terça-feira, 7 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

Encontramos na resolução petista a seguinte afirmação: "Os neoliberais que nos antecederam no governo do Brasil, que ainda governam Estados brasileiros e cidades muito importantes, que têm forte presença no Congresso Nacional (...)". Ora, ora, ora, se não são os vícios de uma esquerda de pensamento antidemocrático se manifestando na expressão "ainda".Como se as conquistas do recente processo de democratização do país -o pluripartidarismo e a convivência de vários partidos no comando de Estados e municípios- fossem uma excrescência, e não a normalidade da vida democrática, e como se ao governo Lula se opusesse apenas uma corrente do pensamento político nacional."

(Alberto Goldman, vice-governador de S. Paulo, em artigo na Folha de S. Paulo, domingo, comentando a Resolução política da Direção Nacional do PT)

Danças regionais

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A reunião de ontem da Sudene foi uma amostra perfeita do jogo regional em que se transformam as eleições no Brasil. O governador de Minas, Aécio Neves, pretendia que a reunião com os governadores do Nordeste fosse uma oportunidade para evidenciar seus laços com a região. Lula levou para a festa de Aécio sua candidata, Dilma Rousseff, que redescobriu recentemente as vantagens de ser mineira de nascimento. Foi o bastante para o locutor da solenidade dizer que o próximo presidente da República, tudo indica, sairá de Minas. Dilma já havia sido apresentada à região recentemente pelo presidente Lula, que, num comício em Salgueiro, Pernambuco, lhe ensinou: “Dilma, se você olhar na cara dessa gente, vai perceber que o sertanejo é diferente do povo de outros estados”.

Aécio quer demonstrar aos nordestinos que tem melhores condições de entender seus problemas do que o governador de São Paulo, José Serra, já que Minas tem uma região incluída no Nordeste, enquanto o subtexto da candidatura de Aécio acusa os paulistas de dominarem o país, crescendo às custas das outras regiões.

A estratégia de Aécio corresponde ao que o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, descobriu por experiência própria: Minas é o reflexo do Brasil. Tem sua parte nordestina na região do Vale do Jequitinhonha, e por isso faz parte da Sudene; ao mesmo tempo, é a segunda economia do país (disputando com o Rio), com uma região fortemente industrializada, grande influência paulista na divisa com São Paulo; Juiz de Fora é muito ligada ao Rio de Janeiro; e o estado tem no agronegócio uma parte influente de sua economia.

Se o resultado do primeiro turno na eleição de 2006 no país repetisse o de Minas, aliás, Lula teria vencido no primeiro turno: teve 50,80% (48,6% no país), contra 40,6% (41,6% no país), o que é um indicativo de que o governador Aécio Neves pode decidir a eleição.

Os governadores do Nordeste, hoje, são na maioria esmagadora da base aliada do governo: os petistas Jaques Wagner (BA), Marcelo Déda (SE) e Wellington Dias (PI); os do PSB Eduardo Campos (PE), Wilma Faria (RN) e Cid Gomes (CE); e os peemedebistas do Espírito Santo, Paulo Hartung, e da Paraíba, José Maranhão, além do pedetista Jackson Lago (MA).

Desses, apenas Hartung pode ser considerado um potencial dissidente, com ligações fortes com os líderes do PSDB, partido do qual é oriundo, especialmente os governadores de Minas, Aécio Neves, e de São Paulo, José Serra.

O pedetista Jackson Lago, devido às disputas com o grupo do senador José Sarney no Maranhão, pode ser uma dissidência regional da visão nacional do partido, que tende a apoiar a candidatura oficial do governo.

Mas não tem muito espaço entre os tucanos, pois substituiu o governador Cássio Cunha Lima, cassado por abuso de poder econômico.

Aécio Neves tem também uma base bastante forte no PSB, partido que poderia apoiar sua candidatura caso ela prevalecesse no PSDB.

Mas o apoio de Ciro Gomes, em vez de fortalecê-lo no PSDB, enfraquece.

Os problemas regionais entre o PT e o PMDB para a montagem de palanques regionais podem facilitar a composição com os tucanos de uma parte expressiva do PMDB.

O Palácio do Planalto considera que estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Pernambuco e Mato Grosso do Sul são refratários a uma união com o PT, sendo o caso de São Paulo o mais delicado, e não apenas pela importância de ser o maior colégio eleitoral do país, dominado pelos tucanos e democratas.

A delicadeza da posição de seu presidente nacional, o deputado Michel Temer, é um ponto sensível nas negociações.

Ele foi o último na lista de deputados eleitos pelo PMDB no estado, e depende de um bom entendimento com o presidente regional, Orestes Quércia, para se reeleger.

Por isso, estaria interessado em ser o representante do partido na chapa oficial, como vice. Mas o PMDB do Senado, que sempre foi o fiel da balança no apoio ao governo, não gosta da ideia de que o partido na Câmara, que sempre foi mais identificado com os tucanos, ganhe tal relevância.

O caso do PMDB da Bahia é outro difícil de ser resolvido, pois o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, tem uma relação desgastada com o governador Jaques Wagner e o PT baiano, embora tenha uma relação pessoal boa com o presidente Lula.

Ta m b é m em M i n a s o PMDB tem dificuldades, pois o ministro das Comunicações, Hélio Costa, lidera as pesquisas, mas o PT tem dois fortes candidatos ao governo, o ex-prefeito Fernando Pimentel e o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias. Mas aí o espaço para acordos é reduzido, pois o governador Aécio quer fazer de seu supersecretário, Antonio Anastasia, o sucessor.

Até no Rio de Janeiro, onde o governador Sérgio Cabral é um dos principais aliados do governo federal, o PT coloca obstáculos, com o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, querendo disputar o governo. O mais provável, porém, é que Lindberg seja obrigado a desistir pela direção nacional.

Também no Pará a governadora petista Ana Julia Carepa não está se entendendo com o peemedebista Jader Barbalho, que quer se candidatar ao Senado.

Todas essas potenciais dissidências já estão sendo exploradas pelo governador de São Paulo, José Serra, que estaria se utilizando de um interlocutor especial dentro do partido, o presidente regional em São Paulo, Orestes Quércia, outro sinal de como o jogo de forças da política brasileira não respeita ideologias nem programas partidários.

