domingo, 12 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“Tanto a visão do socialismo como socialização integral dos meios de produção e de troca, quanto a idéia-guia da classe operária como classe geral destoam dos recursos e vínculos da democracia política como ordenamento do Estado. Para o Estado democrático, não existem “classes gerais”, ou então todas o são, na medida em que contribuíram para constituí-lo e respeitam suas regras. A democracia, pois, constitui um regime no qual todas as classes e grupos sociais só são reconhecidos nas formas de subjetividade previstas pela lei fundamental: partidos, sindicatos, movimentos coletivos, grupos de interesse. A democracia política pressupõe a redução das classes e dos grupos sociais a uma insuperável parcialidade, bem como a neutralização do interesse de classe e de grupo, na medida em que este é, por definição, particularista.”


(Giuseppe Vacca, presidente da Fundação Instituto Gramsci, Roma, no livro “Por um novo reformismo, pág. 62 – Fundação Astrojildo Pereira e Editora Contraponto, 2009)

Transferências

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Por que Dilma está, no máximo, com 18% de intenções de voto (no cenário que lhe é mais favorável) e com apenas 14% (no menos), se 49% dos entrevistados sabem que ela é a candidata de Lula?

Na mais recente pesquisa nacional da Vox Populi, realizada nos primeiros dias de abril, há vários resultados interessantes. Mas há um que chama especialmente a atenção.

Em pesquisas de domínio público, foi a primeira vez que se avaliou a proporção de pessoas que já é capaz de identificar quem o presidente Lula apoia na eleição do ano que vem. Com tantos levantamentos sendo divulgados, é até surpreendente que uma dimensão tão relevante como essa ainda fosse desconhecida.

Na pesquisa, foi feita uma pergunta direta aos entrevistados, se conseguiam apontar “o candidato ou a candidata de Lula” dentre os que constavam em uma lista com os nomes de Dilma, Serra, Aécio, Ciro e Heloísa Helena.

Quase a metade dos entrevistados (49%) fez a identificação correta de Dilma. Os outros quatro candidatos, somados, alcançaram 9%, sendo 2% os que afirmaram que Lula “apoiava todos” ou que “não apoiava nenhum”. Faltam 40%, os que não souberam responder.

A primeira coisa relevante nessas respostas é a quantidade de pessoas que acertam, mostrando que estamos indo, de fato, para uma eleição bem diferente das outras que fizemos. De um lado, temos uma grande fatia do eleitorado que, no mínimo, dá notícia do que se passa no sistema político. É fato que continua a ser expressiva a proporção dos desinformados, mas ela já é minoritária, contrariando os estereótipos que veem nossa população como sendo predominantemente formada por pessoas sem nenhum interesse e nenhuma informação sobre assuntos políticos.

De outro lado, os 49% de respostas corretas mostram que o imenso esforço que Lula e o governo fazem para tornar mais conhecida a ministra Dilma está dando resultado. Considerando que seu nome foi sacramentado há pouco tempo, ter já chegado à metade do eleitorado é um desempenho acima das expectativas.

Esses números indicam que temos uma sociedade que dá sinais de crescente politização (em que pesem graves problemas nesse processo) e que está indo para as próximas eleições sob o impacto de uma pré-campanha de intensidade maior que qualquer outra que experimentamos.

Não é exagero dizer que ela sofre uma espécie de aquecimento precoce, para mobilizá-la cedo, a mais de um ano da eleição.

Eles também mostram, contudo, que o caminho da candidatura da ministra pode não ser tão tranquilo como desejariam alguns estrategistas do Planalto. Se a velocidade na difusão do nome pode ser considerada um sucesso (mesmo que esperado, dado o montante de capital político e o volume de comunicação investidos), há um mistério nos números.

Por que Dilma está, no máximo, com 18% de intenções de voto (no cenário que lhe é mais favorável) e com apenas 14% (no menos), se 49% dos entrevistados sabem que ela é a candidata de Lula?

Pelo que se ouve do governo, era de se esperar mais da candidatura da ministra, mesmo agora, tão longe da eleição. Os que imaginam que Lula teria força para eleger qualquer um suporiam, por exemplo, algo mais perto de 30%, pois apostam, até, em vitória no primeiro turno.

Talvez tenhamos que acreditar mais no que as pessoas dizem nas pesquisas. Nessa, 23% afirmaram que votariam “com certeza no candidato indicado por Lula”, mas não mais que esses.

Muitos admitiram votar em quem ele indicasse “dependendo de quem seria”. Mas isso quer dizer que pensam fazer uma comparação com os outros nomes que lhes forem apresentados, para só então escolher.

Dilma tem um largo caminho de crescimento. Afinal, apenas 11% disseram conhecê-la bem, com mais 20% que julgavam ter “alguma informação” sobre ela. Dos 70% restantes, 35% já ouviram falar em seu nome e 34% sequer isso. O relevante é que saber que ela é a candidata de Lula é apenas o começo da conversa para mais de três quartos da população. Se for só isso que sua candidatura tem para dizer, não vai bastar.

É a crise, estúpido!

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Lula tenta fazer do limão uma limonada. O "limão", azedo que só, é a crise que corrói a confiança e os empregos. E a "limonada" é a lista de medidas que ele estava doidinho para tomar, mas que seriam fatalmente recriminadas em tempos normais. Se continuam politicamente incorretas, passaram a ser economicamente justificáveis. Apesar do risco de desequilíbrio entre arrecadação e gastos.

