quarta-feira, 22 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“Falar de um reformismo do PCI é paradoxal só na aparência. É indiscutível que, no plano teórico, a “via italiana para o socialismo” delineada por Togliatti depois de sua volta à Itália inscreve-se no horizonte clássico do reformismo: a concepção do socialismo como processo de transformação das instituições econômicas, políticas e sociais, no contexto de de uma república democrática.”

(Giuseppe Vacca, Presidente da Fundação Instituto Gramsci, Roma, no livro “Por um novo reformismo” pág. 53 – Fundação Astrojildo Pereira/ Contraponto Editorial, 2009.)

PPS: Agenda em Minas

Baptista Chagas de Almeida
Em dia com a política
DEU NO ESTADO DE MINAS

A Executiva Nacional do PPS se reúne em Belo Horizonte na semana que vem. Um dos principais assuntos será a disputa de 2010. O partido já sinalizou que vai estar juntos com os tucanos na sucessão de Lula. O presidente da legenda, o ex-deputado Roberto Freire (PE), chegou a anunciar a realização de prévias internas para escolher o preferido entre os filiados da legenda: os governadores Aécio Neves e José Serra, mas acabou adiando o projeto. Durante sua estada na capital mineira, Freire, que não disfarça sua preferência por Serra, deve se encontrar com Aécio.

Cerimônia de Tiradentes vira palanque para Aécio

Eduardo Kattah, Ouro Preto
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Discursos destacam possível candidatura do tucano em 2010

Numa solenidade em que os manifestantes foram mantidos distantes da Praça Tiradentes, a Celebração da Inconfidência Mineira, ontem, em Ouro Preto (MG), serviu de plataforma para a pré-candidatura presidencial do governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB). Sindicalistas, estudantes e representantes de movimentos sociais que programaram um ato público contra Aécio não tiveram acesso ao local do evento.

Na praça, porém, não faltaram faixas e manifestações de apoio ao governador, que confirmou que pretende deixar o cargo no início do ano que vem para disputar a eleição. O mineiro disputa dentro do PSDB a vaga de presidenciável com o governador paulista, José Serra.

Na solenidade, marcada pela comemoração do Ano da França no Brasil, não faltaram menções e manifestações de apoio ao seu projeto presidencial. Anfitrião, o prefeito de Ouro Preto, Ângelo Oswaldo (PMDB), foi enfático em seu discurso, afirmando que o nome do governador mineiro é o que oferece ao País a certeza de "novas perspectivas". "Minas desarma as hegemonias conflituosas, restaura, mostra e sustenta a harmonia. Os mineiros hão de acompanhar vossa excelência ao Planalto", disse.

Devidamente "credenciados" por uma fita azul no pulso, militantes do PSDB tiveram acesso à cerimônia e levaram bandeiras e faixas de apoio ao governador. "Surge o clamor - Aécio presidente", dizia uma delas. Na mesma linha, uma faixa da Força Sindical: "Deu certo em Minas, vai dar certo para o Brasil - Aécio presidente".

A pequena plateia na praça - na maior parte tomada pela estrutura do evento e cercada por um forte aparato policial - também era composta por uma claque do PMDB Jovem, vestida com camisas de apoio ao ministro das Comunicações, Hélio Costa, pré-candidato do partido ao governo estadual.

Num comboio de 21 ônibus que saiu de Belo Horizonte, sindicalistas e representantes de entidades sociais tiveram dificuldades para chegar a Ouro Preto. O recém-criado Fórum Sindical Social havia programado um ato público contra a administração Aécio. Os sindicalistas acusaram a Polícia Militar de promover barreiras e vistorias sistemáticas nos 95 quilômetros que separam a capital de Ouro Preto, com o objetivo de atrasar a chegada dos manifestantes. Cerca de mil pessoas promoveram o protesto nas imediações da Praça Tiradentes, sem acesso à solenidade.

"Liberdade, igualdade e fraternidade ficou só no discurso", reclamou Tiago Santana Cassiano, do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações (Sintel) de Minas.

A assessoria do governo alegou que o rigor na segurança do evento foi uma exigência por conta da presença do corpo diplomático francês.

DESPEDIDA

Ao discursar, Aécio defendeu um projeto nacional inspirado em Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, que permita o Brasil superar a crise econômica internacional. Ele reiterou a cobranças por reformas e aproveitou para despedir-se. "Ao presidir, pela última vez, esta celebração em que reverenciamos os valores herdados dos nossos antepassados, o faço com a mesma emoção e o mesmo sentimento com que compartilhei com os mineiros, pela primeira vez, a liturgia desta cerimônia."

Aécio terá de deixar o cargo em abril de 2010 para disputar a próxima eleição, seja como presidenciável ou como candidato ao Senado.

Falando da ilha

Newton Carlos
Jornalista
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


O que está acontecendo com Cuba? Falou-se muito da saúde precária de Fidel Castro e das incertezas que recaíam nas costas de Raúl Castro. Mas, nesse terreno, as especulações se esmaecem. Raúl parece de pé, sob a guarda sobretudo do estamento militar, criação sua. O Partido Comunista, que faria dupla com as forças armadas como as duas únicas instituições que funcionam em Cuba, seria hoje um ninho de folhas secas onde se abrigam burocratas agarrados a privilégios. Diz-se que os dois expurgados de cargos na direção do país, o ex-czar da economia e o apelidado de Talibã cubano, em razão de seu radicalismo, fizeram autocríticas, procurando permanecer no partido, com a caixa de doçuras ao alcance.

Uma da versões é a de que não se comportaram como bons militantes, falando com empresários estrangeiros em telefones grampeados. Há outra história, bem mais emocionante. Em artigo na Newsweek, dos Estados Unidos, o ex-ministro do Exterior do México, Jorge Castañeda, sugere que os dois conspiravam contra Raúl em parceria com Hugo Chávez, da Venezuela. Temiam, ou temem, segundo Castañeda, que Raúl não controle “o fluxo dos acontecimentos” depois da morte do irmão Fidel. O próprio autor do artigo, diante da enxurrada de reações em contrário, tratou de minimizá-lo, dizendo que não era possível confirmar “substancialmente” seu conteúdo.

Causou estranheza, no entanto, o empenho de Chávez em desmenti-lo pessoalmente. Afloram críticas internas. O Juventude Rebelde, jornal da juventude comunista, foi duro em ataques à abertura na agricultura, pedra de toque das tão faladas “reformas estruturais” de Raúl.

Os que visitam Cuba se impressionam com a qualidade do sistema educacional em contraste com a insuficiência de oportunidades profissionais em sintonia com os graus de formações.

Engenheiros trabalhando como motoristas de táxis, médicos em portarias de hoteis etc. Isso teria consequências políticas? O pragmatismo do governo Obama, em relação a Cuba e em associação com a maioria democrata no Congresso americano, tem um item pouco ressaltado, mas no mínimo curioso. Está em tramitação parlamentar medida suspendendo todas as restrições de viagens a Cuba. O que significará, se aprovada, abrir aos americanos um paraíso turístico a preços baixíssimos. A previsão é de enchente e a ideia, arquitetada no Departamento de Estado, é a de que um grande fluxo de visitantes fortalecerá o assédio ao regime cubano.

Antes é preciso ultrapassar o estágio da total reinserção de Cuba nas Américas.

