sábado, 2 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

”O americanismo pode ser uma fase intermediária da atual crise histórica? A concentração plutocrática pode determinar uma nova fase do industrialismo europeu, com base no modelo da industria americana? A tentativa provavelmente será feita (racionalização, sistema Bédaux, taylorismo, etc.) Mas será bem sucedida? A Europa reage, contrapondo a América “virgem” suas tradições de cultura. Esta reação é interessante, não porque uma suposta tradição de cultura possa impedir uma revolução na organização industrial, mas porque ela é a reação da “situação” européia à “situação” americana.”


(Antonio Gramsci, “Cadernos do Cárcere”, volume 6, pág. 346 – Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2002)

Tateando no escuro

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A reação até certo ponto bem-humorada do ex-ministro José Dirceu, hoje um dos articuladores da candidatura da Ministra Dilma Rousseff à sucessão de Lula, à previsão do presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, de que o governador de São Paulo, José Serra, pode vencer no primeiro turno a eleição de 2010, é reveladora de que os petistas já trabalham com a possibilidade de derrota, especialmente agora que a doença da candidata oficial levou de volta à estaca zero as articulações políticas em torno de seu nome. O interessante a notar é que também na seara dos tucanos ninguém canta vitória, e a perplexidade é geral, sem que saibam o que vai acontecer com a candidatura da ministra Dilma Rousseff, ou se vai dar certo a estratégia governista de "humanizar" a imagem da ministra, diante da doença que a acomete.

Sem falar na cautela com que analisam a possibilidade de transferência de votos de Lula para sua candidata (o). Até mesmo o governador José Serra, tido como o favorito pelas pesquisas de opinião, já não parece tão certo da vitória, e não descarta por completo a disputa da reeleição para o governo paulista, uma avaliação que deverá ser feita no início do próximo ano.

O PMDB velho de guerra, mais do que nunca, é o fiel da balança, e os palanques regionais dependem de articulações que passam pelo maior partido do país, seja para evitar enfrentá-lo, seja para tê-lo como aliado.

Com a experiência de quem coordenou as alianças políticas que levaram à eleição de Lula em 2002, José Dirceu admite que Serra é o favorito, mas ressalta que os acordos políticos podem fazer a diferença.

O problema do PT é que fazer acordos com Lula é uma coisa, outra muito diferente é acertar os ponteiros com qualquer "japonês" do partido. Há muito tempo que a força do PT se dissolveu nas lambanças do jogo político rasteiro, que o transformou em mais um participante do jogo, no mesmo nível do PMDB, sem uma ascendência moral que o faça prevalecer.

O presidente Lula se reinventou com êxito depois do mensalão, com o sucesso internacional retroalimentando a imagem interna, transformando-o em um líder midiático global invejado por seus pares pelos altos índices de popularidade num mundo em crise.

Os tucanos admitem que nos últimos tempos, depois da queda de popularidade devido à crise econômica, só aconteceram fatos a favor do governo, como o reconhecimento mundial da importância do Brasil, culminando com o elogio público de Obama a Lula.

Aguardam agora a medição dos efeitos da crise, como a alta do desemprego, na popularidade de Lula, e até mesmo como a doença da ministra Dilma Rousseff impactou a opinião pública.

Os governadores José Serra e Aécio Neves se aproximam, na certeza de que, mais do que nunca, dependem dessa união para manter o PSDB como um dos pólos de poder nacional, agora que a era Lula está chegando ao fim, e com ela o desequilíbrio que o inegável carisma presidencial traz consigo na disputa política.

O PSDB, que sobreviveu à era Lula por ter entre seus feitos o Plano Real implantado por Fernando Henrique Cardoso ainda como ministro da Fazenda de Itamar Franco, e suas raízes fortemente fincadas em São Paulo, tendo ampliado essa influência política para Minas Gerais com Aécio Neves, precisa aproveitar a saída de cena de Lula para superar novamente o PT, que, por sua vez, debate-se para se reinventar, sem seu principal líder e já sem a aura de partido emblemático que um dia ostentou.

O partido tem, no entanto, a máquina governamental altamente azeitada trabalhando a todo vapor para a manutenção do poder, que significa manter os empregos e a influência política. A militância petista tem hoje razões práticas para se empenhar na eleição de quem quer que seja.

É também para animar sua precária militância que o PSDB pretende realizar até setembro diversas manifestações regionais reunindo seus dois candidatos, Serra e Aécio.

A primeira está marcada para o dia 14 deste mês na Paraíba, onde Cássio Cunha Lima teve o mandato de governador cassado pelo TSE.

A escolha é simbólica para a região Nordeste, onde Lula tem grande força eleitoral. Mesmo correndo o risco do desgaste político, os tucanos vão atrás de um dos seus líderes regionais que tem votos na região dominada pelo lulismo.

A essa se seguirão outras cinco ou seis manifestações, que servirão para expor seus dois candidatos à militância e, sobretudo, para demonstrar que entre eles não há supremacias.

Mesmo considerado favorito, Serra teve que aceitar o plano de ação traçado por Aécio, que também cedeu quanto à data das prévias. Serão realizadas, se necessário, "até fevereiro" de 2010, contentando Serra, por quem o partido deixaria tudo como está até o início do próximo ano, para só então anunciá-lo candidato oficial.

Ao mesmo tempo em que impôs um ritmo ao partido, mostrando publicamente sua força, Aécio Neves está bastante satisfeito com o comportamento de Serra, que tem lhe prestado todas as honras devidas, inclusive deixando no ar a possibilidade de vir a apoiá-lo.

Sem querer se impor apesar de aparecer como o franco favorito nas pesquisas de opinião, Serra tem deixado Aécio sem argumentos para se contrapor a ele, criando um clima favorável a um apoio do mineiro.

Em 2002 e em 2006, Lula venceu em Minas, embora Aécio tenha tido uma votação espetacular. Em 2010, tanto em São Paulo quanto em Minas, o PSDB já não tem candidatos tão fortes quanto tinha para manter seus redutos de poder.

Só a união em termos nacionais pode alavancar uma campanha eleitoral que pode levar o partido novamente ao poder central e a manter os principais estados do país. Uma divisão como nas disputas anteriores pode tirar o partido do mapa político pelos próximos anos, mesmo sem a sombra de Lula.

O voto obtuso

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para decidir se participa ou não de eleições, em novembro do ano passado o cidadão norte-americano escolheu reagir ao baixo-astral pós W. Bush votando. Ficou horas em pé nas filas quilométricas, produziu um comparecimento às urnas como há muito não se via, uma típica ação afirmativa.

Se o voto nos Estados Unidos fosse obrigatório - como insiste a maioria dos países sul-americanos em contraposição ao restante do planeta -, talvez o negativismo acumulado na era Bush tivesse resultado na pregação em prol do voto nulo.

Navegando fundo nas asas do hipotético, nesse caso é possível que fosse agora Sarah Palin, a simplória vice-presidente republicana, e não Barack Obama, o sestroso presidente democrata, o centro das atenções nas comemorações dos 100 dias do novo governo nos EUA.

No Brasil de escândalos intermináveis, o ambiente é de universo em completo desencanto com a política. Terreno fértil para a semeadura das campanhas em defesa do voto nulo. Comprovadamente inúteis, uma tolice à qual político algum - decente ou indecente - dá a menor importância.

Serve para dar vazão a protestos, mas não tem serventia alguma para alterar coisa nenhuma no atrasado cenário da política brasileira.

Se em 2010 houvesse uma quantidade absurda de votos nulos não aconteceria nada. O assunto seria debatido por uns dias chegar-se-ia a duas ou três conclusões sobre a despolitização do brasileiro, a desmoralização da política e neste aspecto, dias piores viriam, pois o Congresso daí resultante certamente seria pior que o anterior, vale dizer, o atual.

Raciocinemos: supondo que uma campanha pelo voto nulo consiga um volume significativo de adeptos, em tese seriam os mais interessados no processo gente com capacidade de indignação e, portanto, imagina-se, potencial de discernimento.

Esses ficariam de fora. Iriam ao voto por obrigação e fariam uma farra da indignação, teclando bobagens nas urnas, invalidando votos.

Como só contam os válidos para efeito de eleição, participariam da escolha, aqui também em tese, os mais permeáveis à manipulação. Estes cumpririam direitinho o compromisso obtido mediante as embromações de sempre.

