quarta-feira, 29 de abril de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

"Na realidade, o americanismo, em sua forma mais completa, exige uma condição preliminar: “a racionalização da população”, isto é, que não existam classes numerosas sem uma função no mundo da produção, isto é, classes absolutamente parasitárias. A “tradição” européia, ao contrário, caracteriza-se precisamente pela existência de tais classes, criadas por estes elementos sociais: o clero e os intelectuais, a propriedade fundiária, o comércio. Estes elementos, quanto mais velha for a história de um país, tanto mais depositaram durante os séculos sedimentações de gente ociosa, que vive da “pensão” deixada pelos “avós”.”
(Antonio Gramsci, nos “Cadernos do Cárcere”, volume 6, pág. 346 – Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 2002)

A sucessão em tempo de espera

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O imponderável - a enfermidade de que foi acometida a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff - acaba de expor de forma dramática os malefícios da decisão do presidente Lula de precipitar com uma antecedência absurda a campanha para a sua sucessão. Pouco mais de um ano depois de iniciar o seu segundo mandato, quando a etapa seguinte do ciclo político era ainda a das eleições municipais, ele já cuidava, com um empenho que jamais demonstraria na gestão do governo nacional, de promover a ministra Dilma como a sua candidata em 2010.

Apesar do desconforto dos seus companheiros petistas, solenemente ignorados na imposição de um nome sem lastro partidário nem bagagem eleitoral, da reticência de uma base aliada às voltas com as suas próprias ambições e da perplexidade de muitos com a sua obsessão em cercar desde logo o campo sucessório da situação, Lula foi em frente.

Servindo-se de uma pirotecnia - o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - pôs o aparato federal a girar ao redor da ministra. E, principalmente, acionou os recursos de poder do Executivo para propagar a sua imagem como símbolo de operosidade e competência. Valeu-se até da nova conjuntura recessiva para associar a figura da "mãe do PAC" às políticas para a superação da crise econômica com investimentos sociais, no caso do programa habitacional "Minha casa, minha vida".

Ainda agora, na primeira aparição de Dilma depois da entrevista em que revelou o seu quadro clínico, reafirmou que ela é a sua candidata e procurou sugerir um paralelo entre o desafio pessoal que a confronta e o alcance da sua missão no governo. "No fundo, o que estamos construindo é um patrimônio da nação e ela tem a responsabilidade de ser a grande gerente disso", discursou ele num comício do PAC em Manaus. "Nós não podemos deixar parar e eu tenho a convicção de que ela não vai parar um minuto."

Contraditoriamente, afirmou que "a prioridade zero" da ministra é cuidar da sua saúde, embora, em um dos seis eventos de que participaram na segunda-feira, a aconselhasse a "enfiar a cabeça nesse PAC 24 horas por dia". Ao que ela comentou com um sorriso e uma ponta de ironia: "Ah, as 18 horas de hoje não são suficientes?"

Diante da adversidade, por sinal, o seu comportamento em público tem sido irrepreensível. Com leveza, lembrou aos jornalistas que a assediavam em Manaus que aquele não era o seu primeiro dia de trabalho - e, à pergunta inevitável, respondeu que "nem amarrada" falaria dos seus planos para 2010. As reações ostensivas dos políticos à notícia do seu problema também foram, em geral, dignas, quando não solidárias. O presumível candidato tucano ao Planalto, José Serra, por exemplo, considerou "desrespeitoso" misturar a saúde da ministra com a sucessão presidencial. "Não é apropriado e é até de mau gosto", ressaltou.

De todo modo, é inegável que a perplexidade se instalou nos meios políticos e que, não obstante Lula reafirmar a sua preferência por Dilma, a sucessão entrou numa fase de incerteza. O deputado Michel Temer, presidente licenciado do PMDB, talvez tenha sido mais franco do que a ocasião recomendava quando observou, ainda no sábado, que é preciso "esperar para ver o resultado do tratamento". Mas ele externou o estado de espírito que passou a prevalecer não só entre os seus pares de todo o espectro partidário, como também das forças sociais interessadas na configuração do primeiro pleito presidencial no País sem a candidatura Lula desde 1989. Esse desassossego representa um fardo psicológico adicional para a ministra - do que ela estaria poupada a esta altura se o seu patrono não tivesse privilegiado as suas conveniências egoístas a ponto de levantar prematuramente uma onda eleitoral, doravante à mercê dos azares da condição humana.

No melhor dos mundos, a extrema antecipação da campanha seria já um desserviço ao interesse nacional. Com a crise e, agora, as dúvidas legítimas sobre o próximo período de governo, a depender do desfecho da sucessão, o senso de onipotência do presidente Lula acaba impondo ao processo político e ao País uma perturbação insuspeitada - e desnecessária. Façamos votos, de qualquer forma, para que a ministra Dilma Rousseff supere a tempo e a hora as suas vicissitudes pessoais.

Enfermidade fortalecerá a campanha ou abrirá espaço para outra candidatura

Jarbas de Holanda
Jornalista


Amparado pelo clima de solidariedade humana e de condicionamento político oposicionista que se gerou com o anúncio da quimioterapia a que será submetida a ministra Dilma Rousseff, o presidente Lula utilizou uma agenda de atos administrativos dos governos federal e do Amazonas, realizados anteontem em Manaus (e desdobrados ontem) como verdadeiros comícios em favor da candidatura dela. O que o Globo resumiu em reportagem com o título “Lula leva doença de Dilma ao palanque” e a seguinte abertura: “Em clima de campanha eleitoral, em que o pano de fundo era a doença da ministra, o presidente não teve problema em levar aos palanques o câncer de sua candidata. Num dia de vários eventos ao lado de Dilma, e após declarar que ela vai ‘enfiar a cabeça nesse PAC’ para ajudar na sua cura, Lula ergueu a mão da ministra”. Mas a capitalização por Lula da quimioterapia de Dilma como arma de envolvimento emocional do eleitorado (que pode funcionar bem, pelo menos durante algum tempo), combinada com incisiva reafirmação de que ela é sua candidata, não está conseguindo conter outro efeito do referido anúncio: o desencadeamento de especulações e já de algumas articulações em torno de possível substituição da pré-candidata presidencial lulista. Assim tratadas na coluna de ontem de Eliane Cantanhêde, na Folha de São Paulo: “A palavra de ordem de Lula é ‘nada muda’. A da oposição é que ela vai sair dessa. Mas todos sabem que tudo depende de como Dilma vai atravessar o duro teste de quimioterapia, a cada três semanas, por quatro meses, com um outro prazo pairando no ar: certezas, só depois de cinco anos. O linfoma foi descoberto muito precocemente, dizem uns médicos. Mas é do tipo agressivo, ressalvam outros”.

Abordagens mais detalhadas das implicações da enfermidade da ministra candidata foram feitas pelos jornalistas Raymundo Costa, do Valor, e Merval Pereira, do Globo, em suas colunas da terça-feira. Trechos do artigo do primeiro, intitulado “Ponto de inflexão na sucessão de 2010”: “Queira ou não o presidente da República, o fato é que a doença da ministra Dilma Rousseff recolocou a questão da candidatura do PT à sucessão de 2010 no radar dos políticos. Nada ‘abominável’, como sugeriu o presidente. Apenas um dado novo da conjuntura política. Pode dar em nada mas no momento é o que agita os bastidores de Brasília. À primeira vista, vencendo o câncer Dilma pode até sair com sua candidatura fortalecida. Mas o cenário da próxima eleição presidencial sem o nome da chefe da Casa Civil na chapa é assunto sobre o qual não é nem ‘infundado’ nem ‘desrespeitoso’ especular. Mais adiante: “É certo que o PT imagina a ministra bem à frente (do que está) nas pesquisas, já agora no fim de abril. Mas não pensava em substitui-la... Dilma nunca foi uma candidata orgânica. Ela é candidata de Lula e do governo. O PT se rendeu a ela. Sem a ministra, o nome da base aliada que salta aos olhos é o de Ciro Gomes (PSB), veterano de duas campanhas e atualmente à frente da ministra nas pesquisas. É um nome do qual Lula já esteve mais próximo e que o PT não engole. O PT, nessa hipótese tem mais de um nome para colocar no pano verde. O PMDB imagina poder cooptar o tucano Aécio Neves, com o auxílio de Lula, mas este é um cenário ainda mais favorável a José Serra, o atual líder das pesquisas – a avaliação política é que é muito difícil a adesão de grande parte do PT e a da parcela serrista do PMDB ao governador de Minas Gerais”. Mais dois trechos do artigo de Raymundo Costa: “Resumo da ópera: com Ciro, Aécio e o PT com dois ou três nomes, o Palácio do Planalto não tem uma opção capaz de catalizar o governismo”. Aí ele avalia “que se abre o caminho para aventuras que se julgava passadas, como a reapresentação da proposta de terceiro mandato para o presidente da República, no segundo semestre”.