O presidente da Costa Rica, Oscar Árias, anunciou o “pleno” restabelecimento da relações com Cuba dizendo que se trata de um país latino-americano “muito mais próximo do que a China culturalmente e geograficamente”. A decisão de Árias, que pouco antes reconhecera o regime comunista chinês, tem grande importância simbólica. Costa Rica foi base de operações de inteligência e diplomáticas dos Estados Unidos na guerra dos anos 1980 contra os sandinistas da Nicarágua. O embaixador americano em San José falava tanto da necessidade de “extirpar o câncer do comunismo” que acabou sendo apelidado de “el oncólogo”.

Costa Rica também foi peça fundamental na operação de desmonte do Grupo de Contadora, constituído de países ao sul do Rio Grande que se reuniam na ilha panamenha do mesmo nome com a disposição de buscar soluções latino-americanas para problemas latino-americanos.

Prioridade para a guerra contra os sandinistas, com Costa Rica criando bloqueios que serviam a interesses americanos. Mas não se desfez o espírito de Contadora, pano de fundo de várias instâncias unicamente latino-americanas, como a União dos países da América do Sul e o Grupo do Rio, no qual Cuba foi admitida. A “reinserção” não se limita à América Latina. Esteve em Havana o comissário europeu para o desenvolvimento e ajuda humanitária, Louis Michel. Ficou decidido que será restabelecido em setembro o diálogo “pleno” entre Cuba e União Europeia.

Certezas Presidenciais

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


“Desde quando começaram a sair na mídia especulações sobre o interesse de Serra em tê-lo na chapa como vice, Aécio diz que não pretende o papel. Nada do que fez até agora e nada do que faz aponta nessa direção.”

Consta que o presidente Lula tem hoje três certezas. Uma, que a crise econômica internacional, no fim das contas, vai afetar pouco o Brasil. Duas, que a ministra Dilma vai ganhar a eleição em 2010. Três, que Aécio vai ser o candidato a vice na chapa de Serra.

Se ele fosse apenas um ator político, essas opiniões teriam o mesmo valor das de qualquer outro. Ou seja, muito pouco, enquanto avaliações isentas e objetivas. Não se espera que políticos e, especialmente, dirigentes partidários, falem como bons analistas, mesmo quando o são. Quando se manifestam, fazem sempre política, dizendo as coisas que mais lhes parecem convenientes, as que mais os aproximam de suas metas.

Como Lula, além de dirigente de um partido, é nosso presidente, suas palavras costumam ser ouvidas com mais consideração. Agora, então, que está na crista da onda, depois que virou o “cara” do Obama, há quem o ouça com o respeito devido a um oráculo. Tudo que fala parece, a essas pessoas, a emanação de uma verdade quase transcendental.

Mas, quanto será que valem as certezas presidenciais?

A primeira tem, a esta altura, o mesmo valor que tinha frase idêntica dita há nove meses. Foi quando a crise assustava o mundo, lá em setembro do ano passado, que Lula criou a tese da marolinha.

Devem ser os mesmos auxiliares que agora dizem ao presidente que a crise está passando, que o pior já aconteceu e que, daqui para frente, tudo só vai melhorar. Quem achava que o Brasil estaria protegido dela, por que estaria preocupado agora?

Lula criou para si o papel de voz do otimismo, no qual se sente muito à vontade. Como tem custo quase zero (pois ninguém vai se aborrecer com ele por isso), é natural que insista na sua visão rósea do futuro, sem se constranger com nenhum dado de realidade. Para ele, não há problema algum em dizer que estaremos crescendo a pleno vapor ano que vem.

A segunda certeza do presidente é idêntica à que todo político tem quando vai disputar uma eleição. Por incrível que pareça a uma pessoa que não vive o dia a dia da política, não há um só que não pense que vai ganhar. Todos estão convencidos disso, dos mais bem colocados aos últimos nas pesquisas, às vezes sem sequer excluir microcandidatos inteiramente irrelevantes.

Se não pensassem assim, por que razão concorreriam? É verdade que existem candidaturas “de atitude”, lançadas para defender teses e marcar posições. No fundo, no fundo, porém, até essas fantasiam com a hipótese de vencer.

No Brasil, um dos maiores responsáveis por essa mitologia foi Fernando Collor. Até hoje se ouve, no meio político, o argumento de que “se o Collor ganhou, começando com 3% nas pesquisas, por que eu não posso ganhar?”.

Lula está convencido que Dilma vai ganhar por não ter alternativa a essa convicção. Nela, nada há de avaliação realista das chances eleitorais de sua candidata e nem teria que haver, pois não é isso que se espera dele. Tem algum valor, portanto, essa segunda certeza do presidente?
A terceira presume que Lula conhece tão bem o PSDB quanto o PT e os outros partidos com os quais convive. Pressupõe, ainda, que é capaz de saber o que pensa Aécio no íntimo.

Desde quando começaram a sair na mídia especulações sobre o interesse de Serra em tê-lo na chapa como vice, Aécio diz que não pretende o papel. Nada do que fez até agora e nada do que faz aponta nessa direção. Ao contrário, tudo indica que não é isso que ele quer.

Das três certezas, a primeira é pro forma, a segunda apenas expressa um desejo e a terceira parece errada.

Déficit democrático

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

A democracia brasileira está funcionando muito mal. Prova disso é a estranha decisão do Judiciário de que o não eleito seja empossado nos governos dos estados. Para se ter uma ideia do grau de esquisitice, é como se, no impeachment do Collor, o vice Itamar Franco tivesse sido afastado também, e Lula fosse empossado. Nos casos de vacância, há caminhos constitucionais que não a posse do derrotado.

Dois governadores perderam o cargo, outros seis aguardam julgamento. Ao fim, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) podem criar a grotesca situação de ter oito derrotados assumindo os cargos para os quais não foram eleitos. A interpretação da Justiça eleitoral é a subversão do princípio da linha sucessória, e um golpe na vontade do eleitor.

Mesmo sem considerar os méritos do caso maranhense, mesmo sem levar em conta a declaração do governador deposto Jackson Lago de que é estranho “no Maranhão falar em abuso de poder contra os Sarney”, ainda assim, a posse da governadora Roseana Sarney é uma decisão espantosa. O entendimento torto está virando jurisprudência, porque houve anteriormente o caso da Paraíba.

Imagine que a Justiça considere que houve abuso de poder nas muitas vezes em que o presidente Lula misturou o cargo de presidente com a campanha para reeleição em 2006. Se ele fosse afastado, o que aconteceria? O vice tomaria posse. Mas imagine que a Justiça considere que o vice foi beneficiado pelo mesmo processo que elegeu o titular.

Quem assumiria? O derrotado Geraldo Alckmin? Se a Justiça fizesse isso, seria um desrespeito à vontade popular que se manifestou majoritariamente em favor da reeleição. O que aconteceria seria a posse do presidente da Câmara, e, no impedimento deste, o presidente do Senado, e, na falta deste, o presidente do Supremo. É a linha sucessória normal. Gostese ou não dos atuais ocupantes dos cargos.

Nos estados não pode ser diferente: é governador, vice, presidente da Assembleia, presidente do Tribunal de Justiça. Outro caminho poderia ser a convocação de novas eleições. Mas a posse do derrotado, jamais! A presunção da Justiça Eleitoral para tomar a decisão é que a irregularidade permitiu um número tal de votos a mais para o infrator e que isso o levou à vitória.

Ora, a Justiça não tem como presumir qual percentual de votos decorre de uma irregularidade. Portanto, se a eleição está viciada, sigase a linha sucessória.

