quinta-feira, 21 de maio de 2009

QUEM ENTRA, SE DILMA SAI?

DEU NO EX-BLOG DE CESAR MAIA

(Recebido de publicitário de renome nacional, pós-graduado em comunicação política)

"O ex-blog já fez alguns comentários sobre a percepção do eleitor em relação a candidatos no Brasil. Realmente, se o perfil/imagem de um candidato de um partido é muito diferente de outro candidato do mesmo partido, não há razão nenhuma no eleitor brasileiro para que mantenha seu voto dentro desse partido. Lula é um personagem visto como de extração popular que subiu na vida. E, mesmo que já esteja de fato na classe média há mais de 25 anos, ou mais da metade de sua vida adulta, entendeu a importância de manter sua imagem de origem. E faz isto com raro talento de ator".

"Dilma é de outra 'família', assim como Dirceu, Palocci, Mercadante, Jacques Wagner, Tarso Genro, profissionais de classe média que se vestem, falam e pensam como classe média. É assim que o eleitor os vê. Por isso, será muito difícil Lula transferir votos para quaisquer deles, além do que, a máquina conduzirá. Seria algo como o ex-presidente Fernando Henrique pedir votos para a ex-senadora Benedita".

"Há apenas um nome para substituir Dilma (em minha visão, mal escolhida por Lula). Esse nome é o ministro Patrus Ananias. Ele pode não ser da família-imagem de primeiro grau de Lula, mas certamente é um primo de segundo grau. Pense num mineirinho de piada, com seu cigarrinho no canto da boca, ironicamente humilde e que tira sarro dos outros que se acham espertos. Se a origem de Lula é campesina, migrante, o mineirinho Patrus também é, só que do interior de Minas. Alguém como Mazzaroppi, para ajudar a visualizar".

"E ainda com a vantagem de ser o gestor do bolsa família. Mazzaroppi, desculpe, Patrus, como primo mineiro do retirante nordestino, absorverá votos transferidos de Lula, fora da máquina. Sei que os marqueteiros de estúdio dirão que ele não estará na linha dos senadores norte-americanos que eles se amarram. Tanto Kennedy quanto possível. Tanto Clinton quanto possível. Se quiser pode publicar no ex-blog, mas sem meu nome. Escrevi essa nota depois de ler seu comentário sobre a eleição presidencial".

Tempos de dúvidas

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

É sintomático dos tempos de dúvida que vivemos a maneira nada peremptória com que Lula tratou a questão da emenda constitucional para permitir que dispute um terceiro mandato consecutivo em 2010. Ao contrário das outras vezes, o presidente foi vago. Disse que não trabalha com essa hipótese porque: 1) Não existe terceiro mandato; 2) A Dilma está bem. O terceiro mandato consecutivo não existe até o momento em que for aprovada uma emenda constitucional permitindo, e já existem diversas iniciativas de partidos da base governista para a convocação de um referendo, a exemplo do que já foi feito na Venezuela e na Bolívia e será feito na Colômbia, onde o atual presidente, Álvaro Uribe, é tão ou mais popular do que Lula.

Como se vê, a tendência a permanecer no poder o mais possível não é característica da direita ou da esquerda, e nem mesmo da América Latina, e nem sempre uma questão de mudar a Constituição.

O líder russo Vladimir Putin deixou de ser presidente para se transformar em primeiro-ministro e continua dominando o poder. O argentino Néstor Kirchner, não podendo se recandidatar, colocou a mulher, Cristina, em seu lugar, e depois pretende voltar a governar o país. Tudo indica que não conseguirá, mas manipulou as regras do jogo a seu bel-prazer.

O PSDB patrocinou a implantação da reeleição no país, transformando Fernando Henrique Cardoso no primeiro presidente reeleito na História do Brasil, e namorou a ideia do terceiro mandato consecutivo do presidente, ou a implantação do parlamentarismo.

A primeira onda de tentativa de permanência estendida no poder estava a pleno vapor, com Alberto Fujimori, no Peru, e Carlos Menem, na Argentina, tentando manobras para viabilizar um terceiro mandato.

Assim como naquela época a companhia de Fujimori e Menem e a crise econômica tornaram a ideia de um terceiro mandato inviável politicamente, hoje a companhia de Chávez, Morales, Correa e Kirchner é o obstáculo maior à tentativa de aprovar a re-reeleição.

O presidente Lula é reconhecido na política internacional como um político de esquerda bastante pragmático e democrático, e por isso é elogiado. Segundo o sociólogo argentino Mariano Grondona, a possibilidade de reeleição eterna é a fronteira que separa o autoritarismo populista das democracias como Brasil, Chile e Uruguai.

Ele cita uma definição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - "Mais de dois mandatos é monarquia" - para dizer que os presidentes da região que assumiram o poder depois das ditaduras militares fizeram questão de manter intocada a Constituição, garantindo a possibilidade de alternância de poder, uma das bases da democracia representativa.

Em 1994, o primeiro sucessor democrático de Pinochet, Patricio Aylwin, recusou a possibilidade de uma reeleição imediata, criando um precedente que foi seguido por seus sucessores Frei, Lagos e Bachelet.

Em 1990, Julio Sanguinetti, no Uruguai, respeitou escrupulosamente a proibição de reeleição imediata, assim como seus sucessores Lacalle, Batlle e Tabaré Vázquez.

À medida que fica mais real a possibilidade de a ministra Dilma Rousseff não estar em condições físicas para disputar uma campanha presidencial, cresce a angústia da base aliada do presidente Lula, e é previsível que as pressões para que aceite uma mudança das regras do jogo aumentem.

Os dois partidos que monopolizam a política brasileira nos últimos 20 anos, PT e PSDB, vivem o mesmo dilema: o que perder a próxima eleição corre o risco de ficar fora do poder pelos próximos oito anos.

No momento, a situação dos tucanos é mais delicada, porque já estão na oposição há oito anos e correm o risco de se dissolver se perderem a eleição presidencial e não conseguirem manter o controle dos estados que lhes dão sustentação política a nível nacional, São Paulo e Minas.

O PT, que provou o gostinho do poder e tem como característica política o aparelhamento da máquina do Estado, não quer abrir mão das posições que conquistou. E Lula é a única garantia de isso acontecer.

Se chegar o momento, Lula terá que decidir entre a sua história política e a do PT. Se, ao contrário, a ministra Dilma Rousseff tiver condições físicas de enfrentar a campanha, Lula terá feito tudo o que estava a seu alcance para garantir a continuidade sem macular sua imagem.

Mundo perigoso

As discussões do governo dos Estados Unidos com os de Israel e Paquistão, que se desenvolveram com mais intensidade nos últimos dias, têm um pano de fundo assustador. O governo brasileiro tem informações de que o Paquistão admite extraoficialmente ter perdido o controle de pelo menos 25 mísseis, o que torna a situação na região altamente problemática.

Essas armas estavam em uma região próxima do Afeganistão, e o temor é que os talibãs tenham se apoderado pelo menos de algumas delas.

A cada míssil que o Irã lança ao ar, cresce o temor de que o país possa usar seus conhecimentos nucleares, que ninguém sabe ainda em que nível estão, contra Israel.

Uma conta simples mostra a que nível de periculosidade as coisas chegaram. Quando havia a guerra fria, um míssil levava em média cerca de meia hora para atingir o alvo.

Tempo suficiente para que os governos dos Estados Unidos e da União Soviética negociassem uma reversão do míssil ou o interceptassem.

Na crise de Cuba, em 1961, pela primeira vez na história, os mísseis soviéticos estavam a sete minutos dos Estados Unidos, o que define a gravidade da situação que acabou contornada.

Hoje, um míssil do Paquistão para a Índia ou vive-versa está de três a cinco minutos do alvo, assim como do Irã para Israel ou ao contrário. Um tempo que não dá condições para recuos estratégicos.

Em casa de enforcado

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O governo federal sabe exatamente onde lhe aperta o sapato. No momento, o calo mais dolorido é a CPI da Petrobrás: embora tenha tudo para dar em nada, se algo der errado, o dano poderá ser oceânico. Daqueles de estragar fim de mandato e macular o registro para a História.

Para isso, basta que surja um fato arrasador. Não necessariamente decorrente do esforço de investigação dos parlamentares. Pode aparecer de várias formas.

A mais comum é a oferenda especial de algum setor, ou de alguém, cujos interesses foram contrariados pela dinâmica do aparelho.

Motivações estas escusas ou legítimas, seu potencial destruidor é diretamente proporcional ao peso e, sobretudo, à veracidade do material fornecido.

