quinta-feira, 14 de maio de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

“Seria interessante um exame comparativo da técnica do senso comum, da filosofia do homem da rua, com a técnica do pensamento reflexivo e coerente. Também a este respeito vale a observação de Macaulay sobre as debilidades lógicas da cultura que é formada por meios oratórios e declamatórios.Todo esse assunto deve ser bem estudado, depois de recolher todo o material possível sobre o mesmo. Deve-se vincular esse assunto à questão, posta pelos pragmatistas, da linguagem como causa de erro: Prezzolini, Pareto, etc. Deve-se aprofundar a questão do estudo da técnica do pensamento como propedêutica, como processo de elaboração, mas é preciso cautela, já que a imagem de “instrumento” técnico pode induzir a erro.
”(Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere, volume 1, pág. 182 – Civilização Brasileiira, 2006.)

A defesa da lista

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

A proposta de reforma política que estará em discussão na Câmara tem sua gênese nos escândalos permanentes das campanhas eleitorais e na decisão do TSE de que o mandato legislativo pertence aos partidos políticos, e não aos eleitos, o que mudou completamente a lógica do sistema até então em vigor. O objetivo da lista é exatamente dar maior peso aos partidos políticos na escolha dos candidatos, levando o eleitor a se preocupar mais com a legenda do que com o candidato individualmente. O projeto encontra reação em diversos setores da sociedade, mas tem, também, defensores de peso, como a cientista política da Fundação Getulio Vargas do Rio Maria Celina D’Araujo. Para ela, “é um equívoco” dizer que com o financiamento público de campanha o eleitor vai pagar para votar.

“Já pagamos, e muito, pelo Fundo Partidário e pelo horário de propaganda gratuita na televisão. O que se quer é ter o financiamento público exclusivo, depois do mensalão ficou claro que era preciso mexer nesse modelo de financiamento de campanhas eleitorais”, afirma Maria Celina, que ressalta que “democracia é cara em qualquer lugar do mundo”.

O defeito apontado pelos críticos na lista fechada ela vê também no sistema atual: “Hoje, com o voto em lista aberta, o eleitor vota em um e elege outro candidato, é uma falácia dizer que na lista fechada o eleitor não saberá em quem vai votar”.

Os partidos vão ter que aprimorar suas listas se quiserem ter votos, vão escolher os melhores, alega a cientista política, dizendo que duvida que os partidos tenham coragem de colocar certos nomes nas listas: “O eleitor, com a lista, ficará sabendo que tem responsabilidade de eleger um Babu se votar na legenda do partido que o abriga. Hoje, o eleitor não nota que seu voto pode estar elegendo um Babu”.

Ela admite que as oligarquias partidárias podem se fortalecer, “mas podem também perder o poder, se o partido caminhar para uma escolha que lhe dê prestígio junto ao eleitor”, contrapõe.

Além do mais, Maria Celina vê outra “função importantíssima” da lista fechada: a de dar espaço para a representação feminina, que hoje é de cerca de 5%, quando na Argentina é de cerca de 40%.

Para ela, não há golpe parlamentar na tentativa de aprovar o voto em lista por maioria simples. “Seria um primeiro passo, as reformas políticas são muito delicadas de serem feitas, têm que ser feitas por etapas, o autorreformismo é muito difícil”.

O vereador Alfredo Sirkis, do Partido Verde do Rio, também defende a lista fechada, e ironiza o fato de que se tornou “politicamente correto” considerar ameaça à democracia “modalidades praticadas por países com costumes políticos e serviços públicos significativamente mais saudáveis”.

Ele ressalta que “nenhum sistema eleitoral é isento de críticas e sempre haverá reclamações justas contra todos”, lembrando casos de corrupção em países europeus ou outras consequências, como no voto distrital puro, anglo-saxão, “a tendência ao bipartidarismo e ao esmagamento das minorias”, e no voto proporcional por lista fechada, “a partidocracia que criticam os argentinos”.

Sirkis pensa, no entanto, que nosso sistema é pior. “O sistema proporcional-jabuticaba faz da carreira individual do político a entidade soberana à qual tudo é devido”.

A consequência seria que “nossos governos ficam frágeis e necessitam barganhar com dezenas ou centenas de parlamentares, fisiológica e individualmente, para poder governar”.

Para Sirkis, esse sistema é “caldo de cultura fértil à grande corrupção e, em médio prazo, uma ameaça à democracia”.

O vereador do PV admite que o voto proporcional por lista fechada ou o voto distrital misto “não liquidariam a corrupção nem seriam panaceia, mas tornariam as campanhas infinitamente mais baratas e simples de fiscalizar, dariam mais consistência programática aos partidos, tornariam inócuos os currais, centros assistenciais e outras formas de clientelismo, hoje generalizadas”.

Os partidos também seriam responsáveis pelos atos do conjunto de seus quadros — “quem vender lugar na lista ou lá escalar seus parentes verá o partido, como um todo, punido pelo eleitor”.

Teriam, também, na análise de Sirkis, que abrir espaço no Legislativo “a quadros parlamentares mais preparados tecnicamente que hoje não participam de eleições por carecerem de recursos, esquemas assistencialistas ou do poder de comunicação (quase sempre demagógico) que o púlpito do pastor, o microfone do radialista ou as chuteiras do craque propiciam”.

O cientista político Amaury de Souza, por sua vez, reclama da não inclusão no debate do voto distrital, e acha mais viável a adoção do distrital misto “porque o preconceito que a esquerda e o academicismo antinorteamericano criou contra o distrital puro é fortíssimo, inclusive na imprensa”.

Ele lembra que existe um projeto de emenda constitucional, de autoria do deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), em tramitação na Câmara, que institui o voto distrital, que tem o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Seus defensores consideram o voto distrital uma solução rápida e eficiente por quatro razões: 1) é um sistema simples e de fácil implantação. Nas eleições para a Câmara Federal, cada estado seria dividido em tantos distritos quantas as vagas a preencher. No distrito, cada partido apresenta um candidato, cabendo a vaga àquele que obtiver a maioria simples dos votos; 2) o sistema distrital incentiva a participação do eleitor, que exerceria maior vigilância e fiscalização sobre o representante eleito do seu distrito; 3) permite diminuir o custo das campanhas eleitorais para o país como um todo; 4) o voto distrital abre ao eleitor a possibilidade de trabalhar contra um candidato.

No atual sistema brasileiro, essa possibilidade simplesmente não existe.

Mito alimenta debate da reforma política

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Existem alguns mitos sobre a política partidária brasileira que devem ser derrubados para que o debate sobre a reforma política seja feito dentro de parâmetros de racionalidade. O maior mito talvez seja o da falta de representatividade dos partidos. Se essa foi a realidade no período pós-redemocratização, quando apenas um partido, o PT, despontava com conteúdo de classe e maior organicidade, não se pode estendê-la para a realidade de hoje. A partir de 1994, quando o quadro partidário tendeu à polarização entre a coligação PSDB-PFL, de um lado, e o PT, do lado oposto, essas agremiações passaram a atrair, de forma crescente, apoios de parcelas definidas da opinião pública que não apenas se identificam com elas, mas influenciam-nas. Aliás, uma relação orgânica de um partido com os setores sociais que representa nunca é de mão única: uma ideologia não é formulada unilateralmente, mas é a síntese de formulações de vários agentes políticos que interagem num dado momento histórico. Uma vitória eleitoral é produto do convencimento da maioria de eleitores de que uma síntese de formulações é a mais "racional", a mais conveniente ou a mais importante no momento.

A partir de 1994, quando o PSDB passou a ser uma alternativa efetiva de poder, ele foi levado por um movimento constante de polarização com o PT, partido mais identificado com setores de esquerda. O partido de Fernando Henrique Cardoso foi ocupando gradativamente o centro ideológico e nas eleições de 2002, com a radicalização do debate político, incorporou a representação de setores mais à direita, enquanto o PT conseguia o apoio de parcelas do eleitorado de centro para se viabilizar como alternativa de poder. Desde então, PFL, hoje DEM, e PSDB disputam o eleitorado conservador, ou se aliam para conquistá-lo, mas ambos mantêm uma forte identidade política com esse eleitor. Da mesma forma, ao fazer a opção por integrar a oposição de forma subordinada a esses dois partidos, o PPS não conseguiu se separar politicamente deles. Os partidos de oposição, na verdade, passaram a se acotovelar em um espaço ideológico limitado, no lado extremo ao do PT, reforçando uma polarização que não necessariamente sobreviveria se não tivesse sido alimentada ao longo do tempo. Ainda assim, seja qual for o número de partidos que se sobrepõem nesse espaço político, eles têm representado de forma eficiente o pensamento de parcelas de eleitorado. Existe um trânsito efetivo do pensamento de setores da sociedade nesse segmento partidário, e vice-versa.