Um bom exemplo, ainda carente de anúncio oficial, é afrouxar na prática a meta para 2010 do superávit primário (a parte da arrecadação tributária usada para abater a dívida pública). Assim: muda-se a metodologia para excluir a Petrobras do cálculo e poder torrar, a título de despesa e investimento, o equivalente em 2010 aos R$ 14,9 bi da meta da empresa em 2009. Em bom português, Lula quer poder gastar mais justamente no ano da eleição, e disse a oito ministros que vai andar ainda mais pelo país com a Dilma para mostrar o PAC, ou com o PAC para mostrar a Dilma.

O pretexto é que a crise exige investimentos em infraestrutura e geração de empregos. A realidade é que a candidatura Dilma também. Inclui-se na mesma lógica a desoneração da folha de pagamento, em estudo para que as empresas tenham menos impostos e mais empregos. Antiga reivindicação do empresariado, ganha fôlego agora. De onde vem o dinheiro para cobrir o buraco na receita é outra história.

Ainda por essa lógica foi a troca do presidente do Banco do Brasil por alguém ainda mais petista e mais camarada (em duplo sentido) para a redução de juros e o aumento de créditos convenientes. Lembra a frase atribuída a Quércia em 1990? "Eu quebro o Banespa, mas elejo o Fleury." Quebrou. E elegeu. Enfim, Lula foi pragmático durante seis anos, mas não está resistindo à pressão da crise nem principalmente à tentação de 2010. Está politizando mais e mais o governo. E tem discurso, ou um bom disfarce: é a crise, estúpido!

Serendipismo e oportunidade

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O conceito é antigo (trazido ao mundo ocidental em 1754, há 255 anos), fascinante, porém pouco discutido no Brasil apesar de ter inspirado livros, reflexões e até um longa-metragem americano.

Nossa dificuldade com o assunto tem duas razões: a palavra inglesa que celebrizou a história - serendipity -- difícil de pronunciar, não tem equivalente em vernáculo. Os neologismos serendipidade e serendipismo são construções artificiais, góticas, como a própria literatura do seu introdutor, o escritor inglês Hugh Walpole que inspirado num conto persa, "Os Três Príncipes de Serendib", criou uma parábola sobre o acaso, o grande vetor da humanidade.

Esta é, no fundo, a outra razão que impede sua popularização em nossas plagas. O Brasil é fruto do acaso, formidável acidente de percurso, porém detestamos ostensivamente este pedaço da nossa gênese. Até hoje não decidimos se fomos descobertos ou achados, se fomos procurados ou descuidadamente oferecidos pela divina providência porque as conclusões serão sempre incômodas.

A moral da história persa, como todas, contém uma metáfora. No caso sobre a acuidade. O acaso só é efetivo, produtivo, para aqueles que estão alertas, prontos a tirar partido, atentos às mudanças, sensíveis às novas circunstâncias.

Nossa serendipidade é geralmente negativa por um defeito de fabricação. Nosso DNA contém uma poderosa vocação contemplativa e prazerosa típica das entidades paradisíacas. Os achados são perdidos por excesso de prodigalidade e falta de senso de oportunidade. Esbarramos em tesouros e passamos ao largo de fabulosas casualidades porque fomos treinados para o desperdício, convencidos que logo virão outras.

O inspirado padre Antônio Vieira foi campeão da serendipidade positiva. Num dos seus “estalos” percebeu nossas grandezas, soube transferi-las ao plano cósmico, encantou todos os que o ouviam, do sumo pontífice à rainha da Suécia. Só não foi adiante porque a Coroa portuguesa e a Inquisição não permitiram que sua utopia se materializasse. Prova de que o absolutismo e dogmatismo religioso são anti-serendipistas por excelência.

“Lula é o cara” disse Barack Obama a respeito do nosso presidente. O americano também é “the man” porque enxergou no ex-metalúrgico o habilidoso malabarista capaz de ser simultaneamente neoliberal e esquerdista, populista e elitista, coronel do Sertão e expoente internacional.

O que ninguém consegue avaliar é a capacidade serendipial ou nível de serendipismo do presidente Lula da Silva. Até aqui mostrou-se como extraordinário parceiro dos fados. Aproveitou a maioria dos acasos que a divina providência coloca a seus pés.

Serendipity é um estimulo permanente à criatividade, mas como todas as fábulas claudica no desfecho: vago, impreciso, não-operacional. Contém penosa incógnita - despreocupa-se com o tempo. Não determina a duração da vigilância nem a validade do incômodo aparelhinho radar cuja finalidade é detectar oportunidades. Não responde à questão essencial sugerida pela maioria das parábolas e fábulas: até quando?

» Alberto Dines é jornalista

A falta de informação

Danuza Leão
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

E claro que Obama não soube do mensalão, das vezes que Lula se esconde e finge que não é com ele, das viagens

OK, NINGUÉM É perfeito. Mas por um momento Obama nos pareceu a pessoa mais perfeita do mundo; aquele presidente que adoraríamos ter. Mas pouco tempo passou para ele dar uma pisada de bola. Foi quando disse, de maneira elogiosa, que Lula era o "cara". Tudo bem, ele não pode saber de tudo o que acontece no Brasil, mas para isso tem 500 assessores que deveriam contar as barbaridades que o nosso presidente diz -e permite que façam.

Pode, no auge da crise, Lula dizer que tudo não passava de uma marolinha? Pode dizer que a culpa de tudo era dos brancos de olhos azuis? Além da bobajada, existe na frase uma conotação racista, e se fosse o contrário -um presidente dizendo que a culpa da crise era dos morenos de olhos escuros-, seria acusado de racismo, o que no Brasil é crime. Na mão e na contramão.

E claro que Obama não soube do mensalão, das vezes que Lula se esconde e finge que não é com ele, das viagens que faz o tempo todo -acho que fica mais tempo viajando do que em Brasília-, da cara-de-pau com que cruza o país no seu lindo avião com sua protegida Dilma já fazendo campanha, quando é proibido por lei que a campanha comece dois anos antes da eleição.