Merval Pereira iniciou seu artigo – “Imagem” – afirmando: “Como era inevitável, a doença da ministra Dilma Rousseff passou a ser o principal tema político do país, e partiu dos próprios petistas o sinal para que o tratamento do câncer entrasse para o rol dos fatos políticos ponderáveis na sucessão do presidente Lula”. Outros trechos da avaliação: “Ora, com o consentimento da própria, tudo indica que está sendo armado um esquema em torno da doença, provavelmente para controlar a tendência inevitável de setores políticos começarem a especular sobre um eventual plano b, caso ela não consiga prosseguir no papel de candidata”. “O PMDB já começa a querer a cabeça da chapa caso a ministra não possa se candidatar, na presunção de que todos no PT são “japoneses”, na definição do ministro José Múcio, e se a “japonesa” não puder concorrer, não há porque improvisar outro “japonês”, seja ele Patrus Ananias, Fernando Haddad ou Tarso Genro. O PMDB se arvora em dar a cabeça da chapa mesmo sem ter um japonês melhor do que o PT. Talvez sonhando novamente com o governador de Minas Aécio Neves. Mas seria essa uma manobra tão radical que é difícil de se concretizar”.

A horta de Obama também brotou nos cem dias

Marcos Sá Corrêa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governo Barack Obama soltou tanta notícia bombástica nesses cem dias que ninguém lembrou de verificar a quantas andam as hortaliças que a primeira-dama plantou em março nos jardins da Casa Branca. O gesto pareceu simbólico, quando 25 alunos de uma escola pública de Washington foram convidados para um piquenique na residência oficial e aprenderam a cavucar no gramado sul o canteiro de cento e poucos metros quadrados para instalar a agricultura orgânica a poucos passos da mesa do presidente.

Mas Michelle Obama declarou, na ocasião, que pelo exemplo esperava ver as crianças convencerem suas famílias, que por sua vez mostrariam aos vizinhos, que de casa em casa ensinariam aos Estados Unidos as vantagens de plantar o que se come.

Sob os propósitos de longo prazo, o canteiro da Casa Branca tem a intenção de, a curto prazo, produzir concretamente verduras para a família Obama.

Foi feito a gosto dos fregueses. Os planos incluem uma colmeia, para o mel a domicílio. Não tem beterraba, o presidente não gosta. Tem rúcula, que sua mulher aprecia. E pelo visto o casal concorda em matéria de pimenta vermelha, espinafre e manjericão.

Ao todo, serão 55 espécies. Senão para já, pelo menos para breve. O milho plantado na virada da primavera americana deverá ter espigas maduras balançando ao vento em 4 de julho, no feriado da independência. Muito além dos cem dias. E custou uma pechincha. Em sementes, seu preço não passou de US$ 200. De quebra, é um santo remédio contra a notícia da febre suína.

Vistos do Brasil, a distância, esse projeto de horta se perde no pano de fundo quase folclórico da era Obama, em que os Estados Unidos estreiam um presidente como se reinventassem o país. O Brasil também passou por isso, anos atrás, quando tudo deu para acontecer pela primeira vez em sua história. Mas, aqui, o mais perto que se chegou do emprego em políticas públicas de um terreno privativo da residência presidencial foi o jardim de flores vermelhas, em forma de estrela, que dona Marisa encomendou em 2005. Marcava a ascensão do PT ao poder, no primeiro governo Lula. E não foi concebido para dar fruto, apesar de ser um produto típico da euforia que lançou o Fome Zero.

A diferença entre o movimento que queria dar comida ao povo brasileiro e o que quer ensinar o povo americano a se alimentar se encaixam em pequenas, quase imperceptíveis mudanças de atitude que, aproveitando o embalo da crise econômica, reconhecem oficialmente que o mundo, daqui para a frente, nunca mais será o mesmo do ano passado. É a parte mais discreta dos cem dias.

Poucos se lembraram, esta semana, de que o novo governo americano aumentou substancialmente no orçamento a verba para a conservação de trilhas e para a aquisição de reservas, simplesmente por serem essas das apostas mais baratas que pode fazer no futuro, ao abrir agora seus cofres a medidas urgentes de socorro à mão de obra que a recessão desempregou.

Porque as crises um dia passam. E essas coisas ficam.

O canteiro de Michelle Obama na Casa Branca se enraíza nos "jardins da vitória" que a primeira-dama Eleanor Roosevelt plantou na Segunda Guerra Mundial. Adubados pelo fervor patriótico da mobilização, eles chegaram a suprir um terço do consumo doméstico americano, enquanto as tropas combatiam na Europa. Essas hortas, quando pegam, vão longe.

* É jornalista e editor do site O Eco (http://www.oeco.com.br/)

Serra e Aécio acertam detalhes sobre as prévias do PSDB

Eduardo Kattah, Belo Horizonte
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Escolha interna deve ser feita até fevereiro de 2010

Em encontro reservado na noite de anteontem, em Belo Horizonte, os governadores Aécio Neves (MG) e José Serra (SP) acertaram alguns pontos do processo de escolha do candidato tucano à Presidência em 2010. Serra aceitou participar de viagens pelo País com o mineiro, que cedeu aos argumentos do paulista e concordou que as prévias - caso não haja acordo - sejam realizadas entre dezembro deste ano e fevereiro do ano que vem.

O governador de São Paulo demonstrava pouco entusiasmo com a proposta de viagens conjuntas lançada por Aécio. Este, por sua vez, defendia que a eventual consulta interna fosse realizada em outubro, novembro ou, no máximo, em dezembro. "Fui sensível aos argumentos do governador Serra, que acha que, principalmente no seu caso, um governador de primeiro mandato, antecipar muito esse calendário traria para ele algum desconforto", disse ontem Aécio, após se reunir com a bancada estadual do PSDB, no Palácio da Liberdade.

O mineiro espera já a partir de maio iniciar o périplo pelo País. A ideia é que seja realizada pelo menos uma viagem por mês, algo que Serra considerou "razoável", segundo Aécio. "Obviamente numa velocidade que não comprometa as nossas responsabilidades", destacou.

Para o governador de Minas, as viagens servirão também para dar um "start". "E dá visibilidade ao partido, é uma forma adequada, correta, de nós nos contrapormos à movimentação que o governo federal continuará fazendo."

CONVERGÊNCIA

O encontro reservado já havia sido combinado há pelo menos duas semanas. Uma espécie de retribuição de Serra a uma reunião secreta que os dois tiveram em São Paulo, segundo Aécio. O governador mineiro recebeu um telefonema de Serra no domingo à noite e o jantar foi marcado. "Poucas vezes estivemos com tanta convergência em torno de tantas questões", disse Aécio, lembrando que Serra "admite claramente" que as primárias podem ocorrer.

De acordo com o governador de Minas, o assunto chapa puro-sangue - sobre a qual tem se manifestado contra - não foi tratado abertamente. "Sabemos que temos oportunidade real de disputar com chances as eleições. E que para essa eventual vitória a nossa unidade é fundamental. Senti o governador Serra admitindo absolutamente todos os cenários, como eu próprio admito", contou.
FRASE
Aécio NevesGovernador de Minas

"Fui sensível aos argumentos do governador Serra, que acha que antecipar muito esse calendário traria algum desconforto"

Tom eleitoral marca encontro de ministra com prefeitos do AM

Liège Albuquerque, Manaus
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Petista foi apresentada como "sucessora natural de Lula"

O clima foi de palanque na apresentação do balanço de dois anos do Plano de Aceleração de Crescimento (PAC) a prefeitos dos 62 municípios do Amazonas. Políticos e autoridades louvaram a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, como "a sucessora natural de Lula" e "a grande realizadora das obras do PAC". "Essa mulher trabalha 18 a 20 horas por dia, ela ter de fazer um PAC ao contrário na vida dela e desacelerar", brincou o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento.