Do outro lado, se o PT agregou, ao longo da sua existência, o pensamento "pequeno-burguês", a polarização com o bloco partidário de oposição faz dele, preferencialmente, o depositário de grupos ideológicos mais à esquerda. Embora o governo de Luiz Inácio Lula da Silva não tenha rasgado dinheiro - muito pelo contrário, no primeiro mandato compôs com o capital financeiro que ameaçou o país no processo eleitoral que o levou ao poder -, no segundo mandato, com a radicalização da oposição, passou novamente a transitar os interesses de setores à esquerda que ameaçaram desertar na época dos escândalos do mensalão e a se configurar como a alternativa de poder "menos pior" que a do bloco oposicionista.

No final das contas, um discurso extremamente conservador e a coincidência de interesses de partidos que tiveram origens distintas, como o DEM, o PSDB e o PPS, acabaram, do outro lado, forçando também uma maior identidade dos setores de esquerda, que hoje integram formalmente o PT ou os partidos de esquerda a ele aliados, ou simplesmente apoiam o bloco governista. Os partidos que tentaram fazer uma oposição à esquerda não conseguiram sensibilizar setores que, embora descontentes, não saíram da área de influência do PT, quer porque essas legendas não se configuraram como alternativas viáveis de poder, quer porque foram engolidas pela onda de radicalização que trouxe o PT de volta à posição de partido que polariza com um candidato e/ou partido que representa setores conservadores. De alguma forma, o modelo de oposição feito pelo bloco PSDB/DEM/PPS tem anulado a possibilidade de uma oposição à esquerda.

A acomodação ideológica dos partidos em disputa não é fruto do acaso. Todo movimento político é dado pela prática. A ideologia configura uma opção de poder. Os partidos, quer de oposição, quer de situação, fizeram escolhas, e essas escolhas resultaram numa polarização do quadro partidário. Essa divisão política entre dois pólos, na prática, tem neutralizado os efeitos da excessiva pulverização do quadro partidário, porque os blocos têm bastante identidade e funcionam como um grande partido político. Se mais de uma legenda representa um setor da sociedade, isso não quer dizer que as legendas-irmãs não tenham conteúdo ideológico ou não organicidade - quer dizer simplesmente que esses setores são representados por mais de uma legenda.

Escapam dessa lógica o PMDB e os pequenos partidos de direita, que são forças políticas inorgânicas, porém capazes de dar estabilidade a governos, independente da posição política de cada um deles. Ainda assim, não se pode ignorar a função ideológica que, dentro deles, exercem os blocos suprapartidários - a bancada ruralista, por exemplo, tem uma atuação mais consistente que a de qualquer partido político, é capaz de negociar dentro do governo e no bloco oposicionista para fazer valer os interesses de classe e tem enorme poder de barganha.

O outro mito prestes a ser desmistificado é o despolitização do eleitor brasileiro. A polarização teve também o efeito de incentivar a identificação do cidadão com o partido que melhor o representa, mesmo que isso inicialmente ocorra no sentido da negação, isto é, o indivíduo passa a apontar a sua preferência partidária por oposição a alguma das forças políticas em conflito. Isto é: apoia o PSDB pelo fato de este se contrapor ao PT, ou o PT por ser antitucano.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

Incertezas da economia perdem peso na armação do xadrez presidencial




Jarbas de Holanda
jornalista


As incertezas sobre o comportamento da economia persistem, alimentadas por indicadores contraditórios. De um lado, por exemplo, a esperada nova queda do PIB no primeiro trimestre de 2009, a ser anunciada proximamente e, ao repetir o ocorrido no último de 2008, configuradora de recessão técnica. De outro, expressivo retorno de capital externo, de par com previsões como a do respeitado economista Afonso Celso Pastore (domingo no Estadão) de que, embora o país venha a ter crescimento negativo este ano, em torno de -1%, já deverá estar crescendo entre 3,5% e 4,5% no trimestre final. Mas, para as principais forças políticas – ligadas ao governo ou oposicionistas – essas incertezas vão deixando de representar condicionamento relevante dos passos voltados à sucessão presidencial de 2010. Passando a ser substituídas, como tal, pela emergência de variável absolutamente inesperada – a expectativa dos resultados da quimioterapia a que se submete a pré-candidata do presidente Lula, ministra Dilma Rousseff. Os quais, na hipótese menos provável, e indesejável, de serem ruins, recolocariam na agenda político-institucional o abandonado projeto de disputa por Lula de um terceiro mandato.

Quanto à crise econômica, outro fator que diminui a sua influencia é que o presidente Lula tem provavelmente logrado neutralizar ou até anular – o que precisa ser confirmado, ou desmentido, em próximas pesquisas de opinião – o expressivo desgaste de seu elevado índice de popularidade, que era esperado em consequência dos efeitos negativos que a crise suscitaria. Para tanto, ele tem combinado o respaldo de fortes ações defensivas do Banco Central e de sucessivos pacotes de financiamento e isenções fiscais a cadeias produtivas responsáveis por mais empregos, como a automobilística e a da construção civil, e de estímulos a outras atividades produtivas, com o reforço dos programas assistencialistas. E tem contado com uma significativa valorização de seu papel internacional pelos governos e círculos empresariais dos países desenvolvidos, que o vêem como contraponto pragmático à influência nas Américas do Sul e Central do radicalismo esquerdista do venezuelano Hugo Chávez. Tudo isso possibilitado pela manutenção dos fundamentos macroeconômicos recebidos dos governos FHC e pelo vigor das estatais e empresas privadas brasileiras, bem como pelas oportunidades de negócios que o país oferece.

Assim, a espera dos desdobramentos da crise cede lugar, na arena política, a movimentos dos partidos de maior densidade em torno de outros temas e no sentido da disputa presidencial.

Para as bandas oposicionistas constituídas em volta dos dois pré-candidatos do PSDB – José Serra e Aécio Neves - entre esses temas destaca-se a qualidade da gestão pública. Que serve aos dois para contraporem-se, como bons administradores, às distorções básicas associadas ao governo e ao presidente: ineficiência no encaminhamento do PAC e outros programas oficiais; aumento excessivo dos gastos de custeio em prejuízo dos de investimento; loteamento e aparelhamento partidários da administração federal, sobretudo das estatais; as posturas erráticas assumidas pelo chefe do governo a respeito da crise. Já o campo lulista tem como temas prioritários de palanque os benefícios dos programas sociais (que seriam suspensos ou esvaziados com uma vitória oposicionista); as obras do PAC e do novo programa habitacional; a afirmação da “soberania nacional”, ilustrada pela transformação do Brasil de devedor para credor do FMI. Ambos os pólos tratando da crise com dados e argumentos opostos, a serem ajustados em função dos desdobramentos dela. E quanto ao Bolsa Família, a direção do PSDB decidiu, em seminário realizado segunda-feira em João Pessoa,assumi-lo por inteiro (deixando até de lado a cobrança da porta de saída do assistencialismo), na tentativa de evitar ser caracterizada, pelo próprio Lula na campanha eleitoral, como inimiga do programa.

Em relação ao desencadeamento da montagem das alianças para 2010 o mais significativo é o forte assédio que está sendo feito ao PMDB. Pelo governo, para que sua direção nacional comprometa-se o mais rápido possível com o pólo lulista, em troca do sacrifício de diversas candidaturas do PT a governos estaduais (mesmo que competitivas), em favor de peemedebistas, e, simultaneamente, de presença ainda maior do partido no Ministério. Já por parte das direções do PSDB e do DEM, o objetivo de inviabilizar ou neutralizar a aliança formal com o PMDB buscada pelo governo, através de acordos nas eleições para governadores e senadores com vários der seus diretórios regionais, como os três da região Sul, o de São Paulo, o de Pernambuco e até o da Bahia (com promessa de apoio dos tucanos ao ministro Geddel Vieira Lima). Assédio duplo ao qual a cúpula peemedebista, próxima do Palácio do Planalto, procura responder protelando definições, agora menos em função das incertezas da crise e mais da possibilidade de substituição da pré-candidatura de Dilma Rousseff (sem contar as dificuldades ou impossibilidade dessa cúpula de impedir a divisão do partido entre os dois referidos pólos).

