sábado, 25 de abril de 2009

PENSAMENTO DO DIA

“É preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar preliminarmente que todos os homens são “filósofos”, definindo os limites e as características desta “filosofia espontânea”, peculiar a “todo o mundo”, isto é, da filosofia que está contida: 1) na própria linguagem, que é um conjunto de noções e de conceitos determinados e não, simplesmente, de palavras gramaticalmente vazias de conteúdo; 2) no senso comum e no bom senso; 3) na religião popular e, conseqüentemente em todo sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ver e de agir que se manifestam naquilo que geralmente se conhece por “folclore”. “

(Antonio Gramsci , “Cadernos do cárcere” volume 1, pág. 93 – Editora Civilização Brasileira, 4ª edição, Rio de Janeiro, 2006)

A República em questão

Marco Aurélio Nogueira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dever-se-ia analisar com mais atenção o II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais Acessível, Ágil e Efetivo, recentemente assinado pelos representantes dos três Poderes da República brasileira. Os presidentes do Supremo Tribunal Federal, da Câmara dos Deputados e do Senado, ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num documento de seis páginas, comprometeram-se a empreender esforços para conseguir a aprovação de projetos sobre acesso universal à Justiça, agilidade na prestação jurisdicional e proteção aos direitos humanos fundamentais.

Curiosamente, o assunto não despertou emoção nem entrou na pauta política.

Um pacto é tanto uma suspensão de litígios quanto um compromisso de defesa, algo que duas ou mais partes que não pensam obrigatoriamente do mesmo modo nem têm os mesmos interesses particulares se propõem a fazer em nome de uma meta comum, valiosa para todos e que se encontra ameaçada. Também exige cooperação e implica uma resolução de se manter fiel a uma causa, um princípio ou uma instituição.

O gesto mesmo intriga. Se se faz um pacto republicano, é porque se supõe que a República esteja a correr algum risco, não necessariamente de soçobrar, mas, por exemplo, de não estar sendo adequadamente valorizada. Se tal pacto tem no centro o sistema de Justiça, é porque o que existe é ruim, funciona mal ou não cumpre o que promete à sociedade. Se o compromisso é tornar mais acessível, ágil e efetivo o sistema, é porque se supõe que ele não está ao alcance dos cidadãos, é lerdo e produz poucos resultados.

É de fato o que se passa? Temos indícios de uma crise dessa magnitude, que mexe com os fundamentos éticos e a base institucional do Estado brasileiro e está a ameaçar o coração do sistema republicano, que pulsa, como se sabe, ao ritmo dos direitos humanos fundamentais, da lei e da justiça igual para todos?

A lista dos pontos estabelecidos como prioritários pelos signatários do pacto é grave. Inclui, por exemplo, a preocupação com a legislação penal e confere grande atenção à investigação criminal, aos recursos, à prisão processual, à liberdade provisória e aos critérios para a interceptação telefônica e o uso da informática em investigações. Tudo para evitar excessos e proteger a dignidade da pessoa humana. São previstas alterações no Código Penal para dispor sobre os crimes praticados por grupos de extermínio ou milícias privadas, assim como na legislação sobre crime organizado e lavagem de dinheiro. Há preocupação também com a questão do abuso de autoridade e com a responsabilização dos agentes e servidores públicos em eventuais violações dos direitos fundamentais. Pensa-se em aperfeiçoar o Programa de Proteção à Vítima e Testemunha, do Ministério da Justiça, e a legislação trabalhista, com o objetivo de ampliar as tutelas de proteção das relações de trabalho.

A se considerar o teor do documento, a situação é calamitosa. O compromisso entre os três Poderes estaria, nesse caso, a endossar a tese do presidente do STF, Gilmar Mendes, de que convivemos com um "Estado policialesco", que ele tem associado aos excessos que estariam sendo cometidos pela Polícia Federal em operações como a Castelo de Areia e a Satiagraha, envolvendo banqueiros, empresários, delegados, políticos e funcionários públicos.

Seria, portanto, um cenário de horror.

Mas, e se o pacto não for mais um jogo de efeito do que algo para valer?

Como, em política, não há fumaça sem fogo, daria para vê-lo como instrumento de um "ajuste de contas" entre as instâncias superiores do Estado. Dizem, por exemplo, que há muitas arestas no interior da Polícia Federal. Mesmo as relações entre o Executivo e o Legislativo não são as melhores, com o segundo se mostrando muito subserviente ao primeiro. Poderia ser visto como palco para que se defenda a supremacia do Estado judicial sobre o administrativo ou o político, ou para que alguém exiba seu amor aos ritos da Justiça. Tais coisas, diga-se de passagem, não seriam estranhas nesta nossa época, em que conflitos, tensões e divergências políticas transbordam a esfera política para cair no terreno do julgamento espetacular, tido como mais rigoroso e imparcial. Judicialização da política, costuma-se dizer.

Outra maneira de analisar o pacto é lembrando que operações destinadas a defender e valorizar uma República não se podem limitar ao protagonismo dos Poderes. Um modo republicano de governar e organizar o Estado é aquele em que o interesse público se distingue dos interesses dos particulares, o direito e a lei preponderam e os cidadãos escolhem livremente seus dirigentes. Ele exige Poderes alertas e legitimados, mas só faz sentido e sobrevive se contar com bons políticos e estiver embebido de cima a baixo de educação cívica.

Possui virtude republicana uma comunidade que se organiza e se governa com instituições e hábitos públicos que são compreendidos e defendidos pelos cidadãos, que sabem valorizar a redução dos privilégios pessoais e das condições de possibilidade de imposição de um grupo ou classe sobre outros.

Atos de corrupção, abusos de autoridade ou defeitos da Justiça não podem ser vistos apenas como um problema de servidores, juízes ou políticos. Não estão associados a uma degradação da moralidade - daquilo que se refere ao homem moral, que responde por seus atos tendo em vista a própria consciência individual -, mas sim a um padrão de eticidade, referida ao homem ético, que define seus atos tendo em vista os outros homens. Têm tem muito mais que ver com vida intersubjetiva e organização social do que com caráter pessoal ou força institucional.

Sem repercutir nesse terreno e envolver os atores sociais de modo amplo, qualquer pacto republicano que se propuser será limitado e poucos efeitos virtuosos produzirá.

Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp, é autor dos livros Em Defesa da Política (Senac, 2001)e Um Estado para a Sociedade Civil (Cortez, 2004)

Itamar no PPS

Panorama Político :: Ilimar Franco
De Brasília
DEU EM O GLOBO

O ex-presidente Itamar Franco vai sair do casulo e voltar para a política. Ele, que havia se desfiliado do PMDB, vai ingressar no PPS. Já está tudo acertado com o presidente nacional do partido, Roberto Freire.

Itamar, que rompeu com o presidente Lula depois de deixar a Embaixada do Brasil na Itália, vai disputar uma das duas vagas ao Senado em 2010.

Os tucanos comemoram: Itamar vai reforçar a candidatura de Antonio Anastasia ao governo.

Ciro em baixa

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - A combinação entre Ciro Gomes e o PSB parece uma apresentação de nado sincronizado de duplas brasileiras em Jogos Olímpicos: quase sempre dá errado e alguém faz o movimento torto.

O PSB estava tentando combinar tudo com Ciro Gomes para ele ser o candidato a presidente pela sigla em 2010. O político cearense recebeu minutos preciosos na propaganda de TV da sigla neste mês. Ao mesmo tempo, uma ala lulista no governo acalentava a teoria de ter um terceiro nome de centro na disputa pelo Planalto. A ideia era evitar uma polarização entre José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) logo no primeiro turno -pois o segundo turno ficaria incerto.

Com mais um nome forte concorrendo, dificilmente a eleição presidencial terminaria na primeira rodada. Ciro Gomes era, como diria Barack Obama, "o cara" para compor um cenário favorável aos seguidores de Lula. Faria o serviço, ajudando Dilma a desconstruir José Serra. Nos sonhos mais ingênuos de alguns, poderia até ser moldado um desfecho no qual o segundo turno fosse apenas do governo contra si próprio -Dilma versus Ciro.

Deu tudo errado. O plano era mesmo mirabolante, mas Ciro colaborou para destruí-lo ao soltar palavrões e gritos na Câmara na última quarta-feira. Reclamava de uma reportagem sobre viagens ao exterior -mesmo tendo sido procurado antes da publicação e ter optado por não dar as respostas adequadas. Na cúpula do PSB não há uma alma disposta a defender o político cearense nesse episódio. Reina um clima de desolação completa.

Não se trata de alguém cometendo um deslize eventual. Ciro é reincidente. Seria ocioso listar aqui todas as vezes em que a sua valentia verbal foi notícia ao longo das últimas campanhas. É cada vez menor, se é que ainda existe, a chance de ele conseguir apoio de uma sigla para entrar na disputa presidencial.

Uma escola melhor pode consertar até o Congresso

Fernando Abrucio
DEU EM ÉPOCA

O mundo vem passando por intensas mudanças tecnológicas, no campo da comunicação e no processo da democratização do poder. Constantemente temos a impressão de que várias das instituições atuais não conseguem acompanhar tão retumbante transformação. É difícil mudar isso rapidamente. No longo prazo, essa frustração poderá ser reduzida criando uma nova mentalidade nas pessoas que comandarão as organizações sociais mais relevantes.

Nesse processo, as escolas ocupariam papel fundamental. Mas será que elas estão preparadas para cumprir a tarefa de criar a ponte para o futuro?

Isso só será possível se, além de ter qualidade, elas conseguirem se tornar atraentes para os alunos. Uma pesquisa realizada pelo professor Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), revela que boa parte dos jovens brasileiros abandona os estudos principalmente porque o atual ambiente escolar não lhes interessa. Há ainda motivações econômicas e relacionadas à falta de qualificação do ensino público, mas o maior fator de repulsão é o desinteresse por continuar frequentando as escolas. Esse resultado é preocupante porque a evasão escolar se concentra nos mais pobres. E a educação é a melhor forma de romper o ciclo de pobreza e exclusão.

A explicação para esse processo envolve várias causas. Parte do desinteresse dos jovens constrói-se na própria família. Pesquisas recentes do Ibope mostram que são exatamente os pais mais pobres e menos escolarizados que dão as notas mais altas à qualidade da educação. Isso decorre da percepção de que seus descendentes terão mais escolaridade que eles, além de alimentação, maior segurança (particularmente nos centros urbanos) e até mais renda. Para além desses fatores, eles não conseguem enxergar a relação entre qualidade do ensino e a mudança da vida de seus filhos. O trabalho de Marcelo Neri constata que são poucos os jovens carentes que veem a escola como um veículo para mudar sua vida ou para dar conta dos seus anseios. Tal percepção nasce, em boa medida, da fragilidade do sistema público de educação no Brasil.

Se acertarmos na educação, os jovens poderão mudar as organizações antigas que resistem às inovações

Vale a pena acompanhar os estudos internacionais e brasileiros que mostram como melhorar a educação. Fico aqui com os aspectos mais citados pela literatura. Primeiro, a qualidade de um sistema escolar não pode ser maior que a de seus professores, portanto a seleção dos docentes e sua capacitação contínua é peça-chave. Segundo, é preciso ter um sistema de incentivos que motive o professorado a melhorar seu desempenho. Terceiro, a comunidade precisa participar da educação de seus filhos, acompanhando e cobrando as escolas.

Um quarto fator reside no papel dos gestores escolares, fundamentais para coordenar e liderar a transformação das práticas pedagógicas. Por fim, o sucesso de tudo isso depende de uma avaliação ininterrupta das práticas educacionais, pois sabemos muito pouco ainda das reações dos principais interessados: os alunos, principalmente os adolescentes e jovens, cujo universo parece bem mais interessante que o discurso de seus professores.

O que está em jogo, no fundo, é como aliar os novos modelos institucionais e pedagógicos com o envolvimento dos principais atores do sistema escolar: professores, pais e alunos. Tal desafio será discutido no dia 27, em seminário na FGV, no Rio de Janeiro. Estarei por lá e deixo aqui a síntese da minha exposição (ou provocação). As pesquisas têm avançado no conhecimento dos fatores de fracasso ou sucesso educacional, mas sabemos muito pouco sobre o que querem e o que poderia conquistar os jovens brasileiros, particularmente os mais pobres. Se acertarmos na educação desses alunos, eles serão preparados para mudar as organizações antigas que sobrevivem a um mundo em intensa transformação – como é o caso do Legislativo brasileiro e de sua insistência em manter práticas patrimonialistas que resistem à passagem do tempo.