Em contrapartida, também o governador Aécio Neves se aproxima do Democratas, partido que até recentemente desdenhava nas composições políticas que poderiam levá-lo à candidatura. Essa “dança das cadeiras” ainda está longe de terminar.

Na rota das bandeiras

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Há um discurso subjacente nas discussões sobre a sucessão presidencial que ameaça contaminar a campanha de 2010, se o candidato do PSDB for José Serra: o de que São Paulo está há 16 anos no poder, é hora de mudar e de acabar com a hegemonia paulista. Êsse discurso ganhou contornos mais fortes com a nota publicada ontem, nos jornais, por associações empresariais do Espírito Santo intitulada "Em Defesa do Pacto Federativo".

Em resumo, reclama da perda de receitas para São Paulo: até agora, importações feitas por empresas paulistas por meio dos portos capixabas recolhiam o ICMS no Espírito Santo. A Decisão Normativa nº 3 da Secretaria de Fazenda de São Paulo mudou esse status quo e o tributo passou a ser cobrado pelo fisco de São Paulo. Antes de oficializar a medida, a secretaria já autuava empresas que recolhiam aos cofres capixabas o tributo referente às importações na "modalidade por conta e ordem".

"Precisamos, sim, restaurar o espírito de Pacto Federativo, sob pena de criarmos um ambiente de desestruturação do Brasil", diz a nota, antes de enviar um recado com o endereço do Palácio dos Bandeirantes como destinatário: "É preciso que o governador de São Paulo mantenha-se atento aos compromissos políticos com a União".

O senador capixava Renato Casagrande (PSB) é mais explícito: "Esse é um comportamento que desequilibra a federação e traz um componente de complexidade política para o José Serra", diz. "A responsabilidade acaba caindo sobre o governador". Segundo Casagrande, medidas como a Decisão Normativa nº 3 são reveladoras de que a visão de quem está no Bandeirantes é a de que "o Brasil termina na divisa de São Paulo".

O discurso antipaulista estava subjacente até poucos dias atrás, quando o governador Aécio Neves, de Minas Gerais, tratou de lhe dar cores mais fortes ao convocar Serra a sair em sua companhia pelo Brasil: "Não se constrói um projeto para o país a partir de alguns gabinetes da avenida Paulista", declarou então o tucano, que disputa com Serra a indicação do partido para concorrer ao lugar de Lula, na eleição de 2010.

Em 2002, quando Serra disputou o cargo, esse discurso apareceu no Norte e no Nordeste. O senador Antonio Carlos Magalhães, morto em 2007, dizia que o paulista não gostava dos nordestinos - "um discurso oligarca", segundo um dos mais fiéis aliados de Serra, o baiano Jutahy Junior (PSDB). No Norte, Serra ainda hoje tem problemas com o Amazonas, por causa de posições assumidas na Assembleia Nacional Constituinte em relação à Zona Franca de Manaus.

Em conversas recentes sobre 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou a interlocutores que compartilha da impressão segundo a qual José Serra, por ser um candidato muito identificado com São Paulo, terá problemas na eleição a partir do momento em que for explicitada "a veia paulista" do governador (em contrapartida Lula já ouviu que em São Paulo há um antilulismo e um antipetismo de enlouquecer).

A questão capixaba já envolveu até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, acionado por seu ex-ministro Guilherme Dias, hoje secretário do governo do Espírito Santo, a mediar o contencioso com Serra. O argumento é que, devido à crise, o momento é ruim para todos, tanto que todos estão abrindo mão de IPI para manter o emprego na indústria de São Paulo. O ICMS sobre as importações por conta e ordem representa 26% do PIB do Espírito Santo, um dos Estados que mais cresceram nos últimos anos.

O deputado Arnaldo Madeira (PSDB) reage com bom humor toda vez que ouve falar sobre os "16 anos de São Paulo no poder", o que, aliás, é recorrente. Costuma responder que um era carioca (FHC) e o outro é pernambucano (Lula) e que há mais de 100 anos não há um presidente de naturalidade paulista. O último foi Rodrigues Alves (1902-1906) - Washington Luís era de Macaé (RJ), Jânio Quadros, de Campo Grande (MS), FHC é do Rio de Janeiro e Lula, de Garanhuns (PE).

É uma relação que também pode ser feita com outro viés: nenhum dos últimos presidentes vindos de São Paulo foi eleito com uma plataforma paulista na campanha: Jânio era o arauto da moralidade (vassourinha), FHC foi eleito e reeleito pelo Plano Real e Lula chegou com o esgotamento do poder tucano.

Madeira chama a atenção para um detalhe: embora seja apontado como o mais paulista dos atuais candidatos a presidente, esse filho de imigrantes italianos da Mooca é atualmente o mais nacional dos políticos paulistas, como demonstraria sua passagem pelo Ministério da Saúde, quando deu atenção aos Estados em geral.

O deputado tucano acha que as queixas sobre o poderio paulista são discriminatórias, todos fazem guerra fiscal contra São Paulo e reclamam quando os paulistas reagem, e têm no momento um caráter eleitoral. "Por que ninguém, por exemplo, aceita o princípio democrático de cada homem um voto?", pergunta, numa referência ao fato de o voto de um eleitor do Acre ou de Roraima valer mais que o de um paulista.

Serra parece atento à questão: desde que assumiu o governo paulista já fez acordos tributários com oito Estados brasileiros, independente do partido a que é filiado o governador: Mato Grosso (PR), Mato Grosso do Sul (PMDB), Rio de Janeiro (PMDB), Rio Grande do Sul (PSDB), Ceará (PSB), Alagoas (PSDB), Pernambuco (PSB) e Paraná (PMDB).

O que interessa é que a eleição presidencial de 2010, ao contrário do que deixam antever alguns movimentos preliminares, não se transforme num contencioso entre Estados. Afinal, por mais baixas que tenham sido as campanhas desde 1989, o país sempre saiu delas um pouco melhor.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Código venal

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Só os privilégios de parlamentares e funcionários do Congresso divulgados desde o início deste ano legislativo já seriam suficientes para produzir um alentado compêndio sobre imposturas das mais variadas naturezas.

