quarta-feira, 6 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

“Conexão entre o senso comum, a religião e a filosofia. A filosofia é uma ordem intelectual, o que nem a religião nem o senso comum podem ser. Ver como, na realidade, tampouco coincidem religião e senso comum, mas a religião é um elemento do senso comum desagregado. Ademais, “senso comum” é um nome coletivo, como “religião”: não existe um único senso comum, pois também ele é um produto e um devir histórico. A filosofia é a crítica e a superação da religião e do senso comum, nesse sentido, coincide com o “bom senso”, que se contrapõe ao senso comum.”


(Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, volume 1, pág. 96 – Civilização Brasileira, 2006)

Paradoxos do Rio

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Nos últimos dias, em que a atuação do Congresso está sob o escrutínio da opinião pública, devem ter sido raras as conversas com políticos em que não tenha sido lembrada a definição do ex-presidente do PMDB e da Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, ao ser confrontado certa vez com a reclamação sobre a fraqueza do Congresso da ocasião. Ele disse então só ter uma certeza: o Congresso atual é pior do que o anterior e melhor do que o próximo. O assunto mais uma vez surgiu num debate sobre o futuro do Rio de Janeiro, do qual participei na noite de segundafeira, juntamente com o cientista político da Fundação Getulio Vargas Octavio Amorim Neto e o economista do Ipea Ricardo Paes de Barros.

Um tema de interesse nacional, que se reflete na política do Rio, foi levantado: o que fazer para reformar a política partidária, que produz representações tão fragmentadas a nível nacional, mas especialmente local, que impedem a prevalência de programas de governo e estimulam o fisiologismo? Era a primeira noite de debate do OsteRio, uma iniciativa conjunta do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), da Light e da Osteria Dell’Angolo, em Ipanema, ideia inspirada em antiga tradição do Nordeste da Itália, onde a população se reunia nas osterias para tratar dos problemas locais.

O economista Ricardo Paes de Barros, um dos maiores especialistas em políticas públicas, chamou a atenção para a perda de competitividade do Rio de Janeiro em relação a Santa Catarina na questão educacional, para exemplificar como o estado vem perdendo as características que o distinguiam no cenário nacional.

Enquanto Santa Catarina vem elevando a produtividade de seu ensino, o do Rio vem perdendo qualidade, mas de uma maneira perversa: apenas entre os mais pobres.

Os estudantes das classes mais altas continuam tendo o mesmo nível educacional de qualidade, mas os mais pobres estão ficando para trás, o que só faz aumentar o desnível social, no estado e no país.

O tema é mais do que pertinente porque, como lembrou Paes de Barros, um dos pontos mais importantes para que o Rio continue sendo a capital cultural do país é a educação.

Como é possível compatibilizar o status de “cidade global” que o Rio de Janeiro ainda ostenta, se nossa política é feita à base do fisiologismo, no pior figurino do século retrasado, o que se reflete em questões centrais, como a educação, a saúde e a segurança pública? Esse paradoxo, que nos colhe em pleno século XXI com uma visão política retrógrada, não apenas no Estado do Rio, mas no plano nacional, como estamos vendo diariamente, é que precisa ser superado para que o estado, assim como o país, possa progredir.

Segundo os dados apresentados por Amorim, o Rio tem uma das cinco assembleias estaduais mais fragmentadas do país, com dez partidos dividindo o poder.

Na Câmara de Vereadores a divisão é ainda maior, com 14 partidos representados.

A política regional no Rio tem peculiaridades, como a de alguns partidos grandes em termos nacionais serem fracos no Rio, como PT e PSDB, e, ao contrário, um partido fraco nacionalmente, como o PDT, ser força política importante no estado.

Na visão de Octavio Amorim, o governo Cabral tem características que, até o momento, o tornam o melhor dos últimos tempos: ajuste fiscal, nomeação de técnicos para lugares-chave na administração pública, melhoria do ambiente de negócios.

Mas ele advertiu que é preciso esperar para ver se o governo de Sérgio Cabral não sucumbe à política fisiológica que marca o estado, a exemplo do que fizeram Brizola em 1983, que acabou aliado ao “chaguismo”, e Moreira Franco em 1987, que começou com um secretariado considerado “de nível ministerial” e acabou recebendo no palácio de governo representantes dos bicheiros cariocas travestidos de dirigentes de escolas de samba.

Chamei a atenção para o fato de que também o passado político do governador Sérgio Cabral, ligado a políticas clientelistas, pode impedir a continuidade de um governo que pretende ser uma gestão moderna.

A fragmentação partidária mais uma vez foi lembrada pelo cientista político Octavio Amorim para explicar a politização das últimas gestões do prefeito Cesar Maia, perigo a que também estaria sujeito seu sucessor, Eduardo Paes, que até o momento faz um governo plural e de gestão moderna e suprapartidária.

Ao mesmo tempo em que a aproximação com o governo federal é uma boa prática política para o Estado do Rio, e tem gerado investimentos importantes, a política clientelista que marca a administração federal é um sinal de que também no estado, governado pelo PMDB e que tem em alguns de seus parlamentares do Rio os maiores agentes de sua ação fisiológica, essa prática pode prevalecer.

Como seria inevitável, o tema da reforma política surgiu nos debates, sendo consensual a visão de que, não havendo mudanças, será impossível evitar a degradação da representação parlamentar.

Não se chegou a aprofundar que tipos de reformas políticas seriam necessárias, mas houve certo consenso sobre o fato de que é muito pouco, e explicita a fragilidade institucional do Rio de Janeiro, a definição de que um dos avanços obtidos na gestão de Sérgio Cabral é a aproximação com o governo federal.

Octavio Amorim, que estimou que a melhor notícia da política para o Rio é a relação de parceria entre o governo Sérgio Cabral, o governo municipal e o governo federal, quebrando uma tradição de consequências negativas para o estado de governos estaduais brigarem com o governo federal, também considera que essa necessidade é uma distorção do modelo político brasileiro, mas pragmaticamente é o que mais auxilia o Rio num momento em que, na sua definição, “a nau está em chamas”.

O velho ditado

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O ministro da Defesa, Nelson Jobim, acaba de renovar um clássico. "De onde menos se espera é que saem as melhores surpresas", diz o ditado cujo sentido - de tão desmentido - já havia sido substituído pela versão mais esperta do Barão de Itararé, "de onde menos se espera é que não sai nada mesmo".

Pois Jobim fez uma limpa na Infraero, deixou o PMDB aos berros e mostrou que não é bem assim.

Na última leva foram demitidos o irmão e a cunhada do líder do governo no Senado, Romero Jucá, a ex-mulher do líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, um sindicalista ligado ao PT e um indicado pelo ex-presidente da Câmara, o petista Arlindo Chinaglia.

Realmente uma grata surpresa a ação na empresa administradora dos aeroportos. Não só porque se trata de uma rara atitude em prol da probidade nessa fisiológica República, como também por representar um ponto (positivo) fora da linha de impropriedades em série que nos últimos anos marcaram a atuação de Nelson Jobim.

Em silêncio, distante da figura estridente que presidiu o Supremo Tribunal Federal querendo presidir o País, depois assumiu o Ministério da Defesa com pose de valente e fantasia de caçador, Jobim deu cabo de um bom combate ao executar o desmonte na Infraero.

Evidentemente, o mérito deve ser dividido com o presidente Luiz Inácio da Silva, cujo sinal verde foi indispensável para a extinção de um dos inúmeros aparelhos partidários da Esplanada e adjacências.

