sexta-feira, 26 de junho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA - Piero Fassino

“Deter o massacre em curso no Irã, interromper imediatamente a espiral de violência e de repressão que atinge os cidadãos, sobretudo jovens e mulheres, que querem somente poder viver num país livre e ver reconhecidos os próprios direitos fundamentais. Que a comunidade internacional não assista inerte. Que sejam tomadas todas as iniciativas úteis para restabelecer um clima de diálogo e de convivência.”


(Piero Fassino, responsável de política exterior do Partido Democrático - Itália)

Fonte: http://www.pierofassino.it/, 25 de junho.

Que herege era aquele Gramsci

Massimo D’Alema

Quando enfrentamos a grande crise do movimento comunista e a exigência de uma corajosa transformação, Gramsci foi um forte ponto de apoio: sua pesquisa original nos ajudou nos momentos mais difíceis e mais dramáticos de nossa luta. Ele nos permitiu ostentar no socialismo europeu o melhor patrimônio do maior Partido Comunista do ocidente, fez com que fôssemos recebidos como companheiros que, embora vindos de uma história difícil e dramática, tinham algo a trazer à casa comum: algo de original e de útil.

A nosso ver, Gramsci foi um grande pensador comunista herético, numa época em que qualquer desvio da ortodoxia soviética custava um preço dramático. Creio que a heresia de Gramsci no movimento comunista seja algo de muito mais radical no tocante à diversidade de avaliação e julgamento do curso que o movimento comunista assumiu a partir da década de 1930. Uma diversidade que, sob certos aspectos, coloca Gramsci numa dimensão própria, distinta tanto da experiência leninista quanto da experiência social-democrata, em aberta polêmica a respeito de alguns pontos que, no curso deste século, se tornarão comuns à cultura de uma e de outra. Em particular o conceito da função do Estado. Certamente não seria correto transportar a uma época anterior as escolhas e estratégias que a esquerda italiana realizou muitos anos mais tarde. Mas hoje podemos dizer que em Gramsci estavam os instrumentos para que algumas mudanças e certas rupturas pudessem acontecer até algum tempo antes. Tínhamos em casa um tesouro de pensamento, de idéias, de antecipações, que podia ajudar-nos a escolher e, se tivéssemos mais coragem, poderíamos ter escolhido antes.

A peculiaridade do Gramsci está naquilo que Mario Telo define como seu paradoxo. Um paradoxo dramaticamente vinculado mesmo a sua condição humana, àquela condição de isolamento do movimento coletivo e da luta política, durante o seu confinamento no cárcere de Turi. Sozinho em sua cela – enquanto, no inicio da década de 30, a Europa era dominada pelo advento dos grandes totalitarismos e por uma crise, vivida pelo movimento comunista como o anúncio do fim do capitalismo – Gramsci entende não apenas que essa interpretação da crise estava equivocada, mas também que estava surgindo uma nova sociedade e uma nova hegemonia – a do fordismo e do americanismo – E o destino da Europa teria sido o de entrar na esfera hegemônica da nova forma, expansiva, de capitalismo.

Em contraposição com todo o movimento comunista, não apenas nas suas correntes mais ortodoxas e estalinistas, mas também nas suas versões mais abertas, Gramsci lê a crise como o prelúdio de uma grande e extraordinária transformação em escala mundial.Ele está convicto de que a racionalização americana representará o horizonte de referência para o desenvolvimento histórico da Itália e da Europa. Isso tornou-se um ponto central da reflexão sobre a atualidade de Gramsci porque é um aspecto rico de sugestões, mesmo do ponto de vista humano, porque descreve o mundo moral de Gramsci e sua extraordinária capacidade de olhar além do seu tempo. Graças a essas suas qualidades, Gramsci consegue transmitir ainda hoje uma grande emoção.

Na análise de Gramsci, existe uma modernidade, uma capacidade de diálogo com nosso tempo que parecem verdadeiramente extraordinárias. O cosmopolitismo econômico, a grande transformação capitalista em escala mundial são vistas por Gramsci como o verdadeiro teatro – muito além do Estado nacional – no qual o movimento operário deve travar a “guerra de posições” e suas lutas pela hegemonia. Ao analisar a “grande transformação capitalistica”, Gramsci coloca-se ao lado da modernidade. Encara-a como um novo campo de possibilidades.

Hoje, um dos grandes problemas da esquerda é exatamente este: certa resistência diante da nova “grande transformação”. Vejamos o caso das concepções estatizantes e corporativas, tanto em nosso país como em outros grandes países europeus, em contraposição com a idéia liberal do Estado ligada à inovação. Gramsci não faz parte daquela esquerda impregnada de espírito conservador, em confronto com os que consideram a expansão das funções estatais como uma garantia de igualdade. (visão própria do comunismo e da democracia social, em formas políticas profundamente diversas, mas, do ponto de vista cultural, substancialmente semelhantes), ele se coloca numa perspectiva diferente.

Em Americanismo e Fordismo existem páginas de extraordinário interesse. A americanização – diz ele – exige um determinado ambiente, uma determinada estrutura social e um determinado tipo de Estado. O Estado é o Estado liberal, “não apenas no sentido do liberalismo aduaneiro e da efetiva liberdade política, mas no sentido mais fundamental da livre da livre iniciativa e do individualismo econômico, que, com meios próprios, como sociedade civil” , pelo mesmo desenvolvimento histórico, chega ao regime da concentração industrial e do monopólio “. O desaparecimento do tipo semifeudal do rentista é, na Itália, uma das condições da revolução industrial, não uma conseqüência. Há – em Americanismo e Fordismo – um capítulo que considero sugestivo até por sua impressionante contemporaneidade, intitulado Ações, Obrigações e Títulos do Estado.