Seis por meia dúzia

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A reforma anunciada pelo Senado com base no estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas ao longo de um mês e cinco dias muda o nome das coisas, mas não altera em nada a essência das coisas que há três meses produzem um escândalo atrás do outro no Congresso.

No fundamental, o que revolta a sociedade e desmoraliza a instituição é o privilégio, a impunidade, o desrespeito com o dinheiro público. E nisso a reforma nem trisca.

Se era uma resposta satisfatória ao País, a abertura de um caminho para a indispensável reconciliação entre representantes e representados o que buscava a Casa, suas excelências continuam em dívida.

Como de resto estão desde 1995, quando o Senado encomendou o mesmo tipo de trabalho à mesmíssima Fundação Getúlio Vargas e não fez absolutamente nada, a não ser permitir que a situação se agravasse.

Recomendaram-se restrições de toda sorte, mas o que se viu foi a ampliação da estrutura sem a devida justificativa nem correspondência na prestação de serviços.

O fato de o presidente do Senado da época ser o mesmo de agora chega a ser irrelevante. A coincidência só impõe mais crueza ao quadro de desmandos e descontroles cuja responsabilidade não pode ser personalizada na figura de José Sarney. Ele encarna o anacronismo. Mas o mal está presente no consciente coletivo.

E este acredita ser possível prescindir do profissionalismo, do estrito respeito às regras, da eficácia, da impessoalidade, da transparência, da probidade, em prol do amadorismo das relações baseadas na troca de favores, na suposta habilidade das atitudes ladinas, na esperteza rastaquera de agrupamentos cuja sustentação se dá na base da reciprocidade na obtenção de vantagens.

De 1995 para cá, o Senado teve outros presidentes. Ademais, é um colegiado e, como tal, movimenta-se pela força da maioria.

A leniência desta é que foi indiferente não apenas ao diagnóstico feito há 14 anos, mas também aos constantes alertas sobre os malefícios das constantes demonstrações de que a Casa se "lixava" para a opinião pública. Operações-abafa, acordões em CPIs e em processos por quebra de decoro comandando o espetáculo.

As alterações até agora propostas deixam tudo como está. Mas a maioria tem tempo ainda para se mexer. O cavalo ainda está selado na porta do Senado.

A Casa escolhe: ou parte para o bom combate propondo uma reforma séria ou deixa estar para ver como é que fica e transforma sua chance numa boa dose de sorte para o azar.

É a política

O debate sobre as alterações nas regras de remuneração da poupança pode até começar na seara da economia, mas vai migrar rapidamente para o terreno da política. O tema é socialmente sensível, envolve imposto (de Renda para aplicações acima de R$ 50 mil) e tem todos os elementos para se transformar num embate semelhante ao da CPMF.

Governo e oposição disputarão no campo onde se travam as famosas batalhas da comunicação.

Erros de parte a parte serão fatais, dada a natureza do assunto.

Mau cabrito

O líder do governo no Senado, Romero Jucá, parece ter se dado conta do quanto seu embate com o ministro da Defesa faz bem à saúde política de Nelson Jobim.

Depois de reclamar da "forma truculenta" como foi tratado no caso da demissão de um irmão e uma cunhada junto com outros indicados por motivação política na Infraero, Jucá disse que não teve a intenção de retaliar.

Deve ter sido informado de que ser atacado por demitir apaniguados - notadamente por alguém que já precisou renunciar ao posto de ministro da Previdência por causa de processos por desvio de verbas e crime contra o sistema financeiro - equivale a uma homenagem.

Tanto que Jobim notou e "cresceu" para cima de Jucá.

Segundo o líder do governo, sua proposta de emenda constitucional definindo que o cargo de ministro da Defesa deve ser ocupado por um militar não é fruto de vingança, mas do desejo de "profissionalizar a pasta".

Criada, diga-se, justamente para dar ao poder civil o controle das Forças Armadas.

Antecedentes

Na essência, não há diferença entre o que pensa o deputado que se "lixa" para a opinião pública sobre a irrelevância da imprensa - "vocês batem e a gente se reelege"- e o pensamento presente naquela declaração do presidente Lula a respeito dos "problemas de azia" que lhe acentuam as notícias dos jornais.

Mais semelhança ainda com a lógica de Sérgio Moraes guarda a tese difundida pelo governo logo após a reeleição de Lula, em 2006, segundo a qual os meios de comunicação haviam "perdido", pois o resultado eleitoral comprovaria a pouca importância dada pelo público aos - então recentes - escândalos de corrupção.

Abertura de arquivos une Dilma e Serra

Paulo de Tarso Lyra, de Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O governo encaminhou ontem ao Congresso um projeto de lei reduzindo os critérios de sigilo dos documentos oficiais - retirando o teor de secreto de qualquer documento que inclua violações aos Direitos Humanos - e estabelecendo punições aos servidores que descumprirem as novas regras. Também lançou o projeto Memórias Reveladas, estimulando que documentos oficiais, especialmente relativos ao período do governo militar, em posse de sindicatos e universidades sejam encaminhados aos arquivos públicos - nacionais ou estaduais. E vai ainda lançar um edital sugerindo a mesma ação para pessoas físicas que tenham documentos considerados importantes para desvendar a História do Brasil.

O lançamento do pacote de abertura dos arquivos foi feito no Palácio do Itamaraty, em uma cerimônia concorrida que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff e do governador de São Paulo, José Serra. A presença dos dois pré-candidatos à presidência em 2010 mereceu uma menção explícita do secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannucchi. "Isto demonstra que, quando o assunto envolve questões de Estado, não importam os partidos. Até porque a alternância no poder é saudável para a democracia", afirmou Vannuchhi, provocando sorrisos dos candidatos.

Lula começou seu discurso afirmando que "aqueles que não têm conhecimento da própria história correm o risco de vê-la repetida". Declarou que as medidas tomadas ontem pelo governo têm com o objetivo fortalecer a democracia. "Até porque, em uma sociedade, quem precisa de proteção é o cidadão, não os entes públicos", acrescentou o presidente. Lula lembrou que a democracia brasileira é recente - apenas 24 anos (1985-2009) e, mesmo assim, é o mais longo processo democrático contínuo do Brasil.

A chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, afirmou que 14 estados brasileiros já aderiram ao projeto Memória revelada: Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, São Paulo, Goiás, Paraná, Maranhão, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais, Distrito Federal e Rio de Janeiro. "Além disso, serve como uma medida de modernização do estado, pois abre espaço para que a sociedade exerça pressão sobre os entes públicos", disse ela.

O governador de São Paulo, José Serra, lembrou que o primeiro a sinalizar a intenção de abrir os arquivos constantes no antigo DOPS - Departamento de Ordem Política e Social, conhecido órgão de repressão durante o regime militar - foi o tucano Franco Montoro, ao assumir o governo paulista em 1982. Mas afirma desconhecer as razões pelas quais os documentos foram transferidos para a Polícia Federal apenas retornando ao domínio do governo local na década de 90.

O próprio Serra doou ao arquivo nacional uma ficha elaborada sobre ele, citando as ações "subversivas e terroristas do tucano". Lembrou que no DOPS paulista - o principal deles - envolve 1,4 milhão de fichas e 10 milhões de páginas de documentos. Dentre elas, coisas curiosas, como uma ficha sobre João Paulo II, uma outra sobre Bertold Brecht - que nunca veio ao Brasil - uma sobre um cão pastor alemão que atuava em novelas. "Zelar por este acervo é preservar a memória e a história do nosso país", disse o governador.