Aprovou-se um novo estatuto para a empresa que reduziu para 12 os cargos em comissão (hoje ainda são 109, mas já foram 240) e estabeleceu que, dos 5 diretores da Infraero, 4 terão de ser necessariamente funcionários de carreira.

A motivação, segundo alguns autores, foi a necessidade de arrumar a empresa para o processo de privatização dos aeroportos brasileiros. De acordo com outros mais descrentes da disposição do governo em executar mesmo esse plano, usou-se o pretexto e aproveitou-se o ensejo para esvaziar alguns cabides.

Tenha sido isso ou aquilo, o ato requer alguma celebração. Ainda que não represente uma revisão de critérios para o preenchimento de cargos, mesmo sendo a decisão pontual e com objetivo específico, possibilita a realização de um teste de resistência do governo à pressão de sua "base" partidária.

O PMDB pulou na frente. Esperneou, exigiu ser recebido pelo presidente Lula em palácio, pôs o presidente da Câmara na liderança da comitiva e marchou rumo ao Planalto para exigir seus "direitos": a revisão das demissões ou compensações em outras áreas da administração federal.

Lula prometeu dar "um jeito". Se não der - vale dizer, se não recuar ou não recompensar - o PMDB promete retaliar. Votar contra os "interesses do governo" no Legislativo.

Seria interessante assistir ao que aconteceria se o presidente resolvesse pagar para ver.

Refém da crise no Congresso, onde preside as duas Casas, até o pescoço, inseguro quanto ao cenário da sucessão de 2010, inquilino de um naco substantivo dos postos federais em todos os escalões e ocupante de governos estaduais absoluta e voluntariamente dependentes da boa relação com Lula, o PMDB tem muito pouco espaço para se mexer.

Ameaçará morder, inclusive para manter acesa a chama do mito da dependência, mas logo assoprará ante a realidade de que no quesito dependência manda quem pode. E por ora, pode mais quem detém a caneta e o controle do Diário Oficial: Luiz Inácio da Silva.

Lula precisa do apoio do PMDB para tentar eleger Dilma Rousseff ou para levar adiante um plano B? Certamente. Só que o PMDB precisa muito mais de Lula se quiser continuar de posse dos instrumentos que lhe asseguram a condição de maior legenda do País.

O partido sabe bem a diferença entre disputar eleições como aliado ou inimigo do poder. O festejado desempenho pemedebista nos pleitos municipais de 2008, por exemplo, guardou relação direta com a adesão total a Lula depois da reeleição em 2006.

Arriscaria seus projetos por meia dúzia de parentes demitidos da Infraero? Nem por força de decreto imperial.

Por tão pouco anunciaria desde já adesão à candidatura da oposição? Nem por muito mais. Vai continuar onde está. No poder e ao mesmo tempo cortejado pelos oposicionistas, simplesmente porque não há razão para mudar.

Portanto, se o governo ceder será por pura vontade de viver de braço dado com o descaso.

Outro patamar

A crise no Congresso começa a deixar o terreno da política para se transformar em caso de polícia.

Investigada pelo Ministério Público, a denúncia de que ex-diretores do Senado operavam esquemas de contratos com prestadores de serviços, se confirmada, guardará - em dimensão maior - semelhança com o caso de Severino Cavalcanti, obrigado a renunciar por ter recebido propina para renovar o contrato de um dos restaurantes que funcionavam na Câmara.

A política na “Rede”

Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


A reforma política não passa no Congresso. Somente suas propostas mais casuístas, como a janela para o troca-troca partidário, têm chances de aprovação

O tema de reforma política está de volta ao Congresso como uma esperteza dos seus líderes. Não tem nada a ver com cotas de passagens aéreas, verbas indenizatórias, verbas de gabinetes e salários dos deputados e senadores. É puro diversionismo. A maioria dos parlamentares não quer mudar as regras do jogo pelas quais foram eleitos, nem mesmo para as eleições de 2014. Além disso, nada indica que a reforma vá melhorar o nosso sistema de representação ou resolver a crise de identidade dos partidos.

A “Rede”

Não sou tão radical quanto meu amigo Raulino, o Camarada Xis, “lua preta” carioca, para quem a “Rede” formada na internet mais cedo ou mais tarde acabará suplantando os partidos na representação dos interesses da sociedade. Seja do mundo do trabalho ou dos negócios, da cultura ou dos relacionamentos “cibertribais”, a distância física entre o Parlamento e o cidadão parece ainda mais sideral quando a opinião pública entra em ação (ativa ou reativamente) por meio da “Rede”. Esse problema, a reforma política sequer tangencia. Mas, felizmente, pode ser superado por meio da própria “Rede”. Isto é, se o Congresso cair na real e souber usar a “convergência de mídia” para se conectar permanentemente à sociedade, via internet. Diria que a crise ética do Congresso, um xeque-mate em velhos costumes políticos, não será superada sem o trabalho parlamentar e extraparlamentar conectado à “Rede”. Os meios tecnológicos e financeiros para isso estão dados; a vontade política, porém, parece que é da época do cinema mudo.

Mesmo assim, permanece a questão fulcral: não existe democracia sem partidos políticos. A representação corporativa no Congresso (reeditada por lobbies e agências privadas ), sem a existência de partidos livres, é uma premissa do fascismo. No Brasil, isso aconteceu na Constituinte de 1936, convocada por Getúlio Vargas para implantar o Estado Novo. É bom lembrar que a aversão aos partidos políticos, em geral, tem três grandes vertentes: à esquerda, o anarquismo; à direita, o autoritarismo; e, como massa de manobra, a alienação. A ojeriza aos políticos e seus partidos é simpática, mas por si só não é uma atitude democrática. E a vala comum em que estão sendo lançados todos os políticos nivela a política por baixo e contribui para a sobrevivência dos maus políticos. Alimenta a “crise de vocação” para a política entre os cidadãos. Daqui a pouco será mais difícil encontrar vocações políticas entre lideranças autênticas da sociedade do que jovens celibatários com vontade de ser padre.

A reforma

Eis o arremedo de reforma em pauta na Câmara: a “lista fechada” de candidatos a vereador, deputado estadual e deputado federal priva o eleitor de escolher seu candidato. Os eleitos sairão da lista feita pela burocracia partidária. O “financiamento público” irá sobretudo para os grandes partidos do status quo. Candidatos não poderão arrecadar pequenas doações de militantes pela internet. A “fidelidade partidária” será rompida pela janela do troca-troca de partido um ano antes da eleição. A regra de inelegibilidade, a pretexto de moralizar a política, fortalecerá as oligarquias regionais e a “partidarização” da Justiça estadual. O fim das coligações proporcionais liquidará os pequenos partidos renovadores ou representantes de minorias. A redistribuição do tempo de televisão dos partidos que não lançarem candidatos majoritários subordinará os sistemas de aliança a prefeitos, governadores e ao presidente da República. A cláusula de barreira será o golpe de misericórdia nos que resistirem à concentração da representação política nos grandes partidos, cassando o mandato dos representantes de minorias.

