sábado, 27 de junho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA - Michael Walzer

Podemos distinguir entre os candidatos presidenciais iranianos, todos os quais foram aprovados pela liderança religiosa, e seus seguidores, muitos dos quais têm opiniões dissidentes que os líderes religiosos não aprovariam. Os dissidentes são as pessoas que devemos apoiar, cujas histórias devemos contar. E devemos conversar com eles sobre o tipo de apoio que eles querem e precisam. Eles e nós temos como objetivo, e temos todo o direito de tê-lo, uma mudança de regime. Organizações como Human Rights Watch e Anistia Internacional, embora não possam reconhecê-lo, visam à mudança de regime, sempre que condenam as práticas de regimes tirânicos; e assim deveriam agir os sindicalistas e os democratas de qualquer tipo, assim como moderados religiosos comprometidos com a liberdade e professores e estudantes que acreditam na integridade da universidade. Mudança de regime (o que costumava ser chamado de revolução) é a nossa questão, e deveríamos assumi-la.

(Michael Walzer, escritor e cientista político)


Fonte: Dissent

A sociedade como sacrifício

Marco Aurélio Nogueira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Basta passar os olhos pelo noticiário ou observar a vida cotidiana para notar que algo desafina no plano das instituições. A insatisfação com elas é difusa. O mal-estar dentro delas, indisfarçável. Elas nos desagradam, aborrecem-nos ou não nos inspiram confiança, seja na política (partidos, Casas legislativas), na educação (escolas, universidades) e na segurança pública (polícia, presídios), seja na economia (empresas, mercados) e na vida associativa primária, na família.

Precisamos de sociologia para discutir o ponto. Não dá para achar que as instituições falham porque são defeituosas, mal dirigidas ou mal organizadas.

Nossa época está atravessada por três processos que se superpõem, potencializando a globalização, a conectividade geral e o ritmo veloz que imperam por toda parte. As sociedades modernas estão sendo gradativamente reconfiguradas, antes de tudo, pela individualização: os indivíduos se "soltam" dos grupos, que sobre eles exercem cada vez menos poder e controle. Soltando-se dos grupos, soltam-se também das instituições. A individualidade tornou-se um valor inestimável, tanto no sentido da privacidade quanto no sentido da "autonomia moral", do pensar e decidir com a própria cabeça. E muitos desses indivíduos individualizados se tornam individualistas, egoístas, indiferentes aos demais.

Individualização, individualidade e individualismo tornaram-se, assim, condições estruturais.

Combinados com os demais traços da época, explicam muitos dos dilemas associativos atuais, que refletem um quadro de "dessolidarização". As instituições não funcionam bem porque não conseguem incluir, congregar e coordenar os indivíduos, que delas escapam ou a elas se tornam indiferentes. Os indivíduos necessitam delas, mas são levados a viver como se seguissem uma carreira-solo, alheios a vínculos e compromissos coletivos.

Nem sequer na dimensão privada da vida as coisas estão ajustadas. O alto índice de divórcios, os crimes passionais hediondos e os novos formatos de família e relacionamento revelam que certos equilíbrios foram perdidos, mas também sugerem a presença de um maior desejo de liberdade. Conservadores e tradicionalistas, com maior ou menor dose de ingenuidade, acreditam que tudo se deve à degradação dos costumes, que se recuperariam caso a ordem e o rigor moral voltassem a prevalecer no seio das famílias. Para eles, o desejo de liberdade é subversivo e precisa ser contido.

Devemos pensar com cuidado. A vida coletiva não se esgotou, nem as pessoas e os grupos andam às tontas pelo mundo. Todos sabem que uns precisam dos outros e que todos precisam de limites e coordenação, mas a tendência prevalecente indica que o poder das instâncias coletivas se reduziu. Ele continua a existir, evidentemente, mas não porque o coletivo forneça direção e identidade a seus integrantes ou aumente a potência deles como sujeitos, e sim porque lhes possibilita reforçar demandas e posições.

Ao perderem o hábito de valorizar o coletivo, as pessoas tendem a se ver mais como "vítimas" do que como beneficiárias da vida em sociedade. Elas estão, de fato, sobrecarregadas de pressões e de problemas e não têm muito com quem dividir isso. Nem sequer o trabalho e o emprego - esses trunfos categóricos do gênero humano - conseguem hoje organizar as pessoas. É compreensível que sintam o coletivo como um fardo, que se deve suportar com abnegação ou asco.

A vontade de ser livre e independente, de pensar com autonomia e criar as próprias regras, introjetou-se na consciência social. Ganhou impulso com as transformações que vêm atingindo as sociedades contemporâneas. Animada e embaralhada pela possibilidade que se tem hoje de se fazer tudo, ou quase, acabou por dissolver a percepção do social.