Será que Obama sabe que a mulher do presidente é ítalo-brasileira, pois conseguiu um passaporte italiano para ela e para o filho, coisa jamais vista numa primeira-dama de um país?

Não que seja ilegal, mas para que a mulher de um presidente quer outro passaporte, para ela e para o filho, se ela, com seu passaporte diplomático, tem todas as regalias quando chega a outro país? É claro que Lula estava de acordo; então é esse "o cara"?

Até uma estrela do PT plantaram nos jardins tombados do Alvorada, como se o palácio fosse deles. Obama não deve saber também que Lula nomeou mais de 200 mil funcionários, onerando em milhões o orçamento do país. Não deve saber também dos cartões corporativos, com os quais os funcionários gastavam sem prestar contas ao governo -e como gastavam. Nem deve saber das estrepolias de Lulinha, outro escândalo do governo.

Nem dos quase 200 diretores do Senado, pois ele não sabe de nada; nem ele nem Sarney, presidente daquela casa de marimbondos. Nem ao menos quantos são seus funcionários. Os jornais não dão conta de falar de tudo porque não há espaço, já que cada dia tem um novo.

"Esse é o cara". Que mancada, Obama.

Por que Lula não chama os presidentes da Câmara e do Senado e não dá uma dura neles, para que ponham ordem na casa? Porque o que se passa ali dentro nem nosso senhor Jesus Cristo é capaz de saber. E a gráfica do Senado, com não sei quantos funcionários? E a TV do governo, que nunca ouvi falar que alguém tenha visto? Você já viu?

Eu juro que me deu pena quando ouvi Lula dizer que achava chique emprestar dinheiro ao FMI, como se fosse um lavrador que um dia emprestasse dinheiro a seu patrão que sempre o humilhou. Fiquei com pena e compreendi. O que não me impede de lembrar que Lula largou de mão seus companheiros mais próximos, como Genoino e Mercadante, como se nunca os tivesse conhecido.

Isso não é bonito, é falta de lealdade -para não dizer de caráter-, por isso acho que Obama errou feio quando disse que ele "é o cara". "O cara"; mas que pisada de bola, seu Obama.

CPI em seu labirinto

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Aberta em dezembro de 2007, se não houver novo pedido de prorrogação, a CPI dos Grampos fecha as portas dentro de mais ou menos 20 dias. Criada para investigar o festival de escutas clandestinas que assola a República, tende a acabar sem explicar o principal: a que tipo de interesse atende a grampolândia.

Há fortes suspeitas entre os integrantes da CPI de que o manancial de informações recolhidas pela rede subterrânea de espionagem destinava-se originalmente à confecção de dossiês para uso em disputas políticas, uma espécie de estoque de material para eventualidades eleitorais.

A suspeita se baseia em depoimentos informais e sigilosos de autoridades do aparato de segurança. O problema é que o que se presume extraoficialmente não se escora em provas que sustentem conclusões oficiais.

No curso das investigações - primárias, a julgar pela avaliação da CPI de que teve acesso a menos de 5% do material coletado produzido pela polícia e em poder da Justiça -, apareceram interesses cruzados no mundo dos negócios públicos e privados.

Nada, porém, que se consiga apresentar na forma de um relatório com começo, meio, fim e responsabilidades bem delineadas, como ocorreu com a CPI dos Correios, que deu toda a base da denúncia do mensalão feita pelo procurador-geral da República e transformada em processo no Supremo Tribunal Federal.

Quem acompanha os trabalhos desde o início, não tem dúvida: o aparelho clandestino é amplo, perigoso e descontrolado. "Percebe-se nitidamente a existência de um monstro que armazena em suas entranhas material suficiente para provocar um fuzuê na República", diz o deputado Raul Jungmann, que vê na Agência Brasileira de Inteligência o centro de onde se irradia a rede.

"A Abin é uma entidade independente sobre a qual a sociedade não tem o menor poder de fiscalização", afirma. Culpa, acrescenta, em boa medida do Congresso que tem uma comissão de fiscalização e controle desde a criação da agência, em 1999, mas nunca se reuniu.

Ou melhor, nesses dez anos fez duas reuniões. Ambas no ano passado, quando foi descoberta escuta ilegal no telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Não influíram nem contribuíram no processo que, depois disso, voltou a ignorar.

A corroborar a opinião do deputado há a própria decisão do governo, também por ocasião do episódio envolvendo o presidente do Supremo, de afastar liminarmente a direção da agência por sugestão do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e pressão de Gilmar Mendes.

A contrariar aquela mesma decisão, há a nomeação do diretor demitido (Paulo Lacerda) como adido policial na embaixada brasileira em Lisboa, e ausência de responsáveis oficialmente apontados no inquérito da Polícia Federal até agora não concluído.

E se a PF não achou, ou não quis apontar, culpados, a CPI tampouco terá condições de fazê-lo em seu relatório final.

Está, hoje, em um labirinto: "Como não temos acesso a informações sobre o processo de Daniel Dantas e as informações sobre a atuação da parceria entre PF e Abin são públicas, fica parecendo que a CPI protege o banqueiro e é contra o delegado que o investigou na Operação Satiagraha. Ocorre que as infrações cometidas no curso daquela investigação são sinais dessa degeneração do trabalho de inteligência", argumenta Jungmann.

Isto posto, até aonde pode ir a CPI?

Se não houver fatos novos, não muito longe. O último depoimento de Protógenes Queiroz nada acrescentou, a nova convocação do delegado Paulo Lacerda, se atendida, provavelmente será também inútil e, portanto, a ida de Daniel Dantas de nada adiantará.

Ainda assim, o relatório desta vez deve avançar um pouco em relação ao anteriormente pretendido pelo relator Nelson Pelegrino, que não indiciaria ninguém.

