadas? Não sabemos. Por enquanto seus efeitos vão ser sentidos imediatamente. Dose cavalar para estancar o processo de demarcação de terras dos índios Guarani, Terena, Kaingang e outros.

Numa análise conjuntural, fica evidente que o STF produziu tais ressalvas de modo figadal como reação ao alarme criado pelas Ongs e pelo CIMI, nos últimos anos, de que o Brasil estaria levando os seus povos indígenas ao desespero, à miséria e à humilhação. A presença de Ongs internacionais em terras indígenas, a paúra amazônica, o sentimento de auto-depreciação do brasileiro elevaram os problemas indígenas a um patamar de alarme inacreditável. Não bastaram as vozes mais equilibradas, entre as quais eu modestamente me incluo. O fato é que o STF ditou novas regras e fez disso uma tragédia da política indigenista brasileira. Essa tragédia tem diagnóstico, estrutura e destino. A soberba das Ongs, do CIMI e do Ministério Público é vingada pelo STF.

Os índios perderam. A tradição indigenista rondoniana perdeu.

E pensar que tudo isso poderia ter sido evitado se prevalecesse a tradição indigenista rondoniana.

O retrocesso do presidente

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Mais de uma vez o presidente Lula comentou que a crise lhe faz bem: renovou o seu espírito de luta e deu-lhe uma agenda de que se ocupar, quebrando a rotina de um mandato que já não o confrontaria com grandes desafios. "É uma boa provocação", disse ao jornalista americano Fareed Zakaria, numa entrevista para a rede CNN, gravada em Washington há duas semanas, depois de seu encontro com o presidente Barack Obama, e levada ao ar domingo último. A emissão coincidiu com uma certa marola na imprensa e nos sites jornalísticos dos EUA por conta de sua tirada, dias antes, sobre a responsabilidade pela crise de "gente branca, de olhos azuis", diante de um constrangido Gordon Brown, o primeiro-ministro inglês, de passagem por Brasília.

De fato, a crise tonifica o presidente e o torna ainda mais loquaz do que de hábito, na expectativa de que a sua voz será uma das mais ouvidas na conferência de líderes dos países do G-20, depois de amanhã, em Londres. Em fase de aquecimento, nesses dias de intenso tráfego aéreo de chefes de governo, ele esteve sábado em Viña del Mar, no Chile, para o encerramento da Cúpula de Governos Progressistas, e chegou ontem a Doha, no Catar, para o encontro entre governantes árabes e sul-americanos. Mas, conquanto estimule o seu estrelismo, a crise não tem sido boa conselheira para Lula. Seja pelas ideias que desenvolve, seja pelo histrionismo em que as acondiciona, além da soberba que o leva a dar conselhos públicos a Obama ("ele não tem que se preocupar tanto com a guerra do Iraque") e a se gabar de que teria lhe dito que "não tem o direito de cometer erros" - na entrevista à CNN.

Nessa oportunidade, por sinal, ele não mediu palavras para se autovalorizar como uma figura única entre todas as demais que estarão no palco do G-20. Com um quê de exibicionismo, por paradoxal que pareça, invocou a penúria de suas origens, descrevendo-a com crueza de detalhes, e o ano e meio em que esteve desempregado para afirmar que conhece o mundo do trabalho "mais do que qualquer um". A admiração que ele merece por ter superado as adversidades já de todos conhecidas fica arranhada pelo espetáculo confrangedor da jactância e da exploração da própria biografia para revestir de uma autoridade incontrastável - de todo descabida - a sua pregação afinal esquemática sobre as causas e as saídas para a crise.

Quando culpa por ela os países desenvolvidos - "vocês têm mais responsabilidade do que nós, pois sempre as locomotivas têm mais responsabilidades do que os vagões", disse em Viña del Mar, dirigindo-se a Gordon Brown e ao vice-presidente americano, Joseph Biden -, desconsidera o fato elementar de que as locomotivas também foram responsáveis por conduzir o mundo a um inédito período de prosperidade, do qual o Brasil, sob seu governo, foi um dos maiores beneficiados. E faz uma confusão monumental quando apresenta a sua receita para revitalizar a economia. Ela se resume a duas palavras a que parece atribuir poderes mágicos: "Estado forte."