Mas a vida coletiva continua a existir e, nessa medida, continua a exigir que se aceitem regras e se coopere. Isso implica ao menos duas coisas.

Numa dinâmica tradicional, ou estruturalmente autoritária, implica o sacrifício do indivíduo e de seus desejos, o silêncio e o bloqueio de sua mobilidade. O grupo prevalece unilateralmente sobre as pessoas, monitorando-as sem apelação. É um sacrifício imperceptível, mas nem por isso menos real, já que o indivíduo nem imagina a possibilidade de escapar à regra e sofre as limitações como um "fato natural".

Numa dinâmica social moderna, diferenciada e democratizada, como a nossa, implica o sacrifício do individualismo, a capacidade de compreender o todo, assumir as próprias responsabilidades e contribuir para a organização justa do coletivo. Os indivíduos prevalecem sobre os grupos, porque podem fazer escolhas sem consultá-los ou pedir licença. É um sacrifício complexo, consciente e responsável, que exige altas doses de reflexividade, espírito cooperativo e disposição para o diálogo, sob pena de projetar a comunidade para o caos ou a impotência.

Aceitar a presença de minorias ideológicas ou corporativas, por exemplo, exige o sacrifício da vontade de potência das maiorias, silenciosas ou não, do mesmo modo que a liberdade de ação das minorias exige, da parte delas, o respeito às regras básicas de convivência e aos direitos dos indivíduos. O reconhecimento do direito de uns pressupõe o igual reconhecimento do direito de outros.

Encontrar um ponto de equilíbrio entre essas dimensões - o coletivo e o individual, as regras e a liberdade - é um desafio permanente, que se mostra tanto mais complicado quanto mais as sociedades se diferenciam e se individualizam. Em sociedades desse tipo não se pode vencer categoricamente, com a marginalização dos dissidentes, e nenhuma conquista pode ser obtida na base da força ou da violência (física ou verbal). A argumentação persuasiva, a tolerância e a ação política inteligente são os únicos recursos dos sujeitos políticos. Nelas, a ordem silenciosa e o ruído caótico bloqueiam a democracia e funcionam como empecilhos igualmente perversos para a mudança.

Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política da Unesp.

O joio e o trigo

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

No meio do tiroteio generalizado em que se transformou a crise do Senado, corre-se o risco, por má-fé ou ignorância, de não separar o joio do trigo, e qualquer denúncia contra um político, seja deputado ou senador, se transformar em verdade absoluta. Há também o risco de se aceitar uma explicação, que aparenta ter coerência, sem se levar em conta sutilezas que são fundamentais na vida pública. Sem contar o fato de que nem tudo que é transparente reflete uma atitude irrepreensível.

Recebi de José Adriano Cordeiro Sarney, o neto do presidente do Senado que atua como intermediário do crédito consignado dos funcionários da Casa, uma mensagem educada onde afirma que eu fora injusto na minha avaliação sobre sua conduta.

A principal explicação, confirmada pelo HSBC, é que em 2007, ao estabelecer-se em Brasília, o banco, onde já trabalhara, "resolveu, em função de minha experiência, fazer uma parceria com a empresa da qual sou sócio, a Sarcris, cadastrando-a para cuidar de convênios que mantinha desde 2005 com instituições públicas e empresas privadas, inclusive o Senado Federal (convênio número 52/2007, firmado em 07 de dezembro de 2007)".

De fato, a situação é melhor do que se o cadastramento do HSBC houvesse sido feito depois que o neto do senador Sarney começasse a trabalhar. E muito pior se o avô já fosse o presidente do Casa.

No entanto, continua havendo o conflito de interesse do ponto de vista do Código de Ética Pública, que prevê que devem ser evitadas situações que possam deixar dúvidas da correção da atuação do servidor público.

Como seu avô sempre foi um senador importante, tendo sido presidente do Senado por duas ocasiões, além do atual mandato, e, mais que isso, presidente da República, José Adriano deveria evitar atuar em órgãos públicos onde certamente seu sobrenome teria influência.

Sobretudo no Senado, tendo acesso ao cadastro dos servidores que, vendo seu sobrenome nas mensagens que normalmente empresas do tipo da dele enviam em busca de novos clientes, poderiam ser influenciados a contrair empréstimos consignados.

Com relação à transparência dos atos públicos, a simples revelação dos dados não resolve problemas, como mostra a relação dos gastos dos senadores com a verba indenizatória de R$15 mil mensais.