Se a essas informações mais recentes acrescentarem-se tantas outras anteriormente conhecidas, as ainda desconhecidas e as que ainda virão ao conhecimento do público, teremos à disposição uma verdadeira enciclopédia com verbetes de A a Z sobre condutas claramente inaceitáveis em qualquer parte, mas aceitas como normais no Poder Legislativo.

A cada nova denúncia, o Parlamento reage alegando que este ou aquele fato, ato ou situação atendem às regras vigentes na corporação. São de uso corrente, incorporadas ao cotidiano da corporação, "perfeitamente legais", regulares, pois.

Caso típico deste código cujas regras não resistem a um exame superficial feito com lupa embaçada é o aluguel de aviões particulares mediante a "troca" das cotas de passagens aéreas pelo pagamento das horas fretadas.

Os senadores acham naturalíssimo tal procedimento. Alegam que o escambo não é ilegal e invocam o testemunho de diretores da Casa para argumentar que tudo é feito dentro da mais completa correção.

Há ofícios comprovando, assinaturas avalizando, tudo na mais perfeita ordem burocrática, dentro, evidentemente, da ordem estabelecida e emoldurada dentro do sistema de regalias vigente naquele ambiente já definido como o melhor dos paraísos.

Ali é normal pagar hora extra nas férias porque assim reza a cartilha dos procedimentos internos. É normal achar que passagem em avião de carreira ou aluguel de jatinho obedecem à mesma concepção de instrumento de trabalho. É normal a existência de conselhos, comissões, diretorias e secretarias de fachada para justificar o pagamento de gratificações à corporação ávida por mais vantagens além daquela já oferecida pelo emprego estável e vitalício.

É normal o acúmulo da função pública e prestação de serviços privados. É normal transferir a passagem do parlamentar para o uso de amigos. É normal um pai "preocupado" entregar à filha um celular público para uso privado no exterior. É normal pagar a conta só depois da descoberta, esconder o valor gasto e dar por encerrado o assunto. É normal maquiar informações de gastos com serviços médicos para esconder o recorde de despesas.

Aqui fora, na vida - esta sim - normal, nem uma só dessas condutas é aceita como natural. Qualquer pessoa que se aproprie do bem de outrem é passível de sanção pelas leis - estas sim - normais que regem a sociedade como um todo.

Mas no Congresso é diferente. Há um código de leis todo próprio, pelo qual o que não é expressamente proibido no manual específico é permitido a partir da convicção de que quem consegue acesso, por concurso, eleição ou indicação, a uma instituição pública, passa a habitar um mundo onde todas as regalias são permitidas, desde que bem sustentadas por um ato normativo.
E um aguçado espírito de selvageria cívica.

Geografia

Em 2010, tudo indica, o critério para a composição de chapas eleitorais vai privilegiar a questão, já demonstra o desejo da cúpula tucana de juntar os governadores de São Paulo e Minas Gerais numa chapa puro-sangue.

A escolha de candidatos a presidente e a vice de um mesmo partido eram até pouco tempo atrás evidência de falta de estratégia, visão sectária ou pura e simples incapacidade de conquistar adesões. O parâmetro pesava menos ou era deixado de lado em nome de outros valores.

Em 1994 Marco Maciel foi vice de Fernando Henrique Cardoso muito mais pela filiação ao PFL do que pela naturalidade nordestina.

Em 2002, José Alencar entrou na chapa de Lula por ser um grande empresário, capaz de ampliar o eleitorado do PT no País todo e não por ter certidão de nascimento e domicílio eleitoral em Minas.

Agora, a cartilha aconselha que se escolham candidatos a vice capazes de mobilizar o eleitorado de determinadas regiões a fim de suprir carências dos titulares de chapa ou reforçar muito suas preferências ao ponto de desequilibrar o jogo do adversário.

Os tucanos acham que, com José Serra de presidente e Aécio Neves na vice, "fecham" o Sudeste e compensam a vantagem de Lula no Nordeste.

Pela mesma razão, Lula procura para Dilma Rousseff um vice de São Paulo. Se for do PMDB tanto melhor, porque "amarra" o partido à chapa oficial e acrescenta muitos minutos ao horário eleitoral de rádio e televisão.

Sondado por Dilma a respeito dias atrás, o presidente da Câmara, Michel Temer, ponderou se não seria mais prudente escolher alguém do Nordeste. Ouviu da ministra que por lá a cobertura está garantida: "Temos o nosso Lula."

É o que pensa também a oposição ao avaliar que não adianta apostar em vice do Nordeste para tirar a diferença.

Marcito

Carlos Heitor Cony
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RIO DE JANEIRO - "Pendurada a espada, os velhos marechais deveriam recolher-se a particulares limbos de glória, cercados da ternura de suas famílias e do silêncio de seus concidadãos. Pendurada a espada, os velhos marechais deveriam cristalizar-se como estátuas dignas, merecedoras do respeito dos que por elas passam, mas sem perturbar o fluxo de vida que lhes corre nos pés. Ao fim de uma vida árida e dura, o silêncio é o que lhes convém. E à nossa paciência também".

Este é o final da crônica de Marcio Moreira Alves publicada no "Correio da Manhã" de 7 de maio de 1964, em cima do golpe daquele ano. Marcito comentava uma entrevista do marechal Odílio Denys, um dos esteios do poder militar que se instalava no país. Em dezembro de 1968, como deputado federal, faria o discurso que serviria de pretexto para o AI-5.

Já não falava diretamente aos marechais, mas aos cadetes de maneira geral, relembrando de certa forma a greve das mulheres de Atenas que se negavam aos covardes da ocasião.

Quando seu primo, Afonso Arinos, telefonou-me para dar a notícia de sua morte, eu já perdera o prazo de mudar minha crônica de domingo. Gostaria de escrever mais e melhor sobre a amizade que nos uniu, nas redações, nas celas da PE, no dia a dia de uma convivência em que conheci um dos homens mais puros e possuídos no seu amor à justiça.

O golpe de 64 contou com o apoio da sociedade e da mídia. Marcito foi a brilhante exceção que, após uma tarefa profissional em Recife, escreveu a série mais tarde publicada em livro: "Torturas e Torturados".