O Parlamento produzido a partir disso obviamente teria uma grande chance representar majoritariamente o voto "inconsciente" em detrimento daqueles deputados e senadores cujos compromissos com a opinião pública é que lhes garantem os mandatos.

Conclusão: o voto nulo ajuda o atraso, cuja presença é garantida por meio da obrigatoriedade do voto.

Se o eleitor indignado quer mesmo mexer com os brios dos políticos, sacudir a roseira e caminhar no sentido da tomada da consciência, o instrumento mais eficaz seria a cobrança pelo voto facultativo.

Esta mudança, sim, apavora os políticos. Tanto que o voto obrigatório é uma quase unanimidade. Usa-se o argumento de que, "no atual estágio" (note-se, "atual" há décadas) do País, o voto facultativo só favoreceria as elites, pois deixaria de fora o eleitor menos mobilizado, mais despolitizado.

Uma falácia, cuja real intenção é assegurar uma reserva de mercado de votos. Sem a necessidade de atuar na mobilização positiva do eleitor.

Ademais, se a referida "elite" significa o que há de melhor em termos de pensamento político em contraposição às conhecidas ações da arraia-miúda, escória mental e espiritual, palmas para a nata da política.

Esta, pelo menos, tem nome a zelar, reputação a preservar, muito a perder e precisar pensar duas vezes antes de prevaricar.

Entulho

Em sua defesa da manutenção parcial da Lei de Imprensa - no tocante ao direito de resposta - o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, a certa altura do julgamento perguntou em nome do que se justificava a revogação: "Só no fato de ter sido criada pelo regime militar?"

Principalmente nesse fato. Como, de resto, resumiu em seu voto a ministra Carmen Lúcia: "O ponto de partida e chegada da lei é garrotear a liberdade de expressão."

Não tivesse sido essa a intenção, não teria a Lei de Imprensa nascido exatamente sob a ditadura.

Quanto ao exemplo citado por Gilmar Mendes - cujos donos foram injusta e moralmente massacrados pela conjunção de erros da polícia e da imprensa - o massacre não teria sido, como de fato não foi, evitado por obra daquela lei agora extinta.

O episódio é uma mancha no trabalho da imprensa brasileira que paga até hoje o preço. Onde mais dói: na credibilidade.

O descalabro foi cometido por um grupo de repórteres de São Paulo, incensados por um delegado e avalizados pelos respectivos editores. Mas o castigo foi generalizado, com razão, porque a lição nesses casos deve ser apreendida coletivamente.

A existência da lei nunca serviu para corrigir esse tipo de coisa. Sua permanência só prolongaria a convivência do Brasil com resquícios da concepção autoritária.

Comissão atrapalha e não resolve

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A LIÇÃO TANTAS VEZES repetida que ficou gravada na memória ensina que, quando a burocracia, em todos os seus níveis, manobra para adiar para as calendas uma decisão enrascada em dúvidas, não há melhor saída do que criar uma comissão. Daí em diante é só deixar o tempo correr até que a pedra do esquecimento soterre o indesejável na poeira dos arquivos.

Foi com esta ponta de desconfiança que analisei a decisão do presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), de criar uma comissão composta pelos integrantes da Mesa e pelos diretores da Casa para apresentar uma sofisticada proposta de modernização da estrutura do mandato parlamentar. Francamente, se não é, tem todas as características de uma jogada protelatória, para esperar que baixe a poeira das surdas reclamações de decepcionados deputados com o fim da orgia com as cotas de passagens aéreas, antes que as articulações entre a Câmara e o Senado fechem o acordo sobre o delicado tema das mordomias, vantagens e mutretas dos representantes do povo.

E, se não é bem assim, para que comissão? A farra dos saques ao cofre da Viúva chegou a tais extremos de desfaçatez que não é necessário mais que uma avaliação crítica para separar o que não salta a cerca do razoável da lista dos absurdos do despudor.

O deputado Michel Temer, os membros da mesa e os diretores da Casa ligados ao controle das verbas da Câmara, trancados numa sala, longe do vozerio do baixo clero e de seus aliados, não teriam a menor dificuldade em cortar ou rever as parcelas da relação dos premiados com um dos melhores empregos do mundo.

O prazo de um mês, para o que pode ser feito em horas, cutuca na suspeição que tirava a sua soneca com o sedativo do corte na farra das passagens aéreas. A leitura das parcelas que compõem o buquê dos subsídios parlamentares forneceria à ilustre comissão os elementos suficientes para o corte de mais da metade. Reconheça que R$ 16.519 mensais está muito abaixo do padrão de vida de um parlamentar. Mesmo com a ajuda de custo de R$ 33.339 e um subsídio a mais no início e no fim de cada sessão legislativa.

Convém respirar fundo e tapar o nariz para a travessia no lamaçal das mutretas geradas nos quase 50 anos da mudança da capital para Brasília. Uma das mais imorais é a verba indenizatória de R$ 15 mil mensais para o ressarcimento das despesas durante o fim de semana no seu feudo eleitoral. Trata-se de um rolo de arame farpado de trampas. Não há nada que justifique o prêmio ao privilégio do parlamentar não morar em Brasília, com a família, com excelentes apartamentos mobiliados à disposição e que se deterioram no desleixo do abandono.

De uma só cajadada abatiam-se dois abusos: a cota de passagem e a verba indenizatória. E o Congresso recuperaria com a compostura as condições ideais para o seu funcionamento. Auxílio-moradia de R$ 3 mil mensais para o sofisticado que recusa morar em Brasília ou utilizar o apartamento funcional seria um puxão de orelhas no descaro da ganância.

Um nicho intocável e suspeito, e que custa uma fortuna, espalha-se por corredores e anexos do Congresso com os gabinetes individuais dos senadores e deputados, fornidos com verbas de fazer inveja a um encalacrado milionário com a crise econômica. São R$ 60 mil mensais para contratar até 25 assessores. O nível dos debates parlamentares, transmitidos pela TV-Câmara, é um bom índice para avaliar a utilidade dos 25 assessores, que não cabem em pé em muitos gabinetes dos anexos.

O Congresso continua a merecer o crédito de confiança reconquistado com a decisão dos presidentes das duas Casas de acabar com a escandalosa farra dos bilhetes aéreos. É uma pena que não tenha continuado na mesma trilha, preferindo o atalho da criação da comissão para rever benefícios sabidos e expostos ao desprezo da opinião pública. Na desculpa para a madraçaria, invoca-se sempre a desculpa de que o governo mumificou o Congresso com o uso e abuso das medidas provisórias, uma fila de inutilidades que tranca a pauta e impede a votação de matérias que envelhecem antes de serem votadas.

Seria mais simples cortar o mal pela raiz. Bastaria o Congresso acabar com as medidas provisórias com uma emenda constitucional aprovada pelo voto do brio dos representantes do povo.

Lula já chamou congressistas de "300 picaretas"

Da Redação
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

"Há uma maioria de 300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses." A frase sobre o Congresso, dita em setembro de 1993, é do mesmo Lula que agora defende os parlamentares envolvidos com a farra das passagens.

Então presidente do PT e pré-candidato para 1994, Lula percorria Estados da Amazônia, em campanha, quando comentou a atuação dos congressistas.

Depois, ao explicar a declaração, disse que defendia o Legislativo. "O resto é gente boa (...), que vota por convicção ideológica e não por fisiologismo."

Mas foi em 1994 que a frase ganhou repercussão, ao virar letra dos Paralamas do Sucesso -"Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou/ São 300 picaretas com anel de doutor".

Em junho daquele ano, a banda foi proibida pelo Ministério Público Federal, a pedido da Câmara, de executar a música em um show em Brasília.

Lula, no ano passado, já tinha feito defesa de congressistas envolvidos em denúncias. Sobre Severino Cavalcanti (PP-PE), que renunciou à presidência da Câmara em 2005, após se envolver num escândalo, disse que ele foi derrubado pela própria oposição que o elegeu. "Aquela parte da elite paulista e do Paraná, [aqueles] que te convidavam para fazer palestra toda semana para falar mal de projetos, hoje, se te encontram na rua, não cumprimentam."