O líder do governo no Senado, Romero Jucá, gastou no mês de abril com combustível no Auto Posto Rio Branco, da cidade de Boa Vista, em Roraima, seu estado, nada menos que R$7.591,53, o que daria para rodar mais de 28 mil quilômetros em Boa Vista, onde o litro de gasolina está custando R$2,68. Quem fez a conta foi o jornalista Dacio Malta, do site "youPode", mostrando o absurdo do gasto.

Já o senador Antonio Carlos Magalhães Junior apresentou em maio dez notas fiscais seriadas, com os números na ordem do bloco, para justificar despesas de R$1 mil com combustível no posto Ponto Certo, em Salvador (BA).

Candidamente, alegou que provavelmente era o único freguês a pedir a nota fiscal. Se as empresas dos senhores senadores fossem administradas como o Senado, provavelmente já teriam falido.

E certamente nenhuma empresa privada aceitaria esse tipo de prestação de contas. Há histórias folclóricas nas empresas sobre prestações de contas rejeitadas, como a do repórter que, regressando de uma longa viagem à selva amazônica, incluiu uma nota referente a um bordel, quantia para pagar "alguns momentos de prazer".

E outro que, ao ser flagrado apresentando notas seriadas como as do senador ACM Junior, comentou, espantado, com o rigoroso controlador da empresa: "Mas não era de mentirinha?". O Senado precisa encontrar urgentemente um controlador de contas que não aceite prestações "de mentirinha" com o dinheiro público.

Mas o tiroteio também favorece algumas balas perdidas, vendo escândalo onde não existe. É o caso do pagamento de telefones residenciais dos senadores. Fazendo as contas dos últimos 30 meses, chegou-se à conclusão de que o Senado tem um gasto exagerado com essas contas, mas o fato é que elas obedecem a um teto de R$500 mensais que é bastante razoável para um político que tem no telefone um instrumento de trabalho importante.

O 1º secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), garante que as contas acima da cota são pagas pelos próprios senadores. O escândalo mesmo é o dos telefones celulares, cujo gasto mensal é de R$6 mil, sem limites.

Outro pseudo escândalo, levado à tribuna da Casa pelo senador Álvaro Dias como maneira de esquentar a CPI da Petrobras que não saiu ainda do papel, é a denúncia sobre os altos salários dos diretores do primeiro escalão da estatal de petróleo.

Os gastos cresceram 54% do primeiro ano do governo Lula a 2007, quando nesse período a inflação acumulada foi de 28%. Cada um dos seis diretores e o presidente recebem, em média, cerca de R$55 mil mensais (cerca de R$710 mil/ano), entre salários e bônus.

Além de serem salários de mercado, há levantamentos que mostram que a Petrobras paga menos do que empresas do mesmo porte, como a privatizada Vale.

Os salários, portanto, não são nada escandalosos, e a Petrobras, como alega, teve que reajustar seus gastos acima da inflação para não perder pessoal qualificado num mercado altamente competitivo.

O que se pode discutir, e esse é o papel dos políticos, é se os diretores são qualificados ou se estão nos cargos por proteção política.

Cerimônia do adeus

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Na quinta-feira, quando deixou de ir ao Senado para não ser obrigado a ouvir de novo as cobranças da véspera para que se afastasse da presidência da Casa, o senador José Sarney não perdeu apenas a apresentação do colega Pedro Simon outra vez no papel de conselheiro das causas perdidas.

Perdeu a última chance de simular controle da situação e, assim, cumpriu mais um ato do ritual da cerimônia de adeus iniciada por ele quando entregou ao primeiro-secretário, Heráclito Fortes, a prerrogativa de comandar o conserto dos estragos que há cinco meses se acumulam na forma de escândalos no Senado.

Ao tentar "amarrar" o apoio da segunda maior bancada da Casa, transferindo poder ao DEM, José Sarney já revelara o tamanho da sua fragilidade política.

Sem a unanimidade no PMDB, tendo contra si o PT, enfrentando o confronto explícito do líder do PSDB, alvo de uma denúncia atrás da outra de favorecimentos pessoais, impossibilitado de jogar ao mar com o vigor exigido o principal acusado e acuado por uma pressão que nem um advogado de defesa do jaez do presidente Luiz Inácio da Silva conseguiu aliviar, Sarney apoiava-se numa escora totalmente instável.

Quando atendia pelo nome de PFL, o DEM foi seu fiel companheiro de Aliança Democrática, compartilhou com ele o governo da Nova República, serviu de legenda à filha Roseana e a inúmeros aliados, agora recentemente deu-lhe votos para se eleger presidente do Senado, mas, no que concerne ao presente e, sobretudo ao futuro, o DEM tem outros planos.