Foi um divisor de águas. A partir das denúncias de Marcito, ninguém teria o direito de ignorar o que se passava e que aumentou com o tempo e o modo.

O repórter do Brasil

Villas-Bôas Corrêa
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A morte do escritor e grande repórter, poliglota, um homem do mundo Marcio Moreira Alves, Marcito, não surpreendeu aos seus amigos que acompanhavam a marcha implacável da doença sem volta. A última vez que estive com ele foi no Hospital Samaritano, onde fui fazer uma radiografia. Internado para o tratamento sem esperança, seus parentes não deixaram dúvidas quanto à sentença, com a provação de meses ou mais de ano de provação.

De lá sai com o desfile na memória das muitas fases do nosso longo relacionamento. Meses antes, estivemos juntos, por acaso, em seminário em hotel de luxo de Angra dos Reis, quando em dupla bem humorada sobre a eterna mixórdia política, não arriscamos previsões sobre a decadência moral do Congresso e que contamina os três poderes.

A cassação do mandato de deputado federal Marcio Moreira Alves, pelo discurso no pequeno expediente, na abertura da sessão de 2 de setembro de 1968, quando defendeu o boicote ao militarismo, com o não comparecimento à parada de 7 de setembro foi o ansiado pretexto do endurecimento da ditadura militar, com a edição do AI-5, o mais radical dos vários desatinos do regime de exceção. Marcito conseguiu escapar da prisão e da tortura viajando para o exterior, em bem articulada manobra com a ajuda de parentes e amigos.

Com o AI-5, redigido pelo ministro Gama e Silva, o mais extremado dos radicais e imposto ao presidente Costa e Silva, a ditadura militar tirou a máscara e entrou no lento desgaste que se arrastaria até o final dos seis anos de mandato do general-presidente João Figueiredo.

O pequeno expediente é o espaço para os recados dos deputados aos seus eleitores. Em geral, comunicações de poucos minutos, nas quais ninguém presta atenção. Tanto que a repercussão do discurso de Marcito chegou aos quartéis muitos dias depois, em cópias mimeografadas encomendadas pelos comandos da linha dura. E se a ditadura é o oposto da democracia, não causa espanto que tenha violado, na atropelada de rédea solta, o princípio da imunidade parlamentar, garantida pela inviolabilidade das opiniões, palavras e atos dos parlamentares.

Depois de muitas voltas, Marcito voltaria ao Congresso, em 1988, para fazer o que mais e melhor sabia: a cobertura política. Após algum tempo de artigos no O Estado de S.Paulo e no Jornal do Brasil, ancorou em O Globo e propôs ao então redator-chefe, Evandro Carlos de Andrade, voltar a fazer reportagens sobre o tema "o Brasil Profundo", percorrendo o país para o levantamento dos gargalos ao seu desenvolvimento. Evandro deu a resposta num desafio: "Nunca li nada que se pareça com isso. Se eu gostar, você fica; se não gostar, volta às crônicas".

Marcito fez reportagens memoráveis, com a garra de grande repórter e o texto de escritor. E sem que soubesse ou que alguém previsse, que estava, como um profeta, antevendo a decadência do Congresso e da reportagem política que agora chega ao fundo do poço enlameado.

FH: 'Com todo o carisma, ganhei dele'

Gilberto Scofield Jr.
DEU EM O GLOBO


Ex-presidente diz não saber se Lula é o político mais popular do mundo

WASHINGTON. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou ontem que “é difícil, mas não impossível” para o PSDB enfrentar o presidente Lula, um cabo eleitoral definido pelo presidente dos EUA, Barack Obama, como o político mais popular do mundo. O ex-presidente falou da disputa no seminário “Drogas e democracia: rumo a um novo paradigma”, realizado pelo instituto de pesquisas políticas Brookings Institution, em Washington.

Perguntado por jornalistas se não era difícil para a oposição disputar o eleitorado com um político tão popular, ainda que não diretamente envolvido na disputa, o ex-presidente foi pouco modesto:


— Difícil é, mas ele foi oposição a mim e eu ganhei. Impossível, não é. — disse. E minimizou os elogios de Obama: — Fiquei contente. Acho bom que o Brasil tenha um político popular. Não sei se corresponde, não sei se é o mais, mas é um dos mais.

Para ele, no PSDB, os governadores José Serra e Aécio Neves têm carisma e simpatia para disputar a Presidência: — O carisma é importante, mas não é a única coisa. Com todo o carisma do presidente Lula, eu ganhei dele no primeiro turno. Duas vezes. Então, depende do momento, das circunstâncias. Não basta o carisma.

É necessário que a pessoa tenha capacidade de sensibilizar o eleitorado.

Segundo ele, Lula errou ao antecipar a campanha para tentar promover a sua candidata, a ministra Dilma Rousseff: — A discussão é prematura. Infelizmente, o presidente Lula provocou o debate da sucessão antes da hora. Tudo o que ele faz, que a ministra Dilma faz, dizem que é eleitoral. Por quê? Porque o debate é antes da hora. Nossos governadores têm que se poupar.

Eles estão trabalhando.

O presidente Lula tem suas razões, porque escolheu uma candidata desconhecida, resolveu forçar um pouco o calendário.

Mas não está na hora ainda.

O presidente de honra do PSDB disse que não poderia afirmar quem entra em que lugar numa possível chapa conjunta, ainda que admita que tanto Serra como Aécio sejam candidatos.

Segundo ele, se os dois não chegarem a um acordo, a decisão será levada para o partido.

Freire diz que PF não vai acuar a oposição

Valéria de Oliveira
DEU NO PORTAL DO PPS

Freire: Lula tenta dividir o país entre ricos e pobres


"Nós sempre fomos perseguidos pela polícia porque éramos comunistas; não vamos agora deixar que nos preguem a pecha de ricos porque nunca fomos", disse o presidente do PPS, Roberto Freire, ao rebater as declarações do diretor da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa , de que as críticas ao trabalho da PF vêm dos que têm dinheiro. "Agora, com a democracia, não podem mais perseguir comunista, estão querendo dizer que somos ricos! Ora, parem com isso; não entrem no ridículo", reagiu Freire.