No escândalo das passagens, o que espanta mais é o fato de os deputados sequer entenderem o que a população está condenando. Essa falta de coincidência de valores éticos entre representados e representantes é uma fratura exposta. Não basta, senhores parlamentares, cortar em 20% a “cota” de passagem, mas sim entender que o direito de ter a passagem paga pelo contribuinte se esgota em uma única situação: o titular do mandato viajar entre seu reduto eleitoral e Brasília, ou viajar a trabalho pelo Brasil ou para o exterior. A “cota” não pode ser usada para férias ou viagens de lazer, nem mesmo pelo titular. Não é milhagem, é prerrogativa de representação a ser exercida unicamente por quem recebeu votos para isso.

Já que os deputados e senadores estão com uma certa dificuldade de entender o óbvio, vamos fazer uma explicação tatibitate: imagine, caro parlamentar, que qualquer funcionário de empresa privada queira viajar com a passagem paga pela empresa. Em que situação ele pode fazer isso?

Se for viagem a trabalho. Ele, sozinho, pegará o avião e mandará para a empresa apenas as despesas relacionadas diretamente à missão profissional. Se fizer diferente, será chamado a se explicar à contabilidade. Se essa pessoa quiser viajar com cônjuge e filhos para a Disneylândia, terá que comprar sua própria passagem, arcar com seus próprios custos.

A regra é, portanto, simples: o empregador ou o contribuinte não têm qualquer obrigação de estender aos familiares de empregados e parlamentares a cobertura de custos de viagens. Se, por acaso, a empresa decidir que para alguns dos seus executivos ou funcionários ela paga, inclusive, viagens de férias da família toda, isso entraria na categoria de salário indireto, e o contribuinte pagaria imposto sobre isso.

Experimentem perguntar à Receita. Se os representantes do povo imaginam o contrário, é porque estão incorrendo naquele velho vício da elite brasileira: o patrimonialismo, considerar como sua propriedade os bens da sociedade.

O Brasil tem convivido com espantosos descuidos com o dinheiro público, com os direitos dos cidadãos, com a separação entre público e privado. Não é assim que se constrói uma República. Certos fatos são desanimadores. O presidente Lula, na semana passada, disse: “Ninguém aqui é freira e santa. Não estamos num convento.” A frase é um passaporte para a aceitação das irregularidades das autoridades como fato da vida. Mas não causou reação especial. Lula disse isso numa reunião dos três poderes da República, cujos líderes deveriam ter a obrigação de jamais aceitar a ambiguidade nas questões de conduta.

Democracia não nasce pronta. Está sempre em evolução. Certas notícias mostram que o Brasil anda escolhendo o retrocesso.

Éticas em conflito

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

O que mais impressiona nesta já longa e penosa discussão sobre os gastos do Congresso é ver que os senhores parlamentares só avançam em suas decisões sob pressão da opinião pública. Na semana passada, diante dos escândalos seguidamente denunciados, as Mesas da Câmara e do Senado se reuniram para definir regras da utilização das passagens, e fizeram apenas oficializar o que já era de uso corrente, como se dando transparência a critérios absurdos eles ganhassem um sentido aceitável pela sociedade.

A tentativa de conter o sangramento não deu certo, e dias depois foi preciso que se anunciassem novas medidas, que estão para sair. Fica a sensação de que os parlamentares vão testando a que ponto a opinião pública aceita que seus privilégios alcancem, tentando manter alguns deles a todo custo.

É o caso das passagens para terceiras pessoas que não sejam parentes. Um senador com quem conversei, e dos mais sérios, atribuía à “prerrogativa do mandato” o direito de oferecer uma passagem a uma pessoa para vir depor em uma CPI, ou participar de uma audiência pública no Congresso.

Ou mesmo mandar um assessor viajar para acompanhar de perto algum fato, ou para participar de uma atividade qualquer, um seminário, por exemplo.

Tendo a concordar, mas creio que seria mais correto que o deputado ou senador, em vez de ter uma cota pessoal para usar, fizesse uma requisição formal de passagem à direção da Câmara ou do Senado, justificando toda vez que precisasse de uma para seu trabalho parlamentar.

Uma questão central aqui é a tal “cota pessoal” de qualquer coisa, sejam passagens, selos ou telefone.

Ela se transformou em um complemento salarial, uma compensação pelo salário inadequado.

E as soluções mais criativas vão surgindo, como a tal verba indenizatória de R$ 15 mil que pode ser usada em determinadas circunstâncias sem pagamento de Imposto de Renda.

Claro que a utilização indiscriminada e atemporal dos créditos de passagens aéreas também foi uma maneira que algum burocrata imaginativo descobriu para agradar aos senhores parlamentares, e assim, o que seria um instrumento de trabalho passou a ser um privilégio que afasta o parlamentar de seu representado, em vez de aproximá-lo.

Deveria haver um teto para cada item desses, acima do qual o parlamentar teria que arcar com a despesa.

Mas a “cota pessoal” não deveria se acumular indefinidamente, com a possibilidade de o deputado ou senador convertê-la em dinheiro ou outras benfeitorias quando assim o desejasse.

Tenho a impressão de que a cota de cada um deveria se encerrar a cada mês, e o que não fosse usado voltaria para os cofres públicos.

Admito, porém, que pode ficar muito custoso fazer esse balanço mensal, e aceitaria que ele fosse feito de seis em seis meses, ou mesmo anualmente, no caso das passagens, mas não no caso do telefone.

Mas o espírito deveria ser um só: o uso a trabalho, nunca como um complemento salarial que dá ao parlamentar o direito de usá-lo como bem lhe convier.

Não é possível aceitar que o critério seja individual, pois existem deputados, como o ministro Geddel Vieira Lima, que acha que não dá para alguém definir o que é ético e o que não é ético.

É verdade que a ética da política se diferencia da ética na vida pessoal, como na famosa distinção de Max Weber, que chamou de “ética da convicção” a da vida pessoal, baseada nos princípios morais que prevalecem em determinado tempo em cada sociedade, e a “ética da responsabilidade”, que é a dos políticos, que teria um campo mais amplo e flexível de ação.

Seria essa “ética da responsabilidade” que permitiria, por exemplo, a um político assumir compromissos para conquistar a maioria parlamentar e poder, assim, atingir o “bem público”.

Essa ética particular, em muitas ocasiões, é usada como desculpa para transgressões, e há as em que o preço pago para atingir o “bem público” invalida os eventuais benefícios que poderiam ser alcançados.

Mas, quando se fala de dinheiro público com passagens ou telefone celular, não está em jogo a “ética da responsabilidade”, mas a ética do senso comum, a da vida pessoal de qualquer cidadão.

Não há como explicar viagens ao exterior, ou passagens dadas a amigos e parentes, dentro da atuação política normal.

O grave nessa história toda é que estamos sem Legislativo na prática, porque as duas Casas estão paralisadas desde a eleição das novas presidências, no começo do ano, por denúncias aos borbotões, e, em consequência, os políticos perderam totalmente a credibilidade diante da opinião pública.

Os poderes Executivo e Judiciário estão à frente dos acontecimentos políticos, ditando os rumos de acordo com suas agendas próprias, enquanto o Legislativo vai a reboque, incapacitado na sua ação.

Paradoxalmente, essa incapacitação surgiu no momento em que parecia que os políticos ganhavam relevância na disputa de poder, especialmente o PMDB que, dominante nas duas Casas, surgia como o grande polo de poder político.

Mesmo altamente popular, o presidente Lula parecia refém do PMDB, até que as disputas internas dentro do partido, e, sobretudo, a disputa entre PT e PMDB pela hegemonia na coalizão governista, colocou para a luz do dia todas as mazelas do Congresso.