Como o espectro da CPI é amplo - vai de fraudes em contratos a sonegação de impostos, passando por superfaturamento de obras e repasses de verbas a entidades amigas -, a chance de aparecer um papel comprometedor em alguma das áreas alvo, não é pequena.

E uma coisa são escândalos no campo das relações políticas, onde a "sujeira" é vista por muitos (equivocados) como um mal necessário. Outra seria a comprovação da ocorrência de ilícitos no âmbito a empresa símbolo da eficiência no País.

O PT velho de guerra no embate de comissões de inquérito e no manejo de dossiês sabe como a coisa funciona.

Tanto sabe que resolveu jogar pesado. Passado o primeiro impacto do susto aplicado pelo PSDB, que o governo calculou (mal) observaria algum resguardo durante o tratamento de saúde da ministra Dilma Rousseff, o Planalto partiu para a luta em várias frentes.

Na parlamentar, fala macio, admitindo até negociar com a oposição os postos-chave (relatoria e presidência) da CPI. Na social, mostra os dentes bem afiados no discurso segundo o qual uma CPI para investigar a Petrobrás é uma CPI "contra o Brasil", como resumiu o ministro do Trabalho, Carlos Lupi.

A ideia óbvia é tirar vantagem da boa imagem da empresa, se apropriar do simbolismo e confundir-se com a marca. Assim, "preservar a Petrobrás" passa a significar manter as ações dos administradores da empresa impermeáveis à fiscalização.

A título de ilustração, guardadas todas as proporções, Fernando Collor fez mais ou menos o mesmo tipo de movimento quando, ameaçado pela CPI do PC, nos idos de 1992, chamou o povo às ruas para defender o governo do Brasil.

Politicamente tosco e socialmente desprovido de sustentação, o então presidente conseguiu que as pessoas se mobilizassem sim, mas para defender-se do governo dele.

No mérito, a situação é totalmente diferente. Nem o presidente Lula está na berlinda nem há risco de ocorrer um efeito bumerangue como aquele que atingiu Collor direto na nuca. Primeiro, porque não há o sentimento de rejeição na sociedade e, depois, o atual governo tem base social organizada e, nessas horas, conta com ela no papel de voz das ruas.

Tanto lá como cá, o enrosco se dá no Congresso. Collor havia perdido o Parlamento. Lula mantém o apoio da maioria embora não exerça sobre ela controle suficiente para pisar no terreno com a segurança de que conseguirá se desviar de todas as minas.

Lá, o Congresso preparava-se para afastar o presidente do poder. Aqui, não é isso que está em jogo. É a própria imagem do Parlamento que se vê diante de uma chance de emergir da lama do descrédito em que está submerso.

Para isso, muita gente - governista inclusive, senão principalmente - não hesita em fazer da cabeça do Planalto uma escora e, à medida que a empurra para baixo, impulsiona o próprio corpo para cima.

No Legislativo existem biografias a mancheias no aguardo de oportunidade como essa para uma recauchutagem geral.

Aí é que mora o perigo de algo sair fora da linha. Daí surge a necessidade de tentar se socorrer também na força chamada batalha da comunicação. É um risco de parte a parte, claro.

A oposição pode sucumbir se nela pegar o carimbo de inimiga da Petrobrás, do País, da recuperação da crise. Mas o governo pode também ser vitimado por desvantagens inexistentes quando da espetacular recuperação do baque os escândalos da era mensalão.

Há o fim do governo no horizonte visível, há o desacerto na base de sustentação, há as divergências pré-eleitorais entre PT e PMDB, há o enfraquecimento dos petistas como força política incentivado pelo próprio governo, há os interesses escusos dos aliados, há a insegurança na perspectiva de poder no campo governista e há uma oposição que - a despeito de preferir panos quentes a lâminas frias - tem agora muito mais razões para acirrar e bem menos disposição de amenizar.

Em 2005, quando optou por fazer-se de surda à confissão do publicitário Duda Mendonça de que havia sido pago por meio de caixa 2 para trabalhar na campanha presidencial de Lula em 2002, o PSDB jogou movido pelo medo - quase certeza - de perder o embate com Lula em 2006.

Hoje, joga alimentado pela vontade - quase certeza - de ganhar a Presidência em 2010.

Lula rejeita 3º mandato, mas aliados se movem

Cláudia Trevisan e João Domingos
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Lula descartou em Pequim a ideia de disputar um terceiro mandato diante da eventual inviabilidade da candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que faz tratamento quimioterápico. "Não discuto essa hipótese. Porque não tem terceiro mandato e porque a Dilma está bem." Mas, em Brasília, aliados continuam a se movimentar no Congresso para lhe dar a chance de uma nova reeleição.

Lula descarta tese do 3º mandato, mas aliados se movimentam no Congresso

Presidente dá declaração enfática em Pequim, enquanto aliado coleta assinaturas para propor mudança na lei

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva descartou enfaticamente ontem em Pequim a possibilidade de disputar um terceiro mandato, diante da eventual inviabilidade da candidatura presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, por conta de seu estado de saúde. "Eu não discuto essa hipótese. Primeiro, porque não tem terceiro mandato e, segundo, porque a Dilma está bem", afirmou Lula pela manhã, pouco antes de deixar a China rumo à Turquia.

Lula disse que conversou ontem à noite com o médico da ministra, Roberto Kalil, e foi informado de que as dores haviam passado. "Foi uma reação à quimioterapia e os médicos disseram que não tem nenhum problema", observou. "A Dilma vai fazer a quimioterapia dela, mas ela está totalmente curada. Não tem problema."

A ministra foi internada na madrugada de terça-feira no Hospital Sírio Libanês em São Paulo com fortes dores na perna, efeito colateral da quimioterapia a que ela se submete. Dilma teve alta ontem, mas deve reduzir seu ritmo de trabalho.

Mesmo com as declarações enfáticas de Lula em Pequim, em Brasília, a parte da base aliada ao Planalto que defende mais uma reeleição para o presidente não se desarmou no Congresso. O deputado Jackson Barreto (PMDB-SE) continuou ontem a coletar assinaturas para sua proposta de emenda constitucional, que se aprovada possibilitará a Lula a sexta candidatura consecutiva desde o fim da ditadura militar.

"Já tenho 178 assinaturas de apoio ao projeto e um monte de gente querendo aderir", disse Barreto, que pretende apresentar a proposta no fim do mês. Já o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) informou que não mais apresentará seu projeto de convocação de plebiscito para a população decidir se quer ou não um terceiro mandato para Lula. "Ele me desautorizou a continuar. Então, não existe mais nenhum projeto Devanir Ribeiro."

Mesmo com as advertências de Lula, e com a desistência de Devanir, o deputado Carlos Willian (PTC-MG) faz clara defesa de um terceiro mandato para todos que encontra, assim como Fernando Marroni (PT-RS).

Para completar o pacote, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) apresentou ontem projeto que muda a Lei Eleitoral e reduz de um ano para seis meses o prazo para a troca de partidos. Assim, em vez de todos se definirem até setembro, como determina a lei, poderiam fazer as mudanças até abril.

"O que quis foi dar uma chance a todos para que possam optar pelo partido já bem próximo da eleição", explicou Cunha. Na prática, serviria, por exemplo, para uma hipotética mudança de partido por parte do governador de Minas, Aécio Neves, caso seja preterido pelo PSDB para disputar a Presidência.

NA LINHA DE FRENTE

Jackson Barreto (PMDB-SE)

Prepara uma emenda constitucional que autorizaria o presidente Lula a disputar um novo mandato

Devanir Ribeiro (PT-SP)

Primeiro a defender a ideia, nunca chegou a apresentar a emenda constitucional que poderá dar ao presidente condições de concorrer novamente

Fernando Marroni (PT-RS)

Vem defendendo publicamente mais um mandato para Lula, mas foi desautorizado por colegas de partido

Carlos Willian (PTC-MG)

É outro que propaga a necessidade de dar mais um mandato para o presidente Lula

Reforma política: a hora é agora

Alexandre Postal
DEU NO ZERO HORA (RS)


As campanhas eleitorais recentes, somadas às frequentes denúncias de irregularidades de toda ordem, colocam em evidência o esgotamento do atual sistema político-eleitoral brasileiro. As distorções advindas das regras eleitorais vigentes se manifestam no domínio do poder econômico, na pequena renovação dos parlamentos, na prevalência da individualidade sobre os partidos, na corrupção e nos crimes eleitorais, tudo isto corroendo a credibilidade dos agentes políticos e dos partidos.