Ele o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), estiveram reunidos com o presidente do STJ, César Asfor Rocha, na manhã desta segunda-feira, para falar sobre os excessos cometidos pela PF nas investigações. "Foi uma boa conversa; sentimos que o STJ também tem preocupações sobre ações da PF que ultrapassem o permitido, aquilo que é legal", contou Freire. Para o presidente do PPS, os excessos não ajudam na eficácia das investigações da polícia.

Sem acuar

Freire disse que a oposição não quer acuar a Polícia Federal, como insinuou o diretor da instituição. "O que não pode é qualquer autoridade pensar que acua a oposição; pelo menos o PPS não ficará acuado".

"Essa demagogia de ricos ou brancos de olhos azuis ou pobres precisa acabar. A Justiça tem uma venda nos olhos justamente para não discernir se [o réu] é rico ou pobre, negro ou branco; as autoridades públicas precisam acabar com essa demagogia", declarou o presidente do PPS.

Freire afirmou ainda que o exemplo para que esse comportamento ocorra vem do presidente Lula. "Ele [Luiz Fernando] só está fazendo isso porque tem o exemplo do ‘cara’", disse, ironizando a brincadeira que o presidente Obama fez com Lula.

Lula, na avaliação de Freire, desde o início do governo tem a prática de dividir o país entre ricos e pobres nos seus discursos demagógicos, "o que não ajuda em nada o país". Ao mesmo tempo, afirma o ex-senador, o presidente brasileiro "circula entre banqueiros, nas altas rodas e até mesmo a realeza".

O PPS, frisou Freire, não debita apenas à polícia a responsabilidade por excessos praticados em investigações. "Desde o primeiro momento, distribuímos a responsabilidade com quem tem responsabilidade, ou seja, polícia, Ministério Público, juiz. Criticamos toda e qualquer autoridade que cometeu equívocos e leviandades". Freire garantiu que o partido vai buscar a reparação por excessos "até o fim" e exigir que se investigue a responsabilidade.

LULA: ''Dez vão ter de comer o feijão que era para cinco''

Christiane Samarco e Eduardo Kattah
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Adotando a sempre popular comparação entre governo e família, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, em Minas Gerais, que a queda na arrecadação se compara à mãe que "colocou o feijão no fogo para cinco pessoas e, de repente, chegam dez". Para um bom entendedor, meia palavra bastava, mas o presidente fez questão de concluir o raciocínio diante de uma plateia de prefeitos e governadores: "Ou seja, todos nós vamos ter de comer a metade do que estava previsto a gente comer".

Depois da comparação, Lula convidou os prefeitos a "apertar o cinto", mas emendou com um discurso otimista sobre a perspectiva de melhora da economia, uma vez que já existiriam "pequenos sinais de recuperação", afirmou. "Vamos sempre trabalhar com a ideia de que nós vamos ter um segundo semestre melhor do que o primeiro, (ou melhor), um segundo trimestre melhor do que o primeiro, e um terceiro melhor do que o segundo". A esperança, acrescentou, é "chegar ao fim do ano com a situação normalizada".

BIODIESEL
O discurso foi feito durante a inauguração da terceira usina de biodiesel da Petrobrás, batizada de Usina de Biodiesel Darcy Ribeiro. Montes Claros também sediou a reunião do Conselho Deliberativo da Sudene. Segundo Lula, o importante "é que cada prefeito, cada governador e cada ministro saiba que reduzindo a receita, (isso obriga) a reduzir a distribuição (de bens e serviços)".

Remoção

Ali Kamel
DEU EM O GLOBO


A gente chega a uma idade em que o passado já é grande o suficiente para que o ceticismo aumente bastante.

Não, não estou deprimido, mas apenas imaginando se algum dia o Rio de Janeiro terá os seus habitantes vivendo condignamente, sem favelas e com um nível mínimo de segurança.

Quando eu era jovem, acreditava que todos os problemas eram devidos à falta de democracia: votando, não seria possível que uma população larga continuasse a viver em locais onde não é possível viver. Mas, então, uma desgraça se abateu sobre nós. Graças a uma visão completamente míope, torta, mas bem-intencionada, consolidou-se a crença de que as favelas seriam urbanizáveis. No primeiro governo do Rio de Janeiro eleito depois do golpe militar, Darcy Ribeiro, por quem nutro uma simpatia enorme, chegou a cunhar a frase que apenas na boca de alguém como ele não se tornava o suprassumo da perversidade: “Favela não é problema; é solução.” Brizola, então, deitou e rolou: em vez de trabalhar por moradias dignas, com subsídios do estado, como seria apropriado a um socialista, optou por uma solução de mercado. Mas de mercado selvagem, sem lei: levantou a proibição que impedia a construção em alvenaria nas favelas, ou, em outras palavras, permitiu que o que era provisório se tornasse permanente. O que os pobres fizeram? Gastaram a poupança deles, que poderia ter sido canalizada para um programa subsidiado de casas populares, em cimento e tijolo para continuar a morar em locais inabitáveis.

O que era crença virou certeza, e todo o espectro político que governou o Rio (cidade e estado) manteve a mesma política: de um lado, os governadores Moreira Franco, Marcello Alencar, Garotinho, Rosinha e, agora, Sérgio Cabral; de outro, os prefeitos Cesar Maia, Luiz Paulo Conde e, agora, Eduardo Paes. Todos, sem exceção, tentando transformar água em vinho, para evitar uma metáfora pior.

Creio que um programa como o Favela Bairro pode funcionar apenas em comunidades planas, grandes ou pequenas, onde o arruamento é possível, onde o acesso fácil pode ser obtido. Mas o programa e seus congêneres se mostraram ineficazes quando se tentou aplicá-los em morros.

Agora mesmo, Cabral, Lula e Paes vão gastar uns poucos milhões para continuar tentando o impossível: tornar dignas favelas como a Rocinha, o Cantagalo, o Alemão. Tudo errado. O dinheiro é pouco se comparado a outras obras. Vão gastar R$ 175 milhões na Rocinha e gastaram R$ 408 milhões no Engenhão, esta é a escala de prioridades de nossos governantes.

Pensem na tal Cidade da Música, de Cesar Maia, que consumiu R$ 550 milhões e ainda é somente osso. O que me angustia enormemente é que a coisa persiste.