Assim como, anteriormente, a disputa do PTB com o principal núcleo político do governo revelou ao país o mensalão. São consequências do uso desabusado de uma visão distorcida da “ética da responsabilidade”, em detrimento da “ética da convicção”.

Da ignorância parlamentar

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Presidente da Câmara, relacionado entre os juristas do Parlamento, Michel Temer (PMDB-SP) confessou, esta semana, pasmem, no dia seguinte àquele em que havia condenado a prática, ter usado recursos públicos destinados ao seu mandato em benefício da família a quem distribuiu passagens aéreas. Presidente do Senado, ex-presidente da República, assessorado por equipes jurídicas há anos, o senador José Sarney (PMDB-AP) não só admitiu como tentou justificar a utilização de verbas e funcionários públicos para atender suas demandas privadas. Estas ocorrências, em tão elevados escalões, mostram como o equívoco está impregnado em todo o Congresso.

Parlamentar jamais citado em escândalos, o líder do PPS, deputado Fernando Coruja (SC), tentou manifestar-se sobre a falta de critérios na utilização de passagens aéreas pagas com dinheiro do orçamento da Câmara com uma justificativa torta: "Ninguém mais sabe qual é o nosso limite ético. Não sabemos, por exemplo, se podemos ou não dar uma passagem para um doente vir se tratar em Brasília". Sabemos, sim, deputado. Os parlamentares não podem dar passagens para doentes ou para sadios viajarem seja para onde for, a não ser, obviamente, que o dinheiro empregado na doação venha do seu próprio bolso.

Excepcional, como sempre, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), exemplo de equilíbrio e bom senso no Congresso, revelou ter dado passagens aéreas para amigos, por equívoco seu mesmo.

Penitenciou-se por não haver percebido e questionado os critérios de concessão de passagens.

Informou que vai abrir os seus dados e enfrentar a situação.

Saudado tal qual um Caramuru dos tempos modernos, surgido para a glória há nove meses, o delegado Protógenes Queiroz, afastado da Polícia Federal por abuso de poder e extrapolação de funções, teve, tem e terá, conforme prometeu sua fornecedora, passagens para viagens patrocinadas pela deputada Luciana Genro, do PSOL, com dinheiro do contribuinte. Ela confirmou a doação para o delegado, e considerou-a "legítima": "O delegado usou, usará, e considero um dos usos mais justos e legítimos da minha cota de passagem porque foi na luta contra a corrupção. É a mesma bandeira do P-SOL e do delegado Protógenes". Ainda que Protógenes não estivesse declaradamente em campanha para se tornar conhecido e disputar eleições, na esteira da operação policial Satiagraha, a deputada estaria coberta de equívocos. Este não é um uso legítimo do privilégio atribuído ao exercício do seu mandato.

Notabilizado por pertencer à tropa de choque do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o suplente de senador Wellington Salgado (PSDB-MG), no exercício do cargo, propaga que passou a usar dois celulares, sendo o do Senado coberto por uma capa com o desenho de uma caveira. Disse que não pode utilizar o telefone da instituição, pago com dinheiro do contribuinte, "para nada, tudo vira escândalo". Presepada à parte, se o senador utilizar o telefone do trabalho para trabalhar, não vira.

A farra de distribuição de verbas públicas por intermédio de passagens aéreas para amigos, namoradas, família em geral, conhecidos em particular, o uso abusivo das verbas para postagem, impressos, auxílio-moradia e outros privilégios, têm o aspecto, o cheiro e a cor da transgressão. O que surpreende é a ignorância dos detentores de mandatos a respeito da atividade para cuja desempenho foram eleitos. Os exemplos se multiplicam, em quantidade e qualidade, e o parlamentar fica indignado com a indignação da sociedade.

Razão não há. As atribuições do Congresso Nacional estão bem definidas na Constituição em vigor. Devem deputados e senadores dispor sobre todas as matérias de competência da União, tais como, num exemplo de tarefa que daria muito trabalho, dispêndio de energia, de recursos e de talento, legislar sobre o sistema tributário, o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual, as operações de crédito, a dívida pública. Cabe ao Congresso dispor sobre planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento. Ainda, sobre organização administrativa, judiciária, do Ministério Público; de matéria financeira, cambial e monetária.

É da competência exclusiva do Congresso julgar, anualmente, as contas do Executivo e apreciar relatórios sobre a execução dos planos de governo; fiscalizar e controlar os atos do poder Executivo, inclusive os da administração indireta; zelar pela sua competência legislativa diante da atribuição normativa de outros poderes; sustar atos do poder Executivo que exorbitem dos limites da delegação legislativa; autorizar o Presidente da República a declarar guerra.

São dezenas de outras competências e atribuições, igualmente importantes. Na Carta Magna, só não vê quem não quer, fica claro que o mandato parlamentar destina-se a representar o cidadão, fazer leis, elaborar o orçamento e fiscalizar o Executivo. O Orçamento da União, a lei mais importante que o Congresso deve editar anualmente, que contém as formas pelas quais o poder público vai devolver ao cidadão a contribuição que dele tomou para executar seu projeto de país, é votado no último segundo do prazo, e às vezes até extrapola os limites do ano, sem que a maioria saiba exatamente o que está ali disposto. Por mais que o Parlamento tenha ampliado suas atividades, a essência é esta. Parlamentares expõem-se ao vexame de fazer um orçamento fantasioso, sem nunca verificarem as obras que nele incluíram, muitas vezes por insistência de lobistas. Um orçamento que não é executado e que o submete à humilhação de mendigar verbas na porta de repartições públicas. Sua tarefa fundamental não lhe merece a atenção.

O mandato parlamentar envolve riscos, seja aqui, na Inglaterra ou nos Estados Unidos. O Parlamento protagoniza escândalos, também no mundo inteiro. Mas o que parece faltar ao nosso é a compreensão básica de que o mandato não é para escrever e publicar livros, oferecer passagens, organizar homenagens, distribuir privilégios.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Excelências sem fronteiras

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não há boa vontade ou espírito de tolerância democrática que considere aceitável a nota oficial do presidente da Câmara, Michel Temer, confessando malfeitorias, admitindo mentiras, reconhecendo que os parlamentares brasileiros não têm noção de limite nem conseguem distinguir entre o certo e o errado.

Tampouco é possível crer que possa haver reforma administrativa ou política que resolva o problema se o agente público - do servidor mais humilde ao presidente da República, passando pelo juiz, o deputado, o senador - não mudar seu modo de agir e de pensar.

A crise vai muito além do Poder Legislativo e suas condutas erráticas, quando não criminosas. A crise é moral, de valores, de ausência de espírito público, de dissolução de princípios, de descaramento absoluto.

Doze dias depois de atribuir as agruras do Congresso a uma campanha da imprensa e defender o repúdio às denúncias em defesa da democracia, Michel Temer assinou o seguinte texto: "Em razão da ampla utilização de passagens aéreas nos gabinetes parlamentares, o presidente da Câmara reconhece que deputados, inclusive ele próprio, destinaram parte dessa cota a familiares e terceiros não envolvidos diretamente com a atividade do Parlamento. Tudo porque o crédito era do parlamentar, inexistindo regras claras definindo os limites de sua utilização. Por outro lado, surgem às vezes equívocos na utilização da verba indenizatória, na de postagem, na de impressos e no auxílio-moradia.