Aplaudida pelos prefeitos, a ministra prometeu empenhar-se pessoalmente no cumprimento das metas do plano no Amazonas. "É aqui e no Nordeste que a visão do presidente é mais prioritária", disse.

A ministra recebeu do governador Eduardo Braga (PMDB) um projeto de parceria dos governos federal, estadual e iniciativa privada no programa habitacional "Minha Casa, Minha Vida". O programa pretende construir 7 mil casas e apartamentos para famílias que ganhem até 3 salários mínimos até 2010.

Em entrevista coletiva após a apresentação, Dilma irritou-se com uma pergunta sobre o número pequeno de obras do PAC concluídas nesses dois anos. No item da infraestrutura logística, por exemplo, das 37 obras, apenas sete foram concluídas. "Você esquece que o Brasil passou 25 anos sem investir em obras e terminou em apagão. Nós estamos construindo as obras do PAC dentro da lei, com as burocracias existentes e necessárias, como as de relatórios de impacto ambiental, por exemplo."

A ministra também ficou irritada ao ouvir que as críticas da oposição são de que as obras estão desaceleradas para serem apressadas mais próximas à eleição. "Se alguém acha isso, problema de quem acha. A forma que estamos fazendo é a possível, em meio a uma crise econômica mundial."

Pesquisa medirá efeito eleitoral da doença

Kennedy Alencar
Da Sucursal De Brasília
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Estrategistas da pré-candidatura vão pedir levantamento sobre a recepção popular à notícia do tratamento contra câncer de Dilma

Preocupação principal das cúpulas do governo e do partido é com a leitura das faixas de menor renda e de menor escolaridade


Além do resultado do tratamento médico, o Palácio do Planalto e o PT se preocupam com a administração do impacto político no eleitorado da revelação de que a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) faz quimioterapia preventiva contra um câncer. A ministra é potencial candidata à Presidência.

Apesar do discurso otimista, a Folha apurou que há dúvidas nas cúpulas do governo e do PT. Uma pesquisa será feita por estrategistas da eventual candidatura presidencial de Dilma para avaliar a recepção da notícia de que a ministra extraiu um tumor maligno e de que necessitará de quatro meses de quimioterapia.

A preocupação maior é com a leitura das faixas do eleitorado de menor renda e de menor escolaridade -se será mais positiva ou negativa. Há uma solidariedade natural a alguém que luta contra uma doença que poderia até fortalecer a eventual candidatura, elevando a taxa de intenção de voto.

Na última pesquisa Datafolha, de março, Dilma obteve 11% no cenário em que concorre com José Serra (PSDB).

No entanto, o câncer ainda é uma espécie de tabu para os estratos mais pobres e menos escolarizados, sendo uma doença ainda bastante associada à ideia de fatalidade. Por isso o governo e o PT têm insistido na argumentação dos médicos de que a chance de cura é de mais de 90%, porque o tumor foi descoberto em estágio inicial.

O temor do governo e do PT é que, mesmo curada, prevaleça a leitura de que Dilma poderá ter um problema sério de saúde no futuro, que possa comprometer seu desempenho caso seja candidata e vença a disputa presidencial de outubro do ano que vem.

Cautela

A oposição tem tratado com cautela o assunto, mas a saúde é um fator importante para quem deseja ser candidato à Presidência. Numa campanha, evento em que naturalmente há acirramento de ânimos, o PT avalia que a oposição poderia relembrar enfaticamente o trauma que o Brasil sofreu com a morte de Tancredo Neves, em 1985, presidente eleito que não chegou a assumir o cargo.

Quem conversou com Lula reservadamente nos últimos dias notou preocupação, mas, por ora, uma certeza: Dilma é mesmo a sua candidata. Não é um discurso da boca para fora.O presidente conversou com médicos de sua confiança, que disseram a ele que, se o tratamento preventivo for um sucesso, a ministra não terá empecilho de saúde para disputar o Palácio do Planalto.

A ordem presidencial, portanto, é reforçar o discurso otimista e divulgar que o câncer, ao contrário do passado, é hoje uma doença que pode ser mais facilmente curada. Nas próximas semanas, creem estrategistas políticos do PT, já será possível medir em pesquisa a reação do eleitorado.

Mas é considerado fundamental a forma como Dilma reagirá ao tratamento. Por ora, ela tem demonstrado boa disposição física e psicológica. O tratamento está previsto para durar quatro meses.

Oposição discute o uso da palavra câncer

Catia Seabra
Da Reportagem Local
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Nomes do PSDB para a disputa presidencial de 2010, os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, manifestaram anteontem, num jantar a dois, preocupação quanto à exploração política do estado de saúde da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Segundo tucanos, Serra e Aécio concordaram que há uma tentativa de uso político da doença da ministra -que será submetida a quimioterapia para combater um câncer linfático- e discutiram como reagir à estratégia, atribuída ao ministro Franklin Martins.

Ainda segundo tucanos, os dois avaliam que a imagem de lutadora poderá render dividendos eleitorais à ministra. No PSDB, a disposição é constranger o governo.

Num primeiro momento, os tucanos pretendem apenas expor o que acreditam ser manobra petista. Mas há quem defenda o uso da expressão câncer -assustadora para boa parte do eleitorado- para intimidar petistas dispostos a capitalizar a doença da ministra.

Ontem, o presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE), foi porta-voz dessa indignação. "Da mesma forma que é um desrespeito fazer especulação sobre a doença da ministra, transformar a doença em animação eleitoral é um desrespeito ao eleitor", disse Guerra.

Por enquanto, avisa, a intenção é "denunciar o governo". "Fica muito mal para o governo fazer essa exploração política. Vamos mostrar isso. Para nós, esse assunto tem que ser encerrado", disse Guerra.

Além do pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva -para que se reze pela ministra- os tucanos ficaram particularmente preocupados com as frequentes aparições de Dilma na televisão.

A “transa” dos políticos

Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

A velha tensão entre o bem comum e os negócios divide os políticos, assim como entre a “ética das convicções” e a “ética da responsabilidade”

A Mesa da Câmara dos Deputados decidiu pôr um ponto final na chamada farra das passagens aéreas, com regras rígidas para seu uso por parlamentares e assessores, inclusive os líderes de bancada. Espera, com isso, reencontrar seu rumo. Não será fácil. Os desgastes do Congresso — o que inclui o Senado —, catalisados por denúncias de corrupção na máquina administrativa, de abusos de mordomias e outras mazelas, não serão revertidos nesta legislatura. Somente a eleição de 2010 purgará esses males, renovando as duas Casas, mesmo que antes algumas cabeças sejam cortadas por seus pares, como é de praxe.

Política miúda

A correlação entre a atividade legislativa e a eleição dos parlamentares se tornou um grande mistério. Hoje, se depender de um projeto de lei de sua autoria aprovado no Congresso, um parlamentar em primeiro mandato jamais será reeleito. Às vezes, uma boa lei leva décadas para ser votada em plenário, com seu autor já fora da Casa. A reeleição depende de “estruturas” de campanha e da “transa” política.

O governo é o primeiro a usurpar, com suas medidas provisórias, o poder de legislar dos parlamentares e afastá-los da grande política. O padrão estabelecido pelo falecido senador Nelson Carneiro (PMDB-RJ), que aprovou a lei do divórcio e tinha um portfólio de dezenas de leis trabalhistas aprovadas, é coisa do passado no Senado. O mesmo vale para os colegas do falecido deputado Dante de Oliveira (PMDB-SP), autor da emenda que motivou a campanha das Diretas Já. Honrosas exceções, como a deputada federal Rita Camata (PMDB-ES), autora do Estatuto da Criança e do Adolescente e de outras leis correlatas, correm o risco de serem tragadas pela crise ética que atravessa o Congresso. Rita é uma dos parlamentares criticados por utilizar o auxílio-moradia da Câmara. Como outros deputados da chamada “banda ética” da Casa, teve a imagem arranhada por causa das “mordomias” existentes no Congresso. O mesmo vale até para quem prefere o papel fiscalizador ao de legislador. O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), por exemplo, falhou. Mas denunciou o próprio erro: beneficiar a filha com uma passagem para o exterior.

A crise ética é um produto da política miúda que predomina no Congresso. A grande política, quando reaparece, assume formas estranhas, como a tese do terceiro mandato para o presidente Lula do deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) ou o desabafo do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que sugeriu um plebiscito para o povo decidir se deve fechar ou não o Congresso por uns tempos. Com a atividade legislativa amesquinhada, o que predomina no Congresso é a “transa”. Ou seja, os pequenos acordos, arranjos, favores, apadrinhamentos, privilégios, lobbies escusos e tudo o mais que a opinião pública condena. Funcionam como mecanismos de reprodução dos mandatos.