Não há dúvida de que a falta de regulação foi o fator singular mais decisivo do colapso de um sistema financeiro entregue à ganância desenfreada, onipotência e irresponsabilidade. Não menos evidente é o papel do Estado (e, por extensão, das instituições multilaterais) na reconstrução das estruturas falidas, para destravar os fluxos de crédito e do comércio mundial.

É disso que tratará o G-20, embora sejam marcadas as diferenças entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, de um lado, e a União Europeia, de outro, sobre o ativismo do Estado. Mas o presidente confunde uma questão de grau (o alcance da intervenção estatal saneadora e reguladora) com uma questão de substância (a primazia do mercado como motor da economia).

Para ele, só o Estado seria capaz de fornecer "respostas economicamente coerentes, mas sobretudo responsáveis", aos problemas globais. Na realidade, e a história já deixou isso cristalinamente claro, ao Estado cabe induzir os agentes econômicos a dar essas respostas e não se substituir a eles ou ser o seu "tutor", como quer Lula. A crise o faz retroceder. Na entrevista à CNN declarou-se "socialista". Há pouco mais de dois anos dizia que, se uma pessoa idosa é esquerdista, "é porque está com problema".

Lula no Chile

EDITORIAL
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tão perniciosa quanto o ultramercadismo, que lançou a economia global nesta crise, é a ideologia do "governo forte"

NÃO É sempre que uma cúpula com chefes de Estado produz um atrito do porte do "Por qué no te callas", desferido pelo rei da Espanha contra o presidente da Venezuela no fim de 2007. No mais das vezes, o clima desses encontros transcorre entre o previsível e o soporífero.

Não fugiu do padrão a reunião entre líderes da chamada "governança progressista" -políticos de centro-esquerda que repaginaram o termo original, Terceira Via-, ocorrida neste fim de semana em Viña del Mar, no Chile. O modo de pregações para convertidos só foi ameaçado por um leve incômodo envolvendo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice dos EUA, Joe Biden.

O americano pareceu retrucar a defesa, feita pouco antes pelo brasileiro, de um "Estado forte".

"Não devemos exagerar", afirmou Biden, "os mercados livres ainda precisam funcionar". Logo a seguir, glosou célebre "boutade" da política americana: "Precisamos é salvar os mercados dos livre-mercadistas" -a frase original, atribuída a Franklin Roosevelt, fala em preservar o capitalismo dos capitalistas.

Tudo não passou, provavelmente, de mal-entendido. A expressão "Estado forte" tem conotação negativa na sociedade americana e até mesmo uma administração inclinada ao intervencionismo, como a Obama, evita empregá-la. Se Lula tivesse saltado o termo e partido para a explicação que deu a seguir -um "Estado democrático, socialmente controlado e eficiente na prestação de serviços"-, não teria havido dissonância.

Fora das platitudes dos discursos protocolares, entretanto, autoridades do governo Lula dão sinais de que não entenderam as características desta crise e seus impactos na região. Um dia antes da intervenção do presidente, no mesmo Chile, um assessor do Planalto fez elogios ao populismo sul-americano, incorporado em governos como os de Chávez, na Venezuela, Morales, na Bolívia, e Correa, no Equador.

Eis aí, despidos de eufemismos, exemplos acabados de "Estado forte": centralização crescente de poder e arbítrio, parasitismo das fontes locais de renda, repúdio ao capital externo. Tamanha "fortaleza" enfrenta agora os desafios do subdesenvolvimento institucional: o efeito da queda na renda das exportações não tem como ser temperado com políticas antirrecessivas -e, num quadro institucional rarefeito, da crise econômica se passa facilmente à trepidação política.

Tão perniciosa quanto o ultramercadismo que, descontrolado, lançou a economia global numa derrocada vertiginosa é a ideologia do "governo forte". As intervenções estatais em curso, embora vultosas, serão vistas num futuro próximo como episódio excepcional numa trajetória secular de progresso material, assegurado pelo funcionamento dos mercados.Ignorar essa perspectiva seria um erro estratégico -quanto mais para um país como o Brasil, que necessita ampliar a penetração de instituições de mercado em setores ainda atrasados de sua economia.

A culpa dos inocentes

Luiz Gonzaga Belluzzo
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Na terça-feira, 17 de março, a Rosekranz Foundation promoveu, em Nova York, um debate denominado "Blame Washington more than Wall Street for the Financial Crisis". Como o leitor há de perceber, a forma de apresentação do tema já aponta o dedo indicador para os senhores de Washington - aí incluídos o Federal Reserve, o Congresso e o Executivo. Seriam eles os "culpados" pela construção do castelo de cartas que começou a desabar em meados de 2007?