Agora, a expectativa é de que Protógenes e Lacerda sejam indiciados por terem mentido à CPI, e Daniel Dantas pelo uso da empresa Kroll para serviços de espionagem. Se o relatório oficial não contiver essas conclusões, um grupo de parlamentares fará um voto em separado para pedir o indiciamento dos três ao Ministério Público.

Pior a emenda

A Câmara ainda discute qual a melhor maneira de repudiar, mas o Senado, esperto, já encontrou o que acredita ser a forma ideal de lidar com as denúncias de suas transgressões internas. Informações agora devem ser solicitadas por meio de ofício com prazo de cinco dias para retorno.

As solicitações devem ser acompanhadas de cópia autenticada da carteira de identidade, comprovante de residência, motivação detalhada do pedido, mais um termo de responsabilidade assinado e autenticado.

Quer dizer, corrigir o errado nem pensar. Nos meios e modos a farra continua. Com a diferença de que os congressistas agora, além de infieis depositários da função pública, serão vistos pela sociedade como obtusos caudatários da burocracia.

‘Manifestos políticos do Brasil contemporâneo’ traz artigo de professor da Rural

DEU NO PORTAL DA URRJ

A publicação, foi organizada por Lincoln de Abreu Penna, e tem como autores o professor da UFRRJ, Raimundo Santos, com o artigo ‘A Defesa da Política nos Anos de Chumbo’, Maria Paula Araújo, Anita Leocádia Prestes, dentre outros.

O livro 'Manifestos políticos do Brasil contemporâneo', editado E-papers, será lançado no dia 15/4, às 18h, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ.

A obra conta com a colaboração de historiadores, cientistas sociais e especialistas das áreas das ciências humanas, cujas apresentações aos mais variados manifestos proporcionarão aos leitores informações importantes para a compreensão desses documentos históricos.

Após o lançamento ocorrerá um debate, do qual participarão os professores Lincoln de Abreu Penna, Renato Lemos, Maria Paula de Araújo e Anita Prestes.

Como combater a crise

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A constatação de que a crise econômica internacional já está batendo no bolso do brasileiro médio, feita por uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas do Rio coordenada pelo economista Marcelo Neri, levanta questões sobre a melhor maneira de combatêla. Os gráficos passaram a mostrar, a partir de janeiro deste ano, um panorama econômico completamente ao contrário do que acontecia nos últimos cinco anos, com o bolo da economia crescendo menos, piorando a distribuição de renda, uma inversão de tendência que não se sabe se é permanente.

Uma desaceleração do PIB de dez pontos percentuais entre os terceiro e quarto trimestres de 2008 (de 6,3% para um crescimento negativo de 3,6%), que Marcelo Neri enfatiza como sendo “equivalente ao crescimento da China antes da crise”.

A classe C, que vinha crescendo nos últimos cinco anos, chegando a 53,8% da população em dezembro de 2008, caiu para 52% em janeiro, no primeiro e único sinal até agora de que a crise chegou ao bolso do cidadão médio.

O desafio, para Marcelo Neri, é não deixar que esse ponto crítico se torne crônico.

Ele acha que o Brasil tem fundamentos macroeconômicos sólidos e instrumentos para não deixar que os avanços se percam, mas sua preocupação é “se estamos usando esses instrumentos adequadamente, na sintonia fina”.

Neri teme o risco “de não chegarmos tão rápido quanto precisaríamos, devido à política monetária do Banco Central”.

Escaldado com a inflação, o Banco Central não estaria preparado para enfrentar a atual crise: “Não temos cultura de grandes depressões econômicas”.

Marcelo Neri ressalta que a crise atual tem o viés de afetar mais os mais prósperos, porque é uma crise financeira que atinge os setores mais modernos da economia, que lidam com a economia internacional.

Segundo seu estudo, a probabilidade de cair das classes A, B, C aumentou de setembro a dezembro em 2%, mas, em janeiro e fevereiro, essa probabilidade aumentou para 12%.

“A crise, de janeiro a fevereiro, mudou o patamar no bolso do brasileiro, que vinha sendo poupado”, avalia.

A classe dominante em termos populacionais é a C, que tem 52%, mas a classe AB é a dominante em termos econômicos, com 55% da renda.

Por isso, diz Marcelo Neri, a popularidade do presidente Lula foi poupada no começo, pois a mais atingida foi a classe AB, que não representa muita gente. Em janeiro, a classe C passou a ser atingida.

Marcelo Neri diz que Ben Bernanke, presidente do Fed, o Banco Central americano, “sabia desde o começo que esta era uma situação atípica e que ele deveria fazer alguma coisa além do que os manuais indicam”.

Por isso, no Brasil, a parada súbita de janeiro na renda do brasileiro e do PIB, uma contrapartida da outra, foi combatida de maneira errada, diz ele.

“Precisávamos injetar demanda na economia e houve uma lentidão nisso. E, na política fiscal, estamos errando porque a crise virou uma desculpa para ‘conquistas de direitos’, aumentos do salário mínimo, da Bolsa Família, que são gastos permanentes que podem afetar o equilíbrio de nossas contas públicas”, adverte Neri.

Para ele, poderíamos implementar de emergência, provisoriamente, “um abono transitório, que é o que Taiwan está fazendo, o que os Estados Unidos estão fazendo.

Agora soou o alarme de que os gastos aumentaram.

Um déficit conjuntural em época de crise, tudo bem, mas virar um déficit estrutural coloca em perigo o crescimento futuro”.

Marcelo Neri diz também que o governo está dando ênfase ao PAC e ao plano de habitação, “que têm seu lado positivo por serem planos de investimentos, mas demoram a acontecer, portanto os empregos não serão criados tão cedo”.