Aqui Gramsci coloca o seguinte problema:”Quando a poupança depende mais da garantia pública do que dos riscos do mercado, transforma-se em parasitismo e comprime o lucro industrial e o trabalho.”E é um comunista da década de 30 que escreve tais coisas!

Gramsci encara o problema da penetração do Estado nas atividades industriais, destacando as vantagens disso – o Estado pode investir nos setores mais arriscados, com utilidades prorrogadas, portanto mais inovativas - , mas ao mesmo tempo, afirma que esse processo não está absolutamente isento de perigos, porque determina o agravamento dos regimes aduaneiros e das tendências autárquicas, que se opõem à globalização e induzem ao dumping, ao resgate das grandes empresas sob ameaça ou em perigo de falência – fenômenos todos que Gramsci condena. Referindo-se depois, a gusa de exemplo, a algumas características da Itália, Gramsci afirma: “Uma outra fonte de parasitismo absoluto sempre foi a administração do Estado e ainda hoje acontece que homens relativamente jovens, com ótima saúde, no pleno vigor das forças físicas e intelectuais, depois de 25 anos a serviço do Estado, não se dedicam mais à mesma atividade produtiva, mas vegetam com aposentadorias mais ou menos satisfatórias.” Essa forma de assistencialismo é considerada por Gramsci como um fato corruptivo. Do comunismo ele retirava o senso do processo histórico e do interesse coletivo, mas, por outro lado, estava ligado a uma cultura liberal e até liberalista, que exalta o indivíduo e sua função: o famoso “otimismo da vontade”, que encarava o profissionalismo, o trabalho, a capacidade de competir como valores positivos, como a moda de um progresso social. Nem estatismo, portanto, nem igualitarismo nivelador e parasitário.

Nós vivemos a época da crise do modelo fordista que Gramsci analisou no seu nascedouro, no momento em que assentava as bases de uma nova hegemonia. Ao mesmo tempo, vivemos numa época em que o processo de unificação do mundo parece caminhar também sobre a onda de uma nova grande revolução industrial,, técnica, científica, com um ritmo e uma força desconhecida no tempo de Gramsci. A globalização da economia dos mercados, da produção, a livre circulação dos capitais com os efeitos confusos que produz: a crise dos Estados nacionais e o prelúdio da tentativa de encontrar uma resposta para essa crise pelo surgimento de instituições regionais, supranacionais. Uma das mais importantes é a União Monetária Européia: a Europa unida com seus instrumentos.

Estamos imersos nessa fase histórica e diante de nós – antes de tudo, diante da esquerda – se coloca uma grande pergunta cultural: devemos ler também essa passagem histórica com as lentes de Gramsci? Se pensarmos essa grande mudança em termos dogmáticos, surge diante de nós uma situação sem saída: o fim do fordismo é o fim geral do socialismo, seja na forma do movimento comunista, seja na forma do Welfare e do reformismo nacional. É o advento de um pensamento único, de um liberalismo absoluto, alheio a qualquer ordenamento político. Essa visão é sustentada não apenas pelos profetas da nova direita, mas também, no campo da esquerda, existem aqueles segundo os quais o fim do fordismo assinala inexoravelmente o declínio da esquerda, de suas idéias, de seus valores e, conseqüentemente, não restaria outra opção senão a de resistir à transformação, tornando-se assim uma força conservadora, estacionária, destinada com o tempo a ceder diante das razões prepotentes da inovação e da modernidade.

Mas se, ao invés, lermos a “grande transformação” à maneira de Gramsci, com os instrumentos conceituais que ele nos deixou, veremos esta fase de mudanças como uma fase cujo desfecho está ligado à ação das forças históricas em campo. A palavra-chave é “cultura” Em vez de defender de maneira rígida as velhas formas de proteção social ligadas ao Welfare State nacional, uma esquerda moderna deve pôr em discussão o problema de um Welfare, que tenha no centro a cultura, a formação, a educação permanente dos indivíduos: condições para que o processo inovativo não empurre as pessoas para as margens, mas ofereça-lhes a possibilidade de viver melhor e de realizar plenamente a própria personalidade. Creio que Gramsci nos ajuda a ler, usando essa chave interpretativa, as transformações do mundo de hoje e podemos entender por que nesse momento ele não é apenas uma glória nacional, mas um pensador sempre mais presente no processo de revisão da esquerda em escala mundial.

Massimo D’Alema, dirigente do Partido Democrático Italiano

Por um fio

Marval Pereira
DEU EM O GLOBO


Dependendo do que vier a acontecer nos próximos dias, o senador José Sarney corre o risco de perder o apoio político do DEM, o que pode significar um baque definitivo na sua resistência em deixar a presidência do Senado em meio à crise que vai se revelando ser cada vez mais sua, ou pelo menos ter nele uma figura central. É uma ironia do destino que a prática do nepotismo que caracteriza a atuação política dos Sarney tenha como símbolo o próprio neto, batizado de José Sarney Neto e que, por vontade própria, aos 20 anos mudou seu nome para José Adriano Cordeiro Sarney.

Se, como os adversários políticos do avô comentam, ele mudou de nome por vergonha, esse sentimento se dissipou com o tempo, pois hoje, aos 29 anos, não se envergonhou de entrar no negócio de crédito consignado no Senado e em outros órgãos públicos, onde o sobrenome pesa mais que os títulos acadêmicos.

Nepotismo deriva do latim nepos, que pode significar tanto neto como sobrinho. Indica a posteridade de maneira geral, e o sentido se deve aos Papas da Igreja Católica que tinham o hábito de conceder cargos a parentes mais próximos.

Nos tempos modernos, é associado à conduta de funcionários públicos que fazem concessões a familiares.