Na entrevista, ele defendeu que os arquivos do Itamaraty relativos aos anos de governo militar também fossem disponibilizados. "O Ministério das Relações Exteriores tinha muitas informações sobre os brasileiros exilados em outros países", disse ele. Serra se exilou no Chile, onde virou professor universitário. Ele estava em Santiago na época da derrubada do governo de Salvador Allende e até hoje admite não saber como escapou com vida após ficar detido, junto com outros militantes de esquerda, no Estádio Nacional.

O projeto que será enviado ao Congresso estabelece que só podem ser considerados sigilosos os documentos que ponham em risco: a defesa, a soberania ou a integridade do território nacional; a condução de negociações ou relações internacionais; a vida, segurança ou saúde da população; a estabilidade financeira, econômica ou monetária do país; os planos ou operações estratégicos das Forças Armadas; a segurança de instituições ou autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; as atividades de inteligência, investigação ou fiscalização e o sigilo das informações fornecidas por Estados estrangeiros.

O projeto reduz os prazos e os tipos de classificação. Na legislação anterior, aprovada em 2005, os documentos ultra-secretos tinham um prazo máximo de 30 anos, prorrogáveis um vez ou por comissão interministerial, em casos de ameaça à soberania, integridade territorial ou relações internacional; os documentos secretos poderão ter esta classificação por um máximo de 20 anos, prorrogáveis uma vez. Os classificados como confidenciais poderiam ter esta tarja por no máximo 10 anos (por outros dez, se necessários); e reservados, por cinco anos.

Pelo novo texto, desaparece a classificação de confidencial. O ultra-secreto passa a valer por 25 anos, prorrogáveis apenas pela comissão interministerial; secreto por 15 anos e reservados por cinco anos. Além disso, quanto mais confidencial for o documento, maior a necessidade de o "carimbo" ser dado por uma alta autoridade.

O vício

Janio de Freitas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O vício da tapeação não permite que motivos e explicações se exponham com clareza à população

DURANTE o intenso noticiário de duas semanas sobre mudanças na caderneta de poupança, Lula, ministros, petistas do Congresso e muitos jornalistas abusaram da palavra transparência. É uma palavra com razoável clareza em sua acepção mais recente, aplicada à coisa pública. Mas está sendo entortada, para cobrir o buraco onde deveriam estar palavras como veracidade, verdadeiro, real, ou equivalentes precisos. O vício da tapeação opera o transplante verbal.

Guido Mantega e Henrique Meirelles, da Fazenda e do Banco Central, praticaram ontem a transparência à moda da casa com primor ilustrativo. Encarregados, em nome do governo transparente de Lula, de explicitar em entrevista coletiva as decisões a respeito da caderneta, não fizeram restrição alguma às expressões "mudança na caderneta", "mudança na poupança", "nova regra". Muito bem, afinal divulgavam cobrança de impostos, dos quais a caderneta estava isenta por sua própria natureza; limite de isenção; e, por menos que citassem vários dos principais, a relação dos beneficiários maiores da mudança de regra, entre os quais os grandes bancos não citados nem por uma só vez.

Mas a aceitação do conceito de mudança e o que eles próprios comunicavam não foram bastantes para fazer Guido Mantega e Henrique Meirelles pouparem-se de aplicar sua ênfase no que os desmentia.

Mantega, por exemplo, em seguida a detalhar parte das mudanças: "Portanto, não estamos mexendo na poupança, estamos fazendo uma adaptação". Ainda que se ficasse só nessa frase e fosse mesmo só uma adaptação, como adaptar sem mexer? Lá para tantas, e ainda bem, Mantega decidiu ser definitivo: "Não mexemos na poupança, que é a aplicação mais sagrada".

Dizer isso é até sacrilégio na religião da Bolsa.

Meirelles, depois de referência à isenção de imposto só para "o pequeno investidor": "Por que isso? Por que a caderneta de poupança é uma aplicação para o pequeno poupador". Não é verdade. Se fosse, na sua já distante criação haveria um limite fixado para as aplicações ou, em alguma altura desde lá, seria aplicado um truque como agora. Muito ao contrário, a caderneta queria o máximo, porque a sua finalidade foi formar uma expressiva massa de recursos para financiamento da casa própria. Razão pela qual ofereceu condições exclusivas de atração.

Sempre justificada pela finalidade social, que nem os estouros no Sistema Financeiro da Habitação, por excesso de vigarice, alteraram.

O governo Fernando Henrique/ Pedro Malan meteu garfo e faca na poupança, tomando-lhe rendimentos que a deixavam em perda relativamente até a inflação. Uma reprodução sem espalhafato do confisco feito por Collor. O governo Lula não vai assaltar, como os antecessores.

Vai impedir que a queda da inflação e maior queda dos juros permitam a recuperação de perdas por poupadores da caderneta. Perdas que não poderiam ocorrer, porque a peculiaridade atrativa da caderneta, para pequenos e grandes, era exatamente a garantia legal de que teriam sempre a reposição da inflação, além dos juros modestos mas sem imposto.

O vício da tapeação, uma espécie de boca torta do governo, não permite que motivos e explicações se exponham com clareza à população, jamais. Há sempre uma deformação enganadora, a incompletude deliberada, e subterfúgios a granel. Não por boca torta, não, mas por alma torta. Porque o vício da tapeação é também uma obra da consciência de estar aprontando alguma que precisa de tapeação.

Pela tangente

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


As medidas tomadas ontem pelo governo contornaram o problema, mas não o resolveram. Ficou adiada a medida inescapável de acabar com o piso abaixo do qual os juros não podem cair. O adiamento da antipática e inevitável mudança do cálculo da caderneta de poupança vai custar R$ 3,5 bilhões ao Tesouro. O dinheiro será dado aos aplicadores dos fundos de investimento.

O governo escorregou ao escolher R$ 50 mil como o ponto do qual os poupadores da caderneta pagarão Imposto de Renda. O número é de triste memória.

Errou nas explicações confusas e em algumas justificativas rasas. Mas acertou a direção: o país tem mesmo que fazer mudanças que tornem possível a busca de juros cada vez mais baixos.

O ministro Guido Mantega disse que a taxação da poupança acima de R$ 50 mil estava sendo feita para proteger os pequenos poupadores dos “especuladores”. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foi mais sincero, mas incompleto.

Lembrou que a caderneta de poupança é um instrumento direcionado. O dinheiro financia operações no mercado imobiliário e, quando os bancos não conseguem aplicar, precisam recolher o excesso ao BC. Se todos fossem para a poupança — disse Meirelles — não haveria dinheiro para outros “empréstimos”.

A verdade completa é que faltariam recursos também para rolar a gigantesca dívida interna que lastreia outros ativos.

Meirelles admitiu que terá de haver outra etapa de mudanças “alguns anos à frente.” A remuneração fixa da poupança em TR mais 6,17% ao ano, o que dá hoje em torno de 7% a 7,5%, impede que os juros nominais caiam abaixo desse patamar. Segundo o presidente do BC, não fazer qualquer redução no imposto sobre fundos de investimentos agora seria criar desequilíbrios.

— E não podemos conviver com desequilíbrios até que a taxação da poupança possa vigorar no ano que vem — disse ele.

Ontem, como disse Mantega, o governo estava enfrentando o bom problema de ter que pensar no cenário de juros bem mais baixos, de um dígito e em queda.

O BC comemora também, até amanhã, os dez anos das metas de inflação. É inevitável lembrar as mudanças dessa década. Quando o sistema foi implantado, o Brasil vivia o tumulto da ruptura da política cambial de janeiro de 1999. A desvalorização ocorreu de forma abrupta e colocou em risco o Plano Real, o primeiro plano de estabilização que tivera sucesso. O tumulto cambial alimentou a crise política. O PT foi às ruas com o seu “Fora FHC”, com o José Dirceu à frente. O então presidente estava no início do segundo mandato, mas a explosão do câmbio derrubou sua popularidade. A oposição aproveitou a fraqueza.

As metas de inflação foram o mecanismo implantado pela equipe que Armínio Fraga levou para o BC. Ela substituiu uma medida de força, o controle do câmbio da primeira fase do Real, por uma forma mais sutil de administração das expectativas. As metas de inflação vinham sendo implantadas em vários países, com sucesso. Era a política certa para o Brasil? O economista Guido Mantega, então na oposição, garantiu que não. Em artigo publicado na “Folha de S.Paulo” fez ironia, disse que o “inflation targeting” era fruto da “irresistível fascinação pelos modelos de língua inglesa que desembarcam nos luxuosos gabinetes do BC e do Ministério da Fazenda.” Hoje ele ocupa esse “luxuoso” gabinete e pode comemorar o sucesso das metas de inflação.