Em tal contexto coloca-se a necessidade e urgência de uma reforma política. As principais propostas em debate no Congresso são o financiamento público das campanhas, o voto em lista fechada, o voto distrital misto, a coerência das coligações partidárias, a fidelidade partidária, cláusulas de barreira à proliferação de partidos inexpressivos.

Enquanto o financiamento público das campanhas garante um mínimo de ética ao processo eleitoral, o sistema de voto em lista fechada, elaborada pelos partidos, reduzirá o custo das campanhas e obrigará os cidadãos a terem participação na vida política e partidária, num saudável processo de revalorização do exercício da cidadania, dos partidos, da política e, portanto, da própria democracia.

E o voto distrital misto, por sua vez, irá assegurar a conexão entre a ação parlamentar do eleito com as intenções dos eleitores de sua região, garantir um canal aberto e efetivo para as reivindicações regionais e estimular o acompanhamento e avaliação da atuação durante o mandato.

Logo após as últimas eleições municipais, denunciamos, da tribuna da Assembleia Legislativa, as gravíssimas distorções do processo eleitoral e todas as suas desastrosas consequências. Várias lideranças se pronunciaram na mesma direção, do que resultou documento aprovado e assinado pelos 55 deputados integrantes da Casa pedindo urgência na reforma política, que foi entregue, em novembro passado, ao presidente Lula, ao ministro da Justiça e aos presidentes do Senado e da Câmara.

Agora, para que a reforma política em pauta no Congresso possa vencer resistências e ser aprovada, é necessário que os partidos e a sociedade civil, em todos os níveis, reúnam forças e se mobilizem, pressionando seus representantes na Câmara e no Senado.

A reforma política não resolverá todos os problemas do país, mas será um passo importante no caminho da ética e do fortalecimento da democracia brasileira.

*Deputado estadual (PMDB), ex-secretário de Estado dos Transportes

Congresso foca mudanças em lei eleitoral

Raquel Ulhôa, de Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A forte reação de pequenos partidos da base governista contra a adoção do voto em lista fechada de candidatos nas eleições proporcionais levou PT e PMDB a recuarem do apoio à proposta, para evitar desagregação dos aliados neste ano pré-eleitoral. Os governistas tentarão adiar a discussão do tema. Agora, PT e PMDB estão envolvidos em outra articulação com a oposição, dessa vez para mudar a legislação eleitoral. A nova lei terá de ser aprovada até setembro deste ano para vigorar em 2010. A iniciativa foi do líder do PSDB, José Aníbal (SP), que reuniu ontem, em sua casa, líderes dos grandes partidos, governistas e da oposição, e lançou a proposta - apoiada por todos.

A ideia é regulamentar questões que estão preocupando os partidos, como a propaganda eleitoral na internet. A rede de computadores hoje está equiparada ao rádio e televisão pela lei eleitoral, o que significa proibição de campanha antes de 5 de julho do ano eleitoral. Também querem normatizar a campanha dos pré-candidatos - antes da oficialização das candidaturas nas convenções partidárias, que só se realizam em junho do ano eleitoral. Pela legislação atual, a campanha só pode começar depois da convenção, deixando dúvidas quanto a itens como despesas e doações.

Essa articulação pela reforma eleitoral ocorre em paralelo às discussões da reforma política. O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), reúne hoje em sua casa os líderes partidários para discutir o encaminhamento a ser dado à proposta elaborada pelo deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) - por delegação do próprio Temer -, que inclui o voto em lista de candidatos (sistema pelo qual o eleitor vota no partido e não mais diretamente no candidato) e financiamento público exclusivo de campanha.

O líder do PT, Cândido Vaccarezza (SP), vai pedir que o tema não seja tratado "até ser criado melhor consenso". A tese da adoção da lista nas eleições proporcionais foi detonada pelos líderes de partidos aliados como PSB, PR, PP e PTB em jantar na terça-feira, com o ministro José Múcio Monteiro (Relações Institucionais), na casa do deputado Ricardo Barros (PP-PR), vice-líder do governo na Câmara. Sandro Mabel (PR-GO) e Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) disseram que suas bancadas iriam obstruir as votações, caso os grandes partidos levassem adiante o projeto da lista de candidatos.

Diante da manifestação desses partidos, o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), afirmou que seu partido é majoritariamente favorável à lista, mas poderia até rever a posição para evitar divisão entre os aliados. Afirmou que a prioridade é manter a base unida em torno da candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) à Presidência da República.

Múcio reafirmou a importância de manter a base unida em torno da construção da candidatura de Dilma. Rollemberg fez questão de registrar que o PSB tem pré-candidato próprio, o deputado Ciro Gomes (CE), e não tem compromisso com outra candidatura. O líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS), informou que o PT havia fechado questão a favor da lista, mas poderia rediscutir o assunto, para evitar um racha na base. Os líderes não chegaram a um acordo sobre a possibilidade de tramitação apenas do financiamento público.

Ironicamente, no momento em que a base governista se divide em relação à lista de candidatos, a tese ganhou mais adeptos no PSDB, partido que está dividido sobre o tema. Levantamento dos tucanos mostra que cerca de 40 dos 58 deputados da bancada defende a proposta. Os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), pré-candidatos a presidente, estariam a favor. Pelo sistema, o eleitor vota no partido, que tem uma lista de nomes. São eleitos para as vagas do partido os mais votados da lista. Seus defensores advogam que a consequência seria o fortalecimento dos partidos.

A reunião de hoje na casa de Temer deve definir um rumo para essa proposta parcial de reforma política, que inclui também o financiamento público e começou a ser elaborada com aval de PMDB, PT, DEM, PC do B e PPS. Entre parlamentares, há críticas à forma como Temer conduziu o assunto. Ele designou um grupo supra-partidário para elaborar a proposta, que agiu de forma precipitada ao divulgá-la sem a costura política necessária.

No jantar dos partidos governistas, ganhou força proposta do deputado José Genoino (PT-SP) de convocação de congresso constituinte revisor em 2011, para tratar exclusivamente da reforma política. Genoino já tem a proposta de emenda constitucional (PEC) pronta. A ideia é que a mudança do sistema político-partidário seja feita após a próxima eleição, para valer a partir de 2014. As propostas seriam aprovadas por maioria absoluta em reunião unicameral.

Paralelamente à discussão das reformas política e eleitoral, acaba de surgir novo projeto de lei, que reduz de um ano para seis meses o prazo de filiação partidária para quem quiser disputar as eleições de 2010. O autor é o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que coletou assinatura dos líderes para o pedido de urgência na tramitação.

Pela legislação atual, o político tem que estar filiado ao partido pelo qual pretende disputar a eleição até setembro de 2009. Com a mudança proposta por Cunha - que já encontra oposição no PT - o candidato ganha prazo até março de 2010. Essa redução no prazo mínimo de filiação é vista com entusiasmo por pemedebistas que sonham em ver Aécio como candidato do PMDB a presidente.

Diante de uma derrota do governador mineiro em eventual escolha do PSDB - marcada pelos tucanos para ocorrer de dezembro a fevereiro, se houver prévias -, Aécio teria tempo de trocar de partido. Defensores da candidatura Dilma também veem vantagens, já que haveria mais tempo para avaliação do quadro político e eventuais mudanças partidárias.

Acordo dá mais 6 meses para troca de partido

Cristiane Jungblut
DEU EM O GLOBO

Na contramão da ideia de melhorar práticas políticas, o Congresso está prestes a dar um passo atrás; acordo reduzirá de um ano para seis meses o prazo de filiação partidária.

Base quer mais tempo para troca de partido

SUCESSÃO

Líderes de legendas aliadas do governo decidem tentar sepultar proposta de voto em lista fechada

Com a constatação entre os líderes da base aliada de que não há consenso para levar a reforma política adiante, o PMDB saiu na frente e propôs reduzir de um ano para seis meses o prazo mínimo de filiação partidária para concorrer às eleições. O projeto, apoiado por líderes governistas, foi apresentado ontem pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com pedido de tramitação em caráter de urgência. Se aprovado a tempo, poderá valer já para 2010. Em reunião na noite de anteontem, os líderes dos partidos aliados também praticamente sepultaram a proposta de adoção do sistema de voto em lista fechada para as eleições proporcionais. O destino da reforma política será decidido hoje, em reunião dos líderes com o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP).