A pseudorreforma tem um viés “americanista”, cujo objetivo é forçar a construção de um sistema partidário bipolar protagonizado pelo PT e pelo PSDB. A reforma política da Itália de 2008 teve objetivo semelhante. Fruto de um acordo tácito entre Walter Veltroni, líder do Partido Democrático, e o magnata Sílvio Berlusconi, facilitou a unificação da direita italiana no Partido da Liberdade. Resultado: Veltroni perdeu a eleição e Berlusconi voltou ao poder pela terceira vez, com apoio da maioria dos trabalhadores assalariados. A velha esquerda (Reconstrução Comunista, Verdes, Esquerda Democrática) foi varrida do Parlamento.

Avalio que a reforma política não passa no Congresso. Somente suas propostas mais casuístas, como a janela para o troca-troca partidário, têm chance de aprovação. A grande mudança possível no nosso sistema eleitoral, o voto distrital puro ou misto, sequer foi cogitada. Essa, sim, seria capaz de aperfeiçoar nossa democracia de massas. Como? Ao aproximar o eleitor de seu representante no Congresso, baratear a eleição e facilitar a fiscalização dos parlamentares por seus representados

A legalidade injusta da Justiça Eleitoral

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Tribunal Superior Eleitoral e um dos onze magistrados supremos do STF, tem uma paciência de Jó. Esta qualidade lhe dá instrumentos para transpor, sem maiores desgastes ou perda do respeito de litigantes e interlocutores em geral, a fase de dúvidas e perplexidades que tomou o ambiente político e angustiou o eleitorado de alguns Estados do país atingidos por decisões da justiça quanto à sucessão dos eleitos após acirradas disputas eleitorais que tiveram o mandato cassado pelo tribunal. Decisões consideradas, no mínimo, injustas, que o ministro Ayres Britto justifica com explicações, citações legais e comparações didáticas ainda hoje, passado mais de mês do veredicto.

Pode não convencer, mas expõe sua profunda convicção de que ao premiar perdedores, geralmente também políticos acostumados à prática, como os cassados, dos tradicionais modelos de campanha eleitoral experimentados no Brasil, a justiça foi justa.

São numerosas as questões que se levantam sobre a atribuição do mandato ao candidato perdedor uma vez cassado o do vencedor. O melhor seria, imagina-se, com base no bom senso, equilíbrio e racionalidade, levar em conta o voto e permitir que o eleitorado, frustrado com a cassação do seu preferido, pudesse superar o desconforto participando de nova eleição.

Nos casos já julgados do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima, e do governador do Maranhão, Jackson Lago, os mandatos foram cassados e empossados os candidatos perdedores José Maranhão e Roseana Sarney, respectivamente. Há ainda outros quatro casos de governadores com julgamento pendente na justiça eleitoral, e um estudo do próprio TSE, publicado esta semana pela revista "Época", informa que 119 prefeitos foram cassados por fraude eleitoral desde a posse, em primeiro de janeiro deste ano. Este número, registrado em quatro meses, supera as cassações entre 2001 e 2008, período de dois mandatos de quatro anos dos prefeitos. Com exceção de 14 casos, em que houve nova eleição, todos os demais foram substituídos pelo perdedor.

O que se constata é que a jurisprudência do TSE para esses casos - as decisões não são unânimes, há ministros que discordam da interpretação -, em que dá posse ao perdedor e não convoca nova eleição, cria insatisfação, por inúmeras razões. Uma delas, porque impõe avaliação subjetiva do crime eleitoral. Outra, revela menosprezo pelo voto. Uma terceira questão é que o TSE está tornando institucional o terceiro turno: há o primeiro, o segundo e a decisão na Justiça Eleitoral. Os contendores podem passar a campanha fazendo dossiês para depois, se perderem a eleição, reivindicar a diplomação no tribunal. Todo comício será, com certeza, um dossiê em potencial, tendo em vista que uma das principais provas do "crime" cometido pelo governador do Maranhão, Jackson Lago, por exemplo, foi uma declaração de um de seus apoiadores, o ex-governador José Reinaldo, afirmando, de viva voz - como ressaltou o presidente da corte - que o grupo da candidata adversária "teria contra si a estrutura do governo e da Assembléia". Uma clara bravata de palanque.

A legislação a que recorre o tribunal parece injusta e revolta menos pela cassação do vitorioso - fica a dúvida pela falta de prova do crime, mas sempre se sabe como são as campanhas eleitorais - do que pela premiação gratuita a seu adversário perdedor. Uma solução aparentemente mais aceitável para resolver todos esses problemas seria a convocação de nova eleição, e esta é a tese defendida pelos ministros que discordaram da interpretação da maioria..

O ministro Ayres Brito assegura que o julgamento não é, nem pode ser subjetivo. Ele cita as leis e dispositivos em que o TSE baseou suas decisões. O artigo 224 do Código eleitoral é um dos dispositivos principais e foi recebido pela Constituição, segundo ele, com força de lei complementar. Esse artigo diz que se a nulidade atingir a mais da metade dos votos, seja do país, no caso de presidente, do Estado, no caso de governadores, ou do Município, no de prefeitos, o tribunal marcará nova eleição em 24 horas. O TSE aplica este artigo interpretando que, se no segundo turno a nulidade atingir mais da metade dos votos do primeiro turno, faz-se nova eleição, mas se não atingir a mais da metade dos votos do primeiro turno, chama-se o segundo colocado. Nesta conta, o perdedor do segundo turno, tendo sido vencedor no primeiro turno, leva a melhor.

"Com a guilhotina ao primeiro colocado, com seu banimento, o segundo colocado passa a primeiro, pois teve a maioria dos votos válidos remanescentes", afirma Ayres Brito. Como o perdedor não está sendo processado, e se o for será em outro julgamento, seus votos não estarão em questão ainda que tenha participado da mesma campanha com os mesmos métodos do vitorioso cassado.

A falta de provas do crime - quantos e quais votos foram fraudados, por exemplo - não compromete o julgamento, segundo o ministro. "Isto é impossível identificar, pois o voto é secreto; você abate o cara por inteiro, decepa. O que se analisa é se houve fraude, se a fraude teve potencialidade para influenciar o resultado da eleição. Avalia-se a dimensão da fraude".

Se ela tem potencialidade para influenciar o resultado, anula-se todos os votos. Isto, segundo o ministro, não é subjetivo, embora o que prevaleça e importa seja a probabilidade.

Quanto à institucionalização do terceiro turno eleitoral que estas decisões representam, a contestação da vitória do adversário na Justiça, em um claro prolongamento da disputa para obter uma nomeação e diplomação mais rápidas do que seria a participação em nova eleição, Ayres Brito assegura que sempre foi assim só que, agora, como dois governadores foram cassados este ano, houve "um despertar maior da atenção do público".

Sem pestanejar o ministro assegura que o tribunal eleitoral está sendo justo nesses julgamentos, e não teme o terceiro turno judicial. "Se a litigiosidade aumenta nas instâncias judiciárias é porque os litigantes acreditam na justiça"

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

O resto é boa gente

Wilson Figueiredo
Jornalista
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Mas que diferença faz – indaga Marlene Dietrich, no final de A marca da maldade, no tom afirmativo de quem dispensa resposta – o que se diz sobre as pessoas? Depende. Depois de mortas, não faz diferença. Vivas, porém, a diferença pesa. Que o digam deputados e senadores que pensavam manter longe dos eleitores o que praticavam às ocultas. A democracia estava devendo aos brasileiros a transparência, essa dimensão indispensável à nitidez nas abomináveis intimidades entre interesse público e interesses privados. Mas começou a pagar. Mandato parlamentar não é profissão e, portanto, não cabe enquadrá-lo nas leis do trabalho e reconhecer-lhe até o direito de greve (ainda que sob outra forma). No Senado, o suplente que substitui o titular do mandato já garante, em poucos meses, assistência médica e hospitalar pelo resto da vida. Onde fica a igualdade perante a lei? O eleitor investe 35 anos de batente para um benefício minguante na mão contrária ao fim da vida.O que mudou não foi apenas a forma de pagamento, mas o conceito de atividade profissional atribuído à representação política. Falta ainda a carteira do ministério do Trabalho, com direitos e vantagens exclusivos. Já se contabiliza como salário a ajuda de custo para transporte e hospedagem de quem vinha do interior para assumir a função legislativa na capital e, encerrado o período, voltava para a cidade onde exercia a profissão da qual realmente vivia e por onde se elegia.