Dizer que o rapaz é muito bem formado, "com mestrado na Sorbonne e doutorado em Harvard", como disse Sarney em uma curta nota oficial, não explica nem as aptidões do neto, que com um currículo desses deveria estar em posto mais elevado na carreira de economista, mas, sobretudo, não diz nada sobre o aspecto moral da questão, que é o que importa.

Mais uma vez a mistura entre o público e o privado aparece na prática política da família Sarney, que já tinha no recente rol de escândalos um "serviçal" de Roseana empregado como chofer no Senado, ganhando RS 12 mil, e diversos parentes empregados em gabinetes de correligionários, inclusive outro neto, numa prática de nepotismo cruzado muito em voga no Senado e na Câmara e também no sistema judiciário, que em boa hora proibiu a prática.

Como sempre acontece no Brasil quando algum político é apanhado em irregularidade, ele coloca sempre a teoria da conspiração para funcionar. Foi assim quando Renan Calheiros tentava resistir às denúncias para permanecer na presidência do Senado, e passou a difundir a tese de que sua saída seria prejudicial ao governo Lula, que seria na verdade o alvo dos ataques.

O mesmo faz Sarney, que ontem disse que sofre uma "campanha midiática" por sua posição política, "nunca ocultada", de apoio ao presidente Lula e a seu governo. Sarney tem feito análises políticas sobre a situação, colocando em segundo plano as falcatruas e irregularidades que vêm sendo denunciadas nos últimos meses.

Lamenta-se dizendo que se soubesse que o PSDB iria apoiar a candidatura de Tião Viana, do PT, não teria se candidatado, atribuindo à oposição derrotada e à parte do petismo suas atuais atribulações.

Apoiado por um presidente Lula que não mede esforços para demonstrar sua lealdade pessoal, o senador Sarney não tem, porém, o apoio irrestrito nem no seu partido, o PMDB, de onde veio o pedido mais forte para que se licencie do cargo, através do senador Pedro Simon, nem do grupo do PT que apoiou o senador Tião Viana.

Já perdeu apoios individuais dentro do próprio Democratas, onde o senador Demóstenes Torres também pediu sua saída, pelo menos para que o ex-diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, seu protegido, possa ser investigado livremente.

O primeiro-secretário Heráclito Fortes, que acabou assumindo o papel principal das apurações burocráticas relativas a decretos secretos e outras falcatruas envolvendo crédito consignado e terceirizações de toda ordem, no que parece ser um esquema fraudulento de alto calibre organizado dentro do Senado, é uma voz solidária a Sarney dentro do DEM, mas não encontra bons argumentos e corre o risco de morrer afogado abraçado a ele.

O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia, já anunciou que seu partido não está disposto a "defender o indefensável", categoria em que coloca a atuação do neto de Sarney no crédito consignado do Senado.

Não é previsível que o DEM venha a abandonar de vez Sarney, devido aos vínculos históricos que o unem ao partido, oriundo do antigo PFL, criado por Sarney e outros dissidentes do PDS que romperam com o regime militar e aderiram à candidatura de Tancredo Neves à Presidência, viabilizando-a politicamente.

Como essa, teve várias chances de recuperar a imagem de modernizador que o levou pela primeira vez ao governo do Maranhão, e mereceu de Glauber Rocha um documentário esperançoso. A miséria mostrada no filme, longe da redenção anunciada, só fez aumentar.

Na Presidência devido à morte de Tancredo, Sarney pronunciou uma frase que parecia prenunciar bons tempos: "Deus não me trouxe de tão longe para que eu falhe". Falhou fragorosamente quando, inebriado pelo sucesso do Plano Cruzado, trocou os ajustes necessários por uma vitória eleitoral esmagadora do PMDB. Em seguida, o plano fez água e nunca mais o governo Sarney recuperou-se.

Mesmo tendo tido um governo em muitos aspectos desastroso, Sarney conseguiu que prevalecesse na percepção popular um traço inegável de sua conduta política: a tolerância e a valorização da democracia, que ele ajudou a consolidar.

Essa fama lhe deu outra chance de permanecer na política com uma postura de "estadista" que poderia tê-lo reabilitado, não fosse a necessidade de manter o poder regional no Maranhão e no Amapá e o hábito irrefreável do fisiologismo, do nepotismo e da troca de favores como moeda política.

E é essa pequena política que o está levando mais uma vez para a porta dos fundos da História.

Dupla face

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os assessores da Presidência da República têm duas versões para a conduta a ser assumida daqui em diante pelo presidente Luiz Inácio da Silva em relação à crise do Senado, particularmente no que tange à figura do senador José Sarney.

Uma versão diz que o presidente já deu por cumprida a sua pragmática tarefa de defender o presidente do Senado e vai parar de pôr publicamente a mão no fogo por ele, a fim de não se queimar ainda mais.

A outra reza que orientou seus ministros a fortalecer a rede de proteção em torno de Sarney, com o objetivo de barrar o crescimento de movimentações internas no Senado em favor de seu afastamento do cargo. Temporário ou definitivo, o nome tanto faz, pois em casos assim o pedido de licença é só uma forma amena de "dar um tempo" antes do desfecho cabal.

Aparentemente são versões contraditórias, já que esta última joga um bote salva-vidas na direção do presidente do Senado e aquela lança o homem ao mar.

A incongruência, porém, é mera suposição. De fato, são duas faces de uma mesma história e se complementam.

Com uma, Lula simula um recuo da posição de defensor do indefensável. Para todos os efeitos, fica o registro histórico de que o presidente só repudiou as denúncias e disse que Sarney não poderia ser tratado como uma "pessoa comum" por dever de ofício. Uma imposição das circunstâncias, da política das "mãos sujas" à qual é obrigado a se curvar se quiser governar.