Fernando Abrucio é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA

Crise sem fim

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A crise que dominou a Câmara em 2005 com a revelação do esquema de corrupção do mensalão não terminou com a denúncia aceita pelo Supremo Tribunal Federal, e nem mesmo com a renovação recorde ocorrida na eleição de 2006. O fato de o baixo clero ter se tornado majoritário no plenário da Câmara, a ponto de forçar a Mesa Diretora a retroceder e pôr em votação semana que vem a decisão de limitar o uso de passagens aéreas ao trabalho do parlamentar, ou de assessor devidamente autorizado para fim específico, é um sintoma de que a doença do patrimonialismo que corrói nosso sistema político representativo continua provocando suas consequências.

O índice de renovação da Câmara dos Deputados na última eleição foi o mais alto desde 1994, segundo cálculo do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Em uma das eleições mais disputadas dos últimos anos (dez candidatos por vaga), o Diap registrou um índice de renovação de 52%, com até 246 deputados novos na Casa.

Quarenta e cinco parlamentares acusados de participar do mensalão ou da máfia dos sanguessugas não se elegeram. Entre os acusados da máfia dos sanguessugas, apenas 14 dos 47 acusados se reelegeram.

Os partidos mensaleiros também sofreram nas mãos do eleitor naquela ocasião.

O PTB, o PP, o PL reduziram expressivamente suas bancadas.

Dos 11 mensaleiros absolvidos pelo plenário da Câmara, apenas cinco conseguiram voltar.

Quando, no entanto, se pensa no que é preciso para que nossa democracia se aperfeiçoe e se torne compatível com a nova realidade do século XXI, aí mesmo é que fica patente o descompasso entre realidades que tentam se impor na sociedade brasileira nos últimos 20 anos e velhos padrões de participação política que ainda predominam, como ficou demonstrado durante essa interminável crise em torno do uso das passagens áreas pelos senhores parlamentares.

Diante do ridículo de um deputado federal queixarse de que querem torná-lo celibatário por não pagarem as passagens de sua senhora para Brasília, é possível vislumbra-se o baixo nível de nossa representação parlamentar, e entender-se por que projetos de transparência dos gastos públicos não são prioritários.

Um dos temas mais importantes para uma moderna democracia de massas na era digital é o acesso à informação pública, tema que vem sendo um dos mais aprofundados no mundo.

Rosental Calmon Alves, professor da Universidade do Texas, em Austin, diz que esse boom de acesso à informação pública no mundo se deve ao amadurecimento do sistema democrático, mas, sobretudo, à coincidência com a revolução digital.

As leis anteriores esbarravam na dificuldade de manipulação das informações, e na despesa muito grande. Num ambiente de revolução digital, onde as informações são produzidas e armazenadas em forma digital naturalmente, o acesso a essas informações fica barateado e torna os governos potencialmente muito mais transparentes.

“As informações estão todas armazenadas nos computadores, não há mais possibilidade de uma autoridade alegar que perdeu tal processo ou que simplesmente não sabe quantos presos existem, por exemplo”, explica Rosental, para quem, “na democracia 2.0, o acesso à informação pública é uma condição indispensável, e os países do mundo todo estão se reorganizando”.

O governo brasileiro está preparando um projeto de lei sobre informação oficial que deve ser apresentado ao Congresso até o fim do mês, alterando a classificação dos documentos oficiais, acabando com a categoria de documentos eternamente secretos, equívoco já admitido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

É dentro dessa nova ordem jurídico-administrativa, que avança rapidamente nas democracias modernas, que o conceito de transparência ganha relevância, ao contrário da antiga ordem, onde a autoridade se exerce preferencialmente em segredo.

A necessidade de prestar contas do uso do dinheiro público, que está na raiz dessa crise renovada da nossa representação popular, não está, no entanto, bastante absorvida por grande parte de deputados e senadores.

Esse descompasso entre os anseios da sociedade e a representação política é a tônica no mundo em que a informação disseminada pelas novas tecnologias é um poder que o cidadão usa cada vez mais.

Da mesma maneira que aconteceu em 2005, já começa a circular na internet brasileira uma campanha pelo voto nulo nas próximas eleições. Embora seja muito difícil de acontecer, existe a previsão no Código Eleitoral, em seu artigo 224, de que, se mais da metade dos votos forem nulos, será convocada nova eleição de 20 a 40 dias depois.

Há, porém, várias dúvidas que terão que ser esclarecidas.

Essa regra só tem valor para eleições de deputado, vereador e senador, pois a Constituição diz que será eleito presidente o candidato que for mais votado, excluídos os votos nulos e em branco.

As regras para eleição de governador e prefeito seguem as de presidente. Mesmo para as eleições para o Legislativo, há a dúvida sobre que candidatos poderiam concorrer num eventual segundo pleito, pois teoricamente a reação do eleitorado seria contra todos os candidatos, e não contra alguns especificamente.

Mesmo que seja muito distante a possibilidade de uma campanha de protesto pelo voto nulo dar resultados concretos, só a volta desse tipo de movimento por parte da sociedade civil já demonstra que na base da discussão está a crise de legitimidade das nossas instituições políticas, problema que tem que ser enfrentado com urgência, sob pena de colocar em risco a democracia brasileira.

(Continua amanhã)

Raspa do tacho

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Estejam de serviço no Legislativo ou no Executivo, políticos gostam de invocar a defesa da democracia quando se sentem acuados por denúncias, notadamente se irrespondíveis.

Em determinada altura de qualquer escândalo lançam dúvidas sobre o que "há por trás" das notícias. Acusam a imprensa de prejudicar a democracia, mas não se perguntam o que eles têm feito para o aperfeiçoamento do sistema nem refletem sobre as razões da crescente desmoralização da atividade política.

Bem ou mal, com erros e acertos, avanços e tropeços, os meios de comunicação têm cumprido sua parte no contrato firmado quando da redemocratização que devolveu ao País o direito básico à informação.

O mesmo trato tornou obrigatório o respeito à Constituição que preconiza de forma cristalina os constantemente ignorados princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da publicidade na administração pública.

Portanto, se tem alguém flertando com o descaso à democracia é a parte que rompe o pacto. E cabe a ela, se o mínimo de apreço genuíno dispensa ao regime das liberdades, do contraditório, da representação popular e do Estado de Direito, rever procedimentos e retomar o compromisso.

Diante dessa questão estão todos os Poderes. Mas a Câmara, em particular, está bem próxima de uma oportunidade de começar o processo de regeneração.

É na próxima terça-feira, quando o plenário deverá votar as medidas restritivas ao uso das passagens aéreas: proibição de emissão de bilhetes para terceiros, redução de 20% no valor das cotas, fim da acumulação de créditos, divulgação dos gastos na internet e autorização de voos internacionais só para viagens de trabalho.