A perspectiva de poder do partido está ligada aos projetos eleitorais do governador de São Paulo, José Serra, a quem Sarney reputa a condição de inimigo porque atribui a ele o desmonte da candidatura presidencial de Roseana, em 2002. Na frieza dos negócios da política, entre um que pode vir a ser e outro que deixa de ser, não há dúvida que se imponha e, portanto, nem decisão a ser tomada.

Muito provavelmente, o senador José Sarney também falava a respeito disso na nota oficial que divulgou naquela quinta-feira imputando suas agruras ao fato de ser um aliado do presidente Lula. Entregou ali todos os pontos. Admitiu ter percebido o crescente isolamento.

Confessava-se desprovido de argumentos para responder às acusações que o envolviam diretamente. Até porque o que pesa contra o presidente do Senado no momento não são denúncias de crimes dos quais possa se defender com documentos.

São velhos vícios, cuja prática dispensa comprovação e fala por si. Não há como Sarney negar os empregos dos parentes, a existência da troca de favores, a cessão de benefícios a afilhados, a proteção de agregados, a inadequação de atitudes, o uso particular do bem público por entendimento equivocado do que seja permitido ao ocupante de um alto cargo na República.

Quanto tempo José Sarney ainda ficará formalmente na presidência do Senado não se sabe. Podem ser dias, semanas ou meses. Já não importa.

Na prática, ele já abandonou o comando da Casa. E deixou isso muito claro na semana passada, quando informou que não estava ali para organizar-lhe as despensas, muito menos para remover-lhe os entulhos das lixeiras.

Aviso antecipado

O DEM e o PSDB só oficializam na semana que vem, mas já pediram formalmente o afastamento de José Sarney da presidência.

Na sessão de quinta-feira à tarde, o senador Demóstenes Torres informou ter "acabado" de receber do líder Agripino Maia autorização para divulgar a decisão e, em seguida, Marisa Serrano, falando em nome da liderança do PSDB, disse que os tucanos também seguem esse rumo.

Restará ao lado de Sarney a mesma base de sustentação que em 2007 ficou de braço dado com Renan Calheiros: a tropa de choque, a tropa do cheque e a bancada do PT carregando o andor da sua explícita e constrangida dubiedade.

Sexto sentido

José Eduardo Dutra, tudo indica, será o novo presidente do PT.

Logo após a eleição de Lula à Presidência da República ele era cotado para o cargo, mas não quis nem pensar na hipótese. "Se o PT já é difícil de administrar no Acre, no Brasil é impossível", avaliava, na primeira reunião do partido pós-vitória, no Hotel Hilton, em São Paulo.

Dutra pressentia confusão de natureza política, mas se livrou de uma situação muito pior. Ficou com a presidência da Petrobrás, José Genoino foi para o comando do partido e, por isso, acabou entre os réus do processo do mensalão por ter assinado os empréstimos bancários fraudulentos intermediados pelo lobista Marcos Valério.

Ex-senador, ex-presidente do PT no Acre, José Eduardo Dutra, apesar de ter atirado no que viu e acertado no que não viu há seis anos, terá ainda razão se continuar apreensivo. O partido que não quis comandar era muito menos problemático que o PT que está prestes a presidir.

Rompendo a censura

Zuenir Ventura
DEU EM O GLOBO


Vendo e revendo o impressionante vídeo de Neda, a jovem iraniana morta numa manifestação contra a reeleição de Ahmadinejad - o corpo estendido no chão, o rosto coberto de sangue, os olhos abertos e já provavelmente sem vida, o desespero do médico amigo de Paulo Coelho tentando salvá-la -, tudo me fez lembrar uma cena parecida ocorrida no Rio há 41 anos, quando o estudante Edson Luis foi assassinado também com um tiro no peito, num protesto contra a ditadura militar. Ziraldo, Washington Novaes e eu chegamos a tempo de ver o corpo sendo carregado pelos colegas para a Assembleia Legislativa, onde foi velado. Há diferenças e semelhanças entre as duas mortes, mas o mesmo valor simbólico. O rapaz não tinha importância política, assim como se sabia pouco da moça - apenas que estudou filosofia e tomava aulas de canto secretas, porque cantar em público lá é proibido para mulheres.

A morte de Edson não derrubou a ditadura, mas contribuiu para que o movimento estudantil atraísse a simpatia da opinião pública e ajudasse a desgastar o regime. O sacrifício de Neda também não deve pôr abaixo o domínio dos aiatolás, mas impôs-lhe ao menos uma derrota na batalha pela informação. "Eu queria mandar uma mensagem para o mundo e acho que consegui", disse Hamed, o jovem iraniano que, da Holanda, postou na internet o vídeo que correu o planeta.