Lula revela ter usado cota da Câmara para dar passagens aéreas a terceiros

Fabiana Cimieri, RIO
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Cessão ocorreu quando presidente era deputado; para ele, não é ?crime? levar mulher a Brasília com verba pública

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu ontem que, quando era deputado, usou a cota de passagens da Câmara para levar sindicalistas a Brasília. Ele disse não achar correto o uso dos bilhetes para turismo na Europa, mas frisou não considerar crime nenhum usá-las para levar a mulher ou sindicalistas para a capital federal.

"Não acho um crime um deputado dar uma passagem para um dirigente sindical ir a Brasília. Quando eu era deputado, muitas vezes convoquei dirigentes da CUT e outras centrais para se reunir com passagens do meu gabinete. Graças a Deus, nunca levei nenhum filho meu para a Europa. Mas um deputado levar a mulher para Brasília, qual é o crime?", questionou Lula, depois de participar da inauguração de um hospital de reabilitação da Rede Sarah, no Rio.

Para o presidente, a imprensa dá muita importância a um assunto que é banal. "Falam como se fosse um novidade uma coisa que é mais velha do que a história do Brasil", criticou. "Esse assunto está há um mês na imprensa e temos coisas mais importantes para discutir."

Conforme reportagem do Estado, em jantar na quarta-feira à noite com os presidentes da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP), Lula já havia se comprometido a fazer declarações em defesa do Congresso.

"Ainda vou criar o Dia da Hipocrisia", discursou o presidente. "Guardar a passagem para ir à França é delicadíssimo, mas levar a mulher ou um sindicalista para Brasília, não vejo onde está o crime. Se esse fosse o mal do Brasil, o Brasil não tinha mal."

Lula concluiu o discurso agradecendo ao Congresso pelas contribuições no debate político e dizendo que "de vez em quando a imprensa tenta vender uma briga entre a Presidência e Congresso".

O presidente foi bastante aplaudido pela plateia, que incluía as atrizes Fernanda Montenegro e Eva Wilma.

O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), que admitiu recentemente ter dado passagens para uma filhas viajar para o Havaí, ouviu em silêncio. "Acho que o escândalo das passagens pode refletir no crescimento do voto nulo e numa vontade de renovação do Congresso", afirmou o parlamentar, antes do início da solenidade. Gabeira admitiu que o episódio pode prejudicar sua possível candidatura ao governo do Rio em 2010.

HIPOCRISIA

Lula classificou de "hipocrisia" o fato de salários de R$ 8 mil ou R$ 10 mil pagos a servidores serem taxados de altos pela imprensa, enquanto a iniciativa privada paga muito mais. Sem citar o nome de Rodolfo Landim, ex-presidente da BR Distribuidora, Lula mencionou que a Petrobrás era criticada por pagar salário de R$ 26 mil.

Landim deixou a estatal e passou a trabalhar para empresas privadas, onde, segundo o presidente, teria multiplicado seus ganhos. "Agora sim ele é marajá", brincou Lula.

PMDB ajuda a derrotar governo

Luciana Nunes Leal
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O PMDB uniu-se aos partidos de oposição e impôs uma derrota ao governo na votação de destaques da Medida Provisória 457, sobre renegociação da dívida previdenciária dos municípios. Na madrugada de anteontem, os deputados aprovaram a retirada da palavra "até" do texto-base, no trecho que autoriza o parcelamento da dívida em 240 meses.

Com isso, as dívidas passarão a ser parceladas em 20 anos, sem possibilidade de acordos para prazos menores. Essa era uma das muitas reivindicações dos prefeitos, já atendidos na noite de quarta-feira com a suspensão do pagamento das dívidas por prazos de três a oito meses.

A oposição derrubou a sessão por falta de quorum antes que fosse votado outro destaque também de interesse dos municípios. Com isso, ganhou tempo para mobilizar prefeitos a fim de que acompanhem a continuação da votação, na próxima quarta-feira.

A oposição agora tenta suprimir a expressão "no mínimo" do artigo que fala que a parcela da dívida deve ser equivalente a pelo menos 1,5% da receita corrente líquida do município. O governo vai tentar alterar o texto no Senado.

Poupança muda antes do Copom

Adriana Chiarini, RIO
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Governo estuda medidas para reduzir rentabilidade

O governo provavelmente decidirá o que muda na caderneta de poupança antes da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, marcada para os dias 9 e 10 de junho. A previsão é do ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, que acompanhou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ontem em sua visita ao Rio.

De acordo com Martins, "o que está se discutindo é um mecanismo de remuneração daqui para a frente". Entre as possibilidades em estudo, citou uma indexação da poupança à taxa de juros básica, a Selic; a tributação da rentabilidade da poupança e o tratamento diferenciado pelo total depositado em caderneta por número de CPF (Cadastro de Pessoa Física).

"Todas essas hipóteses têm vantagens e desvantagens e estão em estudo pela área técnica", afirmou Martins, que disse não ter conversado sobre o assunto com o presidente Lula. "A decisão que existe é de que alguma coisa tem que fazer", disse o ministro. Ele admite, inclusive, uma combinação das alternativas como a criação de faixas para tributação diferenciada. Por exemplo, cobrar Imposto de Renda sobre a rentabilidade da poupança para valores acima de R$ 5 mil por depositante. O ministro não chegou, porém, a citar este exemplo específico. Apenas falou em tese e observou que cerca de 92% das contas de poupança têm até R$ 5 mil.

PROBLEMA BOM

O problema que o governo quer evitar "é bom", segundo o ministro, já que o motivo é a possível queda dos juros um patamar baixo, com taxa nominal de apenas um dígito. A taxa de juros básica, a Selic, já está no mínimo histórico de 10,25% ao ano. Caso o Copom opte por um corte a partir de mais de 0,25 p.p. na próxima reunião, já passaria ao patamar de um dígito.

Como a remuneração da poupança é de TR mais 6% ao ano, teme-se que com a continuidade da redução da Selic haja uma migração de investimentos como títulos públicos, que financiam o governo, e CDBs, fonte de recursos para os bancos concederem crédito para a poupança.

Martins considera "uma bobagem" a comparação com o confisco do Plano Collor, já que não haverá restrições para movimentar a conta. "A pessoa pode fazer o que quiser com a sua conta", disse.

Futuro de rodas

Panorama Econômico :: Míriam leitão
DEU EM O GLOBO

O mercado americano, em crise, tem o tamanho de 12 milhões de carros. É isto que anima a Fiat, que, por causa da crise, virou acionista da Chrysler e entrou nos EUA. Se der certo, ela terá 51% da Chrysler. O presidente da Fiat no Brasil, Cledorvino Belini, diz que, aqui, o mercado voltou a acelerar e fecha o primeiro quadrimestre com o mesmo número de carros vendidos que no mesmo período de 2008.

Belini contou que o acordo com a Chrysler permitirá a Fiat entrar no mercado americano com uma plataforma de produtos compactos, com motores econômicos e flex. Ao mesmo tempo, a italiana poderá voltar ao mercado com o Alfa Romeo.

A Chrysler entrou em concordata com grande chance de recuperação, porque já negociou previamente com os grandes credores e com os trabalhadores. Agora, negociará judicialmente com os pequenos credores. O novo conselho da empresa terá três representantes da Fiat, um do governo canadense, um dos trabalhadores e quatro do governo italiano. Ou seja, mais governo que setor privado. A Fiat, quando completar a transferência de tecnologia, aumentará sua participação para 35% da Chrysler e poderá, entre 2012 e 2016, comprar os outros 16% e chegar a 51% do capital. Belini admite que o mercado americano é um dos que mais sofre neste momento, mas diz que a empresa está animada de entrar nos EUA.

- Mesmo rodando menos, é um grande mercado. Era um mercado de 15 milhões de carros e, agora, é de 12 milhões, mas ainda são 12 milhões!

O mercado americano, viciado em SUVs e trucks, vai se acostumar com carros pequenos? Ele acha que sim.

- É uma mudança de comportamento. Aquele tempo dos carros grandes passou. O mundo vive agora uma nova realidade.

Na entrevista que me concedeu na Globonews, o presidente brasileiro da Fiat disse que a redução do IPI, decidida pelo governo, foi fundamental para que o setor se recuperasse por aqui.

- O Brasil tinha uma media diária de vendas de 11.500 veículos em setembro, caiu em novembro para 8.500, queda de 36%, e agora em março fechou em 11.800. Vamos fechar o quadrimestre com o mesmo número de carros vendidos que no mesmo período do ano passado - diz Belini.