O presidente da Câmara, a maioria da Mesa Diretora, alguns líderes de bancadas e algumas dezenas de deputados já compreenderam que a batalha da opinião pública está perdida. Sentiram também a força da reação interna e perceberam que se forem vencidos por ela a perda será irrecuperável.

A votação de terça-feira é simbólica e importante porque representa a última oportunidade de os deputados começarem a tirar a Câmara do fundo do poço. Se o projeto for rejeitado ou alterado de forma a assegurar a manutenção de práticas de favorecimento indevido, a Casa terá queimado a raspa do tacho do pouco crédito que lhe resta.

Ficará no osso, exposta ao sol e ao sereno. Indefensável. A cúpula (chamemos assim todos os que compartilham dessa compreensão), desta vez tentará de todos os meios e modos evitar o desastre. Inclusive porque são os parlamentares mais expostos ao escrutínio da opinião pública os que têm mais a perder, a começar pelo presidente Michel Temer.

Só que a contrapressão de quem ou já não tem nome algum a zelar ou prefere perder a reputação a abrir mão de privilégios não é de forma alguma desprezível. Prova disso deu-se durante a semana, quando a Mesa decidiu baixar as restrições por ato normativo e, recebida com agressividade pelo plenário, foi obrigada a levar as medidas à votação.

Essa maioria, evidentemente, não está disposta a concordar com os limites e tentará apresentar emendas ao projeto de resolução a fim de deixar brechas que pelo menos autorizem o repasse de passagens a familiares mais próximos.

Prevalecendo o conceito da "sagrada família", a situação permanecerá a mesma de antes. Maquiada, porém inalterada no que tange ao princípio da impessoalidade na administração pública.

Todas as outras restrições perdem a validade. Esse tipo de coisa ou se faz para valer ou não se faz. Se tentar embromar, acomodar interesses, ceder a este ou àquele argumento individual, a Câmara estará liquidada em sua já reduzida credibilidade.

Estará dizendo mais uma vez à sociedade que as regras que valem para o cidadão que elege não valem para o eleito. Estará informando ao público que na obrigatoriedade do voto se inclui a obrigação de administrar o bem-estar pessoal/familiar do parlamentar. É demais.

Já bastam as anistias em série concedidas a todas as transgressões cometidas, um evidente abuso do poder de legislar pela instituição da impunidade em causa própria.

Casa de ferreiro

Por intermédio do ministro das Relações Institucionais, o presidente Luiz Inácio da Silva falou pouco, mas falou bem quando pediu o fim da farra das passagens no Congresso "porque o cidadão comum não tem como compreender, por mais que existam explicações".

Estaria mais bem posicionado na condição de porta-voz da cobrança se cobrasse também o acerto de várias contas em aberto do Poder Executivo no quesito probidade.

Da conclusão do inquérito de Waldomiro Diniz, à autoria do grampo no telefone do presidente do Supremo, passando pela origem do dinheiro da compra de dossiê eleitoral e, claro, pela formação da maioria parlamentar sob critérios bastante representativos "disso tudo que está aí".

A lógica pelo avesso

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


O galante deputado Michel Temer, do finório PMDB , partido de melhor desempenho no trapézio das espertezas, está vivendo uma contraditória experiência em que o mundo parece estar de cabeça para baixo. A sua badalada tolerância com as traquinadas da Câmara que preside, sempre condescendente com a gula do baixo clero e da maioria do plenário, no escândalo da vez do assalto ao dinheiro público na farra das passagens aéreas – um dos privilégios que enfeitam o buquê de um dos melhores empregos do mundo – resolveu dar um basta e tentou recolocar, ao menos uma vez, o carro nos trilhos.

Depois de noites de insônia que vincaram o seu rosto, o presidente da Câmara cometeu a imprudência de anunciar ao plenário as medidas que adotaria para "reconciliar o Congresso com a sociedade". E até que não foi às do cabo, por exemplo, quando restringia o uso das cotas de passagens aos deputados e seus assessores credenciados, que são 60 para cada gabinete, da grande maioria dos raramente utilizados nos quatro dias úteis da semana da madraçaria parlamentar.

Até aí o coro do inconformismo chegou a ensurdecer o plenário. Pois a turma poupou os pulmões para a assuada, quando o presidente foi ao miolo dos privilégios: as viagens ao exterior teriam que ser autorizadas pela 3ª Secretaria para o mínimo de controle. Na mesma linha moralizadora, os gastos com as passagens seriam divulgados pela internet, e os créditos não gastos retornariam à Câmara.

O toque de moralização da Câmara provocou indignada reação do plenário. Pelo seu ineditismo, ao arrepio dos hábitos e costumes da Casa e pelo desaforo da tentativa de controle do uso e especialmente dos abusos com o dinheiro público. Se é público, é dos representantes eleitos pela sociedade. Mas o deputado Michel Temer não dá murro em faca de ponta. Com elegante mesura, deu meia volta e passou a decisão para o plenário, o que é o mesmo que confiar à raposa a guarda do galinheiro.

Na próxima terça-feira, a Câmara deverá oferecer à sociedade o espetáculo da impostura mais deslavada, com a fingida indignação dos berros de protestos pela má vontade da imprensa que não se comove com a cota de sacrifício do exercício do mandato.

Ora, vamos por partes. Está cada vez mais difícil decifrar a charada do que ganha cada um dos 513 deputados e dos 81 senadores.

Além de outras miçangas, o subsídio do deputado é modesto: R$ 15.519 mais a ajuda de custo de mais dois subsídios, no início e no fim de cada legislatura. Total: R$ 33.339. Some-se a imoralíssima verba indenizatória de R$ 15 mil mensais. Respire fundo, e vamos adiante. O deputado que não ocupa o seu confortável apartamento funcional, porque não mora em Brasília, embolsa o auxílio-moradia de R$ 3 mil. E as cotas de passagem aérea, dependendo da distância de Brasília ao estado que o parlamentar representa, baila entre R$ 3.760,00 e R$ 14.989,60.

O ato da Mesa da Câmara – tal como o senador José Sarney adotou no Senado – com o recuo do presidente Michel Temer será discutido, emendado e votado no plenário.

O enredo da orgia das mordomias começou na mudança precipitada da capital do Rio para Brasília inacabada. Mas o presidente Juscelino Kubitschek não abria mão de inaugurar a capital ainda no exercício do mandato e cedeu a todas as pressões dos que resistiam à mudança com a família para uma capital no ermo do cerrado, sem as condições mínimas de conforto.