Daí porque o presidente da Câmara dos Deputados determinou estudos para a readequação e reestruturação geral e definitiva de todos os pagamentos feitos pela Casa. As diretrizes dessa readequação serão a transparência absoluta (já definida nas verbas indenizatórias), a redução dos gastos e a sua publicidade para que todos a elas tenham acesso. Marcos legais claros e definitivos serão colocados à disposição dos parlamentares e de todos os interessados ainda nos próximos dias".

Dizendo de maneira clara: as denúncias tinham fundamento, os parlamentares entendem que se o erro não é proibido é permitido, há abusos no uso de outros benefícios, a direção da Câmara mentiu quando anunciou medidas moralizadoras, não há regra de transparência, a Casa é, pois, uma caixa-preta.

Presidida por um professor de Direito Constitucional que já foi secretário de Segurança Pública de São Paulo, pretendeu por diversas vezes ser ministro da Justiça, considera-se preparado para pleitear a Vice-Presidência da República, mas não sabe que as passagens aéreas pagas com o dinheiro público não são bem de uso privativo do parlamentar, destinam-se ao exercício do mandato que, delegado pelo cidadão nas urnas, não é extensivo à família nem aos amigos.

Da mesma forma o Senado. É presidido por um ex-presidente da República, por duas vezes ex-presidente do Senado, ex-governador, 50 anos de vida pública e a condução da transição democrática nas costas, mas acha normal usar agentes de segurança do Senado (pagos com o dinheiro público tal e qual os funcionários domésticos contratados com verbas da Câmara por deputados) para vigiar suas propriedades no Maranhão.

O antecessor e atual parceiro, Renan Calheiros, também achava natural ter despesas pessoais pagas por um lobista e apresentar notas fiscais frias como documentação de defesa no Senado. Concepção compartilhada pelos "nobres colegas" que o absolveram na acusação de quebra de decoro parlamentar.

Visão esta, disseminada pela Esplanada dos Três Poderes afora. Alcança o presidente da República, que, entre outros maus costumes, joga papel no chão, fuma no gabinete a despeito da proibição legal porque considera o espaço como "seu", zomba dos outros e acha a contabilidade paralela em campanhas eleitorais uma prática tão aceitável que não se constrange em usá-la como argumento de defesa de seu partido.

E o que dizer de ministros do Tribunal de Contas da União que moram indevidamente em imóveis funcionais do Congresso? Falar o que de funcionários que se aproveitam de qualquer oportunidade para patrocinar, emprestar seus serviços para oficializar e também usufruir dos abusos?

E dos ministros que se licenciam do Parlamento e levam junto a cota de passagens achando tudo muito ético porque supostamente não há veto na lei? Só supostamente, porque o Ministério Público vem reiterando que há, sim, ilegalidade.

Alertou inclusive à Câmara recentemente. Na semana passada mais precisamente. Aconselhou o corte de passagens para os Estados de origem a deputados e senadores residentes em Brasília, no Distrito Federal, seu Estado de origem. Fez mais duas ou três sugestões, solenemente ignoradas por um colegiado de dirigentes que preferiu desafiar a tudo e a todos com a oficialização das viagens financiadas pelo Legislativo.

Como solução, o presidente da Câmara determina a realização de "estudos" para "readequação" de procedimentos, numa demonstração de que a desfaçatez não tem fronteiras.

Ei vocês, gênios da economia, o que houve?

Peter Coy, BusinessWeek
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A maioria dos economistas fracassou em prever a pior crise econômica desde a década de 30. Agora eles não conseguem se entender sobre as formas de resolvê-la. As pessoas estão começando a se perguntar: para que mesmo servem os economistas? Um analista escreveu recentemente num blog sobre habitação que os economistas se saíram pior na previsão do mercado habitacional do que seu pai, que nem tem educação formal, ou que sua mãe, que só terminou o colegial. "Se você é um economista e não viu isso se aproximando, você deveria reconsiderar seriamente o valor da sua formação e talvez devesse fazer algo que tenha um valor palpável para a sociedade, como colher vegetais", escreveu no patrick.net.

Bem feito, seus espertalhões fracassados! Andem, pulem de uma curva de oferta!

Para ser justo, não se pode esperar que os economistas prevejam o futuro com algum tipo de exatidão. O mundo é simplesmente complicado demais para tanto. Coletivamente, porém, eles deveriam ter condições de alertar sobre os perigos adiante. Além disso, quando o desastre ocorre, eles deveriam saber o que fazer. Na verdade, as pessoas prestam atenção aos economistas em tempos como estes em função da sua temerária alegação de que sabem como impedir que a economia passe por uma repetição da Grande Depressão. Sete décadas após a depressão, porém, economistas ainda não chegaram a um entendimento sobre suas lições. O debate só aumentou nas semanas recentes.

Para combater a retração econômica, o presidente do Federal Reserve (o Fed, banco central dos EUA), Ben Bernanke, o secretário do Tesouro, Timothy F. Geithner, e o diretor do Conselho Econômico Nacional dos EUA, Lawrence Summers, estão tentando fazer uma combinação inédita, de estímulo fiscal maciço com política monetária excessiva. Se ela produzir uma recuperação sustentada - e há alguns sinais iniciais de esperança - eles serão considerados heróis. Por ora, no entanto, é perturbador que eles tenham sido obrigados a recorrer a medidas políticas que, na sua escala e abrangência, estão completamente fora daquilo que o ofício da economia tem estudado ou até contemplado nos anos recentes.

A crítica aos economistas, só um pouco exagerada, é que eles são demasiado seguros de si, pouco realistas e políticos. Eles reivindicam uma precisão que nem sua matéria-prima nem sua habilidade justificam. Muitos pressupõem que as pessoas se comportam como o mítico homo economicus, que é hiperracional e onisciente. Além disso, eles sempre tomam um lado em discussões que congelam o processo de pesquisa. Os poucos que desafiam a crença generalizada são ignorados.

Os críticos são mordazes. Nassim Nicholas Taleb, estudioso de eventos raros que escreveu "Fooled by Randomness" ("Iludido pelo Acaso", Ed. Record) e "The Black Swan" ("A Lógica do Cisne Negro", Ed. Best Seller), diz: "Precisamos construir uma sociedade que não dependa de projeções feitas por economistas mentecaptos". Paul Wilmott, especialista em finanças quantitativas, diz: "Os modelos dos economistas são simplesmente terríveis. Eles se esquecem completamente de como o elemento humano é importante".

Diante de críticas tão contundentes, é tentador ignorar a profissão como um todo. Isso, porém, não resolverá. Em primeiro lugar, sair dessa confusão e assegurar que não aconteça de novo exigirá o melhor esforço de pensamento de toda uma geração. Macroeconomistas - aqueles que se especializam em ciclos econômicos e desenvolvimento - fizeram importantes contribuições. Por exemplo, pesquisas realizadas nos anos 70 ajudaram muitos países a eliminar a inflação crônica, ao destacarem a importância de ter um banco central forte e independente.

Mesmo agora, avanços estão sendo feitos. Estudiosos de todas as disciplinas estão se atualizando tardiamente com as finanças modernas. Considerando-se o fato de que são treinados para imaginar os mercados financeiros como eficientes, a maioria dos economistas não foi preparada para identificar os perigos representados por empréstimos habitacionais negligentes, instituições financeiras superalavancadas e derivativos impenetravelmente complexos. "O momento está perfeitamente maduro para o surgimento de novas ideias, assim como aconteceu nas décadas de 30 e de 70", diz Roger E.A. Farmer, da Universidade da Califórnia em Los Angeles.