Ele acha que há uma chance de 2009 terminar também com empate. Em 2008 foram 2.754.000 automóveis e comerciais leves vendidos no Brasil, e este ano pode terminar entre 2,5 milhões e 2,7 milhões. Mas, ele repete: isso "se o IPI continuar reduzido".

Belini contesta a afirmação de que a renúncia fiscal é privilégio dado a um setor apenas. Ele empilha os números que a indústria automobilística apresenta como sendo o seu peso na economia. Diz que representa 22% do PIB industrial. Nessa conta entra todo o aço produzido para o setor automobilístico, todos os outros fornecedores, toda a rede de revendedores. Tudo o que a indústria gira.

- O setor, visto assim de forma integrada, emprega 1,3 milhão de pessoas, fatura R$150 bilhões e recolhe R$33 milhões de impostos. Por isso é que teve a prioridade do governo, mas não temos privilégios. Outros setores estão tendo também queda de impostos.

Ele argumenta que o governo recolheu mais do que deixou de receber. O aumento das vendas elevou a arrecadação do PIS-Cofins, ICMS e IPVA.

Belini conta que o mercado americano deve terminar o ano com queda 40%; a Europa também. Os governos europeus estão dando subsídios diretos de até quatro mil euros para a compra do carro novo dentro do programa de renovação de frota. E isso está reanimando o setor. Nos outros países, a Índia não vai muito bem, a Rússia está péssima, outros países da America Latina estão com quedas de 20%, e no México vai piorar. O Brasil está caminhando para a estabilização e a China vai muito bem.

- No mês passado, a China vendeu um milhão e 80 mil carros. Em parte pelo incentivo do governo, que deu uma redução do imposto deles. Inicialmente para carro 1.0 e depois para carro até 1.6.

O executivo disse que isso não o surpreende, porque está dentro das previsões de que a China e o Brasil se recuperariam mais rapidamente que os mercados americano e europeu, que sentem a crise de forma mais forte.

- No conjunto, o mundo ainda está mal, mas alguns países saíram na frente.

No médio prazo, a expectativa dele é de aumento do mercado brasileiro.

- O Brasil ainda tem pouco carro em termos de densidade por habitante. Para chegar ao nível que está a Argentina hoje, o Brasil teria que ter oito milhões de veículos a mais. Por isso nós não mudamos nosso plano de investir US$5 bilhões no Brasil até o fim de 2010 - diz Belini.

A estrada treme para a indústria automobilística do mundo, particularmente nos EUA e na Europa. Ainda não se sabe como a GM sairá da crise, a Chrysler entrou em concordata, a Ford tenta manter a decisão de não precisar de dinheiro do governo. As japonesas, como a gigante Toyota, têm dado prejuízo. Esta crise tem dois epicentros: o mercado bancário e a indústria automobilística. Da perspectiva da Fiat, pode ser uma chance de entrar no mercado americano. Tudo depende de como o acordo anunciado na quinta-feira vai evoluir.

Poupança deve mudar até junho, afirma ministro

Juliana Ennes
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

As novas regras de remuneração para a caderneta de poupança já deverão estar valendo até a próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), que será realizada nos dias 9 e 10 de junho, de acordo com o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins.

Com a tendência de queda da taxa de juros desde janeiro, o rendimento da poupança começa a ser superior ao de títulos privados como o CDB. Com isso, o governo teme que a poupança atraia grande números de investidores.

"O princípio das mudanças de remuneração está em não deixar que a poupança se transforme em um investimento, porque investimento tem que ter risco", disse Martins.

Segundo Martins, o governo não decidiu como será feita a limitação. "Se não houver consenso, o presidente arbitrará."

Entre as possibilidades, uma opção é a de indexar a poupança à Selic. Isso traria o benefício de acompanhar a queda dos juros. "Mas, se a taxa voltar a subir, teria que mexer de novo nas regras." Outra opção seria a tributação por faixas, caso em que quanto maior for o montante, menor será o rendimento.

Sindicalistas poupam governo no 1º de Maio

Da Reportagem Local
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Apesar do desemprego em alta e da crise econômica, os festejos do Dia do Trabalho foram marcados no país pela escassez de críticas ao governo federal. Os discursos foram amenos, e as reivindicações, genéricas. As centrais sindicais celebraram a data com shows e sorteios. No maior evento, a Força Sindical reuniu 1,5 milhão em SP, de acordo com a PM. Convidado da Força, o delegado federal afastado Protógenes Queiroz disse que, a exemplo do presidente Lula no passado, é vítima de “perseguição” por “forças internas e externas”.

Festa do 1º de Maio poupa críticas ao governo Lula

Com discursos amenos, centrais apoiam medidas do Planalto no combate à crise

Segundo a PM, evento da Força reuniu 1,5 milhão de pessoas na zona norte de SP, UGT levou 200 mil ao centro, e CUT, 100 mil à zona sul

Com o desemprego em alta e um cenário de crise econômica, as centrais sindicais pouparam as críticas ao governo federal nas comemorações do Dia do Trabalho. A data foi marcada por protestos no mundo inteiro. No Brasil, foi comemorada com shows e sorteio de carros.

Nos eventos da Força Sindical, da CUT e da UGT (que unificou a comemoração deste ano com a CTB e a Nova Central), os discursos foram amenos e as reivindicações, genéricas.

"Aprendemos, ao longo da vida, que não se bate naquele com quem se está negociando, senão fechamos as portas", disse Paulo Pereira da Silva, presidente da Força, na festa na praça Campo de Bagatelle (zona norte de São Paulo). Pelo local, passou 1,5 milhão de pessoas, segundo a Polícia Militar.

No palco da Força, os sindicalistas pediram nova prorrogação da redução do IPI para carros e incentivos fiscais para setores afetados pela crise -como os de carnes e máquinas.

"Estamos criticando os juros e a lentidão do governo em tomar ações no que se refere a determinadas cadeias produtivas que demitiram", afirmou Paulinho. Mas o sindicalista também reconheceu acertos no governo Lula para enfrentar a crise. " Fizemos pressão para garantia de emprego quando houvesse redução de impostos para as empresas, e isso ele fez."

Críticas mais duras foram dirigidas às empresas que demitiram. E foram feitas pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi. "Não adianta algumas empresas tentarem se aproveitar da crise para ganhar dinheiro. Falo da demissão no setor automobilístico, e acho que a Embraer se precipitou [nas demissões], pois agora já está vendendo mais aviões."

A ministra da Casa Civil, Dilma Rouseff, não compareceu à festa da Força, como havia sido anunciado, porque acompanhou evento do pré-sal no Rio. Uma carta escrita por ela foi lida durante o evento em SP.

Na festa da CUT na Cidade Dutra (zona sul), por onde passaram 100 mil pessoas, segundo a PM. Sebastião Cardozo, presidente estadual da central, afirmou que "as medidas do governo estão indo no sentido correto" e "têm atendido uma série de reivindicações dos trabalhadores".

Segundo ele, a central não abrirá mão de pleitos como redução da jornada e aumentos reais. Nem deixará de criticar lentidão na reforma agrária e no corte dos juros. "Saímos de uma agenda negativa para os trabalhadores, que vinha antes do governo Lula, para outra positiva, de geração de vagas e valorização do salário mínimo", disse Cardozo.

Crédito

Na festa da UGT, que reuniu 200 mil pessoas na avenida São João, segundo a PM, as principais reivindicações foram o aumento do crédito às pequenas empresas, cortes de juros e redução do "spread" [diferença entre a taxa de captação dos bancos e a cobrada de clientes].

"Concordamos com a política de redução de IPI para preservar o emprego. Mas esse estímulo beneficia a indústria. Representamos os trabalhadores do comércio e dos serviços. Para eles, é o crédito que faz diferença", disse Ricardo Patah, presidente da UGT.

Nos 26 minutos de ato político, os discursos foram amenos. Somente um dirigente criticou duramente empresas que demitem. Wagner Gomes, presidente da CTB, afirmou que as reivindicações são feitas diariamente pelas centrais ao governo e que o objetivo da festa era homenagear o trabalhador.