Grandes negócios

Quando um novato assume o mandato, é orientado pelos colegas a usufruir de tradicionais prerrogativas: o broche de parlamentar, o apartamento funcional ou auxílio-moradia, a cota de passagens aérea, a verba indenizatória, os cargos que deve preencher por livre nomeação, a verba de gabinete para contratar funcionários. Tudo isso, até agora, fazia parte do mandato, como um salário indireto, meio na moita. Com os abusos flagrados, receberam um xeque-mate da opinião pública.

Porém, há muito mais a fragilizar o Congresso e desmoralizar deputados e senadores. O lobby empresarial, por exemplo, descobriu o caminho das pedras e se soma ao Executivo para esvaziar a atividade legislativa e o debate da grande política. Por baixo dos panos, junto a assessorias dos ministérios ou relatores das medidas provisórias, faz contrabando de privilégios e maracutaias em matérias aprovadas de cambulhada. Ou, então, em projetos de lei que tramitam em caráter terminativo nas comissões do Senado e da Câmara. As mordomias dos parlamentares são um café pequeno diante dos “gatos” incluídos na legislação, concedendo isenções ou privilégios tributários, normas onerosas para o poder público ou os cidadãos, em favor de empreiteiras, bancos, seguradoras, empresas de comércio exterior, grandes sonegadores, o agronegócio e por aí vai. Quem paga a conta é povão.

Sem projetos de Nação, longe da grande política, das soluções para a crise econômica e das candidaturas à sucessão presidencial de 2010, mas de olho na renovação de seus mandatos , os políticos agora descobrem os riscos das miudezas da política da “transa”. Pequenas vantagens patrimonialistas e fisiológicas viram grandes infortúnios eleitorais. É a velha tensão entre o bem comum e os negócios, que sempre separa os políticos. A dualidade da “ética das convicções” e da “ética da responsabilidade”, de que nos falava Max Weber em A política como vocação, pauta a mídia e a sociedade.

Lula: ninguém se fortalece com câncer

DEU EM O GLOBO

Dilma diz que seria de mau gosto explorar sua doença, positiva ou negativamente

RIO BRANCO, MANAUS E BRASÍLIA. Um dia após pedir em discurso orações pela ministra Dilma Rousseff, o presidente Lula criticou ontem a avaliação feita por ministros como Fernando Haddad (Educação) e o assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, de que ela sairá fortalecida politicamente do episódio envolvendo sua doença. Dilma também condenou essa avaliação.

- Eu, sinceramente, não posso imaginar como é que alguém sai fortalecido porque teve um câncer. E só estou desejando a recuperação da Dilma. Ela certamente não tem nada mais. O câncer já foi tirado, é só um tratamento preventivo, graças a Deus - disse Lula, em entrevista após encontro com o presidente do Peru, Alan García, em Rio Branco. - Não sei como alguém pode explorar um problema de saúde. Sobretudo para uma pessoa jovem e disposta como a Dilma.

Em Manaus, Dilma condenou a exploração política de sua doença:

- Não vi até agora conduta exploratória por parte de ninguém. Está bastante respeitoso o tratamento. Seria de muito mau-gosto tentar, de uma forma ou de outra, explorar, seja no sentido negativo ou positivo.

A ministra falou do período que viveu a expectativa dos exames sobre o linfoma:

- A gente passa um tempo torcendo para aquilo não ser, né? Até que confirmam que aquilo é. E você tem que enfrentar. Fiquei 23 dias esperando, e tinha dia que achava que era e dia que achava que não era. Até que chegou o resultado final. Tive apoio do presidente Lula e fiz a comunicação. Até porque isso não é bicho de sete cabeças. É só uma doença. E doença é um desafio e desafio a gente enfrenta, passa por cima e supera.

Lutando contra o câncer desde 1987, o vice José Alencar disse que Dilma deve enfrentar a doença com serenidade e sugeriu que se dedique ao trabalho:

- Eu tenho bastante experiência de câncer. O tratamento é normal para que haja cuidado maior, porque o câncer já foi extirpado. É muito importante que ela vá avante com o trabalho.

Doença e política

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A revelação de que a ministra Dilma Rousseff tentou esconder até o ultimo momento sua doença, pretendendo se tratar em segredo, derruba a teoria engendrada pelos marqueteiros oficiais de que tudo foi feito com a máxima transparência, por orientação do presidente Lula e desejo da ministra. Já se tratando há um mês do câncer linfático, Dilma foi alertada de que jornalistas já tinham a informação da doença, e tentou negar sua existência, até que a notícia da "Folha" a obrigou a admitir em público o que queria esconder. Sua postura "corajosa" na entrevista coletiva, portanto, já fazia parte de um esquema midiático montado pelos marqueteiros oficiais para "fazer do limão uma limonada", conforme definição de um palaciano.

Ninguém tem dúvida na oposição de que o governo vai tentar capitalizar ao máximo a luta da ministra Dilma Rousseff contra o câncer nesses quatro meses de tratamento, e a postura de Lula, que diz uma coisa - "não sei como alguém pode explorar politicamente um problema de saúde" - e faz outra nos palanques - "rezem por ela" - seria a senha para que a campanha política de apoio à candidatura dela à sua sucessão ganhe novos tons, mais emotivos.

O que se especula é se a estratégia publicitária dará certo a ponto de viabilizar uma candidatura que há mais de um ano está sendo incensada pelo presidente Lula e até agora não se firmou na preferência do eleitorado.

O cientista político Antonio Lavareda, ligado aos DEM e ao PSDB, especialista em pesquisas de opinião, acha que os aliados, tanto ou mais quanto os oposicionistas, deveriam se manter discretos no trato do assunto, pois não há indicação de que o eleitorado brasileiro se leve por manipulações de doenças, ainda mais depois do trauma provocado pela morte de Tancredo Neves.

A doença da ministra Dilma trouxe outros tipos de preocupação à base aliada, que começam pela renovada importância que ganhou a escolha do candidato a vice-presidência na chapa oficial. Quem antes desdenhava do cargo agora já se coloca à disposição do partido, e uma escolha que parecia fácil tornou-se delicada.

Por enquanto, o assunto é tratado com sutilezas, mas, à medida que a doença ganhe o centro da campanha eleitoral, vão-se também os pudores dos que, já antes dela, não se contentavam com a indicação, diante dos números magros que ela apresentava até o momento.

Paradoxalmente, uma eventual subida nos índices de aprovação da ministra Dilma Rousseff nas próximas pesquisas eleitorais pode representar uma armadilha para o campo governista.

Qualquer subida da candidata oficial será atribuída à exploração da doença, e não a uma consolidação de seu nome junto ao eleitorado, o que obrigará a que esse tema permaneça no centro da campanha governista até o ano que vem.

Esse inchaço artificial pode, assim, prejudicar o projeto sucessório governista, esvaziando a candidatura oficial de qualquer conteúdo político, pendurando nela um aspecto humano e emocional decisivo.

Não foi à toa que o cientista político Candido Mendes defendeu a tese, no programa "Roda Viva", da TV Cultura, de que a candidatura da ministra Dilma Rousseff representaria a continuidade de um projeto de governo de cunho progressista, unindo a competência de gestão a uma visão social.
Em vez de um simples "poste", escolhido por Lula entre as hostes petistas, a candidatura de Dilma teria uma representatividade política mais densa.

Essa seria uma maneira, para uma corrente governista, de superar o impasse em que se encontram, pois não têm alternativas dentro do PT, e temem que apenas a popularidade de Lula não seja suficiente para eleger qualquer um.

A exploração da doença, dando a Dilma um toque de sensibilidade que não é seu principal traço de personalidade, pode, portanto, tornar mais artificial ainda sua candidatura.

Há mais do que nunca reações diversas dentro da base governista, especialmente dentro do PMDB, o maior partido da aliança.

O projeto de hegemonia política que estava em curso dentro do partido foi abalado pelas crises sucessivas da Câmara e do Senado, e a preocupação com a "voz rouca das ruas", como dizia o ex-presidente do partido Ulysses Guimarães, se traduziu na aprovação da nova regra restritiva sobre o uso de passagens aéreas sem colocar em votação no plenário, como exigiam os componentes do "baixo clero".