Além disso, mesmo se suspeitarmos do valor dos economistas, é impossível ignorá-los. Qualquer ideia que possamos ter sobre formas de lidar com essa crise está baseada em alguma suposição sobre a forma como o mundo funciona. Percebamos isso ou não, todas essas suposições veem de uma ou outra escola de economia. Como escreveu o economista britânico John Maynard Keynes: "Homens práticos, que se julgam livres de qualquer influência intelectual, geralmente são escravos de algum economista defunto".

Portanto, é melhor que todos tenham esperanças de que a profissão possa se reorganizar. Não será fácil, pois esta crise está deitando sal em antigas feridas. Ela está reabrindo discussões sobre uma das questões mais controversas em macro, ou seja, a capacidade de o déficit nos gastos do governo (isto é, a política fiscal) estimular a demanda e fazer as pessoas voltarem ao trabalho.

Em janeiro, a luta em torno da política fiscal se manifestou publicamente, depois que o então presidente eleito dos EUA, Barack Obama, fez o que provavelmente lhe pareceu ser uma afirmação segura. "Não há nenhuma discordância de que necessitamos de ação por parte do nosso governo, de um plano de recuperação que ajude a impulsionar a economia", disse. Não muito depois, cerca de 250 economistas conservadores, em carta aberta publicada por jornais importantes, escreveram: "Com o devido respeito, senhor presidente, isto não é verdade". O economista David C. Colander, do Middlebury College, que também desconfia do pacote de estímulo, diz: "O debate é razoável. O absurdo é que o estejamos realizando neste momento", em vez de décadas atrás.

O maior pecado dos economistas é a arrogância. Nos anos 60, Milton Friedman, economista adepto da teoria do livre mercado, persuadiu virtualmente toda a profissão de que a Grande Depressão foi causada pelo Federal Reserve. Isso parecia implicar que uma política melhor por parte do banco, conduzida por economistas, evitaria uma reincidência. Bernanke, que à época ocupava uma diretoria do Federal Reserve, afirmou exatamente isso num discurso de 2002, em comemoração ao 90º aniversário de Friedman, em que reconheceu o papel do Fed na Depressão. Disse ele a Friedman: "Você está certo, nós causamos isso. Sentimos muito. Mas, graças a você, não faremos isso de novo." O peixe morre pela boca.

Acreditando no poder do Fed, os economistas geralmente pararam de pesquisar o uso da política fiscal no combate a recessões ou depressões. Além disso, as recessões haviam se tornado mais raras e brandas - a chamada Grande Moderação. Então, quem precisava de estímulo? "Até um ano atrás, você pareceria muito antiquado se falasse sobre política fiscal ideal", diz o economista Xavier Gabaix, da Universidade de Nova York (NYU).

A adesão à ortodoxia pela corrente principal de economistas também ficou visível na sua rejeição despreocupada dos receios quanto a bolhas nos setores imobiliário e de ações. O ex-presidente do Fed Alan Greenspan até negou que uma bolha imobiliária nacional fosse possível, já que o setor não era um mercado nacional único. Ele também atribuiu pouca importância aos perigos de inventos de Wall Street, como os derivativos. Apenas em 2008 ele reconheceu que estava errado. Em depoimento no Senado, disse estar chocado por ter encontrado uma "falha" em sua ideologia. "Passei 40 anos ou mais com evidências muito consideráveis de que isso estava funcionando excepcionalmente bem."

Questões políticas agravaram o problema. Em uma divisão bem geral, é possível separar os macroeconomistas segundo sua preocupação com a instabilidade econômica. Um grupo, na tradição de Keynes, preocupa-se com a autoperpetuação de declínios econômicos que deixam a economia em profundas depressões, das quais não consegue escapar. Os integrantes deste grupo dizem que o governo precisa romper esta espiral de queda com o tipo de política agressiva promovida atualmente pelos EUA - com redução dos juros e aumento nos gastos governamentais. O grupo inclui Paul Krugman, economista da Universidade Princeton e prêmio Nobel; Nouriel Roubini, da NYU, que previu com bastante antecipação a severa recessão; e Robert Shiller, da Universidade Yale, que anteviu as bolhas dos setores de tecnologia e de imóveis.

Outros economistas têm mais confiança no autoequilíbrio da economia. Creem que juros baixos e gastos pesados geradores de déficit, além de deixarem os EUA com uma montanha de dívida, são ineficazes. Inclua neste time Robert Barro, de Harvard; ao lado de Robert Lucas Jr., de Chicago; Edwad Prescott, da Universidade do Estado de Arizona; e Patrick Kehoe e V.V Chari, da Universidade de Minnesota. Não é surpresa que a escola do equilíbrio incline-se em grande parte na direção dos republicanos, e a escola intervencionista pareça recheada de democratas.

Antes desta crise, parecia que os economistas poderiam resolver suas diferenças. Krugman, muitas vezes combativo, escreveu na primeira edição de seu livro "Macroeconomics", em 2006, escreveu que "o pequeno segredo benéfico da macroeconomia moderna é o nível de consenso que os economistas alcançaram nos últimos 70 anos".

O estado de ânimo agora é mais desagradável. À esquerda, Krugman diz: "Isto é realmente bastante vergonhoso, que estejamos desperdiçando meses preciosos como profissão, reconstituindo debates que foram resolvidos há 70 anos". À direita, John Cochrane, da Universidade de Chicago, rejeita os que defendem os estímulos keynesianos, dizendo: "Economistas profissionais, os sujeitos com quem eu me relaciono, estão voltando para o antigo keynesianismo tanto quanto os físicos estão voltando para Aristóteles quando não conseguem entender a velocidade de expansão do Universo." Há alguns no meio do caminho, como Michael Woodford, da Universidade Columbia, com o argumento de que os macroeconomistas estão convergindo na metodologia para se fazer perguntas. Mesmo Woodford, no entanto, concorda que "os recentes debates não fazem a disciplina parecer particularmente unida".

A crítica mais fácil contra os macroeconomistas é que quase todos fracassaram em antever a recessão, apesar de sinais de alarme aos montes. No início de setembro de 2008, a previsão média de crescimento para o quarto trimestre era de 0,2%, de acordo com pesquisa da Blue Chip Economic Indicators. O resultado verdadeiro foi um declínio anualizado de 6,3%. O Fed não se saiu nem um pouco melhor. Em julho de 2008, representantes do banco projetavam índice de desemprego entre 5,5% e 5,8% no quarto trimestre de 2008. O número real foi de 6,9%. A projeção para o quarto trimestre de 2009, feita na mesma época, variava de 5,2% a 6.1%. Hoje, com o desemprego a 8,5%, a maioria dos responsáveis por estimativas fala num índice perto dos 10% para o fim do ano.

Agora que a política fiscal voltou à mesa de discussões, economistas divergem sobre o alcance do efeito dominó, ou "multiplicador", do aumento nos gastos governamentais. Os economistas intervencionistas acreditam que o alcance é maior quando a economia opera abaixo da capacidade produtiva, como certamente ocorre agora. Segundo um informe do Fed, em 15 de abril, cerca de 30% da capacidade de produção industrial está ociosa, maior proporção já verificada nos registros, que remontam a 1948.