Há dez anos, Mantega disse que as metas tinham “um potencial destrutivo menor do que a sobrevalorização” e que eram “uma estratégia tosca e inadequada para ancorar a política econômica.” Criticou, como costumava fazer na época, a equipe econômica que “erroneamente elege a inflação como principal problema do país.” E, de novo, defendeu a ideia de que o combate à inflação iria sacrificar o desenvolvimento.

As metas conseguiram segurar a inflação em 8,94% naquele ano e, no ano, seguinte, o país voltou a crescer — cresceu 4,3% — com uma inflação de 5,97%. Hoje, o governo Lula sabe que a continuidade da “tosca” política de metas de inflação foi providencial para atravessar outros períodos de turbulência.

Ontem, Mantega exultou diante de uma hipótese levantada por uma repórter: — Se a taxa de juros puder cair 3% será excelente.

De fato será. Mas só há esse cenário porque o país tem combatido a inflação cada vez que há risco de a taxa ficar acima da meta.

A estabilização do Brasil vem ocorrendo em etapas.

Tem sido um longo caminho.

Agora, o doce dilema é como fazer para abrir espaço para quedas pronunciadas e duradouras das taxas de juros.

Infelizmente, o ambiente político envenenado pelo debate sucessório impediu que governo e oposição vissem a oportunidade de alterar regras que ficaram obsoletas.

Então, foi feita uma meia sola: os fundos de investimento passarão a pagar menos impostos; as contas maiores de poupança pagarão Imposto de Renda. O contorcionismo incluiu uma MP que condicionará a queda da taxação à redução da taxa Selic; uma isenção para alguém hipotético que não tenha outra renda a não ser R$ 850 mil depositados na poupança; uma taxação escalonada para os maiores poupadores da caderneta.

Uma solução que terá que ser revista no futuro.

Poupança: muito barulho por nada

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Mudança afeta pouca gente, funciona mais em casos extremos e adia uma decisão mais efetiva e relevante

A MUDANÇA mais importante nos impostos sobre aplicações financeiras, anunciada ontem pelo governo, acabou não sendo explicada ontem pelo governo. Explique-se: a mudança que mais tende a alterar as vantagens de aplicar na poupança ou em outros tipos de investimento ficou meio no ar. O governo disse que vai reduzir o Imposto de Renda sobre aplicações em fundos de investimento, CDBs, títulos públicos (caso do Tesouro Direto) etc. Talvez o imposto caia para 15% dos ganhos (hoje vai de 15% a 22,5%, a depender do prazo da aplicação). Mas não disse se haverá alíquotas (porcentagens) diferentes, a depender do prazo; não explicou o que quer dizer que "a alíquota nova" só valerá para este ano. Na verdade, não explicou nada. Porém, tal alteração é a que teria mais impacto na rentabilidade relativa de poupança e fundos, por exemplo.

A mudança na poupança foi pequena não só porque afeta apenas 0,99% das contas da caderneta, segundo os dados oficiais. A mudança foi pequena porque a novidade do Imposto de Renda sobre a poupança apenas será mais relevante em casos extremos. Em primeiro lugar, só haverá alíquotas efetivas maiores que uns 15% no caso de a Selic cair para menos de 7,75%, para cadernetas com pelo menos R$ 200 mil ou mais e para pessoas que têm rendimentos mensais iguais ou superiores ao da maior faixa de tributação do IR (acima de R$ 3.743,19, em 2010, quando valeria a tributação da poupança).

Para quem aplica em um fundo ruim, que rende pouco e cobra taxa de administração alta, por um tempo ainda deve valer a pena tirar dinheiro desse fundo e colocar na poupança. Mas, atenção, é preciso fazer a conta considerando cada caso pessoal, na ponta do lápis, pensando na renda mensal tributável, na liquidez diferente das aplicações (possibilidade de sacar a qualquer momento e ficar o com rendimento) etc.

Decerto que, no caso de quem tem um fundo melhor (aqueles que têm muito dinheiro), a mudança não vai compensar. Porém, a dúvida só fica maior em situações mais extremas.

A tributação da poupança só vai fazer diferença mesmo em um cenário de queda grande da taxa de juros, da Selic, e para quem tem muito dinheiro. A Selic está em 10,25%. É razoável acreditar que, dados os atuais níveis de risco Brasil e de meta de inflação no país, o piso mais otimista para a Selic é 8,5%. Ainda assim, nesse caso, a alíquota para quem tem R$ 1 milhão na poupança (e que deve estar na faixa superior do IR) iria a 10,5%. Isso vai obrigar alguém mais esperto a fazer mais contas. Mas parece que houve muito barulho para uma decisão nada radical. O governo resolveu só o caso mais extremo e, como em 2007, empurrou o problema para a frente, com a barriga. Problema que, aliás, não afeta só aplicações financeiras.

Mais relevante para quem tem mais dinheiro será a definição da nova alíquota do imposto sobre aplicações em fundos, CDBs, Tesouro Direto etc. Uma redução dessa alíquota teria impacto mais decisivo sobre quem pensa em migrar para a poupança. Mas tira dinheiro do governo.Por fim, uma curiosidade. O saldo médio das contas que têm mais de R$ 1 milhão é de R$ 3,9 milhões.

Por que essas pessoas (até 3.822) deixam tanto dinheiro na poupança?

A caderneta endógena em diagonal

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Adeus caderneta de poupança simplesinha, que qualquer criança entendia. O governo meteu nas regras coisas complicadas e um punhado de variáveis que vão depender de mais coisas, não só do tamanho do depósito, mas, também, das alterações da Selic.

As cadernetas têm 50 anos e nunca precisaram de cartilha que explicasse seu funcionamento. Ontem, o governo editou às pressas um ABC das mudanças para que fossem compreendidas. Lembrou a banda endógena em diagonal, o câmbio inventado pelo Banco Central que durou dois dias e precipitou a adoção do sistema flutuante.

Os aplicadores terão agora de trabalhar com redutores que vão integrar o cálculo da renda tributável sujeita, algumas vezes sim e outras não, à declaração anual de ajuste do Imposto de Renda (IR). Claro que essas complexidades só valem para quem têm depósitos superiores a R$ 50 mil, gente que pode pagar contador e consultoria tributária. Mas não precisava ser assim.

As soluções adotadas são temporárias. Se os juros básicos (Selic) caírem para abaixo dos 6,17% ao ano, o governo será novamente obrigado a rever as regras. As decisões estão saindo pela metade. A anunciada redução do Imposto de Renda sobre o rendimento dos títulos (e fundos) de renda fixa foi adiada sabe-se lá para quando, porque o governo não está seguro e quer primeiro sentir como o mercado vai se comportar com a nova taxação das cadernetas.

O problema de fundo já é conhecido. Se fossem mantidas as regras vigentes, estaria perto o dia em que a caderneta, que até este ano não leva nem IR nem tarifa de administração, ficaria mais rentável do que os títulos de renda fixa. Essa nova relação de retorno poderia causar a revoada das grandes aplicações da renda fixa para as cadernetas. Além disso, a rolagem dos títulos do Tesouro, que também pagam renda fixa, seria bem mais difícil.

O Banco Central tinha queixas ainda mais relevantes. A garantia de que as cadernetas pagariam, chovesse ou fizesse sol, rendimento fixo mensal de 0,5% ao mês (6,17% ao ano), se constituiria em "obstáculo institucional" à queda dos juros, já que deixaria um piso impossível de furar. "Agora a Selic tem mais espaço para cair", avisou o ministro Guido Mantega. E, ontem, no mercado futuro, os juros de longo prazo caíram, mostrando que sentiram o golpe.

Nessas alterações, o governo só viu uma ponta do financiamento habitacional: a das cadernetas, principal fonte de recursos para a casa própria. Por isso, derrubou seu rendimento. Mas não providenciou a redução dos custos financeiros para o mutuário, o tomador de empréstimos imobiliários. Este pagará os mesmos juros que pagava até agora. Vão nessa direção as críticas do ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola.