Segundo parlamentares de diferentes partidos, a lista fechada "está morta". A avaliação é que o assunto racha a base e que nada deve ser feito para aprofundar essa divisão num momento pré-eleitoral.

No caso do novo prazo de filiação partidária, Eduardo Cunha propõe que o prazo final de filiação passe de setembro do ano anterior para março do ano da eleição. O projeto altera o artigo 9º da lei 9.504, que passaria a ter o seguinte texto: "Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, seis meses antes do pleito e estar com a filiação deferida pelo partido no mesmo prazo".

Cunha alegou que não está modificando regras e punições sobre infidelidade partidária, mas admitiu que, na prática, o castigo será reduzido ou pode nem acontecer. Hoje, se o político mudar de partido num prazo menor do que um ano antes da eleição, ele é punido inclusive com a perda de mandato por infidelidade partidária.

Na prática, ao aproximar da eleição o prazo de filiação, o projeto dificulta à Justiça Eleitoral analisar e julgar o caso de um deputado acusado de infidelidade, por exemplo. O processo teria de ser concluído em no máximo seis meses, o que quase nunca acontece. Além disso, a proposta faz coincidir os prazos de filiação com o de desincompatibilização dos candidatos que ocupam cargos majoritários (como presidente, governadores e prefeitos) e pretendem disputar outros postos.

- O objetivo é dar mais tempo (para os políticos decidirem sobre filiação). O quadro político é muito dinâmico, não dá para ficar preso em um ano. O político vai decidir mais próximo da eleição o que fazer, se trocar ou se filiar a um partido - disse Cunha.

Perguntado se estava alterando as regras sobre infidelidade partidária, o deputado negou, mas reconheceu que o projeto terá reflexos, na prática, sobre punições:

- Quero deixar claro que não acabei com a questão da fidelidade partidária, até porque ela é uma interpretação do Supremo Tribunal Federal e sou favorável a ela. Mas o deputado poderá ser punido por seis meses de infidelidade.

Em 2007, decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do STF reafirmaram que o mandato pertence ao partido e que a troca injustificada de legenda implicaria perda do mandato. Isto é, eleito por um partido, o político deve ficar nele até o fim do mandato. Se mudar de legenda, o partido tem o direito de tentar reaver a vaga na Justiça Eleitoral. A medida acabou com o troca-troca, que ocorria principalmente no fim do mandato, para disputar nova eleição, ou no início, rumo a siglas governistas.

Na justificativa do projeto, Cunha argumenta que "diminuir o prazo de filiação partidária permitirá que os agentes políticos analisem sua realidade em função das mudanças que poderão advir".

A proposta levantou especulações sobre o quadro para a sucessão presidencial e se ela serviria a interesses de parte do PMDB, por exemplo, que sonha em atrair o tucano Aécio Neves, governador de Minas. Aécio, que disputa com o governador de São Paulo, José Serra, a indicação do PSDB para ser o candidato à Presidência, ganharia tempo para se decidir e poderia nem ser punido, caso optasse pela mudança de partido, possibilidade que ele nega com veemência. Mas o PMDB está armando todos os cenários para 2010.

- É uma proposta do PMDB - disse Cunha, sobre o projeto.

O líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP), disse que assinou a urgência, mas é contra a ideia.

- É praxe assinar. Sou contra porque deve ser regulamentado por lei específica - disse Vaccarezza, defendendo uma proposta ampla sobre legislação eleitoral.

PMDB fala em mais quatro anos para Lula

Ugo Braga e Daniel Pereira
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Jantar na casa do líder do partido na Câmara expõe apoio da cúpula ao terceiro mandato para presidente da República

À mesa do PMDB, o 3º mandato

Em jantar na casa do líder na Câmara, grupo de parlamentares que controla o partido fecha posição a favor da PEC que garante a Lula o direito de se rerreeleger. Proposta deve ser protocolada até semana que vem

Maior partido do Congresso, o PMDB engajou-se ontem à noite no cordão do terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um jantar oferecido à cúpula pelo líder na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), apressou a tomada de posição. O anfitrião é também o advogado da tese segundo a qual é preciso “partir para cima, para o terceiro mandato do Lula”, nas palavras dele mesmo, reproduzidas ao Correio por um dos comensais.

Embora não falem por questão de pudor, os caciques do PMDB estão incomodados com a doença da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Escolhida por Lula para representar o PT na eleição presidencial do ano que vem, ela descobriu um tumor maligno no sistema linfático. Já o removeu. Mas sofre com a quimioterapia. Pragmáticos, os políticos duvidam que ela vá ter saúde para enfrentar a campanha eleitoral. Acham que, sem ela, não há tempo hábil para forjar outro candidato. A solução mais fácil para todos manterem ou ampliarem o poder, dizem quando não há jornalistas por perto, é mudar a Constituição e permitir uma segunda reeleição ao presidente da República, aos governadores e aos prefeitos.

Uma primeira e sigilosa conversa sobre o assunto aconteceu há 15 dias, na casa do presidente da Câmara, Michel Temer (SP), também peemedebista, também presente ao jantar de ontem. Nela, Henrique Eduardo Alves apresentou pela primeira vez e com entusiasmo a ideia de pôr o gigantismo do PMDB a favor do terceiro mandato. Desde então, o grupo de deputados que controla a sigla — nele incluído o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima — vem amadurecendo a ideia em conversas sussurradas entre si, embora mantivesse outra posição de público.

Em princípio, o jantar na casa de Eduardo Alves reuniria somente essa espécie de núcleo duro do terceiro mandato. Mas um movimento de bastidor ainda não identificado ampliou a reunião. Foram chamados então o deputado Jackson Barreto (PMDB-SE), o ministro Hélio Costa e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

Barreto redigiu uma proposta de emenda constitucional (PEC) abrindo a brecha da rerreeleição. Diz ter 188 assinaturas de apoio — 17 a mais do que o necessário — e promete protocolar o documento na Secretaria-Geral da Câmara até o fim da próxima semana. “Será bom para todo mundo, para o governo e para a oposição”, defende.

No jantar, o papel designado a Barreto era esmiuçar sua proposta para a plateia. Antes, porém, o grupo tratou de mapear a situação política nos estados para levar a Lula uma espécie de lista de sacrifícios, onde quer que o PT abra espaço para peemedebistas (veja quadro).

Quanto aos sacrifícios para o PT, é algo factível. Tal política vem sendo defendida pelo próprio Lula e pelo ex-ministro José Dirceu, ainda hoje uma eminência parda entre os petistas. Lula está mais preocupado em não rifar Dilma do que em articular a seu próprio favor. Em visita oficial a Pequim, declarou não discutir a hipótese do terceiro mandato. “Primeiro porque não tem terceiro mandato. Segundo, porque a Dilma está bem”, insistiu.

DESCRÉDITO

O governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), afirmou ontem não acreditar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha a intenção de partir para um terceiro mandato. O mineiro disse que, em todas as conversas sobre o assunto que teve com o petista, sentiu que ele descarta essa possibilidade. “Seria uma violência com a sua própria biografia”, afirmou. Ainda segundo Aécio, a hipótese também significaria uma violência contra a democracia e não haveria tempo hábil para aprovação de norma neste sentido no Congresso. Para o governador, a possibilidade parte de “setores do PT que sempre tiveram muitas dúvidas sobre as possibilidades reais de vitória do PT na sucessão do presidente Lula”.

OBSTÁCULOS

Peemedebistas querem sacrifícios do PT em pelo menos quatro estados

Rio Grande do Sul

O deputado Eliseu Padilha é candidato ao Senado e quer o apoio dos petistas
Minas Gerais

O ministro Hélio Costa é candidato ao governo e conta com o apoio dos petistas

Paraná

O governador Roberto Requião é candidato ao Senado e quer que os petistas o apoiem e não lancem Gleisi Hoffmann para a vaga

Bahia

O ministro Geddel Vieira Lima quer apoio do PT para lançar-se como candidato único de uma grande frente de partidos ao Senado

Terceiro mandato é ideia de setores do PT, critica Aécio

Eduardo Kattah e Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para o mineiro, aprovação do projeto seria violência contra democracia

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), disse ontem que a retomada da especulação sobre um terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ser atribuída a setores do PT que "sempre tiveram muitas dúvidas" das "possibilidades reais de vitória" da pré-candidata do partido, a ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, em 2010.

Aécio reiterou que não acredita que Lula embarque na tese, algo que para ele representaria uma "violência" à democracia e com sua própria biografia. Segundo o governador, também não há mais "tempo hábil" para que a eventual proposta seja aprovada no Congresso.