Para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), as mansões à beira do Lago de Paranoá. Dobradinhas de salário para os barnabés dos três poderes. E para os deputados o cofre escancarado aos saques das mordomias, privilégios, vantagens e demais facilidades.

Mas era, e é, evidente que o saco natalino da mudança para Brasília foi uma meia-sola de emergência, com a validade do prazo em aberto até a consolidação de Brasília. É de uma evidência fora de dúvida que com Brasília com mais de 2 milhões de habitantes, uma metrópole moderna e com problemas de inchaço, nada justifica que os parlamentares não morem onde exercem os mandatos, o que reduziria consideravelmente o que se esbanja nos desperdícios nos três poderes.

Morando em Brasília com a família, a visita às bases ficaria para os vagares do recesso parlamentar que incluem o Natal e o Ano-Novo.

O que não passa de uma noite de outono.

Saúde Mínima

Paulo Pinheiro
DEU EM O GLOBO (24/4/2009)

Como na política a memória é curta, cabe relembrar as posições dos principais grupos a respeito da reforma do Estado brasileiro na ultima década. De um lado, os ferozes defensores da diminuição do tamanho do estado e, do outro, os que se opunham ao Estado mínimo – normalmente representados por partidos de esquerda.

Dez anos depois, as posições se invertem, aqui, no Rio de janeiro Aqueles que defendiam a flexibilização estão, agora, contra o projeto da prefeitura carioca de criar organizações sociais. Já os outros, que anteriormente a criticavam, estão sendo obrigados a votar a favor, já que integram a base de sustentação do governo municipal. Ou seja, utilizam-se critérios políticos, não técnicos.

Os que defendem a diminuição do tamanho do Estado no setor alegam que a legislação brasileira não permite uma razoável agilidade administrativa. O que parece pouco coerente é o fato de que, enquanto ocupa o poder, este mesmo grupo faz indicações políticas para cargos de gestão administrativa, isto é, não prioriza os quadros técnicos de carreira que tem disponíveis, dotando-os com as ferramentas que são proporcionadas aos quadros terceirizados.

Até agora, as tentativas de flexibilização da gestão da saúde deixaram seqüelas para a população. Em 1998, o governo tucano do Rio terceirizou a gestão dos hospitais de emergência (Projeto Help) entregando instalações, equipamentos e recursos para aquisição de insumos a empresas privadas sem experiência. No ano seguinte, os hospitais voltaram para a gestão pública completamente sucateados. O ex-prefeito César Maia também terceirizou a gestão do Programa Saúde da Família (PSF) em parte da Zona Oeste a um consórcio de universidades privadas. O resultado foi a mais baixa cobertura do Plano de Saúde Familiar no Brasil, 6%, além do atraso nos salários dos agentes de saúde.

A experiência mais recente foi a entrega da gestão do Hospital Municipal Ronaldo Gazola (Acari) a uma empresa privada - que também havia participado do malsucedido projeto Help. Depois de gastar R$ 80 milhões para construí-lo, R$ 30 milhões para equipa-lo e mais R$ 37 milhões para administrar e adquirir insumos, a Prefeitura tem hoje um hospital com vários leitos sem utilização, um centro de cidadania que não funciona e uma emergência fechada.

Agora, os ocupantes do Palácio da Cidade querem autorização do Legislativo para, mais uma vez, terceirizar a saúde municipal através das chamadas organizações sociais. Senhor prefeito, por que o mesmo caminho? Porque não dar uma oportunidade ao seu próprio governo e aos seus funcionários de carreira? Entregue o Hospital de Acari a profissionais de sua secretaria de Saúde e assine com eles um contrato de metas, dando-lhes recursos da moderna administração (autonomia financeira, pregão eletrônico etc) e cobrando com rigor os objetivos acordados. Como as indicações não serão político-clientelistas, estes mesmos funcionários poderão ser exonerados dos cargos de chefia sem desgaste e substituídos por outros técnicos. Dessa forma, se alcançaria o máximo da saúde, e não a saúde mínima representadas pelas organizações sociais.

Paulo Pinheiro é médico, vereador e líder do PPS na Câmara Municipal do Rio.

Um recurso mal-empregado

André Fialho *
DEU NA GAZETA DO POVO (PR)

O governo federal estendeu a redução de impostos para o setor automotivo – IPI para automóveis e a eliminação de Cofins e redução de IOF para motocicletas. Nenhuma medida para o transporte público, um dos maiores problemas das capitais e regiões metropolitanas. O governo federal ignora olimpicamente o transporte público enquanto as altas tarifas transferem milhares de usuários para o transporte individual, gerando o caos no trânsito das cidades. Sem o barateamento significativo das tarifas, não tem futuro o transporte coletivo no Brasil. A Argentina subsidiou as empresas e tirou impostos do diesel (no Brasil a multinacional Petrobrás não aceita), o resultado foi um grande crescimento do número de passageiros, o que ajudou a manter a tarifa baixa;

O governo federal aumentou o diesel em 2008 e não mexeu na gasolina. Segundo especialistas, atualmente o diesel no Brasil custa 45% a 68% mais caro que no exterior. O governo sequer usa os recursos da Cide para o transporte público, seja para financiar metrôs ou corredores de ônibus. O Paraná com sua política de preferência pelos pobres não reduziu os 18% do ICMS do diesel para o transporte coletivo. Além disso, as tarifas de ônibus carregam as absurdas gratuidades, sem subsídio. Os europeus chegam a subsidiar em até 60% suas tarifas.

É emblemático que os ônibus não tenham qualquer subsídio ou redução de impostos. Quanto ao transporte individual, aí sim o governo federal ajuda e muito: não eleva o preço da gasolina mesmo quando o barril de petróleo atinge os 150 dólares, ou seja, pratica renuncia fiscal para subsidiar o automóvel e financiar a compra de automóveis! Agora o clímax: anuncia eliminação de impostos para motocicletas. Com estas medidas, me atrevo a afirmar que o governo federal, sem saber, lançou mais um programa, o Piti, Programa de Incentivo ao Transporte Individual.

Não é necessário discorrer sobre a barbaridade que é incentivar o uso de motos: são mortes e acidentes, além da extrema poluição (ambiental e sonora) e a falta de segurança. Em países asiáticos como o Vietnã, a explosão de vendas tornou a moto um problema de saúde pública. No Brasil, pelo número de vendas de motos nos últimos 5 anos, estamos indo nesta direção. Montadoras de motos chinesas já estão instaladas em Manaus, com base em subsídios governamentais.