Por essa ótica, Lula ficaria isento dos equívocos apontados pela crítica. Afinal, não teria externado uma opinião sincera, mas apenas jogado conforme as regras do jogo.

Com outra, o presidente toma precauções oficiais contra retaliações por parte do grupo que se desgasta, mas ainda domina o Senado. Mais que isso: maneja as ambições da direção formal do PMDB, que, a despeito da tendência a apoiar a candidatura presidencial do PSDB, pode vir a se render às facilidades imediatas propostas pelo Planalto.

O presidente Lula busca cravar, assim, posições no cravo e na ferradura a um só tempo.

Em outra era, seria jogada de gênio. Getúlio Vargas fez história pregando aos desvalidos por meio do PTB e à classe média por intermédio do PSD.

Ocorre que, tendo o tempo passado, a modernidade se imposto, a sociedade evoluído e, sendo os brasileiros muito mais exigentes no tocante à transparência, a História se confronta com a impossibilidade de se repetir.

Desse modo, o presidente Lula, o presidente do Senado, as velhas jogadas se veem diante da contingência de sofrer uma acachapante derrota na tentativa de servir a vários senhores sem dizer exatamente a quais propósitos obedecem.

Quanto mais fatos se revelaram, mais evidente ficou a aliança do PMDB e do DEM na sustentação da atual, e apodrecida, estrutura do Senado. Apesar disso, o Democratas decidiu se desobrigar de compromissos presentes e passados com José Sarney e achou por bem pedir oficialmente o afastamento do presidente do Senado.

Com essa decisão, o partido conseguiu se desvencilhar do constrangimento de continuar associado à causa de um aliado do presidente Lula. Se permanecesse na defesa de Sarney, o DEM estaria impedido de criticar seu maior adversário político em um momento altamente desfavorável.

O PT, por uma ironia circunstancial, tira proveito do artificial distanciamento que o presidente Lula marcou de seu partido. Como, em tese, o petismo é uma coisa e o lulismo outra bem diferente, a bancada petista do Senado pode se valer disso para firmar fileiras no campo do bom combate na crise do Senado.

Conta em seu favor o fato de ter disputado a presidência do Senado com Sarney e de ser apontado como um dos responsáveis pela divulgação das primeiras denúncias.

Note-se, a propósito, que o presidente Lula orientou seus "ministros", não seus aliados partidários, a defender a permanência de José Sarney na presidência do Senado.

Tal orientação, tomada ao pé da letra, não quer dizer nada, pois quem pode sustentar Sarney é a bancada. Os ministros da Saúde, da Previdência, da Agricultura, da Pesca, da Fazenda, da Educação, da Defesa, dos Transportes ou mesmo da Casa Civil não têm um pingo de ingerência no assunto.

Por uma dessas artimanhas do destino, quem fica melhor nessa história é quem em geral joga pior: o PSDB.

Quase apoiou Sarney na disputa pela presidência, mas, fez a conta e concluiu que, em qualquer cenário, o patriarca ficaria contra José Serra em 2010. Ficou na oposição, apontou como justificativa a chaga do esquema Agaciel Maia - patrocinado por Sarney - e ficou a cavaleiro na situação.

Vê minguar a força da ala adversária no PMDB, assiste de camarote ao presidente Lula se equilibrar de saia justa em corda para lá de bamba e aceita de bom grado os préstimos e as homenagens do PT.

O problema é que tal bem não é durável. Quando, e se, Sarney sair, o jogo vai recomeçar do marco zero.

Futuro do Senado

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO - Após os escândalos das passagens, numa entrevista à revista "Época", previ que o Congresso caminhava para um grande desastre. De um lado, o avanço inevitável da transparência; de outro, um arranjo institucional que não sobrevive a ela. E dirigido por líderes com experiência de imprensa regional, quase sempre de sua propriedade.

A vitória de Sarney, articulada por Renan Calheiros, iria marcar o fim de uma época, na qual, durante alguns anos, eles reinaram. Um velho e experiente funcionário do Senado me diz agora que essa análise é precária. E chama atenção para o que houve no espaço interno, burocrático.

No principio, eram 300 funcionários. Abria-se uma sessão às 13h, que era encerrada às 14h. E começava uma sessão extraordinária. Todos tinham direito a uma gratificação e subiam para receber o seu dinheiro em espécie.

Este processo dispendioso não foi combatido pelos senadores. Ao longo do tempo, fizeram milhares de novas indicações. Assim criou-se uma miríade de novas possibilidades de aumentar a renda. O que era um sistema de um grupo virou um processo de massas com 7.000 funcionários, número muito superior às necessidades. Portanto, o problema não são apenas os senadores, ou apenas os funcionários, mas o tipo de aliança que construíram.

Como desatar esse nó num jogo tenso, com tantas denúncias? A transparência em si apenas revela e intensifica a crise. Para que seja vencida, é preciso uma ação articulada, ainda que levada pela minoria. Numa batalha dessa dimensão, quase ninguém sairá ileso. Mas os ferimentos, certamente, compensarão o serviço que se presta ao país.

A tarefa existe. Não há santos? Que a realizem os pecadores. A história registra vários casos.

Daí um discreto otimismo, mesmo com a inferioridade numérica.

Esse filme a gente já viu

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Ao se trancar em casa, sem condições políticas e psicológicas de ir ao Congresso, o ex-presidente da República e tri-presidente do Senado, José Sarney, 78, começou -embora negue- o movimento de saída do cargo, empurrado pela crise que é dele e da instituição. A história se repete. Foi assim com Antonio Carlos Magalhães, Jader Barbalho, Renan Calheiros, que se enredaram nos próprios erros e tiveram de renunciar, vítimas da misteriosa cadeira ejetora da presidência do Senado.