"Em todas as conversas que eu tive com o presidente eu percebi com muita sinceridade que ele descarta essa possibilidade. Seria, na verdade, acho que uma violência com a sua própria biografia", afirmou o governador, após um almoço com o prefeito de Curitiba, Beto Richa (PSDB).

No início do mês, durante viagem à Espanha, Aécio disse ao jornal El País que considerava "improvável" a tese de terceiro mandato, mas manifestou a crença de que Lula voltará a concorrer à Presidência após deixar o Palácio do Planalto.

No momento, ele avalia que a hipótese de terceiro mandato "inexiste". "Para que existisse, teria que ter a participação clara e efetiva do governo federal, que eu sinceramente acredito que nesse momento não ocorre", ressaltou. "Percebo que os mesmos setores do PT que sempre tiveram muitas dúvidas sobre as possibilidades reais de vitória do PT na sucessão do presidente Lula volta e meia aventam essa possibilidade."

O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), não quis comentar especulações sobre o terceiro mandato. "Não. Não. Eu não vou falar de política", disse ontem o paulista, durante um evento de governo.

IMBATÍVEL

Aécio, que disputa com Serra a indicação como presidenciável tucano, manteve sua agenda política no Palácio Mangabeiras.

Ele discutiu com Richa a agenda do partido. Evitou, no entanto, dar detalhes do encontro com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que pernoitou de segunda para terça-feira no Mangabeiras.

FHC foi apontado como articulador de um entendimento entre Aécio e Serra para uma chapa puro-sangue. "O que ele me disse logo que chegou foi que se surpreendeu com aquelas notícias", afirmou Aécio.

Porém, ao lado do governador mineiro, Richa disse que considera a chapa "imbatível". "Quem vai estar na cabeça, quem vai estar de vice, não se sabe", afirmou.

Incerteza maior sobre candidatura de Dilma e a CPI/Petrobras aumentam o peso do PMDB

Jarbas de Holanda
Jornalista

A inesperada internação hospitalar de Dilma Rousseff, acometida de fortes dores nas pernas, reforça as dúvidas acerca da viabilidade de sua candidatura presidencial – no PMDB, no próprio PT, no conjunto da base governista – e impõe a necessidade de veementes manifestações oficiais reduzindo ou reiterando a negação de problemas com a saúde dela, ao mesmo tempo em que abre espaço ou amplia articulações (por enquanto assumidas apenas por atores menores da cena política) voltadas para um terceiro mandato de Lula, por meio de mudança constitucional e de um referendo. A relação entre o tratamento médico da ministra e a retomada desse projeto já foi avaliada no Top Mail anterior, cuja abertura é reproduzida ao lado, em box.

A soma dessas dúvidas com a criação, também inesperada, da CPI (cujo objetivo é apurar várias denúncias de irregularidades que pesam contra a direção de Petrobras) agravou as dificuldades políticas conjunturais defrontadas pelo Palácio do Planalto. O projeto oposicionista da comissão de inquérito, conectado originalmente com ações do Tribunal de Contas da União e da Polícia Federal a respeito de contratos de obras e da construção de plataformas da estatal, ganhou força com a condenação pela Receita Federal da mudança no meio do exercício fiscal dos critérios usados pela direção da Petrobras para pagamento de impostos, obtendo com isso R$ 4,3 bilhões de compensação tributária, e com a reação dos governadores a um dos efeitos da alteração – grande queda do repasse de recursos da Cide a estados e municípios. A esses e outros “fatos determinados”, a CPI agregará denúncias do desvio de vultosos recursos para patrocínio de eventos político-eleitorais, sobretudo nos estados dos presidentes da estatal e da BR Distribuidora, Bahia e Sergipe.

Entre as reações do Planalto à iniciativa oposicionista desencadeada pelo PSDB – ademais de decisões para o controle da investigação parlamentar pela base governista e para seu esvaziamento, este podendo ser facilitado pela baixa credibilidade atual do Congresso – destacam-se sucessivas entrevistas do presidente Lula (em cada uma das escalas da viagem a Arábia Saudita, China e Turquia, e dirigindo-se especialmente a agentes econômicos), qualificando a criação da CPI de “irresponsável e antipatriótica” por afetar a empresa classificada “como maior instrumento do país contra os efeitos da crise”. Outro alvo dessa reação, o eleitorado lulista, inspirou o ataque a CPI formulado pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo: ela constituiria uma tentativa de “desmoralização da estatal, para que possa ser privatizada”, o que reportagem da Folha de S. Paulo tratou como “reedição da estratégia utilizada durante a campanha de reeleição”, quando Lula acusou Geraldo Alckmin de querer privatizar o Banco do Brasil e a Petrobras.

As dúvidas persistentes, e acentuadas, sobre a viabilidade da candidatura da ministra Dilma, de par com a batalha a ser travada em torno da CPI, tornam o governo e os planos de Lula para a eleição presidencial ainda mais dependentes do PMDB. O Globo de ontem destacou que “O governo tem maioria e quer controlar a CPI, mas ficará refém da tropa de choque de Renan; Collor também participará”. Um preço, menor, cobrável pelo partido será o de representação e influência bem mais amplas na estatal petrolífera, com a redução da hegemonia exercida lá pelo PT. Porém, bem mais que isso e de novos cargos em outros órgãos da máquina federal, o que as duas alas governistas do PMDB querem é capitalizar esses dois fatores da conjuntura para passar a ter presença expressiva no núcleo de decisões do Palácio do Planalto, tendo em vista os pleitos de 2010 – na montagem das alianças estaduais e, sobretudo, da disputa da presidência da República. A fim de que, nas definições delas, o comando da legenda possa dispor de várias opções: distanciamento entre as candidaturas da oposição e do governo; apoio à de Dilma Rousseff ou a uma que a substitua, neste caso com possibilidade de um nome indicado pelo partido; ou apoio à do próprio Lula, se o Congresso viesse a aprovar uma segunda reeleição dele (o que dependeria ou dependerá basicamente das bancadas peemedebistas) e se uma consulta popular a confirmasse, num contexto em que o Judiciário não a bloqueasse, o que hoje não parece provável, e apesar de grande resistência da mídia representando a parte do eleitorado constituída pela opinião pública.

Economia, saúde de Dilma, sucessão

As incertezas sobre o comportamento da economia persistem, alimentadas por indicadores contraditórios. De um lado, por exemplo, a esperada nova queda do PIB no primeiro trimestre de 2009, a ser anunciada proximamente e, ao repetir o ocorrido no último de 2008, configuradora de recessão técnica. De outro, expressivo retorno de capital externo, de par com previsões como a do respeitado economista Afonso Celso Pastore (domingo no Estadão) de que, embora o país venha a ter crescimento negativo este ano, em torno de -1%, já deverá estar crescendo entre 3,5% e 4,5% no trimestre final. Mas, para as principais forças políticas – ligadas ao governo ou oposicionistas – essas incertezas vão deixando de representar condicionamento relevante dos passos voltados à sucessão presidencial de 2010. Passando a ser substituídas, como tal, pela emergência de variável absolutamente inesperada – a expectativa dos resultados da quimioterapia a que se submete a pré-candidata do presidente Lula, ministra Dilma Rousseff.
Os quais, na hipótese menos provável, e indesejável, de serem ruins, recolocariam na agenda político-institucional o abandonado projeto de disputa por Lula de um terceiro mandato.

Lei das CPIs

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Tantas CPIs depois, o país já sabe que há uma lei geral sobre o tema. Os governos nunca querem as CPIs e tentam controlar todos os postos-chaves; as oposições sempre querem colocar o governo na berlinda e são ajudadas pelas divisões da base aliada. Em algumas, surgem denúncias e depoimentos espantosos. Poucas produzem efeitos concretos. Nenhuma provoca o fim do mundo.

O STF, consultado, respondeu: CPI é um direito da minoria. Tem gente que acha que o Congresso tem apenas que votar leis - há congressistas que pensam que é apenas viajar a passeio, mas isso é outra história -, só que uma das funções do Legislativo é fiscalizar o Executivo, e um dos instrumentos é a comissão parlamentar.

Por isso, entende-se essa luta dentro do Congresso, de a base do governo - de Collor de Mello a Renan Calheiros, entre outros menos votados - tentar ocupar os espaços. Da mesma forma que a minoria tenta garantir a regra de que o autor do requerimento tenha, pelo menos, uma das duas posições mais importantes.