Incentivar e subsidiar o uso do automóvel e motos gera graves problemas de congestionamentos, poluição, gastos públicos para manter e construir vias e viadutos, gerenciar e fiscalizar o trânsito, além de aumentar os gastos com a saúde pública e com a previdência social (jovens inutilizados para o trabalho).

Caiu a arrecadação do FPM, fonte de sustento das prefeituras, para transferir recursos para os fabricantes de veículos e motocicletas. Embora seja louvável (a exemplo da malfadada CPMF) reduzir ou eliminar impostos em um país que gasta 37% do seu PIB com carga tributária, retirar imposto de automóvel não é uma medida sensata.

Uma alternativa para manter a indústria automobilística seria o incentivo à exportação, que a política econômica equivocada de juros altos e queima de reservas (para manter a moeda valorizada e a inflação controlada) não permite. Com os subsídios, em março venderam 17% acima de 2008. Sem os subsídios ainda venderiam mais que em 2007 e 2008.

Da mesma forma que aumentou em 30% o preço do cigarro – medida que irá resultar em redução do número de mortes por ataques cardíacos, efizemas, câncer e AVCs, além de menor gasto com saúde pública e previdência –, o governo deveria aumentar os impostos sobre automóveis, que também resultaria em menor número de acidentes, mortos e feridos (são 50 mil mortos por ano), menor gasto com saúde e previdência e anunciar medidas de incentivo ao uso do transporte público no País.

A política de transporte hoje no Brasil se resume a visão de manter o emprego de metalúrgicos do ABC e vender cada vez mais carros. Em 2003 eram vendidos 1,3 milhão de veículos, em 2008 foram mais de 2,8 de veículos por ano. Será que ainda precisam de subsídio? Até quando as cidades brasileiras e os cidadãos irão suportar a entrada de 3 milhões de veículos por ano nas ruas?

* André Fialho é engenheiro especialista em transporte público, consultor na área de transportes, membro da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP) e membro do PPS de Curitiba.

Rede ou escada

Cristovam Buarque
DEU EM O GLOBO


Nesta semana, em dois debates nos EUA — na Universidade do Texas, Austin, e na Universidade de Harvard, Boston — pude perceber como a idéia da Bolsa-Escola se espalhou pelo mundo, chamada genericamente de Transferência Condicionada de Renda, mas mantendo o registro do seu primeiro nome, iniciado em Brasília. Tive a oportunidade de notar que o programa tem sido decisivo para a criação de uma Rede de Proteção Social para atender a população pobre. E essa rede está surtindo resultados.

Os dois palestrantes principais em Austin — o ex-presidente Zedillo, que começou o projeto no México em 1997, e eu próprio, que iniciei no Distrito Federal em 1995 — apresentaram a origem, a lógica e o papel dos programas de transferência condicionada de renda. Todos os apresentadores de diversos países mostraram os resultados positivos na redução da pobreza no continente.

Com dados rigorosos, o professor brasileiro Ricardo Paes de Barros mostrou que, no Brasil, a renda dos mais pobres vem crescendo em ritmo muito maior do que a renda dos mais ricos e, segundo ele, a principal causa disso tem sido a Bolsa-Escola, ou Bolsa Família.

É gratificante ver a idéia consolidada internacionalmente, com resultados positivos e com sua origem brasiliense reconhecida.

Os dados mostram com clareza uma redução na concentração da renda. Mas não mostram o fato de que, muito provavelmente, esteja aumentando a desigualdade no acesso aos serviços públicos de saúde, educação, habitação, segurança, e também na perspectiva de futuro. Mesmo que essas variáveis estejam melhorando para os pobres, estão melhorando muito mais para os ricos.

Uma criança pobre vai à escola — o que é uma melhora, pois seus pais não iam. Mas os ricos vão à escola, fazem estágios no exterior, aprendem idiomas, ficam mais tempo na escola, dispõem de equipamentos modernos, fazem pós-graduação. O mesmo vale para os cuidados com a saúde, para o conforto na habitação. Estão melhorando para os pobres, mas para os ricos melhoram mais. O resultado é que, mesmo com menor desigualdade na renda, os pobres enfrentam hoje uma brecha maior na qualidade de vida em relação aos ricos.

Esses resultados permitem uma reflexão sobre o duplo significado de “redução da pobreza”: por um lado, redução nas necessidades essenciais dos pobres, especialmente comida; por outro, redução no número de pobres.

Mesmo reconhecendo o valor na redução da tragédia em que vivem os pobres, o propósito deve ser reduzir o número dos que vivem na pobreza e não apenas o tamanho da penúria que sofrem.

A primeira opção é a da “rede” de proteção, mantendo os pobres em situação de pobreza protegida. A segunda é da “escada”, oferecida para que os pobres saltem de uma situação de exclusão para a de inclusão social. O desafio está em saber como evoluir da necessidade da rede de proteção para a oferta de uma escada de ascensão.

O mundo tem, hoje, quase 20 milhões de famílias protegidas pela rede de proteção do tipo Bolsa-Escola, mas elas não têm acesso a educação de qualidade: única forma de trocar a rede pela escada.

Por isso, a mudança da política de rede para a política de escada deve se basear na garantia de educação com a mesma qualidade para todos.

Só essa revolução vai permitir enfrentar com seriedade, ética e dignidade o problema da pobreza.

A Bolsa-Escola, no seu início, tinha essa perspectiva. Era Bolsa (uma rede baseada na transferência de renda) e era Escola (uma escada baseada na educação).

Os seminários nas universidades americanas mostraram que o programa se consolidou, mas sofreu mudanças que o descaracterizaram, se concentraram na transferência de renda, contentando-se com a busca de uma rede de proteção, abandonando a busca de uma escada de ascensão. É possível que a escada surja como simples evolução da rede. Afinal, há até pouco tempo a própria ideia da Bolsa-Escola era repudiada, como política compensatória. Mas é possível que a tentação de ficar no mais simples dificulte o salto que vai ser necessário: da “rede” para a “escada”.

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).

Caminho da China

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

As exportações brasileiras para a China cresceram 135% só em março e fecharam o trimestre com alta de 63%. O país já é o segundo maior mercado brasileiro lá fora, atrás apenas dos EUA, mas o governo parece não entender a oportunidade.