Ele lembra que a melhoria da renda do brasileiro pode ser atribuída da seguinte maneira: 10% salário mínimo, 40% Bolsa Família e 50% do trabalho, que tem um papel importante. “Estamos perdendo o crescimento do emprego formal, que é o grande símbolo do crescimento da classe C”, diz ele.

O Bolsa Família deveria ser usado como um instrumento de seguro. Ele lembra que o presidente Lula falou que o Pelé ainda entraria em campo, se referindo à queda dos juros. “Acho que o mercado interno é o Pelé, e a pesquisa mostra que se esse é mesmo o ponto forte, ele se contundiu em janeiro. O Bolsa Família seria o Tostão para ajudar o Pelé, o mercado interno”.

Os estudos mostram, segundo Neri, que o mercado interno, embora abalado, ainda está aquecido, especialmente no Nordeste, e o Bolsa Família poderia ser usado como instrumento de seguro, e não para qualquer situação, “de uma maneira mais inteligente”.

Ele cita a Fundação Bill Gates e várias outras instituições que estão querendo saber sobre microsseguro. “Esta é a agenda do futuro, depois da crise, como o microcrédito foi nos últimos 20 anos. Como é que você segura a população mais vulnerável em época de crise?”.

Se o Brasil pensasse mais em seguro e menos em uma maneira mecânica de garantir os direitos sociais permanentes, diz Neri, poderia ser muito mais generoso no momento da crise porque saberia que aquele gasto não ficaria pesando no orçamento depois.

“O Bolsa Família atinge 25% da população e tem uma capilaridade e agilidade, depende apenas de uma decisão administrativa. Mas a mentalidade não é essa. Se você aumenta os direitos, aumenta os deveres de quem paga imposto e trava o lado real da economia”, finaliza Marcelo Neri.

Um programa habitacional - para a economia

José de Souza Martins*
DEU EM O ESTADO DE S.PAULO

Prioridade do Minha Casa, Minha Vida é financiar empresas de construção para que criem empregos e atenuem a crise

Um conjunto de dúvidas envolve a eficácia do programa de 1 milhão de moradias para trabalhadores que o governo do presidente Luiz Inácio está lançando, às pressas, nestes dias pré-eleitorais, para famílias com rendimentos até três salários mínimos e famílias com rendimentos até dez salários mínimos. São dois grupos substancialmente diferentes, o que recebe até R$ 1.395,00 mensais e o que recebe até R$ 4.650,00 mensais. O documento oficial de divulgação do Minha Casa, Minha Vida estipula que para o segundo grupo haverá 60% das moradias. Portanto, um programa voltado para a baixa classe média e, só residualmente, para populações pobres. Desde que possam pagar ao menos R$ 50 mensais, ou seja, desde que o rendimento familiar seja ao menos ligeiramente superior ao salário mínimo.

O programa, sem dúvida, tem um apelo. Embora o problema não tenha entrado nas cogitações do governo, o programa, num primeiro impacto, poderá atingir duramente a especulação imobiliária urbana, sobretudo nas favelas, forma iníqua de exploração dos pobres pelos pobres. Nas favelas de São Paulo é pouco provável que alguém que ganhe um salário mínimo consiga alugar um barraco por menos de R$ 280.

Esse não é o único aspecto do programa em que Estados e municípios poderão consertar as omissões e a falta de objetivos propriamente sociais do programa habitacional do governo federal. O aspecto mais problemático dele é que não se vincula a uma diretriz de política urbana, coisa que de fato o governo Lula não tem. Embora se dirija preferencialmente a regiões metropolitanas e grandes cidades, o programa é um mero projeto de financiamento subsidiado da construção de casas e apartamentos. Não é um programa de substituição de habitações precárias, como favelas e cortiços, por habitações próprias de um modo de vida urbano, civilizador e emancipador. O governo está a fim de gastar dinheiro, mas não é de fato motivado pelo uso racional do dinheiro público em função de carências sociais. Carências, aliás, que não se resumem a essa discutível primeira pessoa de programa sentimental de televisão que vem a ser o slogan "Minha casa, minha vida". Na perspectiva da moradia, a vida de cada um nunca é de cada um. A questão é social porque a moradia precária de uns afeta o morar de todos.

O mundo urbano é a nossa forma de civilização possível. Nos últimos 50 anos essa civilização, no Brasil, entrou em declínio com a deterioração urbana e a expansão das formas precárias de habitação. O urbano só o é se representar um passo adiante na civilidade, na democratização do acesso aos serviços públicos, ao conhecimento, à educação, ao lazer civilizado, à substancial melhora na qualidade de vida em relação aos parâmetros rurais de origem de boa parte de nossa população urbana.

Nem sempre habitações de favelas são impróprias e condenáveis. Já houve casos, como na favela de Heliópolis, em que os apartamentos do Projeto Cingapura, de Maluf, foram considerados pelos moradores piores do que muitos barracos. Nossos programas habitacionais nunca consideraram de fato o imaginário da habitação popular, construída de dentro para fora, para nela se viver, o conforto no lugar da aparência externa da arquitetura crua. É o oposto das habitações dos programas oficiais, construídas de fora para dentro, prioritariamente para serem vistas, para higienizarem a visão dos que não moram em condições precárias e adversas, o que acaba levando a improvisações e ajustes vivenciais que favelizam as habitações por dentro e não melhoram a qualidade de vida de quem nelas vive.