As pesquisas já vinham emitindo sinais de que a opinião pública estava até o pescoço com a representação política interessada apenas no enriquecimento pessoal. Desde que o mensalão fez a ponte entre o Executivo e o Legislativo, a suspeita contaminou o primeiro mandato presidencial sob a guarda do PT. Deputados e senadores ficaram mais expostos à crítica, mas não deram importância à opinião pública (que não se limita à opinião publicada, como alegam os coniventes), e logo chegaram à conclusão segundo a qual, de qualquer ponto de vista, este é o pior Congresso de quantos a História do Brasil registra. Mas já entendeu que transparência não é apenas equívoco de aparências. Importa muito o que se comenta a respeito dos que querem levar a vida pública como se não fosse. O mensalão, além de premiar por fora a prestação de serviços parlamentares, patrocinou o caixa dois nas relações de desconfiança recíproca entre o Legislativo e o Executivo, como um sistema de esgoto subterrâneo para não empestear a democracia.

È este o saldo deprimente legado pelo presente ao futuro, à espera do que virá depois do que já está aí. O deplorável nível ético não deixa de ser descortesia, mais com os eleitores do que com os eleitos. Diante do escândalo das passagens aéreas com repasse aberto, senadores e deputados quiseram tirar proveito da observação segundo a qual um plebiscito equivaleria a um atestado de óbito do Congresso. Conduziram a discussão para fora do recinto e denunciaram a intenção de fechar a Câmara dos Deputados. A opinião pública entrou em cena e botou para quebrar com o que aprendeu, na condição de repetente, nas aulas práticas de democracia de rua e de tudo que somente ela é capaz de proporcionar.

A transparência de que a democracia se dotou não separa, apenas pela aparência, personagens do mundo e do sub-mundo da representação política, mas chegará lá. A Constituinte (1986/88) lavou a testada da República. Mas o que mudou? Luiz Inácio se tornou mais Lula da Silva: era presidente do PT e se elegeu constituinte com um pé atrás, por desconfiança instintiva. Ao fim de dois anos, enfarado da política, foi o primeiro a declarar que não apreciou o que viu e ouviu naquela oportunidade. Calculou por alto, entre os constituintes, uns 300 picaretas que “defendiam apenas seus próprios interesses”. Depois de vinte anos, o presidente (já então da República, pela segunda vez), saiu em defesa dos senadores e deputados apanhados em flagrante de desrespeito à indispensável separação entre o público e o privado no exercício do mandato parlamentar. Como se o passado fosse um amontoado de mentiras e o futuro nada tivesse a ver.
Na sua opinião, tirando os 300 da Constituinte, até hoje “o resto é boa gente”.

A geração do Enem entra na luta pela Amazônia

Marcos Sá Correa
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Saiu mais uma edição das pérolas do Exame Nacional do Ensino Médio. Este ano, na série de antologias do humor involuntário, traz uma seleta de bobagens sobre o meio ambiente. É tão engraçada que não parece autêntica, mas caricatura feita por profissionais do riso. E, como diria o presidente Lula, vem carregada de "transcendência incomensurável" típica das ideias que brigam com os fatos que acabaram de encontrar pela primeira vez.

Mas as gafes do Enem pelo menos provam que o problema do desmatamento finalmente deve estar rondando as salas de aula, o que nem sempre se pode dizer dos gabinetes de Brasília. Para quem encontra quase diariamente nos jornais a campanha do ministro Reinhold Stephanes contra o Código Florestal, onde ele prega que os agricultores só produzem porque não cumprem a lei, exagero de secundarista é coisa que eleva e consola.

Que mal faz um aluno escrever que "a Amazônia está sofrendo um grande, enorme e profundíssimo desmatamento devastador, intenso e imperdoável", se o presidente pode resumir a complicação da licença ambiental no caso da perereca que atrasou a construção de um viaduto? "Aí teve de contratar gente para procurar perereca, e procure perereca..." é o tipo da frase que não faria feio numa seleta do Enem.

Nele tem gente querendo que o desmatamento "seja instinto" e "fonte de inlegalidade e distruição da froresta amazonia". Dá para encontrar um lampejo de verdade na selva ortográfica. E o sermão da perereca é balela. No exame, um radical propôs "destruir os destruidores porque o destruimento salva a floresta". Pode não ter razão. Mas foi menos subversivo do que Stephanes. E não haveria melhor programa contra o desmatamento do que a ideia de explorar a floresta "sem atingir árvores sedentárias". Se a recomendação fosse cumprida à risca, as outras árvores que tratassem de fugir da motossera com suas próprias raízes.

A preservação da Amazônia também está no currículo. Tem, literalmente, "valor ilastimável". E os atentados que sofre, "percussão mundial". Está "sendo devastada por pessoas que não tem senso de humor", o que é muito provável. Por isso, "a cada hora muitas árvores são derrubadas por mãos poluídas, sem coração", o que é incontroverso. Em compensação, "várias ONGs já se estalaram na floresta". E, apesar da denúncia contra perereca inimiga do PAC, a meninada tentou defender a fauna.

Pois a Amazônia "tem muitos animais: passarinhos, leões, ursos". E "está cheia de animais já extintos". O que tornaria tudo simples como a fábula da perereca: "Tem que parar de desmatar para que os animais que estão extintos possam se reproduzirem e aumentarem seu número respirando um ar mais limpo." Senão, "o que vamos deixar para nossos antecedentes?" É uma pergunta e uma resposta.

* É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

Serristas trabalham por prévia restrita

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Colégio seria menor que o total de filiados e maior que o de delegados

A proposta do PSDB paulista para a realização das prévias que escolherão o candidato do partido na disputa pela Presidência da República em 2010 vai sugerir uma consulta a um colégio eleitoral mais restrito, ou seja, um meio-termo entre os filiados da legenda e os delegados aptos a votar na Convenção Nacional, em junho de 2010.

A sugestão será encaminha para a Executiva Nacional do PSDB na próxima terça-feira. "Nós preferimos que não haja prévias. Mas, se não houver consenso, vamos realizá-las. As prévias são uma saída para a falta de entendimento", declarou o presidente do PSDB paulista, deputado Mendes Thame.

A consulta interna será necessária caso o governador de Minas, Aécio Neves, mantenha o seu nome na disputa para a eleição presidencial. A avaliação mais comum no partido, no entanto, é que até 2010 o mineiro abrirá mão de sua candidatura em favor da do governador paulista, José Serra, mais bem colocado nas pesquisas de intenção de voto. Caso isso não ocorra, o partido deverá realizar a consulta em janeiro, data que agrada a paulistas e mineiros.