Durante anos se ouve falar de histórias esquisitas que perseguem como sombras a trajetória de cada um deles. Elas só vêm a público daqui e dali, porque "ouvir falar" é bem diferente de "comprovar", mas consolidam percepções do próprio meio político e da imprensa -logo, da opinião pública.

Um belo dia, o poderoso é eleito ou reeleito presidente do Senado, e o que era de "ouvir falar" ganha corpo, pernas e provas. O resto é pretexto. ACM foi derrubado por quebra de sigilo dos votos em plenário; Jader, por escândalos de décadas na Sudam; Renan, pela namorada.

Sarney afunda sob o peso de boas ações para parentes e apadrinhados com dinheiro público e de ligações perigosas com o submundo da burocracia parlamentar. E repete o script dos antecessores de cargo e de infortúnio.

Primeiro, desdém. Depois, perplexidade. Logo, a tese do complô entre inimigos no Estado, adversários no Congresso, funcionários invejosos e, claro, a imprensa. Enfim, a denúncia de uma "campanha midiática", como diz Sarney, também repetindo ACM, Jader, Renan, sem as devidas explicações. O ataque de Pedro Simon não é pá de cal, é detalhe previsível. Sarney chegou ao momento dramático da solidão, da tristeza e de reunir as últimas energias para tentar resistir, gritando socorro para o Planalto. Costuma, porém, ser só questão de tempo. A não ser que refaça o final de um filme que a gente já viu e reviu.

Furtam, furtaram e haveriam de furtar mais

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Quem chega a São Luís e cruza a ponte Governador Sarney passa pelo Fórum Presidente Sarney e se defronta com o Palácio Roseana Sarney Murad (do Tribunal de Contas do Estado, responsável pelo julgamento das contas da governadora, pela segunda vez no cargo), custa a acreditar que a família ficou quatro anos afastada do poder local.

Da metade do governo (2005) do ex-aliado José Reynaldo Tavares (PSB) atê o mês passado, quando o ex-governador Jackson Lago (PDT) foi apeado do cargo, a família passou ao largo do Palácio dos Leões. Desde 2002, rompida com o ex-prefeito Lago, já se afastara dos negócios municipais.

Não deveria espantar, portanto, que o jovem empresário José Adriano Carneiro Sarney viesse a se juntar à linhagem das dezenas de parentes e apaniguados do presidente do Senado que tiram seu sustento das benesses secretas do Congresso Nacional.

O bombardeio sobre a oligarquia Sarney no Senado no momento em que a família retoma o poder no Estado não serve de prova à teoria da sobrevivência das espécies porque a cadeia alimenta-se de uma só fonte, o erário.

O símbolo desse darwinismo às avessas foram as reuniões promovidas pela então senadora Roseana Sarney (DEM), para a montagem de seu governo de transição, à custa da farra das passagens, ainda sem solução na Câmara.

Não há fortes sobrepujando os fracos, são apenas mandatários que se revezam no poder. A posse no Palácio dos Leões em 2006, a primeira em 40 anos a deixar a família Sarney do lado de fora, foi apenas a troca de uma oligarquia por outra.

Se o improvável viesse a acontecer e a família fosse defenestrada da capital federal, ainda lhe restaria - além do condomínio do setor elétrico nacional - o butim estadual para calibrar a eterna fonte de poder das oligarquias maranhenses, a intermediação entre o poder local e o federal.
Professor da Universidade Federal e autor de "Grupos Políticos e estrutura oligárquica no Maranhão", Flávio Reis conta a história como a história foi.

Ao contrário de outros Estados, onde os grandes proprietários rurais tiveram peso na formação do poder político local, no Maranhão, as oligarquias se construíram dentro do poder. Foi assim com Victorino Freire, interventor pernambucano nomeado pelo Estado Novo para dirigir o Maranhão, e seu algoz, José Sarney, filho de desembargador embarcado no udenismo reformista.

A derrota da família em 2006, assim como a do carlismo, saudada em verso e em prosa como o princípio do fim das oligarquias regionais, não se confirmou.

Na Bahia, com a morte de Antonio Carlos Magalhães, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB), emergiu como o principal herdeiro do seu espólio, firmando-se como chefe político estadual a partir de 2008, quando alçou o PMDB a partido com o maior número de prefeituras do Estado.

A sobrevivência oligárquica esteve garantida não apenas pelo condomínio sarneísta no Congresso, mas por Jackson Lago. Além do ex-governador ter sido aliado da família, seus principais cabos eleitorais, José Reynaldo e o ex-ministro do STJ, Edson Vidigal, também são provenientes de ramos dissidentes do sarneísmo.

A denominada "Frente de Libertação do Maranhão", eleita por maranhenses desejosos de mudança, adotou a prática dos derrotados. Promoveu a farra das nomeações nepotistas, acobertou desvios de transferências nas prefeituras, que, apenas em 2008, foram calculados pela Operação Rapina da Polícia Federal em R$ 1 bilhão e assistiu à Operação Navalha, também da PF, indiciar dois sobrinhos de Lago em denúncia por corrupção oferecida ao Superior Tribunal de Justiça.

Jackson Lago saiu humilhado do Palácio dos Leões, apelando por uma defesa popular que nunca chegou, assim como não aconteceram as mudanças que prometeu para seu governo. Foi uma mudança que não provocou lamentos por quem saiu nem entusiasmo com quem assumiu, conta a cientista política Arleth Borges, testemunha local da apática alternância de poder no Estado.