Nesse sentido, o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida não representa um avanço. Não é o programa da revolução urbana de que carecemos com urgência. Não estabelece a obrigatoriedade de uma substancial reforma urbana, que corrija, finalmente, os grandes problemas das cidades. É que sua motivação nada tem a ver com as carências radicais dos que vem sendo colocados à margem da civilização urbana. Sua prioridade é facilitar a distribuição de recursos às empreiteiras para que criem emprego e atenuem a crise econômica que nos ameaça. Nada muito diferente do que foi o programa do Banco Nacional de Habitação, do regime militar, criado como anteparo ao desemprego decorrente das grandes mudanças econômicas que promoveu, na concentração da propriedade da terra, nas decorrentes migrações e na concentração econômica, além do chamado arrocho salarial, que diminuiu substancialmente os rendimentos das famílias. A lógica é a mesma: apresentar o programa econômico como se fosse social.

Uma dificuldade para se apreciar criticamente os programas supostamente sociais do governo Lula e, em consequência, propor a legitimidade de alternativas é que são programas cuidadosamente embalados no celofane vermelho do politicamente correto, tudo proposto a seu tempo para alimentar o imaginário popular do assistencialismo. Foi assim com o Bolsa-Família que, de um programa de estímulo à escolarização, foi transformado num programa de assistencialismo estatizado. Foi assim com o ProUni, um programa de financiamento de escolas privadas de terceiro grau que aparece como democrático programa de acesso dos pobres ao ensino superior.

Será assim com esse programa habitacional, que financiará empresas do ramo de construção civil, criará empregos emergenciais e só por tabela subsidiará a habitação popular. A pergunta que se pode fazer é por que, sendo a questão habitacional grave questão social, o governo Lula não tomou essa providência logo no início do seu governo em vez de perder tempo com o inconsistente Fome Zero? Uma certa perversidade do politicamente correto atua em favor da dimensão eleitoral do programa: além do risco de clientelismo, quem, em sã consciência, recusará a possibilidade de ter uma casa, dela precisando, mesmo que não seja a casa da sua vida? A cavalo dado não se olham os dentes, mesmo que seja ele um pangaré.

*Professor titular de sociologia da Faculdade de Filosofia da USP e autor, entre outros títulos, de A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34)

Governo não investe no ritmo em que fala

Regina Alvarez Brasília
DEU EM O GLOBO

Apesar do discurso oficial de que é preciso investir mais devido à crise econômica, o governo federal teve um desempenho tímido no primeiro trimestre: de R$ 48 bilhões previstos para investimento no Orçamento de 2009, R$ 259 milhões (0,7%) foram gastos. Apenas se incluídos os restos a pagar, chega-se a R$ 3,6 bilhões (7,5%), valor semelhante ao gastos em igual período de 2008

Descompasso de cifras e palavras

Discurso de Lula pregando investimento contra a crise esbarra na baixa execução orçamentária

Aexecução orçamentária no primeiro trimestre de 2009 não reflete o discurso do governo de que aumentaria os investimentos para fazer frente à crise global e estimular o crescimento da economia. No primeiro trimestre do ano, esses gastos foram de apenas R$ 3,674 bilhões, 7,5% do total previsto para 2009 — R$ 48,8 bilhões.

A conta já considera a execução de despesas de exercícios anteriores, os chamados restos a pagar.

Se consideradas apenas as despesas do ano, a execução é de R$ 359 milhões (0,7%) da dotação total.

Os gastos nos primeiros três meses de 2009 — incluindo os restos a pagar — estão no mesmo patamar de igual período de 2008, quando não havia crise econômica e o Orçamento nem havia sido aprovado pelo Congresso, o que dificultava a execução das despesas. Entre janeiro e março do ano passado, foram gastos R$ 3,261 bilhões, 6,9% do total de despesas previstas para o ano.

A urgência em concluir as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nos prazos e a crise econômica aguda exigem uma aceleração no ritmo de execução dessas despesas, o que foi prometido para 2009, mas, até agora, não aconteceu na prática. O próprio presidente Lula fez uma cobrança enfática de celeridade e agilidade na execução das obras do PAC, em reunião com ministros, sexta-feira.

No final de janeiro, o governo fez um bloqueio preventivo de recursos do Orçamento para ter uma avaliação mais precisa do comportamento da arrecadação, mas os recursos para obras do PAC e outros setores considerados prioritários não foram retidos. Esse bloqueio é apontado pela Secretaria de Orçamento Federal, do Ministério do Planejamento, como um dos fatores que justificam o atual nível de execução dos investimentos.

“Só a partir do dia 27 de março, quando foi editado o decreto de programação orçamentária e financeira, com os limites de custeio e investimento para o ano de 2009, é que os órgãos puderam efetivamente iniciar a execução de seu orçamento de investimento”, argumentou a secretaria, por meio da assessoria. O Planejamento pondera também que, como nos anos anteriores, a execução do orçamento de investimentos se concentra mais no segundo semestre, uma vez que, no início do ano, estão sendo executados os restos a pagar do exercício anterior.

Nos Transportes, só 8,5% foram gastos

Mas o Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) mostra que mesmo as áreas não atingidas pelo bloqueio de janeiro têm execução de gastos com investimentos muito baixa no primeiro trimestre.

No Ministério dos Transportes, por exemplo, onde está a maioria das obras do PAC financiadas com recursos do Orçamento Geral da União (OGU), foram executados no período apenas R$ 904,2 milhões, 8,5% do total de recursos previstos para investimentos da pasta em 2009: R$ 10,542 bilhões. Essa conta já considera os restos a pagar, que são a maior parte e chegaram a R$ 784,8 milhões.

O Ministério dos Transportes esclareceu, por meio de sua assessoria, que seus dados indicam o que pagou até março R$ 1,071 bilhão. E que, se forem considerados os pagamentos até 7 de abril, esse montante alcança R$ 1.308,8 bilhão. O ministério alegou também que a execução nos primeiros três meses de 2009 segue uma tendência observada nos anos de 2007 e 2008, quando, devido à extensão do período de chuvas foi registrado um fluxo menor nas medições das obras: “A expectativa do Ministério dos Transportes é que tal fluxo seja recuperado já a partir de maio, com o período de estiagem”.