O que não dá para entender são os apelos patrióticos contra a CPI. A Petrobras não sairá de lá desmoralizada, não perderá reputação, não terá o mercado de capitais fechado para ela. Não é ela que está sendo analisada, mas sim a atual administração, por seus supostos erros e omissões.

A Petrobras não é a Geni. É a maior empresa do país, exerce poder de monopólio num setor com muitas ramificações na vida dos cidadãos e das empresas; recolhe uma montanha de impostos, pagos pelos consumidores finais e que ela entrega aos cofres públicos; tem milhares de contratos com empresas e fornecedores. Tudo isso já a faria grande e visada. Só que ela é mais: a Petrobras está no imaginário nacional como nenhuma outra empresa por ter tido um berço esplêndido: nasceu de uma mobilização popular e de uma teimosia do país contra prognósticos de não haver petróleo em nosso subsolo.

Nada disso estará sob escrutínio agora. O que vai se discutir não são a importância e a força da empresa, mas sim as suspeitas e indícios de irregularidades que foram detectados pelo TCU e pela Polícia Federal. O argumento de que os executivos não podem responder pelos milhares de contratos de fornecimento espanta pela informação que passa sobre a qualidade da gestão da empresa. Uma pessoa sozinha não sabe tudo sobre todos os contratos de uma companhia desse porte, mas um modelo de gestão eficiente, práticas transparentes e controles permitem reduzir ao mínimo as irregularidades. Neste ponto, se a CPI ajudar a informar aos atuais administradores de que algo errado pode ter acontecido na construção das plataformas ou da refinaria, será a oportunidade de aperfeiçoar processos e controles.

Vale lembrar, mais uma vez, que não foram o Congresso nem a oposição que falaram primeiro em indícios de superfaturamento na Refinaria Abreu e Lima ou de possíveis irregularidades na construção de plataformas, mas sim o TCU. Dúvidas sobre a reforma de plataformas vieram da Operação Águas Profundas, da Polícia Federal.

A atual administração da companhia tem a impressão equivocada de que salvou a empresa da sanha privatista do governo anterior. A Petrobras nunca foi colocada no programa de privatização, e vendê-la seria um erro gigantesco porque se criaria um monstro: o monopólio privado, ainda mais nocivo que o estatal. Quando, em um momento do governo passado, uma diretoria tentou trocar o nome da empresa para Petrobrax, escrevi aqui que isso era ideia de jerico. Felizmente, por ser estapafúrdia, a ideia naufragou em 24 horas em águas profundas.

A Petrobras não pertence a uma administração, a um partido político, a uma facção de um partido. Ela é uma companhia, com ações em bolsa e o controle do Tesouro, a quem o país transferiu inúmeras riquezas e patrimônio, que tem uma coleção formidável de privilégios, e todos esses ativos não podem estar a serviço de uma agremiação política. É esse princípio que foi descumprido nos últimos anos e alimentou a reação do Congresso.

Essa CPI é erroneamente chamada de CPI da Petrobras. No nome completo, tem que constar a Agência Nacional do Petróleo (ANP), sobre a qual existem dúvidas até mais concretas, nas distribuições de royalties e, sobretudo, no estranho caso dos R$178 milhões entregues aos usineiros por um subsídio já extinto e numa ação judicial que mal começava sua peregrinação pelas instâncias judiciais. Como informa esta semana Isabel Clemente, da revista "Época", o próprio juiz que deu o primeiro ganho de causa para os usineiros determinou que o pagamento fosse feito ao fim do processo. Detalhe: além de ter sido paga uma dívida discutível, o valor foi pago em dinheiro e não em precatórios, como o usual. O diretor-geral da ANP disse que o acordo foi "beneficioso" para os cofres públicos. Pode- se imaginar como seria se não fosse "beneficioso".

O governo, com sua vasta base aliada, terá maioria esmagadora na CPI. Vai tentar usar isso para atrapalhar o funcionamento da comissão. Será um erro. Porque aí mesmo é que vão pairar dúvidas que farão muito mal à imagem da Petrobras.

Gastar na alta e na baixa

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O GLOBO


Política anticíclica é assim: por um motivo qualquer, as pessoas deixam de consumir, as empresas deixam de produzir e de investir, isso reduzindo a demanda; aí vem o governo e eleva seus gastos, dando um "estímulo fiscal" para esquentar a demanda e acelerar a atividade econômica.

Em tese, qualquer gasto público faz esse papel, mas há uma diferença importante. Se faz sentido elevar o gasto público quando a demanda privada se retrai, necessariamente estará certo fazer o contrário, ou seja, o governo reduzir suas despesas e investimentos quando a demanda privada está aquecida.

Daí a diferença: é melhor que os gastos públicos sejam de tal natureza que possam ser encerrados num determinado momento. Por exemplo: construir um viaduto. A festa de inauguração é a última despesa.

É o contrário quando o governo contrata mais pessoas e/ou concede reajuste salarial para o funcionalismo, especialmente no regime brasileiro. Esse tipo de despesa é para sempre, já que é impossível demitir funcionários e reduzir salários.

Ou seja, aumentar gastos com pessoal (e com previdência, custeio e programas sociais) terá um efeito, secundário, de esquentar a demanda, mas não é, a rigor, política anticíclica. Para fazer isso, o governo precisa se organizar de tal modo que possa encolher seus gastos nos momentos de bonança do setor privado e aumentá-los em crises como a atual.

Há um aspecto adicional nessa história. Em momentos de forte crescimento econômico, cresce a arrecadação de impostos. Qual o comportamento prudente? O governo fazer caixa, criar fundos, para gastar na recessão, quando caem a demanda geral e as receitas tributárias.

Esse caixa não é infinito, claro. Por isso mesmo, seus recursos precisam ser aplicados em projetos igualmente "finitos" - viadutos, estradas, portos, aeroportos etc., ou seja, em infraestrutura, que é uma acumulação de capital. Sem contar que tais obras melhoram a eficiência da atividade econômica.

Nesse sentido, o governo Lula não está fazendo política anticíclica. O diagnóstico é fácil: o governo eleva seus gastos em todos os momentos, na alta e na baixa da atividade econômica.

No ano passado, por exemplo, que foi de forte crescimento e extraordinário ganho de arrecadação até outubro, o governo concedeu aumentos salariais generalizados, compromissos que precisa cumprir agora, com as receitas em baixa e quando deveria era gastar mais em investimentos. Mas esses constituem a menor parte do gasto público, algo como 3,5% da despesa geral, no primeiro trimestre deste ano.

E, para prevenir reclamações, esclareçamos logo: é claro que o governo precisa contratar e pagar bem a seus funcionários. Mas isso deve ser feito tendo em vista o tipo de serviço público prestado, a eficiência e a produtividade dos funcionários, e nunca com o objetivo de esquentar a demanda.

A falta dessa visão e o entendimento de que o governo deve gerar emprego, tão comum por este Brasil afora, geraram as prefeituras cuja receita é quase inteiramente utilizada em pagar funcionários, que, entretanto, não prestam serviços porque não sobra dinheiro para financiá-los.

Esse é um retrato que cabe na maior parte dos 5 mil municípios brasileiros. Serve também para alguns governos estaduais e, em parte, para o governo federal.

Neste último, costuma faltar gente nos serviços essenciais - educação, saúde, segurança - enquanto há excesso de funcionários em Brasília. Não por acaso, estes funcionários ganham mais do que aqueles que estão nas salas de aula, nos postos de saúde ou perseguindo bandidos. Nesse aspecto, é fraco o desempenho do governo Lula. Aumentou o tamanho da máquina pública, elevou gastos com custeio e pessoal, e não se notam ganhos proporcionais na eficiência do serviço prestado ao público.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

Mantega arredonda PIB para 1%

Sérgio Gobetti e Lu Aiko Otta
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Previsão de crescimento para este ano, que era de 0,7%, foi alterada por decisão do ministro da Fazenda

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, desautorizou ontem sua equipe e o próprio colega de Planejamento, Paulo Bernardo, ao determinar que a estimativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para 2009 fosse superestimada, passando de 0,7% para 1%. O relatório de avaliação de receitas e despesas que seria enviado ao Congresso já estava pronto, na noite de terça-feira, com a previsão de 0,7%, quando o ministro decidiu pedir que o parâmetro fosse arredondado para cima.

Na prática, existe pouca diferença entre 0,7% e 1%, e ambas as projeções são consideradas excessivamente otimistas pelo mercado no atual quadro recessivo. Mas Mantega ficou contrariado com o fato de seus assessores não terem lhe consultado previamente sobre o parâmetro que seria incluído no documento oficial e, por isso, determinou a mudança.