Mas a parcela do partido que não embarcou na canoa governista ganhou argumentos com a doença da ministra, e a decisão de aderir à candidatura oficial já começa a ser questionada.

Crescem a cada dia as pressões da comunidade judaica contra a visita do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, ao Brasil no início de maio. O ex-chanceler Celso Lafer dá as bases legais para que a visita seja cancelada, depois que Ahmadinejad reafirmou, da tribuna da ONU, seu ódio a Israel, que quer ver varrido do mapa mundial.

Começa lembrando que a Constituição brasileira fala na prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais. Por conta disto, no correr dos tempos, o governo brasileiro tem assinado diversos tratados sobre o assunto.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi concebida como um caminho para se atingir uma relação amistosa entre os povos, e favorecer a paz, lembra Lafer, e em decorrência dela nasceu o Pacto de Direitos Civis e Políticos, que o Brasil assinou, além de um tratado regional, o Pacto de São José.

Os dois documentos afirmam basicamente a mesma coisa: caberá aos países signatários proibir a propaganda em favor da guerra e toda a apologia ao ódio nacional, racial ou religioso e o incitamento à violência e ao crime.

Obsessão eleitoral

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

De livre e espontânea vontade o presidente Luiz Inácio da Silva só fala do que lhe interessa. Isso é sabido, provado e comprovado pelas inúmeras vezes em que se fez de surdo e mudo a respeito de temas da ordem do dia, cuja abordagem não julgou conveniente.

O caos no transporte aéreo levou meses e uma tragédia para receber a atenção presidencial em público. Do mensalão, só tomou conhecimento quando se fez necessário um porta-voz de peso para a defesa da tese do "todo mundo usa caixa 2", e assim, sucessivamente, evita terrenos acidentados.

Não obstante a impressão em contrário, Lula não joga conversa fora: só abre a boca quando julga que da fala tirará algum proveito. Na dúvida, prefere calar ou tergiversar.

No caso da doença da ministra Dilma Rousseff, o presidente não hesitou.

Sábado de manhã apareceu a primeira notícia sobre um tratamento de saúde a que ela estaria sendo submetida, de tarde a ministra deu entrevista explicando que se tratava de um linfoma em estágio inicial e, na segunda-feira, Lula já estava - Dilma a tiracolo - tratando do assunto em cima de um palanque em Manaus.

"Orem por ela", apelou ao público, enquanto pedia à candidata que olhasse bem aquelas pessoas e, delas, retirasse motivação para "ser forte" porque "esse povo vai precisar muito de você daqui para frente".

Mais cedo havia confirmado a candidatura de Dilma, ressalvando que a prioridade "zero" da ministra seria cuidar da saúde e a segunda prioridade "enfiar a cabeça nesse PAC", de preferência "sem faltar um só dia ao trabalho".

Transparência? Realmente, em matéria de mistura de doença com política, não poderia haver um desenho mais nítido do cenário que, contraditoriamente, chega ao público por meio de imagens turvas e versões confusas.

Por mais brando que seja o câncer, a quimioterapia é sempre um processo penoso, debilitante. Não é possível ao mesmo tempo o paciente submeter-se ao tratamento e "enfiar a cabeça" no trabalho 24 horas por dia, sem faltar nenhum dia, viajando o País para lá e para cá na plenitude das condições físicas e emocionais.

Claro que cabe à ministra e à equipe de médicos responsáveis pelo tratamento estabelecer os limites, assim como é saudável que Dilma seja alvo de manifestações de solidariedade e receba quantidades amazônicas de ânimo.

Agora, transformar a circunstância de uma doença em acontecimento político para acentuar determinados atributos do personagem em questão, a fim de obter os melhores dividendos de imagem e despertar sentimentos positivos de identificação, já soa a manipulação eleitoral.

Uma coisa é o político que se esconde na dificuldade, omite do público informações importantes sobre si. Outra - igualmente imprópria - é fazer disso um carnaval, administrando publicitariamente uma questão de saúde.

É levar ao paroxismo o lema segundo o qual o que não tem remédio remediado está e, portanto, que se faça do limão uma limonada seja quais forem os métodos empregados.

Obviamente, não há premeditação nem montagem de uma encenação. Mas, pelo que se viu do uso desabrido que Lula fez da história e pelo que se ouviu nas análises de gente do governo e do PT, uma vez constatado o problema começou a haver uma expectativa de se poder tirar dele o melhor proveito.

Se não, vejamos as declarações do ministro da Educação, Fernando Haddad, e do assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia.

"Imagino que a doença possa fortalecer a identidade da ministra com um projeto que se confunde com a superação das dificuldades do próprio País", disse Haddad.

"O comportamento de Dilma deve ser impactado muito favoravelmente na opinião pública", considerou Garcia.

Ambos fizeram coro à manifestação do líder do governo no Senado, Romero Jucá, que no dia anterior havia ponderado que, se a "questão" fosse "encaminhada positivamente", a doença acabaria reforçando "a imagem de que ela venceu a ditadura, a tortura e o câncer".

Como se vê, a obsessão eleitoral é tão presente, permeia tanto as ações do governo, que supera qualquer preocupação com a sutileza.

Não será uma surpresa se neste exato momento já não estiver em campo uma pesquisa de opinião para medir a temperatura do eleitorado frente ao episódio.

Haverá sempre quem argumente que política se faz assim mesmo, com todas as armas disponíveis, e que, no caso, apenas se buscou "encaminhar positivamente" um problema que poderia ter efeitos políticos negativos.

Verdade. Mas nesse caminho há sempre o risco de se ultrapassar as medidas e, em algum momento, bater de frente com os limites da sociedade nem sempre visíveis a olho nu.

Na última eleição municipal em São Paulo, por exemplo, os marqueteiros, os conselheiros e a candidata Marta Suplicy não viram que a insinuação contra o adversário era uma dessas barreiras e deram com os costados nela.

Primeiro teste de palanque

Lucia Hippolito
DEU EM O GLOBO


Dois dias depois de revelar, em entrevista coletiva, que teve um câncer no sistema linfático, a ministra Dilma Rousseff acompanhou o presidente Lula a Manaus, para cumprir extensa programação político-eleitoral.

E, lamentavelmente, a ministra não passou no primeiro teste de palanque. Não por sua culpa, mas em razão da já tradicional incontinência verbal do presidente da República.

Lula é conhecido por se deixar embriagar pela vertigem do palanque. As impropriedades que tem falado ao longo dos anos já pertencem ao folclore político brasileiro.

Embalado pela adrenalina de palanque, Lula já declarou que sua mãe nasceu analfabeta, já afirmou que não pode ser um médico que diz ao doente que ele "sifu", já beijou a mão de Jader Barbalho (?!), já abençoou Severino Cavalcanti.

O presidente chegou mesmo a revelar aspectos de sua vida íntima, ao declarar em palanque que "nordestino não nega fogo" e que tinha engravidado dona Marisa já na noite de núpcias.

Isto faz parte da personalidade do presidente.

Mas ontem (anteontem) ele errou feio, ao levar o câncer da ministra Dilma para o palanque. Ao pedir à população que ore pela ministra.

Lula é um intuitivo, não é um maquiavélico. Em outras palavras: diz impropriedades mais por incontinência do que por maquinação. Não faz de caso pensado, em geral.

Seus assessores mais próximos, ao contrário, já articulam as formas de explorar a doença da ministra para aumentar sua popularidade.

O ministro alternativo das Relações Exteriores, Marco Aurélio Garcia, declarou mesmo que a doença de Dilma vai reforçar sua candidatura.

Confesso que não sei se isso é bom para a candidatura da ministra. A situação por que ela está passando é séria, e sua postura positiva pode atrair muita solidariedade e simpatia.

Mas explorar a luta contra a doença para aumentar seu cacife eleitoral me parece uma crueldade desnecessária.

Lucia Hippolito é cientista política, historiadora e jornalista. É comentarista política do site do GLOBO, da Rádio CBN, do Uolnews e da Globonews.