E acrescentou ainda que, tradicionalmente, 40% dos pagamentos do Ministério dos Transportes tendem a ocorrer no último quadrimestre de cada ano, “quando as obras alcançam um fluxo de execução mais acelerado e são superadas as circunstâncias climáticas”.

— O problema hoje não é falta de dinheiro. É de gestão. Mesmo querendo acelerar os investimentos, o governo não consegue — afirma o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.

Velloso considera que a burocracia estatal continua dificultando os investimentos, mesmo com uma disponibilidade maior de recursos, e aponta outros entraves que contribuem para a baixa execução orçamentária nesta área. Para ele, o Tribunal de Contas da União (TCU ) estaria assumindo um papel do Executivo, dado o nível de ingerência nas obras e projetos em andamento. E também um excesso de exigências do Ministério do Meio Ambiente para a liberação das obras.

— Se quiser acelerar os investimentos, o governo precisa trabalhar para simplificar esses procedimentos — afirma Velloso.

Considerado uma área chave para fazer frente à crise econômica, por ser responsável pelas obras de habitação e saneamento do governo federal, o Ministério das Cidades executou apenas 4,6% dos investimentos no primeiro trimestre de 2009.

Foram R$ 410,7 milhões, considerando as despesas do ano e os restos a pagar. O orçamento da pasta para 2009 chega a R$ 8,884 bilhões.

No caso do Ministério da Integração Nacional, que também executa obras do PAC, os gastos com investimentos foram de apenas 2,4% do total previsto para o ano, considerando gastos de 2009 e despesas de outros anos pagas no primeiro trimestre. Os gastos foram de R$ 124 milhões para um Orçamento de R$ 5,164 bilhões.

Na área social, a execução de investimentos também foi muito baixa nos primeiro três meses do ano. O Ministério da Educação gastou apenas 8,2% da dotação total. Foram R$ 412,5 milhões de um Orçamento de R$ 5,023 bilhões. No Ministério da Saúde, foram gastos 9% do total de investimentos previstos para o ano — R$ 321,3 milhões de R$ 3,571 bilhões.

O melhor desempenho na área foi do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que executou R$ 44 milhões em investimentos, 17,2 % dos gastos previstos para o ano e restos a pagar.

Uma nova ordem?

Rubens Ricupero
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Para torná-la realidade é preciso merecê-la, via consenso e equidade, que demandam muito esforço

A JULGAR pela extravagante retórica de Gordon Brown após a reunião do G20, o mesmo "ghost-writer" vem escrevendo ao longo de 20 anos todos os discursos que falam de uma nova ordem internacional. Em 1988, Gorbatchov dizia na ONU que o progresso só seria possível mediante a busca do consenso de toda a humanidade em "movimento rumo a uma nova ordem". Dois anos depois, Bush pai declarava de modo mais exorbitante que uma nova parceria de nações tinha começado e nos encontrávamos em um momento único e extraordinário. Desses tempos conturbados, "uma nova ordem mundial pode emergir na qual as nações do mundo, no leste e no oeste, no norte e no sul, poderão prosperar e viver em harmonia".

Ambos se referiam, é claro, ao fim da Guerra Fria e do permanente risco de destruição nuclear devido à hostilidade entre leste e oeste. Ainda não se previa que, pouco depois, o colapso da própria URSS e do "comunismo real" tornaria a mudança mais avassaladora.

Abria-se janela que não tinha existido desde o final da Segunda Guerra: a oportunidade de reconstruir a ordem internacional em bases de maior equilíbrio. Desperdiçou-se o momento propício; se foi por falta de imaginação ou de tempo (Bush não foi reeleito), é matéria de debate. Tenho para mim que a razão é outra. Seduzido pela ilusão do poder unipolar, o governo americano quis que ele se tornasse perpétuo, confundindo-o com a nova ordem. Afinal, a primeira Guerra do Golfo não havia demonstrado que era possível resolver os desafios mediante a afirmação da vontade dos EUA?

No episódio, a "coalizão dos decididos", liderada por Washington, tomou o lugar do consenso. A fórmula foi repetida por Clinton, com menos seguidores, na Bósnia e no Kossovo, e de forma mais unilateral na invasão do Iraque por Bush filho. A nova ordem se parecia cada vez mais com a velha desordem estabelecida. O discurso de Gorbatchov indicava qual era o primeiro elemento da nova ordem: o consenso de todos. O segundo é a equidade, isto é, certa igualdade e equilíbrio na justiça.

Sem isso, pode-se ter situações de fato, nunca verdadeira ordem. Aplicar o conceito à reunião de Londres é um despropósito. Substituir o G1, G2 ou G8 pelo G20 é alguma coisa. Pouco, porém, para fazer jus à legitimidade, que só pode vir do G192, número de membros da ONU. Será, por exemplo, que os 850 milhões de africanos negros se dão por representados apenas pela África do Sul?

Equidade foi algo só mencionado pro forma no comunicado. Tratar do tema a sério exigiria esforço muito maior. Os aspectos políticos -reforma a fundo do Conselho de Segurança, solução justa do conflito Israel-palestinos, desarmamento para valer, acordo sobre clima- dependeriam de consenso o mais amplo possível.

Chamar esse modesto começo de nova ordem é enganador. Obama, aliás, evitou o exagero da campanha e falou com sobriedade. A contundente realidade já começou a confirmar o salmo 32: o Senhor desfaz os projetos das nações. A bomba da Coreia do Norte, o silêncio do Irã, a guinada à direita de Israel e o fantasma de um novo Vietnã pairando sobre o Afeganistão-Paquistão são lembretes de como será árduo construir uma nova ordem. Uma nova ordem é só uma palavra, diria Fernando Pessoa. Para torná-la realidade é preciso merecê-la.