Participaram do conclave, entre outros, o historiador de Harvard Niall Ferguson, o economista Nouriel Roubini, o jornalista do New York Times Alex Berenson e Byron Wien, ex-executivo do Morgan Stanley. A audiência, formada por 700 cidadãos nova-iorquinos, votou antes e depois do debate. No primeiro escrutínio, Washington bateu Wall Street com 42% dos votos contra 30% e 28% de indecisos. No segundo, a coisa piorou para Washington. A culpabilidade do governo foi atestada por 60% dos votos.

O jornalista Alex Berenson discordou da forma pela qual o tema foi apresentado: "Washington-versus-Wall Street é uma falsa dicotomia porque os bancos tornaram-se tão poderosos na esfera financeira que disseram a Washington: se a regulamentação for restritiva, vamos cair fora, criar empregos no exterior e não haverá regulamentação sobre o nada". Niall Ferguson, o historiador, iniciou sua intervenção com uma diatribe contra Washington. Levantou a plateia ao revelar que a seguradora AIG gastou em 2008 US$ 9,7 milhões em ações de lobby no governo federal. As campanhas eleitorais dos presidentes da Comissão de Finanças e o presidente da Comissão de Bancos do Senado foram os maiores beneficiários da grana.

A observação de Berenson e a notícia de Ferguson nos remetem - perdão pelo eufemismo - ao peculiar caráter "liberal" (no sentido europeu) do Estado americano, desde a sua constituição. Nas últimas décadas do Século XIX e no início do Século XX, as práticas financeiras especulativas e os sucessivos episódios de deflação de preços se desenvolveram à sombra de um Estado cúmplice da concorrência darwinista. A ausência de um banco central até 1913 permitiu a eclosão de episódios de liquidação selvagem de ativos que se sucederam na missão de destruir a riqueza do "público", impulsionar a centralização do capital e consolidar o assim chamado capitalismo trustificado. O surgimento e o desenvolvimento da grande corporação americana e de sua capacidade competitiva tiveram o apoio do Estado. Mais tarde, esse apoio seria decisivo no movimento de transnacionalização dos bancos e das empresas americanas.

Na América, a vulnerabilidade do poder político diante dos interesses privados, agora "descoberta" pelos críticos da crise, está no DNA das relações entre Estado, sociedade e economia. Os chamados movimentos "populistas" e "progressistas", débeis nos períodos de euforia, ressurgem vigorosos nos momentos de crise econômica e social. São esperanças, tão efêmeras quanto recorrentes, de interromper o contubérnio entre os grandes negócios e o Estado. A Era Progressiva do começo do Século XX foi um episódio de rebelião "democrática" dos pequenos proprietários, dos novos profissionais liberais e das massas trabalhadoras contra o poder dos bancos e das grandes corporações. "Os progressistas" - escreve Sean Cashman - em America Ascendant, queriam limitar o poder do big business, tornar o sistema político mais representativo e ampliar o papel do governo na proteção do interesse público e na melhoria das péssimas condições sociais e de pobreza.

Tais pretensões foram retomadas e aprofundadas com o New Deal. Desta vez, ficou exposta a fratura entre a "classe financeira" de Wall Street, as exigências da indústria e os interesses da grande maioria da população - fortemente atingida pela depressão. No New Deal, o poder e o prestígio de Wall Street chegaram ao fundo do poço, como atestam as seguidas manifestações iradas contra a ganância dos banqueiros.

A memória dos anos 20 e 30 do Século XX norteou o imaginário dos governos que emergiram da tragédia social e econômica da Grande Depressão e da Segunda Guerra. Na esfera da finança e do crédito, as desordens do entre-guerras estimularam a imposição de regras de bom comportamento aos bancos e às demais instituições financeiras. Durou pouco. Na posteridade dos 30 anos gloriosos, os senhores de Wall Street e de Washington cuidaram de restaurar o império da finança desregrada.