Uma crise pior que a da economia mundial

José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Compara-se a oportunidade a uma deusa com uma vasta cabeleira à frente do rosto, para não ser identificada, mas careca na parte de trás da cabeça, para evitar que quem a deixe passar a agarre pelos cabelos. E ela acabou de cruzar o caminho dos presidentes da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP), sem que sequer eles tenham sentido seu discreto perfume. Dela nem têm sido capazes de vislumbrar o rastro. Já tendo sido presidente da República e presidindo o Senado pela terceira vez, Sarney jogou fora a chance de se redimir do passado que o condena e do presente que de nada o exime - e por mero hábito. Se tivesse posto fim à farra das passagens aéreas de seus pares (a troca de cotas por fretes de jatinhos particulares do tucano cearense Tasso Jereissati, por exemplo), passaria uma esponja em seu legado de esperteza e oportunismo.

Como Sarney, Temer perdeu a oportunosa ensancha, embora tenha tentado pegar uma carona na garupa do cavalo que passou encilhado à porta de casa: anunciou que adotaria medidas moralizadoras na distribuição de passagens de avião aos colegas deputados por ato administrativo da Mesa, que preside. Mas, sem apoio dos parceiros e pressionado pelo baixo clero, transferiu a decisão para a votação em plenário. Depois, adotou uma postura errática, com um ouvido no alarido do baixo clero, que queria manter o privilégio, e outro no clamor da cidadania indignada. Fez o que havia anunciado, mas com desnecessário e desmoralizante vaivém. Dir-se-á que falta a Sarney e Temer a autoridade necessária para impor qualquer medida restritiva aos colegas. Afinal, ambos são useiros e vezeiros passageiros, quando não condutores, de todos os trens da alegria que já partiram e voltaram para o centro da Praça dos Três Poderes. A História mostra, contudo, que a percepção da natureza das circunstâncias pode fazer do "bom ladrão" o companheiro abençoado, como ocorreu na Paixão de Cristo. À falta de instrumentos institucionais para corrigir desvios de grande monta, a cidadania passa a depender do belo gesto do todo-poderoso que se arrepender.

É óbvio que cotas de passagens internacionais não servem para facilitar a locomoção dos deputados pobres (como asseverou o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, do PT de Osasco) entre Brasília e suas bases - nem para permitir que os bons maridos convivam com suas fiéis esposas -, mas como complemento salarial. São notórios os truques para permitir um desembolso maior de estipêndio sem ultrapassar o teto estipulado de R$ 16.500, sendo um deles este empregado em nome do direito de ir e vir dos nobres legisladores. O que impediu que Sarney e Temer ouvissem o clamor da turba não foi o cálculo frio da esperteza, mas o comodismo cimentado pelo mau hábito sedimentado pela impunidade.

Esta é a típica confirmação da lei política cunhada por uma raposa pessedista mineira, Tancredo Neves, segundo quem a esperteza é um bicho que quando cresce demais termina por engolir seu dono. Em favor de Sarney e Temer só se pode dizer que outros presidentes de Poderes nesta quadra também não se têm comportado à altura de seus encargos. O do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, por exemplo, poderia ter feito ouvidos de mercador aos estrebuchos retóricos de seu colega Joaquim Barbosa em torno de ninharias para, com isso, evitar a exposição das vísceras do Judiciário, que, como o Legislativo, também não tem lá muito de que se orgulhar. De tanto exigirem respeito um do outro, os dois contendores deixaram de lado o respeito por eles devido aos honrosos postos que deveriam honrar. Discutindo com o presidente da mais alta Corte judicial do País como se estivesse batendo boca com um parceiro de copo, o ministro Joaquim Barbosa, em certo momento, fez uma acusação grave: "Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com seus capangas do Mato Grosso." E tudo ficou como dantes no quartel de Abrantes: nem o acusador provou a denúncia para assim deixar claro que sua palavra de julgador supremo não pode ser posta em dúvida, nem o acusado - pelo menos até agora - exigiu a prova a que tem direito para manter a reputação acima de suspeitas, como convém a quem preside o Poder que julga, condena e absolve.

O bate-boca entre dois magistrados supremos já configura por si só um vexame de monta para a República e seus maiorais, não havendo necessidade de lhe ser acrescentada a jocosa e mui pouco sábia interpretação do chefe do Executivo, na prática um Poder acima dos outros. Em Buenos Aires, interrogado sobre a briga entre Mendes e Barbosa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu fazer dois comentários tão rasteiros como o bate-boca entre os dois ministros briguentos do STF. Segundo ele, "se fosse por esse tipo de coisas não existiria futebol, porque tem briga em campo de futebol todo dia". E mais: "Esse tipo de briga ajuda a sociedade e a democracia, tudo bem." Se já era difícil entender por que uma discordância - esta, sim, normal - de pontos de vista de árbitros terminou em xingatório sem propósito, mais duro de engolir é constatar que o homem público mais popular, mais amado e mais poderoso desta República confunde a Suprema Corte de Justiça com gramado e arquibancada. E, mais grave ainda, considera o Estado Democrático de Direito - espaço onde se exercem o direito ao dissenso e o respeito ao contraditório educadamente - como uma arena de luta livre em que as regras mínimas da civilidade e do bom convívio são substituídas por xingamentos sem propósito e acusações sem provas cabais.

A falta de sensatez, equilíbrio e conhecimento de causa dos presidentes dos três Poderes causa um impasse que pode produzir em nossas instituições efeitos mais nocivos que os da crise internacional sobre nossa economia.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

Quando um recuo é só um recuo

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - O Congresso decidiu acabar com as passagens aéreas para parentes e amigos de deputados e senadores e proibiu viagens ao exterior a passeio. Também prometeu divulgar o uso de bilhetes de todos de forma aberta, na internet.

Ao mesmo tempo, os presidentes da Câmara, Michel Temer, e do Senado, José Sarney, estão perdoando a farra de passagens aéreas e outros desvios cometidos até o momento. Temer disse: "Nunca houve farra, o sistema anterior autorizava o crédito". Não é bem assim. A regra era omissa. O que nunca houve -como manda o direito público- era uma autorização explícita para congressistas passearem em Miami.

A rigor, a decisão sobre passagens aéreas afeta pouco os membros do Congresso. Primeiro, porque havia um excedente de bilhetes nunca usados -e até vendidos por alguns no mercado. Segundo, porque eles continuarão a acumular milhagem ao voar com o dinheiro público. Terão créditos suficientes nas companhias para poderem ir ao exterior de graça com as famílias no período de férias.

A decisão está sendo vendida como um "pacote moralizador". Na realidade, moralização não houve. Encontrou-se apenas uma maneira engenhosa para todos continuarem a viajar como sempre.

O único aspecto positivo é a promessa de transparência com as passagens. Mas já foi feito um anúncio semelhante em fevereiro sobre verbas indenizatórias. Até agora, pouco apareceu. Uma regra obscura permite a deputados prestarem contas de uma vez só em dezembro de 2010.

Ontem, Michel Temer comentou o vaivém do atual processo: "Muitas vezes, você recua para avançar". Pode ser. Lênin teorizou a respeito. Mas perdoar delitos do passado e cortar quase nada dos benefícios futuros é só isso mesmo. Um recuo.

Franklin distensiona relação Lula-imprensa

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Entre a ministra Dilma Rousseff informar ao presidente Lula, em Brasília, sobre a natureza do nódulo que extirpara da axila esquerda, confirmando o diagnóstico de câncer linfático, e o anúncio do seu problema de saúde em entrevista à imprensa, já em São Paulo, ao lado dos médicos, passaram-se menos de 24 horas, e tudo foi feito não apenas com agilidade mas da forma mais simples possível. A ministra, há três semanas, retirara o tumor durante um check up de rotina, e ficou aguardando o resultado da biópsia. A semana passada, a rigor, foi quando tudo se esclareceu.

Na segunda-feira, ela foi chamada para colocar o cateter por onde receberia a medicação caso ficasse confirmado o câncer, pois naquele dia os médicos já tinham indícios de que precisariam de novos procedimentos. Na quarta-feira, ela recebeu o resultado da biópsia mas o presidente Lula estava na Argentina e só voltou quinta-feira à noite. Sexta-feira, por volta do meio-dia, após a reunião de Coordenação, ela informou ao presidente.

Lula viajou a Itumbiara, a seguir, em companhia do ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, a quem pediu para marcar uma conversa com Dilma, a três, para a noitinha, quando voltassem a Brasília. Franklin ligou para a ministra, combinaram fazer o encontro na Base Aérea. Ela perguntou a Franklin, ao telefone, se ele sabia do que se tratava. Ele disse que não sabia. Dilma então explicou o caso e disse que estava pensando em dar uma entrevista.