Rubens Ricupero, 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco).

Dilema chinês

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

A China pode ter chegado ao crescimento zero.

Tudo é uma forma de apresentar os dados. Se a China usasse a mesma fórmula que os Estados Unidos usaram para chegar aos 6% de queda do PIB no crescimento, o dado da China seria zero.

Quem alerta para isso, num relatório, é o economista Nouriel Roubini, que acaba de voltar de uma viagem à China.

A China, como o Brasil, faz a comparação do trimestre contra o trimestre anterior. No Brasil, isso deu uma queda de 3,6% do PIB no quarto trimestre de 2008.

A forma convencional, usada pelos Estados Unidos e inúmeros outros países, é anualizar o resultado dessa comparação trimestre contra trimestre. Mais ou menos assim: se o resultado se repetisse nos trimestres seguintes, qual seria o crescimento do país? A forma convencional de fazer a conta nos Estados Unidos e países desenvolvidos exibe uma devastação: -6% nos EUA, -6% na Zona do Euro, -8% na Alemanha, -12% no Japão, -16% em Cingapura e -20% na Coreia. Na China seria zero. No Brasil seria em torno de -13,6%, como registra a revista “Economist” na sua base de dados.

Claro que as economias vão se recuperar e a queda do último trimestre não vai se repetir na mesma intensidade nos trimestres seguintes.

Por isso, Roubini está prevendo um crescimento de 5% para a China.

Longe dos 8% que são a meta do governo, e mais baixo do que os 6,5% previstos pelo FMI. Roubini não é o mais pessimista do mercado.

Ele mesmo fala em economistas que estariam prevendo 4%.

Roubini esteve na China, junto com vários outros economistas, como Marty Feldstein e Joseph Stiglitz, participando do China Development Forum. Segundo seu relatório de abril houve uma falta de conexão completa entre o mantra dos chineses, de crescer 8%, os dados e até os cálculos dos economistas convidados para o fórum. Isso sem falar na diferente avaliação dos riscos da economia global.

Apesar do esforço fiscal expansionista da China, os dados do PIB, da produção industrial, de importação-exportação, de consumo e do desemprego mostram que o país entrou em forte contração com o colapso americano, e não sem motivo, já que os EUA são seu principal mercado. Alguns dos seus mercados asiáticos, como Coreia e Japão, reduziram em até 40% as compras de produtos chineses.

Um dado só mostra a diferença abissal no mercado americano antes e depois da crise: segundo a revista “Economist”, os ricos americanos perderam US$ 10 trilhões, um quarto dos seus ativos. A capacidade de consumo do país — o consumidor de última instância, como o define Roubini — está definitivamente abalada.

Outro sinal das dificuldades chinesas é o desemprego.

O economista conta que até a imprensa oficial trata como verdadeira a cifra de 20 milhões de desempregados.

Ele acha que isso indica que o problema deve ter, no mínimo, o dobro do tamanho, ou seja, 40 milhões de desempregados.

Muitos outros perderão o emprego este ano, tanto na área urbana quanto na rural.

Um milhão dos seis milhões de estudantes que terminaram a universidade em 2008 estão desempregados, e no fim deste ano outros seis milhões de graduados estarão entrando no mercado.

O pacote fiscal chinês parece grande, mas não é para as dimensões das dificuldades que eles enfrentam no país de 1,3 bilhão de habitantes.

A inflação, que havia chegado a 10% ao ano em meados de 2008, caiu drasticamente, o que pode ser visto como mais um sinal de enfraquecimento da economia, que poderia estar indo para uma deflação, uma espiral negativa. Mas antes a queda da inflação que a situação da Rússia, que teve, em março, uma inflação de 14%, após cinco meses de alta. Apesar de a economia russa estar em recessão, a forte desvalorização do rublo está elevando os preços.

A economia chinesa tem mostrado, nos últimos dias, um ou outro sinal de melhora, como o número divulgado quinta-feira, de aumento da produção de aço motivada pelo investimento em infraestrutura do pacote fiscal do governo. Mesmo assim, os números são fracos e insuficientes. A economia que mais tem chance de terminar 2009 com uma elevação do PIB é a chinesa, mas a queda do nível de crescimento do PIB, de 13% em 2007 para 9% em 2008 e para os 5% ou 6% de 2009, é impactante. Roubini fala em hard landing pegando os dados do crescimento na margem próximo de zero.

Com a queda do consumo americano, e a redução drástica das importações de produtos chineses por outros mercados, o país está apostando num crescimento puxado pelo mercado interno. O problema é que a falta de um sistema de aposentadoria que dê segurança aos chineses, a estrutura demográfica de famílias de um filho e população em rápido envelhecimento, a inexistência de sistemas de rede de proteção social eficiente, e até valores culturais confucianos, levam o país a ter mais propensão à poupança que ao consumo.

Roubini disse que nessa viagem notou pela primeira vez as autoridades preocupadas com os limites ambientais ao desenvolvimento e com a poluição do ar e da água, e mostrando que estão dispostos a fazer algo a respeito. Essa crise, por pior que seja, vai passar, mas os constrangimentos ambientais continuarão. A China, quando voltar a crescer, terá de crescer da forma diferente do vale-tudo que foi a sua escolha nos últimos anos. A poluição está provocando desde uma onda de doenças pulmonares a doenças da água poluída e até a contaminação dos peixes e frutos do mar de exportação. Além disso, Nouriel Roubini diz: “A crescente classe média quer qualidade e não só quantidade de crescimento.”

Com Leonardo Zanelli