Nos mandatos republicanos de Reagan e de Bush father & sons a promiscuidade era escancarada: difícil dizer se estávamos diante de um governo eleito ou de um escritório de corretagem. Mas os ex-presidentes republicanos não eram exceções: o democrata Clinton protagonizou a façanha de impor os interesses da alta finança americana em todo o mundo, com o aplauso e o apoio entusiasmado dos endinheirados do planeta. Por essas e outras, William Greider, o editor de economia da revista americana "The Nation" pegou no nervo: a crise de "credibilidade" que ora derruba os mercados e trava o crédito não é fruto de malfeitorias isoladas, mas o resultado lógico do contubérnio entre governos cúmplices e negócios espertos. Numa audiência sobre o pacote trilhonário de resgate dos bancos e assemelhados, o republicano Maxine Waters perguntou a Tim Geithner por que, em ocasiões como essa, está sempre interrogando um aluno da Goldman Sachs.

Ao enclausurar as razões da crise na tola dicotomia Washington versus Wall Street, o debate promovido pela Rozenkraz é um exemplo do retrocesso da consciência humana para formas de expressão que o filósofo vietnamita Tran Duc Tao chamou de sincréticas ("nenê sofá sentado").

A formas sincréticas antecedem, na gênese da consciência, a frase capaz de conectar sujeito, verbo e predicado e dar sentido aos substantivos diferenciados. Há quem afirme, como Hanna Arendt, que a degeneração da sociedade dos indivíduos na sociedade de massas produziu a degradação das formas de compreensão do mundo mais abrangentes, próprias da primeira modernidade. As simplificações agressivamente binárias e retrógradas são típicas do pensamento midiático e "internético" contemporâneos, uma forma de dominação eficaz que espezinha o projeto de autonomia do cidadão.

Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo , ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras.

A pescaria de Lula no G20

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Lula jogou a isca, e Joe Biden, vice de Obama, mordeu.

Foi assim: no primeiro de dois discursos na 6ª Cúpula de Líderes Progressistas, no sábado, no Chile, Lula cobrou: "O mundo paga o preço de uma aventura irresponsável dos que transformaram a economia mundial em um gigantesco cassino". Defendeu um "Estado forte" e acusou "os mercados".

Em seguida, Biden discordou: "Nós não devemos exagerar. O livre mercado ainda precisa estar apto a funcionar. A mim parece que nós devemos é salvar os mercados dos "livre-mercadistas"".

De volta ao microfone, Lula engordou a isca. Jogou fora o seu texto e, de improviso, foi ainda mais contundente, responsabilizando os países ricos pela crise e cobrando que eles recuperem o crédito e a confiança internas para deixar de prejudicar os outros. Irônico, foi no fígado: "Não queremos que comece a cair primeiro-ministro e presidente pelo mundo afora".

Ao mesmo tempo em que atacava EUA e Europa, pais da crise, Lula defendeu enfaticamente a América Latina. O que o mundo desenvolvido condena como puro populismo, ele classificou de "uma onda de democracia popular".

Atingiu dois objetivos: 1) uma nítida polarização entre ele, pelos emergentes, e Biden, representando os EUA: 2) transformar a cúpula de oito líderes do Chile numa prévia do G20, na quinta, em Londres. Antes de voltar ao Brasil, ele avisou que são todos muy amigos, mas "falam línguas diferentes". Deixou claro que manterá o discurso do Chile, contra o endeusamento dos mercados e a favor de mais Estado, mais regulação, mais equilíbrio mundial, mais integração entre nações e mais inclusão social.

Megalomania à parte, tem tudo para ser destaque no G20. Dentro, por falar pelos emergentes e pelos pobres. E fora por estar em sintonia com o grito de guerra de centenas ou milhares de manifestantes: "As pessoas em primeiro lugar!".

Escolhas erradas

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

A resposta do governo à crise continua tendo os mesmos defeitos: alguns setores são beneficiados, e não toda a economia, e os incentivos são dados sem qualquer contrapartida. Os automóveis, produto para classe média e ricos, têm renúncia fiscal; os trabalhadores das montadoras terão garantia do emprego, mas os do setor sucroalcooleiro não têm nem a garantia das leis trabalhistas.

Nos Estados Unidos, a ajuda às montadoras foi dada com contrapartida ambiental.

Aqui, nada foi pedido às montadoras, exceto manter o emprego dos funcionários, o que cria uma distorção na economia: todos os brasileiros podem ser demitidos, exceto os trabalhadores do setor automobilístico e os funcionários públicos.

Ontem foi o dia dos carros, aqui e nos EUA. Lá, o presidente da General Motors caiu porque o governo recusou o plano, feito pela antiga direção, de ajuste e adaptação às exigências para receber a ajuda do governo.