Entra eleição, sai eleição, o eleitor maranhense continua entre a cruz e a espada. No governo Lula, parte do PT e do PCdoB aderiram pragmaticamente a Roseana, e o MST, às conveniências da aliança com as suboligarquias que gravitam em torno de Jackson Lago.

Instituições federais como a Polícia Federal têm incomodado a família desde 2002, com a operação que detonou a candidatura Roseana à Presidência e prosseguiram, seis anos depois, com a investigação que acusou o primogênito do senador, Fernando Sarney, que comanda as empresas de comunicação da família, de pertencer a uma organização criminosa que frauda licitações e desvia recursos de obras das estatais do setor elétrico.

Graças ao Ministério Público Federal, a Fundação José Sarney teve que desocupar o Convento das Mercês, do século XVII, tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional e inaugurado com missa do Pe.Antonio Vieira ("porque furtam, furtaram, furtavam, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse).

Já o governo Luiz Inácio Lula da Silva, cuja aliança com o sarneísmo não bastou para eleger Roseana governadora, tampouco tem tido sucesso em projetos que dinamizem a economia local.

A produção de biodiesel a partir de cooperativas de babaçu e mamona, não alcançaram a competitividade da soja e de seus grandes produtores, neo-aliados do lulismo. Políticas sociais como o Bolsa Família, não vão além de seu objetivo primário, que é diminuir a fome de população miserável. De pouco serve uma frequência escolar estimulada se os investimentos em educação de estados e prefeituras vão pelo ralo dos mandatários do poder.

E por fim, o crédito consignado, importante instrumento de alavancagem de crédito, conforma-se à sobrevivência das elites locais. Agora que Roseana reassumiu o Palácio dos Leões e suspendeu as operações para refazer os contratos, seu sobrinho já pode voltar ao Maranhão para ampliar seus negócios.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Fed, saindo à francesa

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


O Fed começou a construir a estratégia de saída dessa parte menos convencional de sua intervenção no mercado

NA ÚLTIMA quarta-feira, o mundo econômico parou na expectativa do resultado da reunião do Fed. Embora até as pedras soubessem que seria mantida a política de taxas de juros próximas de zero, havia uma grande expectativa quanto às palavras que ele utilizaria para comunicar sua decisão. Qualquer mudança seria lida e interpretada com muito cuidado pelos especialistas, pois poderiam esconder informações preciosas sobre o futuro da política monetária na maior economia do mundo.

Existem hoje três leituras principais sobre o futuro da economia nos Estados Unidos. A primeira, herdada da crise bancária que estamos vivendo, chama a atenção para o risco de uma verdadeira depressão econômica, com risco de deflação, como a ocorrida nos anos 30 do século passado. Foi leitura dominante nos meses que se seguiram ao colapso do banco Lehman Brothers. Hoje, ela está um pouco desprestigiada, devido à recuperação da atividade econômica nos últimos dois meses, mas ainda faz sucesso em certos meios acadêmicos.

Uma segunda leitura incorpora essa recuperação e trabalha com a volta de crescimento moderado já no último trimestre deste ano. Em 2010, ajudado em parte pelo vigor dos países emergentes, o mundo voltaria a crescer 4%. Mas, no chamado G7, a atividade econômica seria ainda débil, e o desemprego continuaria a subir nos primeiros meses do ano.

Somente a partir de 2011 é que a atividade econômica chegaria perto do potencial. A inflação continuaria baixa, permitindo a lenta reversão dos estímulos monetários adotados para combater a crise. Finalmente, outro grupo de analistas que olha para o futuro com extrema preocupação de uma volta súbita da inflação, devido à política monetária extremamente expansionista, pedia uma mudança já na atitude do Fed.

O Fed tem mantido até agora uma política agressiva e fora dos padrões de expansão monetária para lidar com o primeiro cenário. Ela incorpora, além de um compromisso com juros muito baixos, instrumentos não convencionais na tentativa de substituir os bancos privados nos mercados de crédito. Para atingir esse objetivo, comprometeu-se a comprar até US$ 1,6 trilhão em títulos públicos e em papéis hipotecários.

Como resultado dessas iniciativas, o volume de dólares em circulação nos mercados financeiros atingiu números extremos. Nesse movimento, o total de ativos do Fed passou de algo como US$ 800 bilhões para mais de US$ 2 trilhões. Mas, com a redução do risco de deflação, o mercado passou a especular sobre o momento em que o Fed terá de voltar a um comportamento mais convencional. Não por outra razão, tivemos um agressivo movimento de elevação dos juros mais longos nos Estados Unidos nas últimas semanas. Mas é importante separar os problemas. Uma coisa são as taxas de juros muito baixas, que devem continuar, pois a recuperação ainda é muito frágil. Isso foi reforçado pelo Fed no comunicado desta semana. Outra coisa são os mecanismos de expansão quantitativa de moeda, que foi adotada de forma emergencial há alguns meses e que começa a perder seu sentido.

O Fed começou a construir, de forma eficiente, a estratégia de saída dessa parte menos convencional de sua intervenção. Sem se comprometer com datas e valores, a autoridade monetária deu um sinal claro, ao mencionar que ajustará esses mecanismos de forma adequada ao cenário dos próximos meses. Os mercados reagiram muito bem a esse movimento, mostrando que Ben Bernanke e sua equipe sabem o que estão fazendo.

Luiz Carlos Mendonça De Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Banca estrangeira segura crédito

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Crédito doméstico cresce a um terço do ritmo pré-crise; renda do trabalho sobe cada vez menos; governo gasta mais

ONDE FICA o fundo do poço do elevador da economia brasileira? No caso do crédito doméstico, parece que fomos ao segundo subsolo em fevereiro, mas estamos agora pouco acima do térreo.