"O 1º de Maio perdeu o seu caráter de luta, de reflexão sobre as condições de trabalho e se transformou em um exercício midiático, com sorteios de carros", disse Ricardo Antunes, da Unicamp. Para Wilson Amorim, professor da FIA (Fundação Instituto de Administração), "as centrais estão cumprindo o papel delas e optaram, para comemorar o 1º de Maio, pela dobradinha entretenimento e discursos políticos".

(Denyse Godoy, Verena Fornetti, Julio Wiziack E Fatima Fernandes)

Lula: Sarah é modelo de saúde

Ruben Berta
DEU EM O GLOBO

Funcionários são mais dedicados

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, e o governador Sérgio Cabral defenderam ontem, durante a inauguração do Centro Internacional Sarah de Neurorreabilitação e Neurociências, que o modelo de gestão utilizado na rede sirva de referência para os hospitais públicos do país. As unidades do Sarah são administradas por uma entidade sem fins lucrativos, a Associação das Pioneiras Sociais, criada em 1991.

- Esse pode ser um modelo de saúde para esse país num futuro muito próximo - disse o presidente Lula.

Cabral e Temporão foram enfáticos ao defender os projetos de criação de fundações estatais para a administração de hospitais públicos, modelo que teria características semelhantes às da Rede Sarah. O ministro da Saúde destacou que essa forma de gestão provoca o compromisso dos profissionais com a qualidade do serviço:

- Uma das principais críticas a esse tipo de gestão é que os profissionais não têm estabilidade, são contratados pela CLT. Agora, veja se alguém que é atendido no Sarah tem queixas do atendimento? Todos os funcionários são avaliados. Existem metas, indicadores de que, se não tiverem desempenho adequado, são demitidos, como todo e qualquer trabalhador brasileiro.

A unidade inaugurada ontem, que conta com recursos da União, tem capacidade para atender gratuitamente cerca de 20 mil pacientes por mês. Há 209 leitos disponíveis e o horário de atendimento é, de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. Não haverá atendimento de emergência e as consultas podem ser marcadas apenas pelo telefone 3543-7600. O endereço é Avenida Canal Arroio Pavuna sem número, em Jacarepaguá.A construção do hospital, que será ainda um centro de referência de pesquisa em neurociência, custou R$150 milhões.

Projeto das Organizações Sociais foi aprovado em primeira discussão

DEU NO BOLETIM DE STEPAN NERCESSIAN

Apesar da mobilização e protesto de servidores que lotaram as galerias da Câmara do Rio, os vereadores aprovaram, nesta quarta-feira (29), em primeira discussão, o projeto de lei para a contratação das Organizações Sociais (OS’s), de autoria do Poder Executivo.

A sessão foi tumultuada, marcada por protestos e uma intensa negociação. De um lado os representantes dos servidores contrários a aprovação do projeto por considerar a medida uma forma de privatização de serviços de Saúde e Educação. Do outro, representantes do governo buscando acatar emendas dos vereadores em troca da aprovação.

O vereador Stepan Nercessian se manteve ao lado do funcionalismo e de outros 11 vereadores que votaram a favor de um substitutivo que retirava as áreas de Saúde, Educação, Cultura e Meio Ambiente, mas a proposta foi rejeitada com 37 votos contrários.

‘Esse é um momento histórico, desde a posse não vemos os 51 vereadores presentes’ – destacou Stepan. O parlamentar fez apelos aos manifestantes, por várias vezes, para garantir a continuidade do debate.

Com faixas e cartazes e aos gritos de “privatiza a Câmara”e “vereador presta atenção, não vai ter voto na próxima eleição” os servidores provocavam os vereadores. O clima ficou bastante tenso, com a ameaça de invasão do prédio por manifestantes que estavam do lado de fora, o que mobilizou a segurança da casa e a Polícia Militar e obrigou o fechamento dos portões de acesso.

Foram aprovadas oito das 13 emendas apresentadas:

Emenda 3: A Organização Social deverá estar constituída há pelo menos dois anos, no pleno exercício das atividades;

Emenda 7: Exclui as escolas da rede pública municipal dos contratos de gestão das OS’s;

Emenda 8: As Organizações Sociais cujas atividades sejam dirigidas ao ensino poderão atuar exclusivamente em creches e no reforço escolar . As Organizações Sociais cujas atividades sejam dirigidas às unidades de saúde poderão atuar exclusivamente em unidades de saúde criadas a partir desta lei e no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla;

Emenda 9: Define o contrato de gestão entre o Poder Público e a entidade qualificada como OS, entre outros;

Emenda 10: Os membros eleitos para compor o Conselho terão mandato de quatro anos, admitida uma recondução, não podendo haver o nepotismo;

Emenda 11: Especifica os requisitos necessários para que as entidades privadas habilitem-se como Organização Social e obriga a publicação dos relatórios financeiros e contratos de gestão no Diário Oficial do Município;

Emenda 12: Fica facultada ao Poder Executivo a cessão especial do servidor para as OS’s com ônus para o Executivo durante a vigência do contrato;

Emenda 13: O Poder Executivo deverá disponibilizar na rede pública de dados relatório pertinente à execução do contrato de gestão, contendo comparativo específico das metas propostas com os resultados alcançados, incluindo a prestação de contas correspondente ao exercício financeiro.

SOBRE A REMOÇÃO DAS FAVELAS

Maria Alice Rezende de Carvalho1
DEU NO BOLETIM CEDES/IUPERJ
MARÇO/ABRIL

Anos atrás desenvolvi a noção de cidade escassa para dar conta de contextos urbanos com graves limitações à experiência cidadã. Nessa chave, a cidade seria “escassa” sempre que não comportasse ética e politicamente o conjunto de seus habitantes, isto é, sempre que não garantisse a todos e a cada um a possibilidade de viver em liberdade e de agir com autonomia.

A principal implicação dessa idéia é a de que as políticas públicas voltadas a segmentos populares urbanos não são importantes apenas porque “compensam” carências e reparam injustiças históricas. É claro que objetivos compensatórios são relevantes e mesmo imperiosos, em se tratando de sociedades tão profundamente desiguais como a brasileira. Mas, informado pela noção de cidade escassa, o aspecto mais importante das políticas sociais urbanas passa a ser o de que tais políticas tendem a liberar a população pobre das redes hierárquicas, informais ou ilegais, de mando e obediência. Habitação, trabalho, educação, saúde e segurança são, pois, bens de cidadania na medida em que impedem o controle e a dominação pessoal dos mais fracos pelos mais fortes. Portanto, cidade, nessa acepção, não é propriamente o ambiente sociológico com que nos habituamos desde o século XIX, mas um ethos político, isto é, um modo de vida, um hábito, político.

Falar em cidade como um hábito de polis não significa desconsiderar o caminho percorrido pelo Ocidente moderno e estabelecer parâmetros irrealistas de avaliação das nossas cidades. Não significa, em bom português, uma perspectiva nostálgica das cidades antigas ou dos estados livres do republicanismo renascentista, com sua cidadania ativa, na falta do que, toda cidade parecerá escassa. Afinal, as cidades modernas e seus habitantes possuem outra “natureza”, moldada por pressupostos que conformaram a trajetória ocidental nos últimos 2 ou 3 séculos. Mas reconhecer essa configuração eminentemente sociológica das cidades não significa fechar os olhos para dinâmicas de interação que não se encaixam finamente nessa moldura.

O Rio de Janeiro é particularmente interessante desse ponto de vista, porque a sua trajetória moderna – no que se refere às camadas populares – tem sido uma longa e inconclusa negociação, até agora, quanto à forma, extensão e traduções desse ethos da cidade. Dois exemplos serão suficientes para caracterizar a tensão que se estabelece no Rio entre a modernidade urbana e práticas sociais pouco redutíveis a ela.

Em primeiro lugar, a existência de corpos da pobreza que se impõem desnudos, indóceis e mesmo hegemônicos em algumas formas de interação social, como a dança. Não é preciso evocar Foucault para lembrarmos que a pobreza dos aglomerados urbano-industriais, desde o século XIX, usa uniforme, mantém seus corpos sob dura disciplina e, onde a fábrica não cumpriu bem ou na extensão desejada esse papel, fizeram-no as paradas militares – as nazi-fascistas ainda hoje impressionantes pelo grau de comprometimento dos corpos com o regime.

No Rio, a revolução dos corpos é permanente: atuou na Revolta da Vacina, talvez a mais evidente insurgência contra o domínio moderno do corpo e se mantém presente nas praias, sobre as quais a pobreza urbana tem conquistado direito de posse.