Franklin concordou, em princípio, mas, surpreendido, observou que gostaria de refletir um pouco, até chegar a Brasilia. Na Base Aérea, a decisão foi tomada em 10 minutos, sem divergências. Concordaram que o melhor era ela mesma dar a informação e que era fundamental os médicos estarem ao lado porque haveria muitas dúvidas técnicas. Lula perguntou a Franklin se ele podia acompanhá-la, o ministro disse que estava exatamente pensando nisto. Ela falou com os médicos e combinaram a entrevista no dia seguinte, sábado pela manhã, em São Paulo.

A avaliação é que a Presidência da República, neste episódio, deu um show de comunicação. Performance que, para jornalistas com a tarefa de reportar os fatos do governo, representou a consolidação de uma melhora notável na difícil relação do presidente Lula e de seu governo com a imprensa.

Desde que o jornalista Franklin Martins foi nomeado ministro da Comunicação Social do Governo, há dois anos, instalou-se um processo de distensão nestas relações que estavam, em março de 2007, a um passo da ruptura. O PT não conhecia - ainda não conhece, mas alguns já melhoraram sua compreensão - a imprensa, o governo do PT não conseguia relacionar-se institucionalmente, dedicava-se a produzir polêmicos estudos sobre formas de enquadrá-la.

O presidente da República não conseguiu, ao longo de todo o primeiro mandato, construir o diálogo institucional, e não foram poucas as vezes em que diretores e chefes dos órgãos de comunicação foram chamados para conversar com o então ministro da área, Luiz Gushiken, para relatar dificuldades de acesso ao governo e ouvir, do outro lado, a indagação perplexa sobre qual era o problema que não se conseguia enxergar. Desacostumado ao contraditório, o próprio presidente também engolia a corda da intriga dos assessores e tensionava ainda mais as relações.

No fim da disputa da reeleição, Lula deu sinais de que estava mudando sua compreensão sobre o papel da imprensa ao informar a jornalistas que iriam cansar de ouvi-lo dar entrevistas. Em março de 2007 convidou Franklin Martins para executar a mudança. Resgatou o status da Comunicação Social, o ministro passou a participar de todas as reuniões importantes do governo, a ser ouvido, a dar assessoria inclusive política. Aos poucos foi mediando o diálogo e melhorando a crispada relação, de parte a parte.

Em 2008, as estatísticas reunidas por André Barrocal, do staff do ministro Franklin, registram que o presidente da República deu 182 entrevistas, uma média de três por semana, inclusive 92, a metade, do tipo quebra-queixo (como ficou conhecida aquela abordagem ao presidente, aos gritos, à saída ou entrada de solenidades e reuniões). O quebra-queixo está mais civilizado, o presidente fala em um púlpito, onde os jornalistas deixam seus microfones e gravadores, podem ficar a um metro e meio de distância sem levar riscos de acidente ao presidente e aos colegas.

Esta é uma modalidade que atende principalmente à cobertura diária dos atos e eventos porque permite à imprensa fazer perguntas ao presidente sobre os assuntos do dia.

Em 2007, o primeiro ano da transformação, o presidente já havia dado 157 entrevistas, das quais 77 do tipo quebra-queixo. Em 2006, por exemplo, fora 92 entrevistas, das quais dois terços do tipo quebra-queixo. Ou seja, o presidente só falava praticamente à força, na abordagem de surpresa.

No ano passado, Lula respondeu a 1.770 perguntas, uma média de 34 por semana, ou 4,8 por dia, considerando sábados, domingos e feriados, os 365 dias do ano. "Eu duvido que haja outro chefe de Estado ou de governo que fale tanto com a imprensa quanto o presidente Lula, e esta é uma das razões do fortalecimento da comunicação dele", afirma Franklin Martins, relutando, porém, a fazer maiores análises sobre o assunto em respeito ao princípio, que quer observar, de que o responsável pela comunicação do presidente não deve falar sobre comunicação. A razão é não dar a impressão que está falando em nome do presidente, "porque não estou". Segundo Franklin, Lula falou também com os principais órgãos de imprensa do mundo nos últimos 12 meses.

A transformação foi feita sem seguir modelos, apenas com base na experiência e bom senso do ministro. Em dois anos, acabou a insatisfação generalizada, do governo e da imprensa. "Acho que o presidente precisa falar, ainda mais quando é um excelente comunicador como ele é". O acesso ao governo, como consequência, ficou também mais fácil. "As pessoas foram percebendo que a melhor forma de lidar com o problema é lidar com a imprensa. Você pode não gostar da pergunta, mas responda à pergunta".

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Novos juros

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Os juros caem hoje. A queda da Selic deve ser de um ponto percentual. É o começo de um período de juros baixos. O economista José Roberto Mendonça de Barros acha que o país caminha, felizmente, para juros de um dígito, um sonho antigo. Não será nesta reunião do Copom, mas na próxima. Até que ponto eles podem cair sem mudar a poupança? A Anbid fala numa taxa em torno de 9%.

Nem tudo é boa notícia. Para o Credit Suisse, a queda dos juros não elevará o crédito e nem reduzirá os juros para pessoa física. A boa notícia é que todos concordam que o país caminha para uma taxa básica de um dígito. Mendonça de Barros acha que os juros vão cair mais nas próximas reuniões e a taxa chegará ao fim do semestre em 9,25%. Marcelo Giufrida, presidente da Anbid, acha que isto levará o país a mudar a remuneração da poupança, mas garante que a mudança não será para afastar um concorrente da indústria de fundos, que segundo ele tem R$700 bilhões, mas porque todos os produtos financeiros devem ter condições "neutras" de competição.
- A mudança da poupança não é para garantir a competitividade dos fundos, mas para haver um equilíbrio entre todos os produtos financeiros, seja as debêntures das empresas, os CDBs dos bancos, seja o Tesouro Direto - diz Giufrida.

Mendonça de Barros vê a necessidade de um novo ciclo da desindexação.

- Esta é a terceira vez que o país chega perto dessa discussão. A primeira foi em 96 e 97, quando os juros começaram a cair, mas aí Francisco Lopes desenvolveu a TR para dar mais um passo na desindexação. Depois foi em 2001, mas houve a crise do apagão e os juros voltaram a subir. Agora, os juros estão caindo e vão ficar baixos por longo tempo. É hora de enfrentar o resíduo da indexação no Brasil. A discussão é por uma boa causa - diz.

Para ele, há duas boas novidades no Brasil.

- Pela primeira vez, desde JK, houve uma desvalorização cambial de mais de 20% e a inflação não subiu. A outra é que há uma boa chance de os juros ficarem em um dígito por longo tempo. Isso é fruto de 20 anos de trabalho pela estabilização brasileira.

Há quem aponte, no mercado financeiro, que antes de haver mudança na poupança, seria importante que os bancos, principalmente os grandes, reduzissem suas taxas de administração.

- Há fundos com 3% ou 4% de taxa de administração em produtos de varejo. Isso é absurdo. Eles precisam rever isso - diz um economista.

Giufrida acha que a discussão está mal colocada dessa forma.

- A Anbid tem monitorado as taxas, elas estão caindo nos últimos anos para uma taxa média de 1%. É um erro pegar a taxa máxima e tratar como média - conta.

É um erro também ver só a média, sem olhar os exageros. A Anbid tem dados até fevereiro que mostram queda nos últimos anos em todas as taxas, mas é possível encontrar produtos com taxas de 2% a 2,5% na renda variável. Ou de 2% em renda fixa. E até 4% ou mais na renda fixa de aplicação automática.

- Durante anos a poupança apanhou feio da estrutura de taxa de juros no Brasil e ficou por isso mesmo. Agora, se pensa primeiro em mudar a remuneração da poupança. Há um preço novo na economia, os juros estão baixando, e todos terão que se adaptar a isso, inclusive os bancos, com suas taxas de administração - diz um economista.

A Anbid discorda de mudanças que podem criar distorções para tentar contornar o problema de que os fundos podem perder a competição para a poupança.

- Não se pode criar artificialismos, como permitir que a poupança aplique em títulos. Sua especialidade sempre foi o financiamento de longo prazo na área habitacional. Não vamos dizer como deve ser a mudança da remuneração da poupança porque a Anbid não entende disso. Queremos que as regras sejam mais neutras, para que todos os produtos possam competir entre si - conta Giufrida.