Autoridades do governo Obama acreditam que a política fiscal está no caminho certo. O programa de estímulo "está colocando um pouco mais de energia no consumidor", disse Summers, diretor do Conselho Econômico Nacional. "Há dois meses, não se podia achar nada de positivo." Christina Romer, principal assessora econômica de Obama e historiadora da Depressão, disse em março que "em algum ponto, a recuperação tomará vida própria". Até lá, o governo deve checar de perto "para certificar-se de que o setor privado subiu de novo na sela" antes de relaxar.

Outros economistas dizem que o aumento nos gastos dos governos poderia desencorajar o emprego privado. Em evento do Conselho de Relações Exteriores, em 30 de março, Robert Lucas Jr., da Universidade de Chicago, chamou a matemática multiplicadora do governo de um "tipo de economia de segunda categoria".

A verdade é que, mesmo os defensores dos estímulos não podem estar certos de que os pacotes funcionarão. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, muitos economistas temeram que o crescimento desaparecesse com a queda nos gastos militares. Sewell Avery, executivo-chefe da Montgomery Ward, estava tão inquieto quanto à depressão do pós-guerra que desistiu de abrir lojas. Os economistas ainda não estão certos por que ele estava errado e não podem dizer, com segurança, se estímulos fiscais encerrarão esta recessão ou só ajudarão a interrompê-la. "É possível arquitetar, com a expansão fiscal, uma recuperação durável ou se está apenas ganhando tempo?" pergunta Krugman, favorável a aliar estímulos com ações drásticas para consertar bancos.

Então, qual o caminho a seguir? Assim que esta crise acabar, a próxima agenda dos macroeconomistas será ajudar a tornar a economia mais robusta - o suficiente para sobreviver aos erros crassos dos políticos, banqueiros e economistas do futuro. Taleb, o estudioso da imprevisibilidade, destaca que a natureza atinge a solidez por meio de uma redundância que os economistas considerariam antieconômica: dois olhos, duas mãos, etc. Blake LeBaron, da Universidade Brandeis, sugere evitar crises gigantescas por meio da tolerância a pequenos distúrbios, da mesma forma como guardas florestais usam incêndios controlados para eliminar arbustos inflamáveis. Talvez, sob as cinzas do fracasso, renasça uma profissão macroeconômica melhor. (Colaboraram Jane Sasseen e Theo Francis)

''Moeda global reflete a ascensão do resto do mundo''

ENTREVISTA
Joseph Stiglitz
Por Nathan Gardels, Global Viewpoint Network
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Joseph Stiglitz: economista; para Stiglitz, a proposta de criação de uma nova moeda é sinal do declínio do dólar, que começou durante o governo Bush

O economista Joseph Stiglitz , Prêmio Nobel de Economia em 2001, vê no movimento para substituir o dólar por uma nova moeda global uma transferência de poder para a "ascensão do resto" do mundo. A seguir, os principais trechos da entrevista de Stiglitz :

O ex-secretário do Tesouro Henry Paulson argumentou que uma das principais dinâmicas da bolha do crédito foi a maciça disponibilidade de liquidez chinesa para os EUA mediante o investimento de suas reservas em dólares em títulos do governo americano. Isso manteve baixas as taxas de juros de longo prazo, tornando o crédito fácil e também impelindo os investidores a buscar rendimento em instrumentos mais exóticos. O sr. concorda?

Sim e não. É verdade que a poupança chinesa estava fluindo em massa para os EUA e, obviamente, as taxas de juros nos EUA foram afetadas, mas de maneira nenhuma determinadas por isso. O alto nível geral de liquidez poderia ter sido desfeito pelo Fed (o banco central dos EUA), que tem autoridade sobre as taxas de juros. Ele poderia ter elevado as taxas para desacelerar a bolha causada pela expansão do crédito fácil. Em geral, acumulação de poupança é uma bênção, não um problema. Ter dinheiro barato é base para um forte crescimento econômico. O problema é que o sistema financeiro americano não fez o que supostamente devia fazer, que é gerenciar o risco e alocar capital para fins produtivos. Nós desperdiçamos essa bênção e agora estamos pagando o preço. Mas é um absurdo culpar os chineses.

Entre os muitos desafios do presidente Barack Obama, o mais abrangente não será corrigir esse desequilíbrio em poupança e consumo entre os EUA e a China?

Numa economia globalmente integrada, o maior desafio é garantir que haja uma demanda agregada global adequada, alcançada mediante gastos, quando países como China sentem que precisam acumular níveis altos de reservas em dólar para se proteger contra a volatilidade internacional da moeda. Afinal, o acúmulo de reservas da China é uma consequência dos equívocos do Fundo Monetário Internacional (FMI) na condução da crise financeira asiática há cerca de uma década. Se os países sabem que não podem confiar no FMI para ajudá-los, sua melhor defesa é criar uma almofada de reservas própria. Em período de avanço da recessão global, uma ênfase excessiva na poupança em países superavitários, como a China, pode frustrar as perspectivas de crescimento global.

Preocupados com o valor de suas bilionárias posses em dólares no momento em que os déficits americanos aumentam e desponta a ameaça de uma inflação mais adiante, os chineses propuseram uma nova moeda de reserva global baseada numa cesta de moedas. Uma nova moeda como essa seria um bom mecanismo para desfazer o desequilíbrio com um pouso suave em vez de um crash do dólar, o que prejudicaria tanto os chineses como os americanos?

A proposta de uma nova moeda de reserva global - ou Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em inglês) - é uma boa ideia por muitas razões. Sim, para os chineses ela por si amorteceria alguma queda no valor do dólar porque faria parte de uma cesta de outras moedas, incluindo o iene e o euro. Mas uma nova cesta de moedas de reserva estimularia a demanda agregada global reduzindo enormemente o medo da volatilidade cambial que, como eu disse, foi o que levou países como a China a colocarem de lado tanto dinheiro em reservas em vez de gastá-lo. Há outros benefícios. Em matéria de uma economia sólida, o bem-estar do mundo não deveria depender da gestão de uma única moeda. O risco cambial seria diversificado mediante uma unidade de reserva de cesta, criando estabilidade e confiança por toda parte.

O que significaria para os EUA se o dólar fosse substituído por uma nova moeda global?

Isso seria de grande interesse dos EUA no longo prazo porque ajudaria a "desfinancializar" a economia americana.

Em sua cúpula em Londres recentemente, os líderes do G-20 decidiram criar US$ 250 bilhões em novos SDR. Esse é um passo importante para criar uma nova moeda de reserva global?

Acho que sim. A questão é a rapidez com que isso acontece. Em minha opinião, porém, o FMI não é o melhor lugar de onde lançar essa moeda a menos que ele se torne uma instituição mais justa e equilibrada que represente a economia mundial real e não as potências pós-Segunda Guerra Mundial, dominadas pelos Estados Unidos. Os países do Leste Asiático, o Brasil e outros precisam ter uma influência muito maior. Por exemplo, dos US$ 250 bilhões em SDRs consignados, somente US$ 19 bilhões foram alocados para países em desenvolvimento. Assim, a ideia de SDR maior é boa. A instituição é falha.

Mesmo assim, o fato de os chineses proporem uma nova moeda SDR global e o G-20 ter dado o passo para sua criação, seguramente, marcará uma mudança de poder no mundo?

Sem dúvida, é um reconhecimento da realidade de um mundo multipolar que requer o avanço para um sistema de governança multilateral. A transferência de poder começou há vários anos, na época da administração Bush, quando o dólar ficou muito volátil e começou a declinar. É aí que a China mudou de acumular quase 100% de suas reservas em dólares para 75%. Alguns países saíram completamente do dólar. O dólar, apesar de todas as intenções e propósitos, perdeu seu status especial de reserva e as pessoas estão começando a falar de uma abordagem de portfólio, ou cesta, como um estoque de riqueza em vez do dólar. O impulso existente hoje por trás da ideia de uma nova moeda de reserva global reflete, de fato, a ascensão do resto (do mundo) na política e na economia mundiais, liderado pela China.