Desde o mês passado, o PSDB tem recolhido sugestões de parlamentares e de presidentes de diretórios estaduais a fim de montar a regra da consulta. O PSDB de Minas já enviou sua proposta que, diferentemente da paulista, prevê a consulta a todos os filiados tucanos.

"A consulta a todos filiados é a nossa primeira opção. Mas nós imaginamos que isso não vá prevalecer", disse o presidente do PSDB mineiro, Paulo Abi-Ackel, que aposta em um acordo com os paulistas para conseguir tirar as prévias do papel. "Consideramos a hipótese de nossa proposta não ser vitoriosa. O bom é que sejam realizadas prévias que legitimem o candidato à Presidência", disse.

Um dos principais empecilhos à consulta a um colégio mais amplo é o cadastro não atualizado dos filiados, que ultrapassa 1 milhão em todo o País. Há Estados em que a estrutura partidária funciona mal e o cadastro de filiados é pouco confiável. Uma das ideias em estudo é que a consulta seja estendida para além dos tucanos que tenham cargos eletivos, como deputados e vereadores.

Segundo Thame, caso não haja consenso, as prévias serão uma forma de ajudar que as derrotas do PSDB nas eleições de 2002 e 2006 não se repitam. "Poucos partidos exercem a democracia como o PSDB. Não há centralismos de pessoas, por isso as reivindicações são legítimas." A ideia de realizar prévias com colégio eleitoral não tão amplo encontra respaldo no vice-governador de São Paulo, Alberto Goldman, que é a favor do modelo híbrido, que use a convenção estadual como base.

Aécio: PMDB é um partido imprescindível

DEU EM O GLOBO

Também pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB, o governador de Minas, Aécio Neves, disse ontem em Madri estar certo de que o PMDB estará dividido nas eleições, mas participará do próximo governo, seja qual for. Segundo Aécio, em vários estados tucanos e peemedebistas serão aliados, sobretudo porque PMDB e PT são adversários regionais, e, para ele, essa realidade não vai mudar até 2010.

— O PMDB hoje é um partido imprescindível à governabilidade. Não sei se o PT ou o PSDB vai ganhar as eleições, mas garanto que o PMDB vai estar no próximo governo — afirmou Aécio, após encontro com empresários promovido pela Tribuna Ibero-Americana, na Casa de America, em parceria com TVE Internacional.

Para o governador, a disputa de 2010 será marcada pela pulverização partidária: atuais aliados do governo Lula podem se afastar de uma candidatura presidencial petista.

— Na minha base, nosso candidato ao governo terá o apoio de vários partidos que hoje estão na base do presidente Lula, mas que, no campo regional, não têm como deixar de estar conosco.

Ao ser recebido por Lula para discutir cargos, PMDB faz alertas sobre 2010

Gerson Camarotti
DEU EM O GLOBO

Líderes do partido avisam que há diretórios regionais fechando apoio a Serra

BRASÍLIA. No momento em que o PMDB trava uma queda de braço por manutenção de cargos no governo, reagindo com ameaças às demissões de seus apadrinhados políticos na Infraero, a cúpula do partido apresentou um quadro preocupante ao presidente Lula em relação à possibilidade de aliança com o PT para 2010. Se o PMDB tivesse que se decidir agora, a maior parte dos principais diretórios regionais apoiaria a candidatura presidencial do governador José Serra (PSDB-SP). Na previsão mais otimista, o partido ficaria sem aliança oficial.

O cenário apresentado a Lula por integrantes do partido, em reunião na noite de segundafeira, indica que hoje só há acordo para fazer palanques fortes para a candidatura presidencial da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, em estados periféricos como Amazonas, Goiás e Ceará.

Mas o pior quadro para o governo é que diretórios regionais considerados estratégicos já estariam fechados com Serra — São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Pernambuco.

A situação gaúcha, que já era delicada, se agravou nos últimos dias com o anúncio precoce da candidatura do ministro da Justiça, Tarso Genro (PT), ao governo estadual, sepultando acordo com o PMDB.

Caciques dizem que partido não pode ser “patinho feio” Além disso, em estados importantes, a crise com o PT aproximou muito o PMDB dos tucanos — casos de Pará, Bahia, Acre, Piauí e Mato Grosso do Sul. Em alguns estados, as negociações entre peemedebistas e petistas foram interrompidas pelas disputas do ano passado, como Minas, Rio e Maranhão, onde o PT local está dividido.

Foi por causa desse cenário de disputas que Lula iniciou um processo de aproximação com o PMDB nos últimos dias. Os caciques dizem que o partido não está mais disposto a ser o “patinho feio” da relação. Querem tratamento privilegiado e avisam que vão jogar pesado.

O partido já pôs na mesa de negociações a exigência de que sejam retiradas algumas candidaturas do PT para facilitar o apoio a Dilma.

— O PT tem que entender que a base do partido é de lideranças regionais. Por isso, não adianta o PMDB entrar no projeto nacional do PT se isso for destruir as nossas bases.

Se o PT indica o cabeça de chapa para a campanha presidencial, já sai em vantagem.

Nesse caso, é preciso compensações estaduais — avisou o líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN).

— É preciso administrar as várias disputas estaduais para não contaminar um entendimento para a sucessão presidencial — reforçou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

No PT, a cúpula já entendeu o recado dos peemedebistas. Por isso, a reação recente do presidente da legenda, deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), ao lançamento do nome de Tarso Genro no Rio Grande do Sul.

— Para nós, o fundamental é a aliança nacional. Os palanques regionais precisam ajudar na construção da candidatura de Dilma. Por isso, qualquer decisão individual, agora, terá caráter indicativo. Pelo nosso cronograma, a política nos estados só será definida depois da definição nacional — avisou o líder do PT, deputado Cândido Vaccarezza (SP), reforçando o tom crítico ao ministro da Justiça.

PMDB pede vaga no núcleo duro do Planalto

Denise Madueño, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Partido nega ação contra Múcio, mas quer ter um dos ministros da casa

Na busca por mais espaço no governo, o PMDB elegeu como principal meta conquistar um lugar no núcleo político do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ter um peemedebista entre os chamados "ministros da Casa", status hoje concedido a poucos, quase sempre petistas.

O grupo, que forma a coordenação política do presidente, reúne-se semanalmente com ele ou quando há um assunto inesperado e urgente para tratar. Aliado preferencial do PT na eleição em 2010 que escolherá o sucessor de Lula, o PMDB quer avançar nas decisões que darão o rumo das ações do governo neste um ano e meio de mandato que resta e com o calendário eleitoral no meio do percurso.

Os peemedebistas dizem, estrategicamente, que não querem derrubar o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, que é do PTB. "O PMDB não postula o cargo do ministro Múcio. O que quer o PMDB é ter assento entre os chamados ministros da Casa, os que formulam a política do governo", afirmou o deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS). Parte do partido faz lobby pelo ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, e pelo ex-deputado Moreira Franco, hoje vice-presidente de Loterias da Caixa Econômica Federal.

A ofensiva do PMDB pelo assento no grupo seleto de Lula ocorre no momento em que ele procura reforçar a legenda como principal parceiro no plano de eleger como sua sucessora a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, considerada fragilizada por causa do tratamento de um câncer linfático. Um dos articuladores peemedebistas argumentou que o partido precisa participar da construção e elaboração do que seja o governo.

A base da coordenação política é majoritariamente petista. O grupo tem Dilma (PT), o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo (PT), o ministro da Justiça, Tarso Genro (PT), o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci (PT), o ministro da Secretaria de Comunicação, Franklin Martins (sem filiação partidária), e o petebista Múcio.