O plano do governo para a expansão do metrô, agora, é levá-lo da Praça General Osório, em Ipanema, até a Gávea, para que, algum dia, ele se encontre com a linha que vai até a Barra.

A obra total custará R$ 3 bi e beneficiará 800 mil pessoas. Será isso “a” prioridade? Agora, parece-me que não: seria melhor transformar os trens de subúrbio em metrô de superfície para atender a 3 milhões de pessoas a um custo de R$ 2 bilhões.

O que angustia é que, se tivesse havido um senso de prioridade, o governo não teria de escolher entre essas duas obras, ambas prioritárias.

Como? Os R$ 958 milhões do Engenhão e da Cidade da Música teriam sido suficientes para a compra de 60 trens com ar-condicionado e velozes.

Como já há aprovado no Banco Mundial um financiamento de R$ 506 milhões para a compra de 30 trens, hoje faltariam apenas 68 composições para que as cinco linhas da rede ferroviária do subúrbio (210 quilômetros) fossem completamente transformadas em metrô de superfície. Quando se compara o benefício que o Engenhão e a Cidade da Música trouxeram à cidade com o que seria proporcionado pelo metrô de superfície, dá uma angústia danada. Como mostrou Sérgio Magalhães aqui nesta página, se os subúrbios tivessem um moderno meio de transporte, eles seriam uma área atraente para se morar, estariam muito próximos do Centro e da Zona Sul (em termos de tempo), o que viabilizaria a construção de bairros populares decentes e habitáveis ao longo das linhas do trem.

Quando isso estivesse feito, quando os subúrbios estivessem a poucos minutos das áreas ricas do Rio de Janeiro (como ocorre nas grandes capitais do mundo), a remoção de favelas inviáveis deixaria de ser um palavrão: morros inabitáveis, como Dona Marta, Pavão, Pavãozinho, Cantagalo, Vidigal, parte da Rocinha, parte do Alemão, para citar apenas alguns poucos, poderiam ter as suas populações realocadas em bairros decentes, com transporte bom e barato. Trocariam uma casa dependurada numa ribanceira, cercada por becos impossíveis de ser urbanizados, por bairros populares decentes e de fácil acesso.

Parece sonho? Olhando para o passado, parece mesmo fantasia.

Mas olhando para o futuro, ainda dá para sonhar. Por exemplo, eu dava como certo que ninguém mais no Rio queria ouvir falar em remoção. Mas quando li, na coluna do Ancelmo Gois, que “remoção foi satanizada, mas não deveria”, eu percebi que alguma coisa pode estar mudando. Afinal, o Ancelmo tem sido um dos nossos melhores radares.

"Privilégios exorbitantes"

Yoshiaki Nakano
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A verdade dos fatos é que a atual crise financeira teve como causa a excessiva expansão de crédito e liquidez nos Estados Unidos, país emissor de moeda reserva internacional, e com isso desorganizou o sistema internacional de pagamentos. A crença na ideia mítica de mercados autorregulados e eficientes levou à retração dos órgãos de controle e na desregulação do sistema financeiro, particularmente com a criação do chamado sistema bancário paralelo (shadow banking). E este sistema paralelo multiplicou, através de inovações financeiras, o volume e valor de ativos financeiros em escala global desenvolvendo um imenso mecanismo de criação de liquidez (dólar) doméstica e global. A crise agora está destruindo este sistema.

Assim, logicamente a atual crise financeira deveria ser a crise do dólar. Não é à toa que o presidente do Banco do Povo da China publicou um artigo defendendo a criação de uma nova moeda de reserva e pagamentos internacionais com valor estável e oferta controlada por um organismo global, desvinculada do interesse nacional de qualquer país.

Da mesma forma, os Estados Unidos, isoladamente e unilateralmente, não conseguem mais exercer sozinho o seu "poder imperial" e impor, sobre o resto do mundo, suas decisões, como queria o presidente Bush, tanto é que a nova secretária de Estado Hillary Clinton já mudou bastante a forma de abordagem das questões internacionais, pelo menos na retórica. Nem mesmo o G-7, em que os EUA partilham o seu "poder imperial" com outras nações desenvolvidas, têm legitimidade e poder de atuação global. Com a emergência da China e o despertar de outras nações como a Índia, Rússia, Brasil e outros, o G-7 teve que ser expandido para G-20. Assim, a reunião do G-20 na semana passada tem um significado histórico muito importante, pois é o reconhecimento da emergência da China e de outras nações e que, daqui para frente, as questões econômicas internacionais terão que ser partilhadas como um grupo maior de nações.

O presidente Obama anunciou também na reunião do G-20 que o mundo não poderá mais viver da excessiva expansão de consumo americano, isto é, da excessiva expansão de crédito (dólar) traduzido internacionalmente nos seus gigantescos déficits em transações correntes. Com a crise temos uma nova era.

Disse acima que a atual crise financeira é a crise do sistema de criação de dólar. Mas a crise do dólar ainda não se materializou - nem ninguém espera que ele venha ser substituído no curto prazo. É uma questão complexa e para entendê-la é preciso lembrar que o país ou organismo emissor de moeda tem aquilo que de Gaulle chamava de "privilégios exorbitantes", referindo-se aos ganhos de seignorage e outros que os EUA passaram a ter com a imposição do dólar como moeda reserva. Estes "privilégios exorbitantes" não se conseguem gratuitamente e é preciso ter pelo menos dois requisitos fundamentais: desenvolver instituições com credibilidade e confiança e condições materiais para exercício efetivo de poder policial para que, sob sua proteção, todos os participantes do sistema aceitem um pedaço de papel, um registro eletrônico, um passivo ou uma promessa como tendo valor e ser aceito universalmente como meio de pagamento internacional.