A visita que o presidente Lula fará à China em maio terá apenas dois dias, menos tempo do que na Turquia, que era uma “parada técnica”.

Ainda não existe uma agenda para a viagem do presidente à China, o que dificulta a mobilização de empresários brasileiros e chineses, apesar de ontem ter terminado uma reunião de dois dias do Ministério do Desenvolvimento com os chineses.

Para o secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Rodrigo Maciel, o governo quer deixar claro que está descontente com a falta de investimentos e as dificuldades de acesso ao mercado de carnes chinês e que, dessa forma, desconfia se o país realmente considera o Brasil como parceiro estratégico.

Mas duvida que esta é a melhor forma de lidar com eles.

— Parece birra. Dizem que é de propósito, para mostrar insatisfação, mas não pode ser assim. Esta resposta, com a viagem, vai ser desastrosa.

Não vai ajudar em nada, e justo na hora em que a China está mostrando interesse na América Latina.

Só no primeiro trimestre, as exportações brasileiras para a China somaram US$ 3,4 bilhões, apenas US$ 200 milhões a menos que para os Estados Unidos, o maior comprador dos produtos brasileiros. O CEBC fez um estudo e constatou que dos produtos que os chineses compram, o Brasil poderia exportar 619 para lá. Destes, 147 poderiam ser vendidos rapidamente, “hoje mesmo”, segundo Maciel, como alimentos, toda a parte de produtos lácteos, carnes, cosméticos, produtos de higiene, autopeças, todo o setor de metalurgia, máquinas e eletroeletrônicos. A expectativa dos empresários era elevar as exportações brasileiras para 3% do total que a China importa até 2010, passando de US$ 16,4 bi em 2008 para US$ 30 bi em 2010, ampliando os produtos.

— Não vamos conseguir.

Podemos chegar no valor, mas com mais exportações de minério, soja e petróleo, sem diversificar a pauta. O valor é importante, mas é preciso diversificar. Com essa postura do governo, a China vai continuar comprando commodities aqui e ponto.

Negociar com a China é diferente, porque tudo passa pelo governo. É preciso que o país leve os empresários para lá e mostre a disposição de se tornar um parceiro comercial.

Os governos devem fazer parte deste processo, mostrando aos chineses as oportunidades de investimento.

Em 2008, por exemplo, a Espanha mandou ao país 42 missões empresariais, com o apoio oficial. O México também ampliou as conversas e o comércio com a China já cresceu cerca de 20% no primeiro trimestre de 2009.

— As exportações brasileiras para a China subiram, em março houve uma corrente de comércio absurda, eles já são o segundo maior parceiro no comércio internacional. Mas a atitude do governo é como se eles fossem um país irrelevante — diz Maciel.

A China iniciou diálogos estratégicos com alguns países, entre eles o Brasil, em 2007. De lá para cá, apenas duas reuniões entre brasileiros e chineses foram realizadas, contando com a desta semana, enquanto representantes dos Estados Unidos se encontram seis vezes ao ano com eles. Os EUA conseguiram a abertura do mercado chinês para produtos farmacêuticos e aviação comercial e a adoção de projetos de controle de emissão de dióxido sulfúrico pelo governo chinês, por exemplo.

Segundo Maciel, o Brasil não corre o risco de se tornar alvo de dumping da China caso reconheça a economia do país como de mercado, um dos assuntos que devem ser debatidos. O que tem problema, para ele, é exatamente não reconhecer, desde 2004, a economia chinesa como de mercado.

— Se tiver dumping, faz processo, investiga e, se resolver corretamente, não vai ter prejuízo para a relação.

O que prejudica é o governo não se mostrar disposto a negociar.

Até para se defender das exportações chinesas, que chegam mais baratas a diversos países e tomam mercado brasileiro, a saída seria a parceria com a China. Ontem mesmo eles aumentaram a devolução de impostos aos produtos têxteis exportados.

— Existem projetos de integrar a cadeia de produção chinesa com outros países, como os da América Latina.

Um exemplo seria o setor automotivo. Há discussões no BID para eles financiarem empresas da América Latina para elas serem fornecedoras das indústrias chinesas.

Aqui, a Vale e a Baosteel tinham um projeto na área de siderurgia, mas ele naufragou em janeiro. A Vale, aliás, está com dificuldades para negociar a venda de minério e já perdeu mercado para concorrentes indianos pelo aumento de preços no fim de 2008.

— Os chineses estão deixando claro que vão procurar outros fornecedores, mas eles sabem que não podem ficar sem a Vale.

A China é um dos poucos países que cresce neste momento, é objeto de desejo de todos os mercados mundiais.

É um desses fatos inevitáveis da vida atual. O presidente Lula ir lá é uma boa decisão; encurtar a visita e dar mais tempo à Turquia, para quem a gente vendeu só US$ 85 milhões neste ano, é uma esquisitice que só mesmo a diplomacia do governo Lula pode explicar.

Com Leonardo Zanelli

Desemprego atinge 2 milhões em março

Denise Menchen
Da Sucursal do Rio
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Jovens e mais escolarizados são os principais atingidos pela deterioração no mercado de trabalho, diz pesquisa do IBGE em 6 metrópoles

Taxa avança para 9% em um mês no qual desemprego costuma cair ou ficar estável; instituto vê falta de abertura de vagas em razão da crise

A taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas do país subiu pelo terceiro mês consecutivo e chegou a 9% em março, ante 8,5% em fevereiro e 8,6% em março do ano passado. O número de desempregados em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife cresceu 141 mil em relação ao mês anterior e superou os 2 milhões pela primeira vez desde setembro de 2007. Os maiores prejudicados foram os jovens e os mais escolarizados.

Segundo os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a expansão do desemprego decorre da falta de abertura de novas vagas no mercado de trabalho, o que pode ser atribuído à crise econômica internacional. Em março, o número de ocupados subiu apenas 9.000 em relação a fevereiro, enquanto a PEA (População Economicamente Ativa) aumentou 151 mil.

Para o coordenador da PME (Pesquisa Mensal de Emprego), Cimar Azevedo, a alta de meio ponto percentual em março é "significativa", especialmente porque, nos últimos cinco anos, esse vinha sendo um mês de estabilidade ou queda no desemprego, após as tradicionais altas do início do ano.

Segundo ele, o cenário afetou principalmente os jovens de 16 a 24 anos, que viram sua taxa de desocupação passar de 18,9% em fevereiro para 21,1% em março. O motivo é a falta de qualificação profissional e de experiência, problemas que se tornam ainda mais difíceis de contornar com o aumento da concorrência, devido ao desaquecimento do mercado.