INFRAERO

O tamanho da ambição peemedebista foi explicitado por outro articulador da legenda. Segundo ele, o que acontece no governo é decidido na reunião de coordenação e o PMDB não está lá. O partido usa também como cacife nessas articulações as demissões na Infraero realizadas na semana passada. Cientes de que não haverá retorno na decisão do presidente da estatal, brigadeiro Cleonilson Nicácio, peemedebistas jogam como se fosse uma espécie de compensação necessária.

Nicácio, cujo cargo é subordinado ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, do PMDB, está profissionalizando as diretorias da empresa e demitiu afilhados políticos, entre eles, o irmão e a cunhada do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), e Mônica Azambuja, ex-mulher do líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). O PMDB tenta aceitar as demissões sob o argumento de que Jobim, como ministro, tem uma preocupação técnica com a pasta, mesmo que seja eminentemente político.

Jobim foi um dos principais defensores da presença permanente do PMDB no grupo de coordenação política de Lula. O assunto foi discutido no dia 16 de março, em um jantar na casa do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), onde também estava o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e Jobim. O assunto foi levado a Lula. O mesmo tema voltou em um jantar do presidente com Sarney e Temer dias depois. Agora, peemedebistas consideram que o gesto pela entrada do PMDB no núcleo político partiu de Lula.

Presidente oferece diálogo direto ao partido

Vera Rosa e Tânia Monteiro, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Lula está convencido de que PMDB quer mesmo ter acesso direto a ele, sem a intermediação de Múcio

O governo avalia que o PMDB quer apenas pôr "um bode na sala" quando pede assento permanente nas reuniões da coordenação política do Planalto ou quando alguns de seus integrantes, enfurecidos com as demissões de afilhados na Infraero, reivindicam a cadeira do ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. Depois da conversa com líderes do PMDB, na noite de segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou convencido de que o partido quer mesmo ter acesso direto a ele, sem a intermediação de Múcio.

Na tentativa de aplacar a ira peemedebista, Lula disse ao presidente da Câmara, Michel Temer (SP), que, para evitar curto-circuito, qualquer problema pode ser tratado com ele. Temer também comanda o PMDB e sua relação com o Planalto vem melhorando dia a dia.

Longe dos tempos em que o governo privilegiava o contato com o grupo do PMDB no Senado, Temer é hoje considerado um interlocutor confiável pelo Planalto, tanto que seu nome está cotado para vice na provável chapa liderada pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à sucessão de Lula, em 2010. Ele e Dilma conversam com frequência sobre política e até sobre assuntos mais amenos, como preferências literárias e musicais.

Na prática, o presidente não planeja abrir mais uma vaga na coordenação política do governo, o antigo "núcleo duro", para abrigar o PMDB. Lula acredita que qualquer movimento nesse sentido seria interpretado como se estivesse governando com a faca no pescoço.

Mesmo assim, ciente de que o PMDB é um partido de muitos recados e pode dar o troco da contrariedade tanto nas votações do Congresso como no apoio a Dilma, ele concorda em abrir linha direta com a legenda para evitar novo racha na base aliada e conter as insatisfações no nascedouro.

Lula gosta de Múcio e não pretende ceder às pressões feitas por petistas e por uma ala do PMDB para substituí-lo. Mas avalia que, tratando-se de PMDB - o parceiro mais cobiçado pelo Planalto para a aliança em torno de Dilma -, o articulador político do governo deve cuidar apenas do varejo das negociações.

O Planalto deu carta branca ao ministro da Defesa, Nelson Jobim (PMDB), para levar adiante o plano de implodir o cabide de empregos da Infraero e, ao que tudo indica, não vai rever a ordem. Para evitar outra rebelião do PMDB - já que novas listas de dispensa serão anunciadas -, o governo deve abrir mais uma brecha para o fisiologismo e abrigar os demitidos em outras estatais, blindando a empresa que administra os aeroportos.

Dos 109 funcionários da Infraero instalados em cargos comissionados, sendo 81 com a bênção de políticos de vários partidos, 28 já foram dispensados. O plano do presidente da estatal, brigadeiro Cleonilson Nicácio, é manter apenas 12.

Governo e grandes partidos articulam reforma política

Catia Seabra
Da Reportagem Local
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Plano é aprovar até outubro financiamento público de campanha e voto em lista fechada

Proposta condensada por Ibsen Pinheiro tem o apoio das maiores siglas da Câmara e não depende de mudança constitucional

Sob o patrocínio do governo federal e com apoio de cinco partidos -além de parte expressiva do PSDB- a Câmara dos Deputados se mobiliza para aprovar, até outubro, o financiamento público de campanha e a adoção do voto em lista fechada já para 2010.

Com autoria atribuída a PT, PMDB, DEM, PPS e PC do B, o texto propõe a criação de um fundo com recursos equivalentes a R$ 7 por eleitor para cobrir as despesas do primeiro turno, o que corresponderia a R$ 913.197.656 -tomando por base o eleitorado de dezembro de 2008. Para o segundo turno seriam reservados R$ 2 por eleitor -ou R$ 260,9 milhões.

A pedido do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e do líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), o deputado federal Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) condensou o texto, que prevê ainda a criação do voto em lista fechada para o Legislativo.

Pela proposta, o eleitor passa a votar numa sigla. Não mais no candidato. Os congressistas assumem a vaga segundo a votação obtida e a hierarquia previamente elaborada pelo partido ou pela coligação.

Como não requer mudança constitucional -o voto continuaria proporcional-, dependerá de maioria simples para aprovação. Segundo Ibsen, a minuta, à qual a Folha teve acesso, é produto do casamento entre "relevância e viabilidade". "Sou a favor do voto distrital misto. Mas exige emenda constitucional. Esse projeto, não. Dá para votar para as próximas eleições", disse Ibsen.

Ainda segundo o deputado, o "grau de unidade [em torno do projeto] é tão avançado" que será apresentado até a semana que vem. Hoje o tema será objeto de audiência pública na Câmara. Se aprovado, tem de ser submetido ao Senado e à sanção presidencial.

Além dos tradicionais adeptos, a proposta começa a conquistar apoio no PSDB, antes contrário à proposta. Na segunda, em reunião com a bancada do PSDB no Estado, o governador de São Paulo, José Serra, incentivou o partido a apoiar mudanças nas regras. "Ele passou posição de simpatia à ideia", contou o líder do PSDB na Câmara, José Anibal.

Serra manifestou, no entanto, oposição ao financiamento público: além de impopular, não coibiria doações ilegais.

De 16 deputados, só Mendes Thame opôs-se à proposta. A começar pelo líder, os tucanos começam a se render a Ibsen. Segundo repete o deputado, depois de operações que investigam as doações de empresas, como a Castelo de Areia, "nenhum contribuinte vai querer recibo nas próximas eleições".

"Concordo com lista como instrumento de valorização do partido. O que eu lamento é que não consigamos mover nem um palmo na direção do voto distrital. O financiamento, preciso analisar", disse Anibal.

"Sou a favor da proposta. Mas precisamos ouvir o partido", disse o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE). O presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), reafirmou ontem apoio à proposta.

Assim como o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP): "O PT é a favor. Se der para aprovar para 2010, queremos".

Entre os avalistas da proposta também está o ministro da Justiça, o petista Tarso Genro.