Para melhor entender esta questão em jogo vejamos como os EUA passaram a ter "privilégios exorbitantes". Já na Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos eram um país rico com pretensões expansionistas e sua elite dirigente revelava aquilo que se chamou de "presunção imperial". Como grande vitorioso, obtém uma hegemonia política mundial absoluta, e com tropas de ocupação em praticamente todos os países importantes, com exceção de poucos países como a França e Suíça. Logo após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos conseguiram, sem dificuldade, impor o dólar como moeda reserva internacional, inicialmente lastreado em ouro. Não só manteve tropas de ocupação nos países, como espalhou pelos mares do mundo porta-aviões exercendo, de fato, o poder policial global. Tendo a economia mais poderosa e desenvolvida do mundo e, após a Grande Depressão, um sistema bancário forte e eficiente, constituído através de regulação e controle, conseguiu conquistar a credibilidade e confiança no dólar. Tornou-se, a rigor, o centro do império global, arcando inclusive com os custos militares para "manter a paz" e um ambiente "pacífico" para as transações econômicas mundiais.

Com isso, os Estados Unidos além do ganho de seignorage global, passaram a ter outros "privilégios exorbitantes". Passaram a ser os "banqueiros do mundo", com um sistema financeiro com credibilidade e confiança. Seus passivos - ativos detidos pelos estrangeiros - são sempre em dólar, moeda que emite, e rendem uma taxa de juros muito menor do que os ativos que Estados Unidos detém no exterior. Além disso, os ativos detidos pelos estrangeiros nos Estados Unidos são financeiros enquanto que aqueles que detêm no exterior, cerca de 70%, são ativos reais, em moeda local de cada país. Nos últimos 15 anos, este diferencial de rendimento foi de cerca de 3,3%. E como seus passivos são em dólar, qualquer desvalorização desta implica em transferência de riqueza para os Estados Unidos. Com isso, os Estados Unidos tornaram-se os importadores em última instância, com o privilégio de ser o único país do mundo que pode consumir e absorver muito mais do que produz, isto é, ter déficits em transações correntes permanentemente, nem necessariamente ampliar o seu passivo externo líquido. Na condição de uma crise no balanço de pagamentos dos Estados Unidos, com crise do dólar e sua desvalorização, isto significaria prejuízo para os demais países detentores de ativos em dólar.

É por isso que a China começa a dar sinais de inquietação, mas com muita cautela. Mesmo com a crise financeira e excessos que tanto o Fed como o Tesouro estão sendo obrigados a cometer, o dólar continuará reinando. A substituição dos Estados Unidos e a retirada de seus "privilégios exorbitantes" não será tarefa fácil. Menos ainda a construção de uma alternativa. Com a crise do dólar, o que vamos certamente assistir será um período de maior desarmonia com a contestação do poder de enforcement global americano, sob o qual as transações e contratos aconteciam com alguma segurança e garantia.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

Melhora futura

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

A previsão de uma queda de 3% na produção industrial deste ano não é uma notícia tão ruim quanto se imagina. Para fechar neste patamar, o país terá que ter recuperação ao longo do ano, ou uma redução forte da queda. O primeiro trimestre pode terminar com um tombo de 13% a 14% na produção industrial. Portanto, a previsão de -3% embute a expectativa de melhora

Na divulgação de ontem do Boletim Focus, do BC, que inclui previsões de uma centena de bancos e consultorias, a previsão ficou em uma queda de 3,06% na produção industrial no ano.

O Bradesco acha que vai ser de 3,5%. Isso parece uma péssima notícia, mas tem de ser temperada pelo que está acontecendo. Março, na opinião do Bradesco, pode ter terminado com 10% de queda na produção industrial comparado com o mesmo mês do ano passado.

Isso fecharia o trimestre com 13,9% de queda.

Nos dois primeiros meses deste ano a produção industrial caiu 17% na comparação com os mesmos meses de 2008. A produção de carros subiu forte em março e, mesmo assim, termina o trimestre com quase 17% de queda.

Alguns setores sentem a queda mais que outros, alguns estados foram mais atingidos que outros, como mostraram os dados da produção industrial regional divulgados ontem pelo IBGE. Os dois estados que mais caíram no primeiro bimestre foram Minas e Espírito Santo.

Em parte, isso é o que aconteceu com a siderurgia, que sofreu uma devastação neste começo de ano.

— O aço está na base de várias cadeias industriais das manufaturas e de transformação.

Por isso, sente o impacto de forma instantânea — diz José Armando Campos, ex-presidente da ArcelorMittal no Brasil, hoje no conselho do grupo.

O país tem 14 altos-fornos, seis estão desligados. A Usina Siderúrgica de Tubarão, no Espírito Santo, tem três fornos e desligou um; a UsiminasCosipa tem cinco e está com três parados. A GerdauAçominas tem dois e está com um parado, a CSN tem dois e desligou um. Normalmente, o setor trabalha com 85% da capacidade instalada ou mais, só que no primeiro trimestre de 2009 usou apenas 47% da capacidade. Vendeu, no mercado, 48% menos e a exportação caiu 52%. As vendas para a América Latina, que é a região mais importante de destino das exportações brasileiras de aço, foram 76% menores.

— A América Latina é a região mais aberta ao produto exportado pela China.

A Europa identificou subsídio e os Estados Unidos impuseram direitos compensatórios (sobretaxa) ao produto chinês — diz José Armando, preocupado com a ideia do presidente Lula de fazer um comércio bilateral nas moedas nacionais dos dois países, o que facilitaria a capacidade da China de subsidiar o produto que exporta.

José Armando acha que ao longo do ano, na virada entre o segundo e o terceiro trimestre, a situação pode melhorar.

— Este primeiro momento foi de desestocagem. Depois virá a recomposição de estoques e, quando acontecer isso, as nossas vendas melhorarão — diz ele.

O Departamento Econômico do Bradesco registrou, no seu último boletim, que, na verdade, a maioria dos analistas está intrigada com o fato de a queda da demanda não ter sido tão forte assim, o que deveria ter reduzido os estoques.

“Em nossa opinião, a queda acentuada das exportações, desde o último trimestre de 2008, ajuda a explicar essa disparidade.” A demanda interna teve um choque, caiu bastante, mas no começo deste ano já começou a melhorar, o que ainda não afetou a produção industrial, que continua em queda forte. “Apesar de a demanda externa representar apenas 30% da produção brasileira, o comércio exterior sempre ajudou a formar expectativas.” O banco acredita que haverá uma “aceleração considerável nos próximos trimestres”. O banco acha que “essa aceleração será puxada pela demanda doméstica, sustentada pelo crescimento da massa salarial, mas só será viável com a contribuição de alguma retomada das vendas externas daqui para diante”.