O tema mereceria incursão mais larga, mas serve aqui ao propósito de apontar uma das formas mais efetivas de negociação entre a disciplina que constitui a modernidade e a experiência de um modo de vida, de um ethos político da cidade, que envolve luta, mobilização de agências intelectuais e políticas, instituições de todo tipo, inclusive a Universidade. Norbert Elias, ao escrever sobre o processo pelo qual o Ocidente produziu um padrão de auto-reconhecimento, chamou a atenção para as práticas de imitação que levaram pobres europeus de muitas gerações a se espelharem em figurinos aristocráticos ou socialmente mais elevados que o seu.

Na nossa civilização urbana, a marca cultural dos pobres é infinitamente mais forte e exerce força centrípeta em relação aos demais segmentos sociais. Há exemplos disso no vocabulário das ruas, na moda, na música e em muitas outras dimensões da vida social. Somente isso, esse singelo registro ético-político, deveria bastar para que o enunciado sociológico da “exclusão”, que permeia nove entre dez diagnósticos sobre o mundo popular carioca, moderasse as ênfases a que se habituou.

O segundo exemplo são as favelas de assentamento antigo, com mais de cinco décadas de história, e que, se hoje crescem com velocidade inédita, fruto da especulação imobiliária que chega àquelas áreas, nem por isso deixam de representar a permanência e duração de certo ethos político carioca. Quero dizer que as formas de que se revestem estão sendo alteradas, mas as favelas não são exatamente, ou exclusivamente, uma forma, um item do vocabulário urbanístico.

Favelas são configurações sociais complexas, multiplamente determinadas, que condenam ao fracasso tentativas de abordagem muito rápidas como a ensaiada aqui. Mas a relevância do presente registro se prende ao fato de que, contrariando todas as evidências fenomenológicas e todos os embates intelectuais e políticos que já se desenvolveram sobre o tema, está claro que as favelas não foram ainda assimiladas como um modo de vida, um hábito de polis. Prova disso é o fato de que a mais nova polêmica instaurada por agências da municipalidade consiste no reaquecimento da idéia de remoção, como se tal idéia tivesse se tornado tabu e fosse necessário demovê-lo para bem e paz da cidade.

Cuidados, nesse passo, são necessários: não defendo, evidentemente, o assentamento de populações em áreas de risco, não sou compassiva em relação ao crescimento desordenado e ecologicamente incorreto das favelas tradicionais, não considero admissível a permanência de bandidos e chefes do terror, de qualquer procedência, naquelas comunidades e não descarto, é claro, políticas públicas devotadas à melhoria das condições de vida dos residentes em favela, inclusive os planos integrados de construção de moradias para populações de baixa renda. A todas essas dimensões sociológicas contidas na expressão “favela” estou atenta. Mas gostaria de acrescentar a elas outro aspecto, referido à tensão constitutiva que as favelas introduzem no processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro, dando lastro a ele.

Páginas memoráveis da sociologia urbana norte-americana e da filosofia social européia foram escritas em torno da figura do estrangeiro, do “outro”, que tensiona a cidade disciplinar, funcionalmente organizada. Ora, é dessa tensão que a cidade do Rio de Janeiro é constituída, uma tensão que permite desconfiar da certeza com que ela se organiza e introduzir elementos de crítica à ordem que apregoa.

Com a diferença de que o estrangeiro, nesse caso, está permanentemente entre nós e talvez sejamos nós próprios, já que a força e a energia constituinte do modo de vida carioca vêm das cidadelas que aí estão.

1 Professora do Departamento de Sociologia da PUC-Rio, membro da coordenação do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES/IUPERJ) e presidente da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), biênio 2009-2010.

O MURO E O SIGNIFICADO DO MURO

Marcelo Baumann Burgos1
DEU NO BOLETIM CEDES/IUPERJ
MARÇO/ABRIL

O problema não é o muro – obra de tijolo e cimento – mas o que ele significa.

E o que ele significa está relacionado ao contexto político em que está sendo concebido como alternativa à expansão das favelas. No caso, como mais uma iniciativa orientada para a idéia do controle da favela, difusamente entendida como ameaça à cidade.

Pois é preciso lembrar – e sempre será preciso lembrar – que a política do atual governo estadual para a favela foi inaugurada com a Chacina do Alemão, a mega operação policial realizada em junho de 2007, no Complexo do Alemão, que envolveu cerca de 1200 policiais, e que deixou um rastro de sangue, com vários feridos, inclusive crianças, e 19 pessoas mortas com claros sinais de execução, além de uma incomensurável seqüela psicológica em uma população de mais de 70 mil habitantes.

O descompasso entre o custo humano desse tipo de operação e o seu resultado prático para a polícia fica evidente quando se considera que seu saldo foi a apreensão de apenas 14 armas.

Caso fosse concebido em um outro contexto o muro poderia de fato significar outra coisa. Poderia significar, por exemplo, a demarcação de um território – como se faz com as terras indígenas – para desapropriação em favor dos moradores das favelas, que, titulares da propriedade, ficariam fortalecidos para exercer sua cidadania, lutando pela sua qualidade de vida, que é agredida pela especulação imobiliária predatória. Afinal, ainda se faz necessário lembrar e sublinhar que a principal vítima da favelização não é, como se costuma pensar, o morador do bairro vizinho à favela, mas, sobretudo, o próprio morador da favela, que assiste sem defesa a um processo de adensamento continuado de seu bairro, que produz efeitos dramáticos em seu cotidiano, afetando seu acesso à água potável, a luminosidade e ventilação de sua casa, a capacidade de escoamento das águas pluviais e do esgoto sanitário, a qualidade do serviço de coleta de lixo, e de atendimento de serviços básicos como escola, saúde e transporte.

Mas, para que o muro tivesse este outro significado precisaria resultar de um processo de discussão coletiva, no qual os moradores das favelas “beneficiadas” pela obra tivessem voz ativa. Neste caso, entretanto, também seria necessário imaginar um outro modelo de política para as favelas, que fosse desenhado com base em procedimentos democráticos, voltados para o fortalecimento da participação e do diálogo, envolvendo, através de fóruns vicinais e locais, a vida associativa da cidade como um todo, isto é, de seus bairros e favelas.

Não é esse, porém, o contexto em que nos encontramos. Vivemos, ao contrário, o apogeu da política do controle verticalizado, em que as razões de segurança pública são sempre apresentadas como imperativas, sobrepondo-se às demais esferas – o que fica muito evidente quando uma operação policial agride violentamente a rotina escolar.

Se a escola, e não um mandado de prisão de um traficante fosse prioridade; se os moradores das favelas fossem concebidos e tratados como cidadãos pelo Estado, e não como virtuais cúmplices dos traficantes; se as suas associações de moradores fossem fortalecidas como interlocutoras importantes na definição da política para as favelas; e se a especulação imobiliária nas favelas fosse objeto de uma legislação específica, construída através da participação dos moradores de toda a cidade, então, o muro poderia ter outro significado. Mas, na atual circunstância, o muro nada mais é do que uma ação midiática, uma espécie de equivalente funcional das incursões policiais nas favelas, cujo sentido principal não é, como se sabe, o de garantir a cidadania dos moradores das favelas, e sim o de dar satisfação a uma parcela da população da cidade, que tem peso desproporcional na formação da opinião pública local, e que teima em encarar a favela como um território ocupado por potenciais inimigos – e aqui não nos referimos aos traficantes, mas aos moradores em geral –, que precisam ser vigiados e, no limite, cercados para não realizarem seu plano secreto de sedição contra a cidade.

1 Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), professor do Departamento de Sociologia da PUC-Rio e membro da coordenação do Centro de Estudos Direito e Sociedade (CEDES/IUPERJ).

"Cinema nacional não pode existir sem ajuda do Estado"

Costa-Gavras/ Sabatina
Do enviado especial a Recife

Da agência Folha, em Recife
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA (ontem)

Em sabatina da Folha, em Recife, o cineasta Costa-Gavras defende liberdade dos filmes, mas diz que governo deve apoiar e regulamentar

Diretor de filmes como "Z" e "Estado de Sítio", identificados com perspectivas políticas de esquerda, o cineasta greco-francês Costa-Gavras, 76, defendeu anteontem em Recife que o "cinema nacional não pode existir sem ajuda forte do Estado". Para ele, tal apoio não poderia permitir interferências ideológicas como as ocorridas na Rússia stalinista ou em Hollywood durante o período da Guerra Fria. "O cinema deve ser livre. Cada pais deve refletir sua própria imagem como um espelho", disse.