Pelo projeto, 14% dos recursos do fundo serão dados aos partidos com assento na Câmara, e 85%, de acordo com o desempenho dos partidos na eleição passada. "Essa proposta beneficia os grandes partidos", admite Maia. O próprio Ibsen admite que a proposta alimenta o "caciquismo".
"Cada sistema tem seus inconvenientes", afirmou Ibsen, para quem "o financiamento privado esgotou".

O custo, de R$ 9 por eleitor, é bem inferior ao registrado em 2008 (R$ 17 para cada votante).

Poupança, cinismo & insanidade

Raul Jungmann
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O governo Lula está armando uma tunga na caderneta de poupança, em defesa dos lucros extraordinários dos bancos. A coisa se passa assim: com a redução da taxa básica de juros (Selic), as cadernetas de poupança, com rentabilidade acima de 6% ao ano e isentas de Imposto de Renda (IR), passariam a atrair fundos necessários à rolagem da dívida federal. Nessa hipótese, com sério impacto nas contas e no déficit público. Donde o governo - do presidente aos diretores do Banco Central (BC), passando pelo ministro da Fazenda - afirma de modo vago que é necessário mexer na poupança. Isso, insinua-se, implicaria redução no rendimento das cadernetas, que acumulam patrimônio de R$ 254 bilhões por conta de 81 milhões de correntistas.

Ora, essa é uma falsa crise, além de um show de cinismo. Para que os rendimentos da poupança ameacem a rolagem da dívida, ao migrarem dos fundos de renda fixa para a poupança, seria necessário que a Selic baixasse para 8,5% a 9% ao ano. Além de estarmos longe disso, há um razoável consenso no mercado de que o piso da taxa situa-se em 9,25%, e não menos, quando deverá voltar a subir em meados de 2010.

O que ocorre, então, é que o "governo dos trabalhadores" está atento às pressões dos bancos pela manutenção de seus gordos lucros. É que os bancos cobram altas taxas para administrar os fundos de renda fixa (de até 4% ao ano), quando, no exterior, em razão da maior concorrência, a taxa média está em torno de 0,5%. Ora, no passado e com a Selic nas alturas, tal custo era diluído. Agora, com o juro básico próximo de um dígito, essas escandalosas taxas de administração, somadas ao IR incidente, estão tornando esses fundos não competitivos vis-à-vis a poupança. Donde o temor da fuga daqueles para esta. E, note, em que pese a Selic ainda estar acima dos 6% ao ano + TR que as cadernetas rendem.

Apesar de haver gordura para queimar, antes da rentabilidade líquida da poupança virar um problema, a saída encontrada pelo governo e o partido que queria dar o calote na dívida é a redução do seu rendimento. Como disse a presidente da Caixa Econômica Federal, "os rendimentos da caderneta vão ter de cair" - embora não diga como, quando nem quanto, num absurdo desrespeito sobretudo aos pequenos poupadores. Essa reiterada desinformação, ao lado da informação de que a caderneta será, sim, mexida, não é tida como "terrorismo" ou indução ao pânico por um bom número de "neutros" comentaristas... Isso porque desde março o presidente Lula já falava em mudanças na poupança... Já o comercial do PPS veiculado em cadeia nacional de rádio e TV foi assim visto, como indução ao pânico, e por isso criticado.

No programa nacional do PPS deixamos claro o que queríamos dizer com os comerciais. Mexer na poupança o governo tem dito e repetido que vai, como Collor mexeu. Se não por meio do confisco, como este fez, via redução dos rendimentos de milhões de poupadores. Como mostramos, isso não é necessário, bastando, por ora, reduzir os ganhos dos bancos com os fundos de renda fixa. Noutras palavras, incentivar a concorrência, deixar o mercado funcionar. Mas, às vésperas de um ano eleitoral e na expectativa de apoio dos banqueiros, isso não passa pela cabeça do governo e do PT, não é?

Outra saída seria desconectar a política monetária da fiscal, mediante a troca das Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), que representam 38% da dívida do Tesouro em poder do público e são um resquício do período inflacionário, por outros papéis, como as LTNs ou NTN-b. Essa troca, que já vem ocorrendo e poderia ser acelerada, tornaria a fixação dos juros interbancários pelo BC independente, em larga medida, do custo da rolagem da dívida do Tesouro, descolando o rendimento da poupança da remuneração dos fundos de renda fixa.

Outras saídas são possíveis, mas o governo não abre o debate. Prefere administrar calmantes via declarações das autoridades monetárias, que repetem exaustivamente que mexerão na poupança. Ou não monetárias, chegando ao cúmulo de Franklin Martins, secretário de Comunicação Social, receitar três alternativas diferentes ou a combinação delas para a pobre poupança. Algo como um Lego ou um puzzle com as economias alheias...

Cremos que prestamos um serviço ao denunciar a operação em curso para reduzir o rendimento da poupança, pé-de-meia de milhões de pequenos poupadores no Brasil. Idem ao afirmar que essa conta não deve ser paga por eles, mas por quem lucra exorbitantemente, com ou sem crise e à custa da sociedade e dos trabalhadores, de braços com o governo: o sistema financeiro.

Isso, sim, uma insanidade!

*Raul Jungmann é deputado federal (PPS-PE)

Idas e vindas

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Um dia depois da bolsa subir 6,5%, o Brasil ficou sabendo, oficialmente, que teve recessão na produção industrial nos últimos dois trimestres. Mas o comércio de São Paulo cresceu 2,5% em março. A bolsa já subiu 39,5% desde o fundo do poço neste ano, dia 2 de março. As vendas de carros subiram em março e caíram em abril. As bolsas antecipam a recuperação que ainda é incerta na economia real.

O ano será cada vez menos negativo na economia real, mas nas bolsas haverá altos e baixos. A recuperação que houve até agora vai ceder quando aparecerem dados desanimadores.

O mês de abril foi de alta em todas as bolsas. Veja o gráfico.

Maio começou com euforia, que ontem se manteve aqui, mas cedeu em alguns países. É nesta gangorra que o mundo ficará.

Álvaro Bandeira, economistachefe da Ágora Corretora, explica assim o movimento das bolsas.

— Estamos tendo boas notícias.

O PIB americano teve queda de 6,1%, mas, olhando por dentro, se vê que os estoques nas empresas foram reduzidos, os gastos com consumo voltaram. O fim do poço foi até fevereiro, a economia está melhorando, mas ainda teremos dados ruins.

Na sexta-feira sai o dado de desemprego nos Estados Unidos e ainda vem ruim.

Sérgio Vale, da MB Associados, vê com ceticismo alguns dados positivos.

— Não está nada claro que os EUA estejam saindo efetivamente da crise financeira.

Dizer que os sinais de recessão estão diminuindo não quer dizer muita coisa.

Basta lembrar que no Japão da década de 90 também se pensou que o país havia saído da crise, mas para voltar logo em seguida à recessão no fim da década.

Isso porque o ajuste necessário no sistema financeiro não havia se completado.

Como tudo depende da economia americana, é para lá que vão todos os olhos. O governo abriu os cofres para estimular a economia e isso está produzindo efeitos. O economista Fábio Silveira, da RC Consultores, define como “gritante” a expansão da base monetária nos EUA.

— Ela quase dobrou nos últimos dois, três meses, passando de US$ 900 bilhões para US$ 1,7 trilhão.

Está sustentando a expansão de liquidez pelo mundo e cria a sensação de que o pior já passou.