Não apenas a remuneração e a isenção de impostos tornariam a caderneta fortemente competitiva. Também concorreram (e continuam concorrendo) para isso as altas tarifas de administração dos fundos de renda fixa. Há bancos cobrando mais de 5% ao ano (o equivalente à inflação).

O governo está perdendo uma excelente oportunidade de forçar os bancos a trabalhar com margens mais razoáveis. Mas Mantega preferiu deixar que o mercado puna os mais careiros.

Alguma coisa precisava ser mudada. Mas tudo poderia ter sido bem menos complicado.

CONFIRA

Derrubada - Os analistas precisaram recorrer a contorcionismos lógicos para explicar por que as bolsas despencaram ontem. Quando é necessário explicar demais, as verdadeiras razões são mais profundas.

Há dinheiro em profusão na economia global e isso empurra o mercado para o risco, mas há dinheiro demais porque Tesouros e bancos centrais vêm tendo de despejar capital para suprir a falta de crédito.

Então, enquanto houver dinheiro demais à procura de um porto seguro (ou nem sempre isso), o mercado viverá de espasmos, ora de alta, ora de baixa, como ontem.

''Governo quebrou a confiança''

Eugênia Lopes e Densie Madueño
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Lula prejudicou o pobre e o trabalhador, diz oposição

"O governo quebrou a confiança na poupança" e "fez uma opção preferencial pelos bancos". As duas frases sintetizam a reação da oposição ao anúncio da mexida nas regras da poupança. Em nota divulgada na noite de ontem, PPS, PSDB e DEM argumentaram que "o governo federal quebrou a confiança que o Brasil custou a resgatar na caderneta de poupança", que classificaram como "único refúgio da economia popular".

Há 19 anos, o ex-presidente e hoje senador Fernando Collor (PTB-AL) confiscou o dinheiro da poupança. "O anúncio feito pelo ministro da Fazenda mostra que o governo Lula optou por prejudicar o pobre, o aposentado, o trabalhador, criando um novo imposto para não perder arrecadação", diz a nota dos partidos oposicionistas.

"O governo está garfando os ganhos do trabalho e privilegiando o capital dos bancos. Os grandes ganhadores foram os bancos", disse o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), referindo-se ao anúncio, também, da desoneração dos investimentos em fundos de renda fixa e outros tipos de fundos de grandes e médios investidores.

As cúpulas dos três partidos da oposição reuniram-se ontem para traçar uma estratégia contra a aprovação das medidas no Congresso. Com o discurso de quebra de confiança, a oposição espera também conseguir mobilizar a população contra a proposta de taxar a poupança. "Não faz sentido mexer na poupança dessa forma. Trata-se de atingir a confiança dos poupadores", disse o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE). "Quem acreditou na poupança e pôs o dinheiro lá, vai ter de tirar."

Na avaliação da oposição, o governo faz "demagogia" ao afirmar que apenas 1% dos poupadores serão atingidos com as novas regras. Na nota, a oposição afirma que está "ao lado da população brasileira, nas ruas e no Congresso Nacional, lutando para que esta medida não seja aprovada e para que o povo não seja penalizado mais uma vez pelos erros deste governo".

O PSDB, o DEM e o PPS argumentaram ainda que o governo anunciou "estranhamente uma desoneração temporária nos fundos de aplicação e uma tributação permanente na poupança, que guarda o fruto do trabalho do povo". Para o líder do PSDB na Câmara, deputado José Aníbal (SP), as medidas são uma insensatez. "Se depender de nós, elas não passam. São medidas contraditórias que prejudicam o poupador e isentam o especulador", disse o tucano.

GOVERNO MEXE NA POUPANÇA

Oposição condena mudanças feitas pelo governo Lula

PSDB, PPS e DEM divulgam nota de repúdio e fazem defesa dos poupadores

Quando a oposição criticou o governo porque iria mudar a forma de remunerar a poupança, o presidente Lula desmentiu que faria alterações. Mas, agora, o governo federal confirmou que haverá mudança na forma de remunerar a caderneta de poupança. O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), junto com as lideranças do DEM e do PPS, divulgou nota condenando a atitude do governo Lula.

Abaixo, íntegra da nota da oposição:

GOVERNO MEXE NA POUPANÇA

O Governo Federal quebrou a confiança que o Brasil custou a resgatar na Caderneta de Poupança.

O anúncio feito nesta quarta-feira pelo Ministro da Fazenda mostra que o governo Lula optou por prejudicar o pobre, o aposentado, o trabalhador, criando um novo imposto para não perder arrecadação.

A Caderneta de Poupança é o único refúgio da economia popular.

O governo sabe disso, mas, estranhamente, anunciou uma desoneração temporária nos fundos de aplicação e uma tributação permanente na poupança, que guarda o fruto do trabalho do povo.

Os partidos de oposição - PSDB, PPS e DEM - estarão ao lado da população brasileira, nas ruas e no Congresso Nacional, lutando para que esta medida não seja aprovada e para que o povo não seja penalizado mais uma vez pelos erros deste governo federal.

MANIFESTAÇÕES
No início do mês de maio, dia 7, o PSDB, DEM e PPS já haviam divulgado nota conjunta criticando as possíveis mudanças na caderneta de poupança. Com o título "Em defesa da Caderneta de Poupança", os três partidos de oposição afirmavam que a necessária diminuição da taxa de juros não pode ser feita às custas do rendimento da caderneta de poupança. O governo Lula tem outros instrumentos fiscais e financeiros para corrigir a política de juros.

O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse que a legenda "não aceitará a proposta do governo". E o presidente do Instituto Teotônio Vilela (ITV) afirmou que "o que nos une é a inépcia e a falta de responsabilidade do governo, que está enrolando a população e não quer mostrar a opção que fez", concluiu o deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas (ES).

A senadora Marisa Serrano (MS) também condenou a ação do governo e disse que "a poupança não é investimento, e sim aplicação proveniente da renda do trabalho", salientando que considera uma "injustiça as medidas divulgadas de maneira muito confusa e atabalhoada". Para ela, o governo deveria ter estudado com maior profundidade o tema, e não "improvisado medidas que poderão prejudicar milhares de brasileiros a partir de 2010 ".

O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), fez coro às afirmações do PSDB. Maia disse que "o Democratas é contra a criação de impostos e não aprova a medida do governo". Declaração no mesmo sentido foi dada pelo presidente do PPS, ex-senador Roberto Freire.

Nova caderneta taxa classe média

Lu Aiko Otta
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governo apresentou proposta, a ser submetida ao Congresso, pela qual os rendimentos da poupança superiores a R$ 50 mil, atualmente isentos, passarão a pagar Imposto de Renda a partir de 2010. A tributação vai variar conforme a Selic - a taxa básica de juros da economia - e a renda do poupador. Segundo o governo, as medidas preservam 99% dos poupadores. As contas com valor acima de R$ 50 mil são apenas 1% do total, mas respondem por 40,8% do saldo aplicado nas cadernetas. São R$ 110,5 bilhões, num universo de R$ 270,7 bilhões. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o ajuste visa a “impedir que grandes investidores migrem para a poupança e distorçam esse instrumento tradicional". Críticos das mudanças lembram, porém, que o tributo atingirá, por exemplo, quem, ao vender um imóvel para comprar outro, guardar o dinheiro na poupança até realizar novo negócio.

Poupador de mais de R$ 50 mil é afetado

Novas regras trazem complicação para quem aplica mais na caderneta

Para quem tem saldo de poupança de até R$ 50 mil, a manutenção da regra de remuneração é uma ótima notícia. Significa que sua aplicação terá uma ótima rentabilidade, comparada com outros produtos financeiros.

Para quem tem acima de R$ 50 mil, sobrou complicação. Esse poupador agora vai ter de acompanhar as reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) para saber qual é o nível da Selic, pois é essa taxa é que vai determinar quanto de Imposto de Renda (IR) terá de recolher sobre os rendimentos da poupança.

Conforme a taxa de juros subir ou descer, ao sabor das oscilações do quadro econômico, a tributação sobre a poupança também vai mudar (ver tabela).