Quanto à renda do trabalhador, o elevador desce desde julho de 2008, mas ainda não passou do chão. No que diz respeito ao déficit do governo federal, o saco é ainda sem fundo. É o que se depreende de um conjunto de dados divulgados ontem.

Desde outubro do ano passado, o crédito doméstico cresce a uma taxa mensal que é quase um terço da registrada nos meses anteriores à crise de 2008. Os bancos privados nacionais voltaram a emprestar -de dezembro até abril, os bancos públicos respondiam por quase 80% do aumento mensal do estoque de empréstimos. Agora, a banca privada de propriedade nacional voltou a superar os bancos públicos nessa conta.

Mas os bancos de capital estrangeiro reduziram seu estoque de crédito em todos os meses deste ano com exceção de março (sempre considerando o crédito doméstico). As novas concessões de crédito para empresas (empréstimos novos, calculado pela média diária) caíram bem, pelo segundo mês consecutivo. Os empréstimos consignados sustentam quase dois terços da expansão do crédito para pessoas físicas. Em suma, o aumento do estoque de crédito é regular, mas baixo -pode ser que os clientes ainda temam tomar empréstimos. Mas, no caso da banca estrangeira, a contração da oferta de crédito parece deliberada.

A expansão do consumo depende de crescimento balanceado de crédito e renda. Um dado positivo desta crise foi que a renda do trabalho continuou crescendo em relação ao ano anterior (nas seis regiões metropolitanas acompanhadas pelo IBGE). Mas cresce cada vez menos. A massa salarial aumentava na casa dos 10% ainda em agosto de 2008.

Foi minguando até o ritmo de 3%, em abril (sempre em relação ao mesmo mês de 2008). O número de pessoas ocupadas em relação ao número de pessoas em idade de trabalhar estagnou faz um trimestre. Na comparação com o resto do mundo, com as exceções asiáticas de costume, tais resultados são bons.

Ficamos muito longe de um desastre, ao menos (na crise de 2003, por exemplo, a massa salarial caiu brutalmente). Mas o elevador da renda do trabalho ainda está descendo, sem a compensação de uma retomada mais forte do crédito. Em suma, é um resultado de PIB zero, de economia ainda se contorcendo no fundo do poço ou andando de lado.

Parte da sustentação da renda no país (mas não só da renda do trabalho) se deve ao aumento do gasto público. Até certo ponto, uma alta do déficit devida a transferências sociais e investimento público é razoável. Mas os dados divulgados ontem sobre o déficit do governo federal indicam algum excesso. A arrecadação líquida no ano quase estagnou (na maior parte devido à redução de impostos para incentivar o consumo), mas as despesas cresceram 18%.

A despesa com investimentos subiu quase 25%, o que é razoável. Os gastos com o funcionalismo cresceram quase outro tanto: 22%. Em ano de crise, o resultado pode ser aceitável; mas o aumento da despesa tem sido recorrente. Para piorar, o ano que vem é de eleição. De gasto.

Nervos de aço

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


As boas notícias começam a voltar devagar ao setor siderúrgico, que tinha sido violentamente afetado pela crise. CSN e Gerdau religaram altos-fornos; o presidente da ArcelorMittal Tubarão acha que o pior passou. O setor de distribuição de aço acredita que em agosto os estoques podem estar normalizados no país. As ações das siderúrgicas subiram mais do que o Ibovespa.

Outro setor atingido em cheio foi o de máquinas e equipamentos, que, na segunda-feira, receberá seu pacote de ajuda. Eles pedem que o governo permita a devolução imediata de imposto pagos em PIS/Cofins e IPI. Hoje, a devolução é em 12 meses. De janeiro a maio, o setor teve queda de 30% no faturamento e cortou 18 mil vagas. O pior problema é que estão raras as encomendas para o ano que vem. Normalmente, elas acontecem com meses de antecedência porque certas máquinas são produzidas lentamente.

Mas quem conversa com esses dois setores, que viveram o olho do furacão na crise, ouve que a situação começa a melhorar. Numa reunião do setor siderúrgico em Nova York, a informação foi que os países ricos vão consumir menos aço por um bom tempo. A aposta é na demanda dos países emergentes.

No Brasil, houve melhora, mas não tanta que justifique a forte alta das ações. As empresas do setor estão entre as que apresentam melhor desempenho na bolsa este ano. Se o índice Ibovespa subiu 35% desde janeiro, as ações da CSN cresceram 60%; Usiminas, 51%; Gerdau, 35%. Para o presidente da ArcelorMittal Tubarão, Benjamin Baptista, isso é sinal que o mercado aposta que o pior já passou.

Uma parte da alta se deve ao fato de que essas são ações de alta liquidez, e outra, a uma boa notícia recente: os estoques de aço internacionais voltaram ao normal. Isso significa que a produção também poderá crescer.

- A normalização dos estoques no mundo é nossa melhor notícia. Ela significa que qualquer aumento de demanda será acompanhado por aumento de produção. Também quer dizer que a oferta maior de aço não terá impacto negativo sobre os preços - afirmou Baptista.

No auge da crise, em dezembro de 2008, a ociosidade do setor no mundo chegou a 50%. Baptista conta que a usina de Tubarão, em Vitória, já está operando com 87% da capacidade. Apenas o menor alto-forno está parado, para manutenção. Ele também conta que a demanda de aço do exterior, que havia sumido com a crise, agora volta a acontecer.

No Brasil, os estoques ainda estão elevados porque houve muita importação. A crise fez com que houvesse liquidação de aço mundo afora, e parte dessa produção veio parar no país. Isso justificou a alta da tarifa de importação de zero para 12% a 14%.

O presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), Carlos Loureiro, calcula que nossos estoques estarão normalizados no final de agosto. Mesmo assim, ele acha que as vendas internas fecharão o ano com queda entre 25% a 30% em relação a 2008:

- O pior já passou, mas ainda estamos longe de dizer que a situação é boa. Provavelmente fecharemos 2009 voltando seis anos em nível de produção. Já virou consenso o fato de que os países desenvolvidos não vão mais consumir aço como no período anterior à crise.

O presidente do Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), Marco Polo Lopes, também faz coro de que o pior já passou. Mas o momento ainda é de cautela e incertezas.

- No encontro em Nova York, havia duas visões. Uma mais pessimista, apostando em crescimento mais forte só a partir de 2011 e 2012. Outra, mais otimista, contando com melhora já a partir de 2010. Mas isso sinaliza consenso de que 2009 será ruim - disse.

O impacto direto é nos preços. O valor da bobina quente no mercado internacional, que é tido como referência, está menor hoje do que em dezembro de 2007. No auge da escalada da economia mundial, a tonelada bateu em US$1.100, em junho de 2008. Em dezembro, caiu para US$550. Agora, está em torno de US$450.

O setor de máquinas e equipamentos é o que mais sofre em épocas de incerteza. E os números não deixam mentir: o investimento caiu 14% no primeiro trimestre, e o segundo trimestre, mesmo com a melhora do PIB, não será de desempenho muito melhor que no começo do ano. O faturamento caiu 30%, e o setor teme ter que continuar demitindo.

O vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, disse que num cenário pessimista, esse número de vagas perdidas pode chegar a 50 mil. Pode ser um número só para forçar a devolução imediata dos impostos. Melhor é o segundo argumento:

- O empresário brasileiro sabe que precisa investir e que precisa renovar suas máquinas para enfrentar principalmente a concorrência dos chineses. Com isso, estamos esperançosos de que a devolução vai incentivar novas encomendas - explicou.

Por enquanto, quem ainda faz encomendas são indústrias de óleo e gás (quase tudo a Petrobras) e de alimentos, que sofreram menos com a crise. Mesmo que a medida seja anunciada, Veloso acredita que tudo o que ela vai conseguir fazer é reduzir a queda de 35% para 25% no faturamento do setor em 2009.

Contas públicas no vermelho

Martha Beck
DEU EM O GLOBO


Governo tem déficit fiscal primário de R$120 milhões, no pior maio em 10 anos

Diante de um forte aumento das despesas públicas e de uma queda acentuada das receitas, o governo registrou em maio déficit fiscal primário (ou seja, resultado negativo mesmo antes do pagamento de juros da dívida) de R$120,2 milhões. Foi o pior resultado do governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) para este mês desde 1999, quando o déficit primário foi de R$650 milhões. Em 2008, o mesmo período teve um superávit de R$5,55 bilhões.

Mesmo assim, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, assegurou ontem que o governo vai cumprir suas metas fiscais em 2009. No acumulado do ano, o resultado primário está positivo em R$19,3 bilhões, bem abaixo dos R$53,5 bilhões registrados até maio do ano passado. O governo central tem que entregar este ano um superávit primário (que é a economia para pagamento de juros) de R$42,8 bilhões, o equivalente a 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país).

- O resultado de maio é praticamente neutro em termos de primário. O governo propôs ao país uma meta fiscal menor em 2009 em razão da crise mundial. Isso significa que, em alguns meses, teremos um primário menor, neutro ou um déficit, isso é natural. Mas não há nenhuma dúvida de que vamos cumprir a meta do segundo quadrimestre de 2009 (R$28 bilhões, ou 0,9% do PIB), assim como a do ano - afirmou Augustin.

Gastos com pessoal sobem 18,3% este ano

O secretário justificou o aumento dos gastos este ano com a política anticíclica que está sendo feita para combater os efeitos da crise. De acordo com os dados do Tesouro, no acumulado de 2009, as despesas públicas subiram, em termos reais, 14,4% em relação a 2008. Já as receitas caíram 4,4%, influenciadas por uma queda na arrecadação do Imposto de Renda de empresas e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Os gastos com pessoal tiveram alta de 18,3% e os investimentos, de 20,4%.

- Esse quadro é adequado para o momento atual. Estamos optando por uma política anticíclica, com desonerações e aumento de despesas. Vamos continuar investindo este ano.

Segundo Augustin, os gastos com custeio da máquina - que subiram 18,6% no ano - também fazem parte da política anticíclica:

- Nessas despesas estão programas sociais como o Bolsa Família e o impacto do reajuste do salário mínimo, que também têm efeito anticíclico.

Augustin evitou fazer avaliações sobre novas desonerações que estão sendo estudadas pela equipe econômica e também sobre os reajustes do funcionalismo público, que terão impacto negativo nas receitas:

- Todas as políticas para estimular a economia devem ser avaliadas.

Segundo Augustin, o governo deve conseguir empenhar a meta de investimentos prevista no Projeto Piloto de Investimentos (PPI) - onde estão as principais obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - que é de R$15,6 bilhões este ano. Até agora, os gastos do PPI somaram R$2,977 bilhões, aumento de 29% em relação ao mesmo período de 2008.

- Até o fim do ano, eu acredito que os investimentos estarão crescendo a um ritmo bem maior que as despesas de custeio - disse Augustin.

A queda continuada da arrecadação - as estimativas de receita do governo estão, atualmente, R$3 bilhões abaixo do previsto em março - está levando o governo a refazer suas contas.

Ontem, a Junta Orçamentária - formada pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo - se reuniu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eles começaram a alinhavar os possíveis cortes de despesas, necessários também para fazer frente às novas desonerações previstas. Estas medidas serão anunciadas na segunda-feira.