O problema é que o consumidor americano está mudando.

Ele sempre foi o grande gastador do mundo.

Hoje, ele, que perdeu ativos e a confiança no futuro, está aumentando sua propensão a poupar. O Departamento Econômico do Bradesco soltou um relatório sobre isso.

“Os dados do PIB norte-americano do primeiro trimestre revelaram um desempenho surpreendente do consumo das famílias ao registrarem crescimento de 2,2%. Dizemos surpreendente pois um dos principais determinantes da crise econômica atual é o excesso de consumo das famílias americanas.” Segundo o banco, “o desafio dos cidadãos norte-americanos deverá se concentrar na elevação da taxa de poupança para recompor as perdas patrimoniais.”


Aqui a história é diferente.

O consumo sempre foi reprimido por falta de crédito, que só começou a se expandir no fim do ciclo de crescimento do mundo. No Brasil, a volta do consumo vai depender principalmente do crédito, segundo Leandro Padula, da MCM Consultores.

— O crédito é um fator importante. Ele parou com a crise e está voltando aos poucos, mas muito dependente dos bancos públicos.

Pesquisa da Fecomércio, que a coluna teve acesso com exclusividade, revela que o faturamento do comércio em São Paulo subiu 2,5% em março, para o mesmo mês de 2008, mas fechou o primeiro trimestre com queda de 1,2%.

Quem lidera os percentuais de crescimento são os setores de Farmácias e Perfumaria, com alta de 14,6% em março e de 11,8% no trimestre, e o automotivo, com crescimento de 13,4% no faturamento em março, mas com queda de 3% no trimestre.

O economista Fábio Pina, da Fecomércio, diz que o futuro vai depender das desonerações na linha branca e dos materiais de construção.

Lembrou que se a indústria não recuperar, o desemprego não cai e o comércio volta a piorar.

Apesar das desonerações, a produção industrial teve dois trimestres de queda, o que configura uma recessão, como disse ontem o IBGE para Alvaro Gribel, do blog.

Um dos setores com desempenho positivo foi o de automóveis, que teve o benefício da renúncia fiscal. Mas até quando ela pode durar? E quantos setores mais poderão entrar nesta festa?

Calma, o futuro sempre chega

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Como sou bastante fatalista, não tenho grande inquietação para saber o que o futuro me reserva ou aos outros habitantes do planeta. Suspeito que o que será, será. Nem por isso me dou o direito de desafiar a sorte fazendo o que é excessivamente arriscado (salvo em alguns momentos em que coberturas jornalísticas exigem mesmo correr riscos exagerados).

Mas desconfio de que eu seja minoria bem pequena. Agora, por exemplo, parece haver imensa ansiedade em torno do que vai acontecer com a tal crise, em adivinhar se o pior já passou ou se ainda há mais por vir, se a recuperação terá a forma de "V", de "L" ou de "U" ou outra letra qualquer que os oráculos inventam para simplificar as coisas.

A pressa em antecipar o futuro acaba contaminando mesmo a mídia da melhor qualidade, como é o caso do jornal britânico "Financial Times". Esta Folha reproduziu ontem texto de Krishna Guha e Sarah O"Connor, cuja essência é a de tentar injetar otimismo.

O trabalho é até bastante bom, com uma coleção de informações interessantes e sem arriscar-se ao chute, travestido de previsão, sobre o futuro próximo. Mas a pressa de antecipar o futuro é tamanha que os dois jornalistas escrevem, já no finzinho do texto, o seguinte.

Dadas certas condições, que eles listam, "novos brotos de recuperação florescerão, e os EUA -com a China- podem liderar o mundo em direção de uma recuperação sustentada ainda neste ano".

Em seguida, acrescentam: "Mas também é possível que os brotos definhem, com a contração e a estagnação na demanda privada dos EUA, e certamente se houver recaída no setor financeiro".

É mais ou menos como escrever sobre o jogo de domingo passado, que poderia ter terminado com empate, vitória do Corinthians ou vitória do Santos. Calma, gente, o futuro chegará e adivinhações não vão mudar o seu formato.

A indústria no passo do Curupira

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Após o colapso de dezembro, a indústria cresceu um tico, mas cresce cada vez mais devagar e ainda está muito no vermelho

O CURUPIRA é um gênio dos matos do Brasil -ou era. Às gerações de hoje, pode-se dizer que parece um "hobbit", aqueles rapazes nanicos de pés grandes dos filmes da série "O Senhor dos Anéis". Mas tem os pés virados para trás, cabelos vermelhos, dentes verdes e é peludo. Cria ilusões a fim de enganar os caçadores e proteger os animais da floresta: as pegadas dos pés virados criam pistas falsas. Parece estar indo para a frente, mas recua -ou o contrário. A indústria brasileira parece andar no passo do Curupira, a julgar pelos dados divulgados ontem pelo IBGE. Não se sabe bem se a atividade industrial parece recuar, mas progride, ou se parece progredir, mas volta a recuar.

No catastrófico dezembro de 2008, a produção industrial encolheu 12,7% (em relação a novembro). Então havíamos chegado ao fundo do poço, para recorrer a essas metáforas que causam o torpor único do enfado. Esqueça-se, por ora, que a produção industrial no primeiro trimestre de 2009 caiu quase 15% em relação ao início de 2008, ou quase 17% no semestre passado até março, coisa inédita deste 1990.

Pois bem. A indústria cresceu 2,1% de dezembro para janeiro. Pouco, mas ao menos parecia escapar do risco de depressão. Cresceu algo menos de janeiro para fevereiro: 1,9%. Um tremelique estatístico, digamos. Ontem, soube-se que o crescimento de fevereiro para março foi de 0,7%. Ao menos no trimestre inicial do ano, vamos nos recuperando cada vez mais devagar. Tendendo a zero?

Pois é, os números acima são relativos ao total da indústria. No caso da indústria de transformação (exclui a extrativa), já voltamos ao zero, no mês a mês. A produção industrial cresceu 2,1% em janeiro, 1,4% em fevereiro e 0,06% em março. Zero vírgula zero alguma coisa é zero.

Pode se tratar apenas das manhas da estatística, da coleta de dados, de defasagens e outros ruídos que fazem um dado pontual se comportar de maneira esquisita. Alguns indicadores que permitem antecipar o comportamento presente e futuro da indústria têm também algo do passo do Curupira. Medidas de confiança de consumidores e empresários indicam melhora, mês a mês. Mas a demanda de eletricidade caiu de novo em abril, segundo dados preliminares do Operador Nacional do Sistema (é um nome orwelliano, mas trata-se apenas da empresa que cuida de despachar a energia elétrica pelo país). A venda de automóveis voltou a recuar no mês passado, mas ainda não sabemos da produção.

O comércio exterior deu algumas notícias boas. Até fevereiro, pelo menos, eram ainda comuns análises sobre o risco de que o déficit externo (em conta corrente) tenderia a crescer demais, talvez até estimulando desvalorização extra do real, o que provocaria inflação (parece uma avaliação ridícula e jurássica, mas, recordar é viver, isso era tópico vivo de debate faz menos de um bimestre). O saldo comercial, porém, tem crescido além da conta de todo mundo. Mas o saldo, a diferença de exportações e importações, é apenas parte da história. O saldo aumenta porque as importações despencam -25%, na média do primeiro trimestre. Despencam porque produzimos e consumimos menos. E as vendas do comércio crescem cada vez mais devagar, mês a mês.