Em relação à escolaridade, os menos afetados foram aqueles com até oito anos de estudo -a taxa de desocupação desse grupo permaneceu quase estável, ao passar de 7% em fevereiro para 7,1% em março, enquanto a dos demais grupos cresceu com mais ímpeto. Entre os trabalhadores que têm de 8 a 10 anos de estudo, o desemprego passou de 10,3% para 11,3%, e, entre aqueles com 11 anos ou mais, de 8,6% para 9,2%.

"Isso pode estar relacionado às atividades que as pessoas de maior escolaridade exercem. Houve muitas demissões na indústria. Existe também a possibilidade de estarem cortando os salários mais altos", afirmou Azeredo.

Ele destacou ainda que o emprego com carteira assinada também mostrou sinais de deterioração. Apesar de a queda de 0,5% em relação a fevereiro ser considerada irrelevante estatisticamente, a expansão de apenas 2,5% em um ano ficou bem abaixo da que vinha sendo verificada nesse tipo de comparação -em março do ano passado, por exemplo, o número de postos formais na iniciativa privada havia crescido 8,3% ante março de 2007.

Já o rendimento médio real permaneceu com bom desempenho. O valor de R$ 1.321,40 foi 5% superior ao verificado em março de 2008. Em relação a fevereiro deste ano, seis dos sete setores pesquisados apresentaram alta.

A exceção foi o setor de "outros serviços", que inclui turismo, hospedagem e gastronomia, em que o rendimento médio dos trabalhadores sente mais rapidamente a desaceleração da economia, já que, com menos clientes, caem também as gorjetas e as comissões. A queda de 6,1% nesse segmento é o que explica a pequena variação de -0,2% na renda da população ocupada em março, segundo o IBGE.

Embargo a Cuba!

Cesar Maia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

EM DEZEMBRO de 2004, em nome de representantes das cidades presentes na recepção para comemorar os 485 anos de Havana, afirmei que, visto de uma perspectiva liberal, o embargo econômico dos EUA a Cuba era uma gigantesca irracionalidade, inclusive política. Visitei Havana com toda a liberdade, conhecendo os progressos da revitalização do centro histórico e as ruínas e cortiços de toda a área que está fora desse núcleo. Conversei com os seus dirigentes.

Meses depois, assisti a um documentário alemão, "Memórias das Ruínas", sobre as pessoas que viviam naqueles destroços de casas, de antigos restaurantes e de teatros. O documentário, além de mostrar as ruínas e os cortiços, entrevistava seus moradores permanentes. Queria saber das razões, se havia memória sobre o que era antes aquele imóvel e associá-la ao equilíbrio emocional das pessoas que fizeram essa escolha.

Registrei quatro depoimentos. O de um fazendeiro, expropriado pela revolução, que optou por ficar em Cuba e morar na casinha de caseiro. Seu telurismo o impedia de viver como rico em Miami. O outro, de uma mulher que fez essa opção por conflito e exclusão familiar. O terceiro, de um homem que morava em um antigo teatro e vivia um desequilíbrio mental leve e lúdico, tanto que usava o palco e as instalações do teatro para atuar, solitário e sem público.

Finalmente, o depoimento que mais chamou minha atenção foi o de um professor e escritor dissidente, que cumpriu pena na prisão. Solto, não poderia sair de Havana. Escolheu para morar uma minicobertura de um cortiço. Tinha-a bem arrumada, com plantas e flores nos muros disponíveis, entre passagens apertadas. Seu depoimento teve caráter político. Disse que havia, por parte de Castro e de seu grupo, o interesse em manter o binômio embargo/ruínas. Que as ruínas/cortiços eram usados como consequências do embargo e ofereciam mais que discurso: imagens fortes do cerco a Cuba.

Ele assegurou que o embargo era a outra face da moeda, pois permitia ao governo 1) demonizar o seu inimigo, os EUA, e 2) colocar-se em posição de vítima -e, com isso, manter o povo solidário e mobilizado, usando o nacionalismo como arma. Por fim, afirmou que o embargo era do maior interesse de Castro e que ele encontraria qualquer desculpa para preservá-lo. Manter o embargo, portanto, era ingenuidade dos EUA, pois estava fazendo o jogo de Cuba. Bem, agora, com a posição pública de Obama, será possível testar a avaliação do professor dissidente e saber se realmente interessa a Cuba manter o embargo para agregação interna e, sendo assim, quais serão os próximos pretextos.

Cesar Maia escreve aos sábados nesta coluna.

25 de Abril de 1974 – Revolução dos Cravos – Portugal, fim da ditadura

Vale a pena ver os videos

As músicas de

Chico Buarque - Tanto Mar http://www.youtube.com/watch?v=PsJpeR2K-is

25 de Abril - Revolução dos Cravos http://www.youtube.com/watch?v=RhDXm9fu1P0&feature=related


Foi o movimento que derrubou o regime salazarista em Portugal, em 1974, de forma a estabelecer as liberdades democráticas promovendo transformações sociais no país. Após o golpe militar de 1926, foi estabelecida uma ditadura no país. No ano de 1932, Antônio de Oliveira Salazar tornou-se primeiro-ministro das finanças e virtual ditador. Salazar instalou um regime inspirado no fascismo italiano. As liberdades de reunião, de organização e de expressão foram suprimidas com a Constituição de 1933.

Portugal manteve-se neutro durante a Segunda Guerra Mundial. A recusa em conceder independência às colônias africanas estimulou movimentos guerrilheiros de libertação em Moçambique, Guiné-Bissau e Angola. Em 1968 Salazar sofreu um derrame cerebral e foi substituído por seu ex-ministro Marcelo Caetano, que prosseguiu com sua política. A decadência econômica e o desgaste com a guerra colonial provocaram descontentamento na população e nas forças armadas. Isso favoreceu a aparição de um movimento contra a ditadura.

No dia 25 de abril de 1974, explode a revolução. A senha para o início do movimento foi dada à meia-noite através de uma emissora de rádio, a senha era uma música proibida pela censura, Grândula Vila Morena, de Zeca Afonso. Os militares fizeram com que Marcelo Caetano fosse deposto, o que resultou na sua fuga para o Brasil. A presidência de Portugal foi assumida pelo general António de Spínola. A população saiu às ruas para comemorar o fim da ditadura e distribuiu cravos, a flor nacional, aos soldados rebeldes em forma de agradecimento.