Se não houvesse essa recuperação e continuasse no mesmo ritmo de fevereiro, isso produziria uma queda de produção industrial no ano de mais de 13%, o que ninguém está prevendo.

Portanto, a produção industrial será menor que em 2008, mas a queda será reduzida até o fim do ano.

A MB Associados está mais pessimista, acha que a a produção industrial vai cair 4,5% este ano. Mas, para isso, acha que, depois dos 17% de queda no primeiro bimestre, a produção ficará até novembro, em média, 3,4% menor que no mesmo período do ano passado, e em dezembro sobe 10% na comparação com dezembro de 2008, que foi horrível. Aí, termina em 4,5% de queda.

Há quem esteja bem mais pessimista. O CSFB acha que o PIB de 2009, em vez de cair 0,2%, que é a mediana das previsões do Focus, vai cair 2%. De qualquer maneira, os relatórios dos bancos e as conversas com empresários e com analistas mostram que a maioria acredita que o ano melhorará ao longo dos próximos meses. Não se pode dizer que o pior passou, mas é melhor saber que 2009 vai melhorar nos próximos meses, que o contrário.

A crise chega à poupança

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Poupança teve mais depósitos que saques durante estirão do PIB; neste ano, teve primeiro trimestre negativo desde 2006

AS PESSOAS estão tirando mais dinheiro da caderneta de poupança. As pessoas tiraram muito dinheiro dos fundos de investimento em 2008. Em fevereiro, os fundos deram mais sinais de vida. Agora, em, março, voltaram a receber menos aplicações.

Para onde o dinheiro vai? Vira "seguro-desemprego" privado? Paga contas da pequena empresa, que está faturando menos? No ano passado, durante o tumulto da explosão da crise, era comum ouvir em bancos e empresas que pequenos e médios empresários estavam sacando dos fundos a fim de pagar contas.

Sim, como dizem os economistas, trata-se de uma "evidência anedótica", e há pouca pesquisa sobre a vida dos negócios menores. Mas poupança no vermelho não parece um indício de que a vida vai bem.

Caderneta de poupança é preferência nacional. É "pop", é simples e previsível. O comum dos brasileiros não tem informação suficiente para lidar com bancos e seus fundos; alguns dos mais velhos, por sua vez, ficaram escaldados com décadas de maluquices na economia e preferem não arriscar. Aliás, para ser preciso, o comum dos brasileiros não tem dinheiro para poupar, mas passemos.

O que importa aqui é que o saldo da poupança, a diferença entre depósitos e retiradas, foi negativo em março passado. Mesmo com as notícias de que a caderneta se tornou mais atrativa, dada a queda dos juros de mercado (para o aplicador, entenda-se). Pode ser um movimento aleatório. Mas não parece.

Em cada mês de setembro de 2006 a março de 2008, os depósitos superaram os saques (a "captação líquida" foi positiva). Foi o período "no azul" mais longo da poupança desde 1995, o primeiro ano inteiro depois do Plano Real. Foi também o período do estirão do PIB.

Em abril de 2008, foi sacado R$ 1,8 bilhão (para um saldo, no mês anterior, de R$ 242,6 bilhões). Em março de 2008, houvera o primeiro grande remelexo visível da crise, com a quebra do banco de investimentos Bear Stearns e outras notícias assustadoras que tiveram repercussão na mídia de público mais amplo. Mas as pessoas voltaram a depositar e, mesmo em outubro de 2008, depois da explosão da bomba atômica financeira em Wall Street, o saldo negativo foi de apenas R$ 284 milhões.

Neste ano, a poupança ficou no vermelho em janeiro e em março. No ano, a "captação líquida" está negativa em R$ 582 milhões (para um saldo total de R$ 274,7 bilhões). É o primeiro trimestre de captação líquida média no vermelho desde junho de 2006. Não deve ser por acaso.

Nos fundos de investimento mais "pop", a situação parou de piorar. Nos últimos 12 meses, a "captação líquida" ficou no vermelho em R$ 80 bilhões (o patrimônio líquido dos fundos está agora em torno de R$ 1,16 trilhão). No ano, está positiva em R$ 11,2 bilhões. Mas os fundos de renda fixa, os mais "pops", com patrimônio de R$ 343 bilhões, voltaram ao vermelho em março; os DI perdem desde fevereiro. Os fundos de curto prazo captaram muito pouco. A exceção positiva foram os fundos multimercado. Esses quatro tipos de fundo equivalem a mais de 71% do mercado. Mas, para os clientes dos fundos mais "pop", DI, renda fixa e curto prazo, parece estar sobrando, na média, menos dinheiro.

E Nelsinho Baptista disse não

Juca Kfouri
DEU NA CBN


O Grêmio tentou tirar o técnico Nelsinho Baptista do Sport, às vésperas do jogão contra o Palmeiras.

Ouviu um sonoro e surpreendente, para o Grêmio, não.

Sonoro porque Nelsinho fez o que poucos fazem: resolveu cumprir seu contrato com o clube pernambucano.

Surpreendente, para o Grêmio, porque seus cartolas imaginaram que ao oferecer mais dinheiro do que o técnico recebe no Recife, ele iria para Porto Alegre, já que, como o Sport, o time gaúcho também está bem na Libertadores.

Mas Nelsinho Baptista foi eticamente impecável.

Pena que não se possa dizer o mesmo do Grêmio.

Que agora terá de contratar outro treinador, já enfraquecido por saber que não foi a primeira opção.

Campeão brasileiro pelo Corinthians em 1990, campeão da Copa do Brasil pelo Sport no ano passado, campeão japonês, campeão paranaense, duas vezes campeão paulista, campeão goiano, pernambucano, Nelsinho Baptista acaba de conquistar mais um título importante em sua carreira: a de homem de palavra.

Campeões nacionais, no Brasil ou no Japão, e estaduais, existem muitos.

Homens de palavra, no futebol, são cada vez mais raros.

Carinhoso

Pixinguinha/ Braguinha
Com João Gilberto
Vale a pena ver o vídeo

Clique o link abaixo

http://www.youtube.com/watch?v=Pzvrg-vLz94