Para saber se terá de declarar o IR, não bastará ao poupador saber se tem um saldo de poupança acima de R$ 50 mil. É preciso somar os rendimentos dessa poupança com as demais rendas tributáveis, para então saber se ele estará entre os isentos ou entre os que têm de apresentar declaração de Imposto de Renda.

No ano que vem, estará isento o contribuinte que tiver renda anual de até R$ 17.989,80.

"Do ponto de vista operacional, a pessoa vai ter de digitar mais 12 números", disse o secretário de Reformas Econômico-Fiscais, Bernard Appy, ao explicar que a mudança não será assim tão trabalhosa.

Bastará ao contribuinte digitar mais 12 números em sua declaração, correspondentes aos rendimentos recebidos a cada mês. Esse argumento só vale para o contribuinte que tiver uma só caderneta. Do contrário, terá de somar os rendimentos de todas as contas, incluindo a de seus dependentes, e então informar na declaração.

"A grande vantagem é que estamos criando um incentivo relevante para que as pessoas de baixa renda poupem", defendeu Appy.

PELAS BORDAS

Poderia ser simples, mas ficou complicado. Colocado diante do desafio de mudar o rendimento da caderneta de poupança para adaptá-la a um quadro de juros baixos, o governo preferiu tratar o problema pelas bordas e empurrar com a barriga a solução definitiva.

Com isso, não atacou as regras de remuneração das cadernetas e o assunto terá de voltar ao debate em algum momento no futuro. Em vez disso, impôs uma regra de tributação para os saldos mais elevados.

A Taxa Referencial (TR), responsável por parte do rendimento da poupança, não será alterada agora, conforme anunciaram ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

Em outras ocasiões em que o rendimento da poupança ameaçou ultrapassar o dos fundos de investimento e virou um empecilho para a queda dos juros, como agora, reduzir a TR foi a solução mais prática. Desta vez, essa solução foi estudada, mas acabou descartada.

Outra forma simples de diminuir o rendimento da caderneta de poupança seria mexer na regra pela qual ela rende no mínimo 6% ao ano (ou 0,5% ao mês).

Técnicos do Ministério da Fazenda e do Banco Central haviam até chegado a um consenso sobre a melhor solução: em vez de uma taxa fixa, a caderneta de poupança passaria a render uma parcela da Selic. Seria algo em torno de 65%.

Essa proposta, porém, foi descartada porque não diferenciava grandes poupadores de pequenos.

Ou seja, ela não servia para o discurso político que se pretendia fazer.

Assim, a poupança manteve seu rendimento fixo - aquilo que os diretores do Banco Central, na ata da reunião do Copom chamam de "aspectos resultantes do longo período de inflação elevada que subsistem no arcabouço institucional do sistema financeiro nacional", cuja atualização é "premente".

Ontem, porém, o presidente do Banco Central adotou um tom conciliador. Disse que a tributação remove, "por ora", a restrição mais importante e imediata a que os juros caiam.

PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A TAXAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA

Por que o governo decidiu mudar a poupança?

A crise global levou o Banco Central a reduzir a taxa básica de juros (Selic). Essa redução afetou o rendimento dos fundos de investimento e a poupança (que não é taxada) passou a ser atraente para investidores não tradicionais dessa aplicação. O governo teme que a fuga crie desequilíbrios no sistema de investimentos, mesmo porque financia parte de sua dívida com aplicações dos fundos de investimentos em títulos públicos.

Quando a mudança entra em vigor?

As propostas ainda precisarão ser aprovadas pelo Congresso. As mudanças passam a vigorar para rendimentos a partir de janeiro de 2010.

Todo poupador vai pagar IR sobre a caderneta?

Não. Apenas aqueles que tiverem saldo superior a R$ 50 mil. Na prática, o IR será cobrado sobre uma parte do rendimento, daquilo que superar os R$ 50 mil. Por exemplo: se o saldo é de R$ 70 mil, a tributação recairá sobre uma parte dos rendimentos pagos sobre R$ 20 mil.

Quanto de IR será pago?

Depende da renda do poupador. Quando ele for declarar o IR em 2011, vai somar o rendimento de todas as suas cadernetas de poupança e a de seus dependentes às suas outras rendas (salário, aluguéis, etc). Sobre esse bolo, será aplicada a tabela de recolhimentos do IR, que em 2010 tem limite de isenção de R$ 17.989,80 e alíquotas variando de 7,5% a 27,5%. Na prática, o rendimento da poupança pode fazer com que o contribuinte suba de faixa de tributação.

Como o poupador saberá dos rendimentos?

Os bancos deverão incluir, no informe enviado ao contribuinte, os rendimentos mês a mês, para serem informados na declaração.

O IR da poupança será recolhido na fonte?

Só ocorrerá para cadernetas com saldo muito elevado. Para uma taxa Selic de 9%, o IR será cobrado na fonte para saldos acima de R$ 1,549 milhão.

Todo poupador que tem caderneta acima de R$ 50 mil vai pagar IR?

Vai depender da soma de todos os rendimentos do contribuinte (aposentadoria, rendimento da poupança, aluguel, etc). Se essa soma for de até R$ 17.989,80, ele estará isento, conforme determina a tabela de recolhimentos do IR. O Ministério da Fazenda calcula que, se uma pessoa tem só a caderneta como fonte de renda, ela teria de ter um saldo superior a R$ 986.000,00 para ser tributada (considerando uma Selic de 8,5%).

Timão e Mengão mereciam melhor sorte

Juca Kfouri
DEU NA CBN


Não foi a noite de bom futebol que se esperava no Pacaembu.

Porque o Fluminense não queria jogar e o Corinthians não soube aproveitar as oportunidades que teve no primeiro tempo, quando fez só 1 a 0.

No segundo tempo o Flu até melhorou, mas estava feliz com a derrota pela contagem mínima, apostando no jogo de volta, no Maracanã.

E o Corinthians piorou, também preocupado em não sofrer gol.
No Maracanã o jogo foi melhor.

Graças ao Flamengo e não ao Inter, ao contrário do que se esperava.

Mas o Flamengo não faz gols, no máximo manda bolas nas traves e obriga os goleiros adversários a fazer grandes defesas, como aconteceu mais uma vez.

Duas bolas na trave e um milagre do goleiro colorado Lauro.

Verdade que, no fim, do jogo, o Inter também mandou sua bola no travessão rubro-negro e fez o goleiro Bruno fazer ótima defesa.

Mas se o Corinthians merecia vencer pelo menos por 2 a 0, o Flamengo fez por ganhar, no mínimo, por 1 a 0.

Ainda pela Copa do Brasil, o Vasco sim, despachou o Vitória, enfiando-lhe uma goleada por 4 a 0, em São Januário.

E pela Libertadores, o Grêmio passeou no Olímpico sob chuva e ganhou de novo do San Martin, do Peru, por 2 a 0, 5 a 1 no placar agregado e agora vai enfrentar o Caracas, pelas quartas-de-final.

62º FESTIVAL DE CANNES

Silvana Arantes
Enviada Especial a Cannes
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / Ilustrada

Animação desarma crítica em Cannes

Primeiro longa em 3D a abrir o festival, "Up" tem recepção que contrasta com a "faca entre os dentes" dos jornalistas em 2008
John Lasseter, dono da Pixar, buscou seguir receita de Walt Disney de "uma lágrima para cada risada" em filme sobre casa levada por balões
O longa de animação "Up - Altas Aventuras", que abriu ontem o 62º Festival de Cannes, segue uma receita cinematográfica de Walt Disney.

"Ele dizia que, para cada risada, deveria haver uma lágrima", afirmou ontem em Cannes John Lasseter, o homem que hoje comanda a área de animação da Disney, além de ter sua empresa, a Pixar, com Steve Jobs (Apple) como sócio.Em "Up", o potencial de risadas e lágrimas deriva da história do velhinho Carl que, viúvo, decide empreender a aventura com que ele e a mulher sonharam desde a infância -explorar a natureza na América do Sul.