É a segunda vez no ano que o governo revisa oficialmente sua estimativa de crescimento econômico: primeiro em março, de 4% para 2%, e agora para 1%. Nos cálculos da equipe econômica, que serviram de base para elaboração do relatório de avaliação de receitas e despesas, foram considerados distintos cenários para o PIB, sendo o mais pessimista com crescimento "zero" em 2009. Para muitos técnicos, esse "zero" seria hoje o parâmetro mais realista e mais próximo do que também prevê o mercado (queda de 0,5%), mas politicamente é difícil para o governo admitir essa situação. Por isso, os técnicos decidiram incluir no relatório uma previsão intermediária entre 0% e 2%, que seriam os 0,7%.

Na terça-feira, o próprio Paulo Bernardo confirmou o número, mas no mesmo dia, à noite, Mantega pediu a alteração. Segundo fontes da Fazenda, o ministro queria esperar o resultado oficial do PIB do primeiro trimestre, no início de junho, para ajustar as estimativas de crescimento para baixo.

O temor do ministro é que, ao ser realista (pessimista, na atual conjuntura), ele induz o mercado a reduzir o ritmo de recuperação econômica. Por isso, desde o ano passado, o governo tem superestimado as projeções do PIB, tratando-as como metas. Em dezembro, por exemplo, a equipe econômica ainda falava em crescer 4% em 2009, apesar de a crise já estar instalada no País. Na época, o mercado previa 2%. Poucos meses depois, era o governo que mirava os 2% enquanto o mercado já falava em taxas negativas.

De acordo com o secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, a retomada prevista deve ser puxada pelos investimentos do setor público e das estatais, além da queda na taxa de juros. Outra razão para otimismo é o programa Minha Casa Minha Vida, que está ainda na fase de análise de projetos. "As construções começam no segundo semestre e vão se acelerar", disse Barbosa.

No último trimestre do ano, segundo ele, o PIB deverá crescer entre 3% e 4%, o que seria suficiente para propiciar uma média mais alta do que a de 2008 no fim do ano. Os analistas de mercado, entretanto, consideram inviável uma taxa positiva de crescimento, mesmo com 4% no último trimestre.

Governo reduz em R$ 60 bi previsão de receitas para o ano

Da Sucursal de Brasília
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Diferença custearia todos os programas do orçamento da Saúde; projeção do Planalto para o crescimento do país cai de 2% para 1%

Equipe econômica reduziu aperto fiscal no ano em R$ 23,7 bi, mas menos de 40% do valor liberado vai para investimentos públicos

Com mais uma revisão das estimativas oficiais forçada pela crise econômica, a receita da União esperada para este ano já mostra uma perda de R$ 60 bilhões na comparação com os valores da lei orçamentária aprovada pelo Congresso.

Divulgada ontem, a nova previsão restringe as possibilidades do governo de investir em obras e outras despesas destinadas a estimular o emprego e a produção -que tinham sido abertas pela decisão, tomada em abril, de afrouxar os objetivos da política de controle da expansão da dívida pública.

Em números: embora a meta de superávit primário (a parcela da arrecadação poupada para reduzir o endividamento) tenha sido reduzida em R$ 23,7 bilhões, menos de 40% dessa folga -exatos R$ 9,1 bilhões- servirá para ampliação de investimentos em infraestrutura, subsídios ao setor privado e recomposição de verbas cortadas no início do ano.

Na segunda revisão bimestral do ano, o Orçamento da União encolheu ao lado da expectativa oficial para o crescimento da economia, que já havia caído de 3,5% para 2% e agora ficou em 1%, ainda otimista diante da queda de 0,49% apontada em pesquisa do Banco Central com o mercado.

A equipe econômica chegou a trabalhar com um cenário pior, com crescimento de 0,7% neste ano -previsão preferida pelos técnicos-, mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, optou pela alternativa menos pessimista: crescimento de 1%.

Com menos renda, produção e consumo, cai também a receita de impostos. A previsão, que já havia caído de R$ 805,3 bilhões para R$ 756,9 bilhões, baixou ainda mais em razão das desonerações promovidas após o agravamento da crise e chegou a R$ 745,2 bilhões.Equivalente a um ano e meio da arrecadação da extinta CPMF, a diferença entre o primeiro e o último cálculo seria suficiente para bancar todos os programas do orçamento do Ministério da Saúde, que, na Esplanada, só perde em volume para o da Previdência Social.A frustração de receitas não é o único empecilho para a ampliação dos gastos anticíclicos -no economês, aqueles cujo objetivo é compensar a queda do consumo e investimento privados. O governo teve de elevar em cerca de R$ 5 bilhões a previsão de outras despesas, de caráter obrigatório, com benefícios previdenciários e assistenciais, seguro-desemprego, ações de defesa civil e socorro financeiro a municípios.

Do valor a ser liberado para os investimentos e outras despesas não obrigatórias, R$ 6 bilhões estão comprometidos com o pacote já anunciado de estímulo ao setor habitacional. O restante deve ficar com áreas prioritárias afetadas pelo corte de R$ 25 bilhões promovido em março, como o Pronasci, programa de segurança pública.

Crescimento

O secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, disse que o governo revisou de 2% para 1% a previsão de crescimento do PIB porque a retomada da indústria e das vendas do comércio está mais lenta do que se previa. A maior parte do crescimento, segundo ele, será puxada pelo investimento público e pela Petrobras.

Segundo seus cálculos, os investimentos do governo irão crescer 0,3% do PIB, e os da Petrobras, 0,4% do PIB -ao todo, portanto, 70% da expectativa de crescimento do país no ano.

"[Os investimentos públicos] serão a contribuição para que o crescimento fique acima de zero neste ano." O restante do crescimento, diz a Fazenda, deverá ser puxado pela construção e pelo consumo interno.

A mulher que só diz sim a Almodóvar

Luiz Carlos Merten
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

Em Cannes para promover Los Abrazos Rotos, Penelope Cruz renova seus votos de admiração e respeito pelo cineasta

Ela espera que seu amigo, seu mentor Pedro Almodóvar, receba, enfim, a recompensa com que sonha há anos, a Palma de Ouro. Penelope Cruz está aqui mostrando seu quarto filme com o grande diretor espanhol. Los Abrazos Rotos mistura duas vertentes do cinema de Almodóvar, o melodrama e o filme noir. Penelope interpreta um papel que ?Pedro? escreveu especialmente para ela. Uma mulher de temperamento generoso, e apaixonada, que logo no começo se prostitui para pagar a cirurgia do pai e que um diretor enamorado vai tentar transformar numa estrela.

Por que Penelope gostaria tanto que Pedro ganhasse sua Palma? "Porque mais do que qualquer outro diretor que eu conheça, para ele o cinema não é só uma profissão nem um meio de expressão. É algo muito mais visceral. É como se própria vida de Pedro estivesse em jogo no set. Só por isso já acho que ele mereceria o prêmio, mas ele ainda é gênio. Woody Allen é gênio. Sou privilegiada trabalhando com autores desse porte."

Penelope veste elegante modelito vermelho Chanel. A entrevista realiza-se na Cha Cha Beach, em frente do Hotel Miramar, na Croisette. No dia anterior, na coletiva de imprensa de Los Abrazos Rotos, ela se queixara de dor de cabeça e gripe, uma ?boa? gripe, sinalizou, para deixar claro que não era a mexicana. Seu estado piorou e é preciso cortar uma das mesas-redondas de que ela ia participar. Ela chega sorridente, mas os olhos traem a indisposição. Mesmo assim, ela se entrega. Pedro Almodóvar a compara a Sophia Loren. O que ela pensa disso? "Sophia é capaz de criar a dama e a prostituta, a mulher do povo e a aristocrata. Admiro-a muito por seu talento. Acabamos de trabalhar juntas no musical Nina (de Rob Marshall) e só posso dizer que ela foi muito generosa comigo." Quem mais ela admira? Audrey Hepburn. Nos ensaios para a personagem que vai interpretar no filme dentro do filme, Chicas y Maletas - um remake de Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos, Almodóvar assume -, ela repete os penteados de Audrey em Bonequinha de Luxo e Sabrina.