Não quero comparar a ajuda lá, que são bilhões diretos do contribuinte para os cofres das montadoras, e a renúncia fiscal aqui, mas apenas insistir que essa é uma ótima oportunidade para induzir mudanças nas escolhas das empresas.

O novo presidente da GM terá 60 dias para apresentar um novo plano, mas já começou avisando que os novos carros serão diferentes.

Frederick Henderson disse que a montadora está uma ou duas gerações atrás em tecnologia verde para carros e que a empresa vai aprender a ganhar dinheiro com carros leves, e não apenas SUVs. Outra exigência é a de um ajuste fiscal na empresa, que vai separar ativos bons e passivos difíceis de serem digeridos, como o fundo de pensão dos funcionários.

Tudo lá é diferente, mas o importante é ver a postura dos governos: na ajuda aos setores industriais, a administração Obama tem pedido contrapartida. O governo Lula prorrogou a redução de IPI para carros e caminhões pedindo, apenas, a manutenção do emprego. Vale lembrar que as fabricantes de caminhões não cumpriram a exigência do Conama de produzir, a partir do começo de 2009, apenas caminhões com motores adaptados ao diesel limpo. Depois de sete anos de demora, elas disseram que não estavam preparadas e tiveram mais três anos de prazo para entregar aqui o que já entregam em outros países há anos. Esta, por exemplo, poderia ter sido uma contrapartida.

A falta completa de preocupação ambiental do governo Lula é tão impressionante que ontem eles reduziram para zero o IPI para chuveiro elétrico, altamente consumidor de energia, e que tem sido abandonado em outros países. Chuveiro elétrico já tinha tido uma redução de IPI e agora foi zerado junto com outros materiais de construção convencionais, como cimento e tijolo. O Ministério do Meio Ambiente havia pedido que fosse equalizado o imposto do chuveiro (que era de 5%) com o de placas para aquecimento solar (que paga 18%). Ontem, o MMA disse que a decisão “ainda não foi tomada” e continua sendo analisada “pela Fazenda e a Casa Civil”.

Ontem, o Codefat autorizou o Banco do Brasil a prorrogar por mais dois anos o pagamento da dívida rural na linha FAT Giro Rural. A dívida é de R$ 4 bilhões e a primeira parcela começaria a ser paga hoje. O agronegócio está conseguindo um pacote de ajuda para os setores sucroalcooleiro e de produção de carne, campeões em flagrante de trabalho escravo. A pecuária tem relação direta com o desmatamento da Amazônia. O BNDES vai fazer uma clássica operação hospital, dando R$ 200 milhões para um frigorífico quebrado, que tem abatedouros em área de desmatamento.

Em nenhuma ajuda foi negociada qualquer mudança de conduta, seja na relação com os trabalhadores, seja no respeito ao meio ambiente. Tudo se passa como se o governo brasileiro não fosse deste planeta.

A relação veículo/habitante no Brasil, segundo a Anfavea, é de um veículo para cada oito habitantes.

Isso é a média geral, levando em conta a população brasileira e a frota considerada pela Anfavea, de 25,5 milhões.

Só para comparar, esta mesma densidade nos EUA é de um veículo para cada 1,2 habitante, no Japão é de um veículo para cada 1,7 habitante, no México é de um para 4,7 pessoas, na Argentina é de um carro para 5,2 habitantes, todos dados da Anfavea.

O censo 2000 disse que 54,4 milhões de brasileiros moravam em domicílios que tinham um ou mais carros, o que naquela época representava 32% da população.

Imaginando que esse percentual tenha crescido um pouco, porque as vendas de veículos cresceram — apesar de a maioria dos novos carros ter sido comprada pelas mesmas famílias que tinham carros antes, alguns novos entraram no mercado —, mesmo assim, quem tem carro é a classe média e daí para cima. Os dois dados mostram que os motorizados não chegam a 40% da população. Sendo que os que compram carros zero são exatamente os que têm maior renda.

O governo fez uma medida que vai beneficiar apenas a classe média e os ricos, protegeu os trabalhadores apenas das montadoras, ajuda o agronegócio sem fazer exigência de mudança de conduta. Está perdendo a chance de mudança aberta pela crise.

Puedo escribir los versos

Poema de Pablo Neruda
Paco Ibáñez
Vale a pena ver o video

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Puedo escribir los versos
Poema de Pablo Neruda
Joan Manuel Serrat
Vale a pena ver o video

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