Acuado pela explosão imobiliária em seu bairro e ameaçado de ser posto num asilo, Carl ata à sua casa balões suficientes para fazê-la voar. Sem saber, ele decola levando a reboque o garoto Russel, escoteiro cuja "promoção" dependia da tarefa de prestar auxílio a idosos. É o início de uma bela amizade.Lasseter lembrou ontem um diálogo que teve com Jobs, de quem ouviu: "Novas tecnologias duram quatro, cinco anos. Se você fizer bem seu trabalho, ele pode durar para sempre".

Aposta no 3D

Como o futuro do cinema é a questão subjacente a este 62º Festival de Cannes, a escolha de "Up - Altas Aventuras" para inaugurá-lo não é casual.

Pela primeira vez, este lugar de destaque foi dado a um filme em 3D, cuja projeção exige o uso de óculos especiais pelo espectador. "Essa vai ser a foto! Todas aquelas pessoas de smoking e longo usando os óculos. Mal posso esperar", disse Lasseter, antes da sessão de gala do filme, marcada para as 19h (14h, no horário de Brasília).

Pela manhã, quando "Up" foi exibido para a imprensa, o diretor-geral do Festival de Cannes, Thierry Frémaux, não esperou. "Ponham os óculos, por favor.

Queremos fazer essa foto", disse aos jornalistas, minutos antes do início da sessão. "Agora finjam que vocês estão vendo o filme", brincou.

No ano passado, "Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles, foi o filme de abertura do festival. Parte da crítica reagiu com tamanha agressividade ao longa que o jornal "Libération" analisou o fato: "Os jornalistas chegam a Cannes com a faca entre os dentes".

Ontem, "Up" parece ter conseguido desarmar até os espíritos mais beligerantes. Terá sido uma vitória de Frémaux sobre a predisposição da crítica. Mais ainda, uma vitória de Lasseter, executivo em teoria distante do cinema de autor que Cannes tanto preza, mas cuja Pixar faz o que há de mais inteligente e autoral no mundo da animação.

O sucessor de Disney vê o cinema como modo de emocionar o público. "Sabíamos que éramos capazes de fazer um filme bonito e engraçado. Mas ele teria de ser emocionante. Cada coisa neste filme foi feita pensando no público", disse.

Cannes em 3-D e sem preconceito

Luiz Carlos Merten
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Animação Up é programa que celebra a diversidade que dá tônica à 62.ª edição

Pode ser mera coincidência, mas exatamente há 62 anos, em 1947, pela primeira vez uma animação da Disney - Dumbo - foi exibida no Festival de Cannes. Ontem, outra animação, da Disney Pixar, inaugurou oficialmente o 62º festival. Up, de Pete Docter e Bob Preterson, que no Brasil vai ganhar o acréscimo de Altas Aventuras ao título original, foi um programa sob medida para celebrar a diversidade que dará a tônica desta edição. Cannes de todos os gêneros - melodrama, horror, fantasia. Cannes de todos os formatos e tecnologias.

Antes da sessão de abertura para a imprensa, o delegado artístico Thierry Frémaux, que organiza a seleção, subiu ao palco do Théâtre Claude Debussy para desejar a todos um bom festival. E ele pediu a jornalistas de todo o mundo que posassem para uma foto ?de família?, colocando os óculos especiais - além de animação, Up é em 3-D. Cannes entrou alegremente na terceira dimensão.

Muitos analistas veem no recurso o futuro do cinema porque a 3-D resiste à pirataria. Mas Up quase não se assemelha a um filme em terceira dimensão. Na maioria das vezes - horror ou remakes -, esses filmes abusam dos efeitos. Eles existem, claro, mas são perfeitamente ajustados à história e não meros pretextos para provocar exclamações do público. E a Pixar ainda consegue surpreender. Duvidam? Os 15 ou 20 minutos iniciais de Up são admiráveis, beiram a obra-prima. O filme começa como um cinejornal, mostrando o efeito que tem, sobre um garoto, a existência de um aventureiro como esse que vai aos confins da América do Sul, representando ?o espírito da aventura? (nome de seu dirigível).

O aventureiro desaparece em busca de uma ave rara - acusado que foi de forjar um esqueleto falso. O menino encontra sua alma gêmea, cresce, casa-se. Ele e ela vivem uma vida inteira sonhando com a ida para esse paraíso mítico. Envelhecem, ela morre - o começo de Up não apenas confronta o espectador com a dor da perda, tema de animações clássicas, como Bambi e Dumbo, mas também passa uma sensação rara de tristeza que talvez faça desse desenho um programa para adultos. Só então a aventura - o velho e um garoto - começa. Essa segunda parte tem seu encanto - o vilão é surpreendente -, mas de alguma forma a grande inovação ficou no intimismo minimalista da parte inicial.

Anos atrás, outra animação, Shrek, da DreamWorks, já abriu o festival. O retorno à animação é para mostrar que Cannes, abrindo sua janela para o cinema do mundo, não tem preconceitos. O filme passa fora de concurso. Apenas dois filmes de produção norte-americana, Inglorious Bastards, de Quentin Tarantino, e Taking Woodstock, de Ang Lee, integram a competição, contra cinco no ano passado. Em compensação, muitos filmes asiáticos - chineses, coreanos, um japonês.
A crise não atingiu a organização, garante Thierry Frémaux. Os parceiros econômicos são sólidos, o número de credenciamentos até aumentou, mas o volume dos filmes comercializados no mercado é coisa para conferir somente daqui a 12 dias. Ele justifica sua preferência pelos asiáticos de maneira transparente - "A Ásia traz um frescor e uma inovação que renovam o fascínio dos cinéfilos." O primeiro filme da competição, ontem à noite, foi asiático - Noites de Embriaguês Primaveril (Nuits d?Ivresse Printanière), do chinês Lou Ye. A corrida pela Palma de Ouro (re)começou.

Na Croisette

Eva Longoria, Gong Li e Michelle Yeoh são as garotas L?Oréal e a marca é a grande patrocinadora do festival. Nenhuma delas era esperada para a montée des marches, a subida da escadaria do palais, na noite inaugural. O brilho da marca foi representado por Elizabeth Banks na abertura.

Uma recente pesquisa apontou Sophie Marceau como a estrela favorita dos franceses. Ela terá direito a todas as honras deste 62.º festival, mas a expectativa maior é por Angelina Jolie, que deve acompanhar o marido, Brad Pitt, na sessão de gala de Inglorious Bastards, de Quentin Tarantino, e Monica Bellucci, cujo marido, Vincent Cassel, estrela o representante brasileiro na mostra Um Certain Regard, À Deriva, de Heitor Dhalia. Mas há quem jure que a multidão vai enlouquecer quando Eric Cantona, o Sr. Futebol, pisar o tapete vermelho, com o filme Looking for Eric, de Ken Loach.

Houve uma grita generalizada porque o curta Partly Cloudy, que deve acompanhar as exibições de Up - Altas Aventuras nas telas de todo o mundo, não passou como complemento nem na sessão de imprensa nem na de gala. No tapete vermelho, o brilho ficou por conta de Charles Aznavour, que dubla o velho protagonista. O festival, por sinal, rende homenagem a dois astros da música - além de Aznavour, Johnny Hallyday vem mostrar Veangeance, o novo thriller de Johnnie To. Para isso, ele vai interromper o tour de seu show de despedida, um espetáculo de três horas, que está levando por toda a França.

Só como curiosidade: várias animações já foram exibidas no festival, mas apenas duas foram premiadas. La Planète Sauvage, de René Laloux, ganhou o prêmio especial do júri em 1973. Em 2007, outro prêmio do júri foi para Marjane Satrapi, por Persépolis.

Gaspar Noé volta à competição depois de provocar escândalo com a cena do estupro de Monica Bellucci em Irreversível, anos atrás. O diretor franco-argentino assina Soudain le Vide. Mal desembarcou em Cannes e já está fazendo barulho. O novo filme, Destricted, é pornográfico, uma história bem prazerosa de sexo explícito, promete o cineasta.

Além do júri que vai outorgar a Palma de Ouro, presidido por Isabelle Huppert, outros júris estarão ativos. O diretor italiano Paolo Sorrentino preside o júri da mostra Un Certain Regard. O ator Roschdy Zem é o presidente do júri que vai entregar a Palma de Ouro dos diretores estreantes, a Caméra d?Or. E Radu Mihaileanou vai atribuir o prêmio do Office Catholique International du Cinéma (Ocic).