Nenhuma recuperação à vista

Paulo Rabello de Castro
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Há sinais, sim, de formação de pequenas bolhas, tanto em alguns produtos como para empresas na Bolsa

ENQUANTO os especuladores comprados comemoram a reviravolta positiva das cotações, que vem acontecendo com vigor desde meados de março, aqui e lá fora se especula sobre o fim da crise e o anúncio "oficial" da recuperação. É uma ilusão, e das perigosas, tanto para quem joga nos mercados como para os governos que estimulam a antecipada reversão de expectativas.

Não há nenhuma recuperação à vista. Mas há sinais, sim, de formação de borbulhas de preços, pequenas bolhas, como as produzidas no arremedo de recuperação em curso, em que diversos metais e produtos agrícolas, mas também empresas cotadas em Bolsa, voltam a apresentar oportunidades atraentes de ganhos rápidos, de comprar a valores deprimidos para vender, em seguida, faturando até dois dígitos de variação positiva.

Em 1930, também se deu o mesmo. Após o crash da Bolsa de Nova York, no fim de 1929, as cotações subiram pelo menos 30% no ano seguinte -o que corresponderia à posição atual- antes de despencarem realmente até o fundo do poço. Economistas brilhantes da época queimaram a língua (Irving Fischer matou até sua enorme reputação) ao prognosticarem uma recuperação que, de fato, não existia. O mesmo sucedeu com o festejado lorde Keynes, que, além de futurólogo frustrado, também perdeu uma fortuna de dinheiro dos seus desapontados clientes, como administrador de fundos de commodities.

Uma crise como esta é muito traiçoeira. Uma história tragicômica, que o amigo que me contou jura ser verdadeira, narra o final da vida de um matuto simpático do interior de São Paulo, que tomou -por engano- uma dose cavalar de formicida.

Levado às pressas para o ambulatório local, com sintomas graves de intoxicação, um médico experiente cuidou dele e, nas primeiras horas, o homem melhorou a ponto de querer ir embora.

O médico concordou, meio encabulado, deixando o envenenado partir, mas não sem avisar à mulher: "Faz uma festa de despedida para ele hoje à noite". A família fez a festa, mas para comemorar a recuperação do doente. Foi viola e gaita rolando a noite toda e o mais alegre era o matuto. No dia seguinte, "acordou" morto. O formicida lhe havia secado as entranhas.

Macabro, mas real. Esta é a vida que, nas suas voltas, nos prega muitas peças e não é diferente com o atual ciclo econômico -muito mais complexo- pelo veneno da dosagem excessiva de crédito com juros baixos demais, durante tempo demais, na era Greenspan. Os médicos da economia global estão agora tratando da doença com o próprio veneno, em doses nada homeopáticas, mas, sim, cavalares de liquidez.

Para ter uma pálida ideia, o déficit fiscal dos EUA deve superar a marca estratosférica de 13% do PIB em 2009, algo que não atingimos nem na pior de nossas recentes crises fiscais. O limite "recomendado" no tratado de Maastrich é de 3% do PIB. Com isso, a relação entre a dívida pública federal americana e o PIB saltará para 60%, com tendência a superar os 70%, talvez 80%. Por isso, já existem observadores atentos e experientes, como o professor Alan Meltzer, um dos maiores "experts" em economia monetária e história de crises financeiras, que apontam a "volta de inflação, com a força dos anos 70".

Aqui no Brasil, que fomos pegos apenas de tabela pelos efeitos do formicida financeiro, não poderíamos relaxar a guarda, como tem feito o governo, na meta fiscal, ao permitir que os gastos correntes continuem correndo muito acima da receita projetada, enquanto a arrecadação mostra haver ingressado no território das variações negativas. É o nosso tendão de aquiles.

Paulo Rabello de Castro, 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio-SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

O FMI na contramão dos EUA

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Homem do Tesouro de Obama revive otimismo do mercado sobre bancos, mas o FMI prevê perdas ainda mais tenebrosas

A LGUÉM ESTÁ muito errado a respeito da saúde dos bancos do G3 (EUA, Europa e Japão), da qual, em última análise, depende o fim da crise mundial, ainda que a China passe sebo nas canelas.

Ontem, o FMI revisou para cima suas estimativas de prejuízos para as instituições financeiras do G3.

Mas o secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, disse também ontem que a "vasta maioria" dos 19 bancões ora auditados pelas agências reguladoras da finança vai passar no "teste de estresse" (a ser divulgado no dia 4 de maio).

Assim, oficialmente ou para inglês ver, estaria certificado que os bancos dispõem de capital bastante para enfrentar os calotes que a recessão ainda motivará nos próximos dois anos, dado um certo cenário econômico (tido como muito otimista ou já errado por economistas sensatos).

Geithner contou a suposta boa nova a uma comissão de supervisão do Congresso sobre a dinheirama que o governo despeja na finança privada.

O FMI divulgou os números num tenebroso "Relatório de Estabilidade Financeira Global". O fluxo de capitais para emergentes vai encolher ainda em 2009; mais de 60% dos bancos nos EUA e na eurozona ainda apertam o crédito; os "spreads" estão muito acima da média histórica; o valor das captações de curto prazo de empresas ("commercial papers") ainda estão 30% abaixo do verificado no início de 2007.

A crise na economia real continua a realimentar o ciclo de deterioração na finança. O FMI prevê que os bancos americanos devem dar como perdidos mais US$ 550 bilhões em 2009 e 2010 (de um total potencial de perdas de US$ 1,6 trilhão de 2007 a 2010). Preveem que os bancos precisariam de mais US$ 275 bilhões de capital, dada a estimativa "grosseira" de lucros retidos para o período e uma volta a um nível de alavancagem de 25 -isto é, essa seria a razão de ativos ("empréstimos") sobre capital ("dinheiro próprio"), anterior à crise. Para uma alavancagem de 17 (média de meados dos anos 90), precisariam de mais US$ 500 bilhões. Os europeus precisariam de US$ 600 bilhões (para uma alavancagem de 25 vezes o capital) ou US$ 1,2 trilhão (17 vezes). Os europeus têm menos disposição e menos dinheiro que os EUA para tapar tais rombos.

Dado o histórico do FMI, seria o caso de conceder o benefício da dúvida a Geithner. Porém, esse estudo do Fundo é dos mais técnicos -pode estar errado, mas não se trata das lambanças ideológicas das operações de "socorro" do FMI.

Numa carta ao comitê de supervisão do Congresso, Geithner disse que sobraram US$ 135 bilhões do pacote de socorro de US$ 700 bilhões (aprovado ainda no governo Bush, o "Tarp"). Pelas contas do FMI, Geithner vai ficar sem fundos. Precisará mesmo acreditar que o capital privado tapará parte do buraco, como disse ontem. Ou pedir mais um tutu ao Congresso, onde o clima não está para peixe. O FMI sugere que, em alguns casos, a estatização provisória de mais bancos deve estar nos planos das autoridades.

Os mercados, como de hábito, ignoraram o FMI. Ficaram felizes com as explicações de Geithner e voltaram a comprar ações, de bancos inclusive. Mesmo com mais balanços de boas empresas demonstrando a miséria previsível.