Convidado do 13º Cine-PE, em que veio apresentar seu mais recente longa, "Eden à l'Ouest" (Eden ao oeste), Costa-Gavras participou na capital pernambucana de sabatina da Folha, respondendo a perguntas do editor de Moda Alcino Leite Neto, do crítico Inácio Araujo, da repórter Silvana Arantes e da plateia. O diretor falou sobre "Tropa de Elite" -que venceu o Urso de Ouro 2008, quando ele presidiu o júri do Festival de Berlim-, militância, política e tecnologia.


"Ninguém vai ver filme como aula"

Costa-Gavras rejeita a ideia de usar seus longas para militar e diz que cinema é espetáculo, para público "amar, odiar, chorar"

Cineasta greco-francês diz que filmes atuam na "formação da sensibilidade" das pessoas e que o cinema de autor está "em perigo"

Na sabatina da Folha anteontem, em Recife, o diretor Costa-Gavras evitou o rótulo de cinema político para sua filmografia, explicando que seus filmes de maior sucesso, como "Z" e "Estado de Sítio" eram fortemente documentais, sem abrir mão de elementos da ficção, como o suspense. Leia a seguir alguns trechos.

CINEMA POLÍTICO E MILITÂNCIA

Todos os filmes são políticos. Até mesmo os com [a atriz norte-americana] Esther Williams, que mostravam carros bonitos, mulheres na piscina, casas com cozinhas modernas etc. Quando eu ainda estava na Grécia, achava que essa era a América. Mas não era. Como dizia [o escritor e semiólogo francês] Roland Barthes, todos os filmes são políticos ou podemos analisá-los politicamente.

[...] Eu nunca participei de partido político. Mas vim de um país onde se aprendia que Stalin havia derrotado Hitler.

Nossa geração era atraída pelo stalinismo. Descobri um sistema comunista que se chamava socialismo, que apoiei, mas do qual depois eu me afastei. Pertencer a ele exigia quase abandonar o livre arbítrio e não ter ideias contrárias. Escolhi pensar por mim mesmo e sempre fiquei longe dos partidos.

Além disso, tive uma mãe que dizia sempre: "Fique longe dos partidos políticos". Tenho respeito pelo cinema militante, procuro entender se há manipulação ou não, mas não vou militar porque quero preservar toda a minha liberdade.

O presidente François Mitterrand [1916-1996] me pediu indiretamente que fizesse um documentário sobre ele. Houve várias coisas com que eu não concordei no governo dele e que queria criticar. Então, não fiz o filme.

PAPEL DO CINEMA

Desde seu nascimento, o cinema teve papel importante na sociedade, na formação da sensibilidade das pessoas [...]. Ele desempenhou um papel negativo na década de 30, na Rússia de Stalin e durante a Guerra Fria, em Hollywood, porque manipulou os espectadores e divulgou uma ideologia que não era a do cinema livre.

Um exemplo [positivo] recente foi citado num artigo do "New York Times", que dizia que Barack Obama fora eleito graças ao cinema. No passado, o cinema mostrou o negro operário, que não podia ocupar cargos importantes. Mas, nos últimos 25 anos, mostrou negros como arquitetos, advogados etc. Acho que teve até uma série de TV que mostrou um presidente negro. Isso permitiu que ele [Obama] fosse considerado não alguém que veio da África, mas como qualquer outro integrante da sociedade.

[...] O cinema nacional não pode existir sem a ajuda forte do Estado. Não se trata apenas de dinheiro, mas de regulamentação. Dizem que o cinema americano não precisa de ajuda estatal, mas não é verdade. O Estado apoia o cinema americano no país todo.

CINEMA-ESPETÁCULO

É preciso guardar certas liberdades para o cinema. Cinema é espetáculo. Ninguém vai ver um filme como quem vai ter uma aula na universidade ou ouvir um discurso num comício político. As pessoas vão para amar, odiar, chorar etc., sentimentos importantes que definem a nossa vida.

Eu venho dessa tradição do cinema em que se falava dos seres humanos de um modo espetacular. De uma escola de grandes filmes que podiam ser ao mesmo tempo populares. Como "O Encouraçado Potenkim" [1925, dirigido por Sergei Eisenstein], que exige cultura politica, porque é um filme que trata de homens frente a uma situação difícil. Bertolt Brecht fez um teatro que fala de política, mas que também trata de sentimentos.

TECNOLOGIA

Cada vez que aparece uma nova tecnologia, o cinema conhece uma mudança profunda também estética. Temos o exemplo da mudança do cinema mudo para o falado, que foi radical. E, no início da década de 50, com o surgimento de películas mais sensíveis, veio a nouvelle vague.

Hoje vemos uma transformação total com a tecnologia digital, tanto no plano econômico como no estético. Hoje qualquer grupo de jovens pode fazer filmes com uma câmera digital. É uma nova concepção.

E, com o DVD, um filme pode circular por todo lugar do mundo. Os filmes viajam mais facilmente, mas há riscos de aspectos negativos. Filme no telefone seria uma coisa estúpida. Qualquer companhia pode impor sua vontade ao público privado. É preciso que o cinema nacional não seja engolido, que a liberdade não seja esmagada.

CRÍTICA DA CRÍTICA

A crítica no cinema é indispensável, é uma maneira de apresentar a obra para o espectador, para ele entender aspectos invisíveis, qualidades estéticas etc. O que aconteceu nos últimos anos é que os poucos bons críticos não existem mais.

Contrataram jovens que não têm conhecimento, não há quem faça uma boa análise do filme. Contam o enredo e dizem se é bom ou não.

[...] Não gosto muito da [revista] "Studio" e da "Première", que falam da vida dos atores, de modo um pouco sensacionalista, não fazem análise das obras. Idealmente deveria haver uma escola de crítica, em que se falasse da história do cinema como se faz na literatura. Mas isso é extremamente raro.

CINEMA AUTORAL

Esse cinema está em perigo, é claro. Pelo menos na França e na Europa como um todo, em que depende do financiamento dos canais de TV. E sabemos muito bem que elas podem fazer filmes que sejam amplamente populares, que permitam ao espectador se acalmar e não pensar em problemas e comprar Coca-Cola.

Há várias definições de cinema de autor. Na de André Bazin [1918-1958, crítico e teórico de cinema, cofundador da revista "Cahiers du Cinéma"], cinema de autor se trata de obra de criador que tem continuidade, que não muda de uma problemática para outra, e que tem estilo pessoal.

Hoje não temos na França essa concepção de cinema de autor. Atribuímos a uns em detrimento de outros. Defendo na Cinemateca Francesa [da qual é diretor] que todos sejam mostrados. Há muitos filmes que hoje não são considerados como de autor, mas que eu considero como tal.

"TROPA DE ELITE"

Fiquei profundamente emocionado com o filme de Padilha, que mostrava o papel da pobreza e dos grupos de traficantes na sociedade brasileira. Escutei várias opiniões [no júri do Festival de Berlim, que ele presidiu] e eram todas parecidas. Não houve imposição minha [na premiação com o Urso de Ouro], foi unanimidade do júri.

[...] [Quanto a ser ou não um filme fascista], posso dizer que o poder dá todas as possibilidades de a polícia agir. É claro que os policiais se tornam fascistas, porque são salvadores da pátria para a sociedade, pois vão eliminando os traficantes.

[...] Se o filme deixa a convicção de que a polícia é a solução dos problemas, então é grave [que a plateia brasileira tenha aplaudido a violência dos policiais]. Mas volto para o que me emocionou no filme: a função da democracia é negada na história. Ela não funciona mais. É como uma miniditadura que é autorizada pelo poder público.

UM FILME NO BRASIL

Para alguém de fora como eu seria difícil captar e compreender os problemas do Brasil num filme. "Estado de Sítio" [1972] era um filme particular, porque falava de um sequestro, numerosos na época, e de um movimento revolucionário tipo Robin Hood [os tupamaros].