O cinema de Almodóvar é feito de referências e uma das mais fortes em Los Abrazos Rotos é o clássico pós-neorrealista de Roberto Rossellini, Viagem na Itália. Como é trabalhar com um diretor que também é cinéfilo? "Pedro adora homenagear seus autores preferidos. Às vezes, com tanta sutileza que poucos percebem. Ele adora conversar sobre cinema. Conheci-o quando tinha 17 anos e, desde então, virou meu mentor. Tudo o que sei sobre cinema, e a vida, devo a ele, ao seu convívio, à sua perspicácia. Podemos sair juntos ou ficar em casa conversando. O prazer é o mesmo em sua companhia."

Há muito humor no cinema de Almodóvar e drama em Woody Allen. O que é mais fácil, interpretar comédia ou drama? "As pessoas têm essa fantasia de que é mais fácil fazer comédia, mas não é verdade. Pode ser muito doloroso provocar o riso, principalmente para quem, como eu, é muito insegura. Sempre tenho a impressão de que os diretores vão me despedir. Mas comédia é difícil, sim. O que faz a diferença é com quem você trabalha. Woody e Pedro são diferentes. Um improvisa, o outro é supermeticuloso. Pedro muitas vezes me deixa em total liberdade, às vezes não me deixa colocar uma respiração fora de lugar em seus diálogos. Chega a ser ríspido. ?Faça do seu jeito, mas tem de ser assim.? E sempre é o melhor. Mas nunca é fácil. Atuar é difícil, mas por mais leve que seja a sensação que se passe na tela."

Como anda a vida dela, após o Oscar por Vicky Cristina Barcelona? "Tudo o que me acontece, e não apenas o Oscar, me surpreende. Venho de um meio pobre, de uma família que não tinha o pé na arte. Muitas vezes tenho medo de acordar desse sonho de Cinderela." Almodóvar é um autor assumidamente gay. Para ele houve algum tipo de problema para se converter em sua musa?

"Posso vir de um meio sem vínculo com a arte, mas minha família nunca foi preconceituosa.


Sempre tive amigos gays, em quem pude confiar e com os quais podia contar. Seria horrível etiquetar as pessoas por sua preferência sexual."

E ela faz uma observação importante sobre seu diretor preferido. "Pedro escreveu um roteiro longo e superdetalhado para Los Abrazos Rotos. Filmou-o de maneira esplêndida, mas quando me mostrou a versão definitiva faltava, acho que, sei lá, mais de uma hora de material. Ele filma com paixão, mas num certo sentido pode ser considerado um criador sem ego, porque não tem problemas em cortar, não importa o que, se achar ou se for persuadido de que será melhor para o filme. Cada trabalho com ele é uma lição. De arte e vida. Só espero ter muitas mais." Ela seria capaz de dizer não a Almodóvar? "Nunca! Es inpensable eso."

A concorrida sessão de Tarantino

Luiz Carlos Merten
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / Caderno 2

No novo longa, ele fala de cinema e dos cineastas de ''segunda categoria'', que são os seus preferidos

Foi a sessão de imprensa mais concorrida deste festival, ontem pela manhã. O palais lotou para ver o novo Quentin Tarantino e foi preciso providenciar com urgência outra sessão na sala do 60ème, construída há dois anos para abrigar eventos especiais do 60º aniversario do maior festival do mundo. Foi outra avalanche de gente e mais de uma centena ainda ficou de fora. Inglorious Basterds, o filme de guerra de Tarantino, trouxe a Cannes Brad Pitt e, claro, Angelina Jolie. Apesar dos rumores de separação, eles jantaram juntos num restaurante de Antibes na terça e ontem fizeram a mais concorrida montée des marchas deste ano.

A montée, a subida da escadaria do palais, naquele tapete vermelho, é o ponto alto do cerimonial de Cannes. Para onde quer que se virem, Brad e Angelina encontram sempre um batalhão de fotógrafos e cinegrafistas. Inglorious Basterds ou a celebração do glamour de Cannes. O interessante é que Tarantino admite haver feito o filme inspirado na obra homônima (de 1978) de um de seus diretores preferidos, Enzo G. Castellari, que seria enxotado se tentasse pisar no tapete vermelho de Cannes na sua (grande?) fase, quando fazia spaghetti westerns como Keoma, com Franco Nero.

O filme tem algo de Os Doze Condenados, o clássico de ação de Robert Aldrich. Brad Pitt lidera um grupo de judeus americanos cuja especialidade é escalpelar nazistas. O filme divide-se em capítulos, com muita música ?roubada? de faroestes macarrônicos. Uma das mais conhecidas é o tema de Um Dólar Furado, com Giuliano Gemma, aliás, Montgomery Wood. O clímax passa-se num cinema de Paris, onde ocorre a pré-estreia de uma obra de propaganda nazista, a que o próprio Adolf Hitler vai assistir. O plano, não apenas de Brad, mas também de uma garota judia que quer vingar o massacre de sua famílias no capítulo inicial, é explodir o cinema com o fuhrer dentro. Tarantino iniciou uma revolução aqui mesmo em Cannes, em 1995, ao receber a Palma de Ouro por Pulp Fiction (Tempo de Violência). Em 2000, Lars Von Trier consolidou outra revolução, a do digital, com Dançando no Escuro. Ela atinge este ano seu apogeu, com mais de 90% dos filmes sendo produzidos (e exibidos) em digital. O de Pedro Almodóvar é uma honrosa exceção. É importante destacar que a metafórica explosão do cinema é impulsionada por um agente muito especial. Em vez de explosivos, Tarantino usa a boa e velha película, que, como você sabe - o celuloide -, é inflamável.

O cinema é o tema de Inglorious Basterds e o que Tarantino faz é buscar novas formas de narrar/homenagear/plagiar os autores de segunda categoria que são seus ídolos. Não há como negar que o começo é divertido, mas depois... Espere para ver, já que o filme será distribuído no Brasil pela Universal. L.C.M.

Na Croisette

O filme sensação da Quinzena dos Realizadores está sendo I Love You, Philip Morris, que Gus Van Sant abandonou para realizar Milk, deixando que os roteiristas Glenn Ficarra e John Requa assinassem seu longa de estreia. Mais do que os beijos de Jim Carrey e Ewan McGregor, como um par gay - Rodrigo Santoro faz o primeiro namorado de Jim, que morre de aids -, o filme faz sensação por seu humor selvagem e politicamente incorreto, voltado contra homossexuais, negros, aidéticos. Não deve ser por outro motivo que o filme está tendo problemas para distribuição.

Sharon Stone mostrou mais uma vez que nasceu para o tapete vermelho de Cannes. Todos os anos, a estrela de Instinto Selvagem é uma figura indispensável na cerimônia de subida da escadaria do Palais. Ontem, ela chegou gloriosa para a sessão do filme de Quentin Tarantino, Inglourious Basterds. Sharon competiu com o casal Pitt e Jolie em termos de delírio do público.

Alain Resnais exibe mais um "corpo estranho"

Da Enviada a Cannes
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ilustrada


Quando o diretor Alain Resnais, 86, exibiu em Cannes "Hiroshima Meu Amor", em 1959, os cineastas que constituíram a nouvelle vague se interrogaram se aquele seria "o primeiro filme moderno do cinema falado", e Jean-Luc Godard pronunciou uma de suas frases mais ressonantes: "O travelling [um movimento de câmera] é uma questão moral".

Esse episódio, relembrado no número que a revista "Cahiers du Cinéma" dedica ao 62º Festival de Cannes, rondou como um fantasma a estreia, ontem, de "Les Herbes Folles" (as ervas daninhas), com o qual Resnais concorre à Palma de Ouro.

Mais uma vez, o cineasta apresenta um "corpo estranho" no panorama da produção cinematográfica de seu tempo. "Les Herbes Folles" seria uma comédia romântica sobre os subterrâneos do desejo, se não fosse um filme com a assinatura de Alain Resnais e, portanto, inclassificável.

A história gira em torno do roubo da bolsa de uma mulher (Sabine Azéma). O homem (André Dussol-lier) que a encontra e devolve se apaixona imediatamente pela vítima.

Casado, ele passa a escrever e telefonar para o seu novo amor, como se ambos já tivessem uma relação. As reações dela ao afeto dele oscilam.

Confrontado com uma pergunta sobre a eventual possibilidade de "Les Herbes Folles" ser um sucesso de público, Resnais disse: "Minha maior preocupação sempre foi que o espectador fique feliz em sua poltrona e não queira sair da sala.

Se eu soubesse que haveria um número maior de espectadores colocando a câmera um pouco mais para a direita ou para a esquerda, eu faria isso imediatamente". Para Resnais, o movimento da câmera continua sendo uma questão moral. (SA)