Como se vê, o passo de hoje não é trivial. A queda de um ponto levará os juros para 10,25%. Se cair um ponto e meio já estará em um dígito. Em qualquer caso, uma boa notícia. O governo tem errado ao especular sobre a mudança das regras de remuneração, ou quando tenta politizar isso, dizendo que o faz para proteger o pequeno poupador. Está pensando em alterar as regras porque teme dificuldades de rolagem da dívida que é feita pelos fundos. E deve esclarecer como será a mudança.

A queda dos juros incentivará o crédito? O Credit Suisse acha que não. Num estudo a que a coluna teve acesso, o banco conclui que o aumento na inadimplência fará com que o ritmo de expansão de crédito caia de 24% em 2008 para apenas 4% neste ano. Eles estimam que a inadimplência média subirá para 8,6% em 2009, podendo chegar a 9% durante o terceiro trimestre. Além disso, o banco prevê um aumento da inadimplência do crédito livre, com exceção do consignado. O aumento do desemprego também contribuirá para o não pagamento de prestações. O CSFB prevê uma contração de 0,5% nos postos de trabalho esse ano e uma redução de rendimentos reais de 3,5%. Os bancos vão ficar também mais seletivos, dando menos empréstimos a pessoas físicas e elevando as taxas. Ainda há um longo caminho até o Brasil ter taxas de juros normais.

Obama e seus primeiros 100 dias

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Desde o presidente Franklin Roosevelt, empossado em 1938, imagina-se que os primeiros 100 dias de mandato de um presidente dos Estados Unidos sejam um tempo não só de trégua e de abstenção de críticas, como, também, uma espécie de avant-première do que virá nos anos seguintes.

O presidente Obama assumiu em condições particularmente adversas, com duas guerras malparadas (no Iraque e no Afeganistão) e com a maior crise financeira desde os anos 30. Nenhum chefe de Estado americano começou com problemas tão complicados. A partir do desempenho na área econômica podem-se fazer três observações destes 100 dias.

A primeira tem a ver com a maneira como o governo Obama passou a administrar o problemão dos bancos. O governo anterior vacilou demais. O então secretário do Tesouro, Henry Paulson, fez duas manobras desastrosas. Tentou adquirir os ativos podres de grandes bancos, mas viu que ficou impossível definir preço para eles. Depois, tentou capitalizar os bancos, mas a falta de clareza sobre o volume de ativos que deixariam de ser honrados pelos tomadores de crédito impediu que se soubesse de quanto seria a injeção de capital. A segunda manobra desastrosa foi deixar que o Lehman Brothers afundasse, o que rompeu acordo sigiloso entre governos, que exigia intervenção e socorro ilimitado a instituições cuja falência pudesse deflagrar quebra em série de outros bancos (risco sistêmico).

A administração Obama, por meio do novo secretário do Tesouro, Tim Geithner, decidiu avaliar melhor o acervo podre dos bancos promovendo testes de estresse. Em seguida, os ativos seriam oferecidos à iniciativa privada e o Tesouro se encarregaria de capitalizar o banco de forma a dar cobertura à parcela dos ativos sob alto risco de calote. Esse processo ainda está em curso, mas revelou ser resposta mais adequada do que as anteriores.

A segunda observação sobre estes 100 dias é de que o discurso eleitoral a respeito da questão trabalhista não vai ser cumprido, ao menos como foi entendido antes. Durante a campanha, o então candidato Obama avisou que daria prioridade à preservação e à criação de empregos e que defenderia os sindicatos. E foram das centrais sindicais que provieram as maiores contribuições à sua campanha. No entanto, ao lidar com a crise das montadoras, a administração Obama deu prioridade, sim, ao emprego, mas de forma diferente. Para salvar a GM e a Chrysler (e, portanto, dezenas de milhares de empregos) teve de exigir fechamento de fábricas e de postos de trabalho. Só a GM está agora desativando 14 fábricas e demitindo 21 mil funcionários. E os sindicatos foram obrigados a desistir de antigas "conquistas trabalhistas", especialmente na área do seguro-saúde.

Finalmente, tem de ser dito que, se não fracassou, Obama não foi tão bem-sucedido na sua primeira grande atuação internacional como chefe de Estado. Na reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20), dia 2 de abril em Londres, os dirigentes políticos se comportaram mais como celebridades do que como estadistas. Produziram linda peça de comunicação cujas consequências práticas talvez tenham pouco a ver com o texto. No mais, nem Obama convenceu os dirigentes europeus a gastarem mais para acabar com a crise nem eles conseguiram persuadi-lo a repensar o sistema financeiro global.

Confira

No escuro - Há os que apostam em que o Brasil acabará sendo beneficiado e há aqueles que temem pela forte quebra no consumo e na exportação de carnes de todo o tipo.

Ontem, os exportadores passaram o recibo de que já se julgam atingidos. O empresário Pedro de Camargo Neto pediu que a OMS mude o nome da gripe suína para gripe norte-americana.

A esta altura, ninguém consegue mudar mais nada. E, mesmo se os documentos usarem nome mais chique e menos chiqueiro, prejuízos e vantagens provenientes de designação errada ou não já estão dados.

Porcos no espaço, gente lunática

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

"Gripes" novas no mundo têm matado menos gente que a dengue no Brasil, mas pessoas correm às farmácias

HÁ GENTE à procura de pacotes de remédios para gripe em São Paulo. Ainda não começou a temporada de gripe paulista, coisa muito comum nos invernos desta cidade de ar sujo, de gente estressada, estafada e espremida em ônibus e metrôs hiperlotados.

Mas basta um passeio por 14 farmácias da zona oeste e do centro da cidade para ouvir relatos de atendentes e farmacêuticos sobre o aumento maluco do número de pessoas a pedir antivirais, gel para limpar mãos, sabonetes antissépticos, remédios para sintomas de gripe e máscaras para proteger o rosto. Isso em lugares como a avenida Paulista, no Pacaembu e em Higienópolis (onde mora gente rica e, supunha-se, mais informada), em Santa Cecília, Campos Elíseos e no Centro Velho. Numa farmácia da avenida Angélica, no centro de Higienópolis, um homem de máscara comprou três caixas de antiviral, gastando o equivalente a um salário mínimo. Tomar antiviral sem estrita recomendação médica é um estrita idiotice. As pessoas estão doidas.

O México, epicentro da doença, rebaixou ontem de 22 para 7 o número de pessoas que, segundo exames, foram mortas pelo vírus dito "suíno", que por ora parece ser "agressivo" apenas no México, se tanto. Nos EUA, mais da metade dos casos ocorreu entre colegiais que viajaram pelo México.

Em 2008, 585.769 pessoas tiveram dengue no Brasil. Nesse ano, apenas a dengue hemorrágica matou 223 pessoas no país. Quase tantas quanto as mortas por outra sensação gripal que não decolou, a aviária (desde 2003, no mundo inteiro).

A cidade de São Paulo não é das mais afetadas pela dengue. Nuns anos têm 500 casos, noutros 800. Noutros anos, uma dúzia. Mas já houve microssurtos até no rico Pacaembu e na região da rua Oscar Freire, onde uma bolsa pode custar o preço de um carro e as pessoas andam em carros que custam um apartamento. Porém não houve comandos de erradicação de potinhos de água parada nem um surto de vendas de raquetes elétricas para matar mosquitos. Lembram-se das raquetes elétricas? Viraram moda no verão de 2008, quando o Rio teve uma epidemia violenta, os hospitais desceram a um nível ainda pior de colapso e as Forças Armadas armaram barracas na rua para atender doentes.

Parece, pois, que estamos dispostos a morrer de doenças conhecidas e razoavelmente evitáveis, desde que enraizadas nas nossas miséria e ignorância. Dengue, malária, disenterias que matam milhares devido a condições sanitárias indecentes, atropelamento, facada, tiro -morrer disso, tudo bem. É coisa nossa. Mas um vírus por ora apenas midiático leva multidões às farmácias.

Será mais um caso de doença como metáfora? O mundo quer se distrair dos perigos mais evidentes e imediatos que produziu, como crises financeiras e fome?

Cientistas dizem que, a cada 30 ou 40 anos, há um surto global de gripe. Os últimos ocorreram nos anos 50 e 60. Segundo essa teoria, digamos, do ciclo gripal, estaríamos perto de ter uma irrupção da doença. Mas, segundo os cientistas da área, ainda não sabemos nada sobre a letalidade do vírus, sua origem, velocidade de espraiamento do mal etc. O vírus é por ora apenas "informacional".