Isso me interessou, passei muito tempo no Uruguai e discuti muito com muitas pessoas. Vir ao Brasil fazer um filme me parece difícil, eu precisaria ter um tema específico, aprender a língua, como aprendi espanhol, e passar uns seis meses ou um ano. Eu não me sinto capaz de fazer um filme sobre a realidade brasileira.

REVOLUÇÕES

[Se eu acredito em revoluções?] São ideias pessoais. Estamos falando de revolução armada ou revolução social, por meios democráticos, nos quais é preciso respeitar todas as classes?

Se falamos de revolução armada, chegamos à conclusão de que o sucesso não foi alcançado, não mostrou suas vantagens.

Poderia ter mostrado em Cuba, mas o mundo ocidental a bloqueou de tal forma que não pode ter êxito. A revolução social vai depender de seus líderes, da capacidade de impor suas ideias e de como cada um vai reagir a elas.

Na cadência do Ataulfo Alves, 100 anos

O sambista faria hoje 100 anos

centenário do mineiro Ataulfo Alves, autor de clássicos do samba, é lembrado hoje em todo o País

Hoje, às 14h, tem missa na Igreja da Matriz, iniciando uma festa que toma o ´pequenino Miraí´ (a 355 km de Belo Horizonte) para saudar o centenário de seu filho mais famoso, Ataulfo Alves. Os festejos terminam com um show dos filhos Adeilton Alves e Ataulfo Alves Jr. Em crônica da Revista Manchete de 1954, o jornalista Lúcio Rangel citava a assistência aos shows de Ataulfo e suas Pastoras como uma das maiores riquezas acumuladas em 40 anos de existência. Depois, incluiria Ataulfo e as Pastoras, na lista de 25 discos (mais três), sugerida para um norte-americano. As crônicas estão em ´Samba, jazz & outras notas´ (Agir, 2007), organizado por Sérgio Augusto. Já em ´Com esses eu vou´ (Zit, 2006), o jornalista Luís Pimentel fechava seu perfil biográfico, afirmando que o mineiro franzino e elegante, no Rio desde a juventude, ´foi um dos maiores´.

Pudera, entre suas 700 composições, sucessos como: ´Meus tempos de criança´ (o do jogo de botões sobre a calçada, do primeiro amor e da professorinha que lhe ensinou o be-a-abá); ´Leva meu samba´ (também conhecido como ´Mensageiro´); ´Errei... Erramos´ (na voz de Orlando Siva, sobre amantes julgados no tribunal da consciência); ´Errei, sim´ e ´Fim de Comédia´ (sambas-canções em que Dalva de Oliveira exorcizava as brigas com Herivelto Martins); ´Na cadência do samba (com Paulo Gesta e Matilde, o da batucada de bamba onde ele queria morrer); ´Mulata Assanhada´ (e sua pirraça a tirar o sossego das mentes, sucesso de Elza Soares); ´O Bonde São Januário´ (que levava mais um operário, ele, para trabalhar); ´Oh, Seu Oscar´ (também com Wilson Batista, em que a mulher deixava um bilhete de despedida para viver na orgia); ´Laranja Madura´ (unindo a malandragem carioca com as origens rurais), além dos sambas com Mário Lago (´Ai, que saudade da Amélia´ para a ´mulher de verdade´ que horroriza as feministas; e ´Atiraste uma pedra´, sobre um pedido de perdão que apela para uma conhecida passagem bíblica) ou ainda ´Você passa, eu acho graça´ (da parceria final com Carlos Imperial, na voz de Clara Nunes) e ´Pois é´ (o da morena que foi embora após exaltarem suas qualidades)...

Sambas com uma ingenuidade (por assim dizer mineira, interiorana) e uma cadência, uma ginga (única, de quem conciliava a linhagem do Estácio com as toadas mineiras) que não voltam mais... Sambas de tons melancólicos, muitas vezes em torno das dores-de-cotovelo do samba-canção. Melancolia ainda de sentimentos como a saudade e outros lamentos da vida. ´Nas viagens que faço pelo Brasil, ouvindo cantigas da roça, às vezes ouço alguma que parece com um samba meu. Acho que guardei na memória, sem saber, muita toada de roça e isso influencia meu samba. É por isso que ele é assim, triste´, declarou.

Na Era de Ouro

A Era de Ouro do Rádio, iniciada em 1929 por nomes como Francisco Alves, Carmen Miranda, Mário Reis, Almirante e Ary Barroso, reuniria, em sua segunda fase, entre 37 e 42, nomes como Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues, Dorival Caymmi e Ataulfo, responsáveis pela fixação do samba no imaginário popular brasileiro, sob a força do rádio e do cinema. Mas essa referência a fases é apenas mera formalidade, já que suas primeiras gravações, ´Sexta-feira´ e ´Tempo Perdido´, por Almirante e Carmen Miranda, datam de 1933.

Carmen que Ataulfo conhecia desde o tempo de prático de farmácia, ao chegar ao Rio, com 18 anos. Em 35, ´Saudade do Meu Barracão´ faria sucesso com Floriano Belham. Em 41, solta a voz (pequena em relação aos ídolos de então) em ´Leva meu samba´, definindo seu espaço. Mas a consagração viria com ´Ai, que saudade da Amélia´, no Carnaval de 42. E com suas Pastoras, regidas com um lenço branco perfumado.

Antes, em 1939, teve ´Sei que é covardia´ (com Claudionor Cruz) cantado por Carlos Galhardo na trilha do musical carnavalesco ´Banana da Terra´, estrelado por Carmen. Com a Pequena Notável nos States, o Carnaval de 1940 trouxe para Ataulfo a consagração em ´Oh, Seu Oscar´ (com Wilson Batista), na voz de Ciro Monteiro. Mas já em 41, tinha ´É um quê que a gente tem´ (com Torres Homem), no 78 rotações de Carmen, tendo ´O Dengo´, de Caymmi, como lado A. Mas foi nos anos 50 e 60 que aumentou sua popularidade, em aparições na televisão e no seu Clube do Samba, da Rádio Nacional.

Em 1954, em entrevista a Paulo Mendes Campos, Ary Barroso o apontou como o maior compositor do Brasil em todos os tempos. Mas naquele mesmo ano, perderia um grande admirador: o Presidente Getúlio Vargas (afinal, compusera com Wilson Batista ´O Bonde São Januário´, hino do getulismo). Já em novembro de 57, foi um dos convidados de Juscelino Kubitschek no Palácio das Laranjeiras para receber o norte-americano Louis Armstrong.

Com a Caravana Cultural de Humberto Teixeira, iria à Europa em 1961. Em 66, a convite da Unesco, com suas Pastoras, noutra caravana. Três anos depois (20 de abril de 1969), sucumbiria às complicações de uma cirurgia para a retirada de uma úlcera no duodeno, interrompendo tantas mensagens que seu samba ainda tinha para nos entregar. A gravação de ´Na cadência do samba´, pelo grupo Novos Baianos, nos anos 70; o disco para seus 80 anos, com seus clássicos nas vozes de Paula Toller a Elizeth Cardoso e, mais recentemente, as releituras de Cássia Eller para ´Na Cadência do Samba´ e de Itamar Assumpção, em um disco exclusivo, confirmaram a fama imortal do adorável mensageiro.

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Dedicação integral à família e à música

Aos 10 anos, Ataulfo Alves de Souza começou a trabalhar para sustentar a mãe e os seis irmãos. Antes de morrer, seu pai, o violeiro, sanfoneiro e repentista Capitão Severino já lhe ensinara a tocar violão. Aos 17 anos, deixa Miraí para trabalhar na casa do médico da cidade, na capital federal. Depois se torna prático de farmácia e, nas horas de folga, freqüenta rodas de samba. Incentivado por Bide e Almirante, revela-se compositor e depois intérprete. O sucesso no Carnaval de 1942 com ´Ai, que saudades da Amélia´ incentivou a criação das Pastoras, grupo de cantoras que davam sustentabilidade a seu canto. Adaptou-se ao boom do samba-canção, cantou ao lado de Elis Regina e Roberto Carlos. Casado e com cinco filhos, foi defensor dos direitos autorais.

Clique o link abaixo e veja o vídeo

http://www.youtube.com/watch?v=jDvHKscm2bU


Infidelidade
Por Caetano Veloso
http://www.youtube.com/watch?v=q_TEllEEpqw

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