Aqui, a tecnologia da época foi usada pelos censores: telefones eram grampeados e conversas, gravadas. No Irã, o celular e a internet estão servindo para romper a censura. Já tínhamos visto esse embate em Cuba e na China, mas não nessa dimensão e escala. A boa notícia é que as novas tecnologias de comunicação podem servir para infernizar os regimes de opressão.

O "Basta!" já foi usado no Brasil em momentos extremos como uma espécie de ultimato para coibir abusos e cessar desmandos - um sinal, uma maneira imperativa de advertir que a situação se tornara insustentável, chegara ao fundo do poço. Pois quando se esperava que Lula fosse dar o seu "Basta!" em nome de seu passado e de toda a sua luta na oposição - denunciando os escândalos, as maracutaias, os ladrões e picaretas do Congresso -, ele mais uma vez inverteu a ordem dos valores morais e apresentou a sua solução para a mais grave crise já vivida pelo Senado: "Basta que as pessoas que cometeram erros peçam desculpas à sociedade e está resolvido." Simples assim.

O tripresidente da Casa nomeou dez afilhados e parentes? Peça desculpas e está resolvido.

Aquele funcionário construiu mansão de R$5 milhões e não declarou ao IR? Que se desculpe, pronto. Quer dizer: o presidente da República propõe substituir os instrumentos legais de apuração e punição por um simples ato de contrição. É a remissão do pecado dispensando até a penitência.

Ken Starr e Joseph McCarthy

Cesar Maia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


ESCÂNDALOS envolvendo políticos são tão antigos quanto a própria história. Hoje esses registros, feitos com imagens, vozes e documentos gravados, são multiplicáveis ao infinito. Investigados e investigadores são atores deste drama. Os poderes têm regras para investigar e penalizar.

As pessoas, associações civis e meios de comunicação podem ser parte desses processos, investigando, denunciando ou opinando. A luminosidade dada a certos fatos, destacando os que investigam, denunciam e acusam, algumas vezes os atrai para o "estrelato" e o objetivo passa a ser a autoexaltação.

Dois documentários tratam de situações desse tipo. Um deles, "A Caça ao Presidente", de H. Tomason e N. Perry, é sobre o promotor que tratou por anos de escândalos com Clinton. O outro, "Os Anos McCarthy", especial da CBS com Walter Cronkite, é sobre o embate entre o legendário jornalista Ed Murrow e o senador McCarthy.

No primeiro, a "estrela" era o promotor Ken Starr, investigador pleno da vida de Clinton, das amantes até o caso Whitewater (um negócio imobiliário do qual os Clinton participaram). A busca desesperada por depoimentos terminou com polpudas indenizações às "namoradas", com um suicídio e a condenação a dois anos de prisão de quem nada tinha a ver com nada. Os "namoros" de Clinton não implicavam em seu impedimento para governar. O caso Whitewater terminou em tragédias pessoais por efeito colateral, sem chegar ao alvo alucinante de Ken Starr: Bill Clinton.

O senador Joseph McCarthy (1950 e 1954) abriu fogo contra tudo e todos os que poderiam ter qualquer relação com o que ele entendia por comunismo. Fatos de 20 anos antes, mera leitura de jornais sindicais etc., eram evidências pré-julgadas.

Ed Murrow -com seu foco no detalhe- destacou dois casos de pessoas simples incluídas pela mente doentia de McCarthy: um tenente, cujo pai e irmã teriam tido algum contato socialista, foi julgado e expulso da Aeronáutica; uma servente que teria trabalhado no setor de decodificação do Pentágono e cujo marido teria comprado, uma vez, um jornal de esquerda.Ed Murrow desintegrou as duas acusações, gerando uma solidariedade ampla com os acusados ("poderia ser qualquer um de vocês").

O tenente foi readmitido. A servente não havia trabalhado no setor -era homônima.
Desmoralizado nos dois casos, McCarthy declina e termina denunciado pelos excessos, no próprio Senado. Ed Murrow, na última locução sobre o caso, olhando como sempre para a câmera, em diagonal, de baixo para cima, arrematou: "A fronteira entre a investigação e a perseguição é uma linha tênue". Anos depois, essa mesma máxima serviu para vestir Ken Starr.

Lula admite se candidatar em 2014 se Dilma perder

Da Folha Online
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu que pode voltar a disputar a Presidência em 2014 se a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) -sua escolhida para a sucessão de 2010- perder as eleições.

"Se a Dilma for eleita, eu vou torcer para ela fazer o melhor que alguém possa fazer neste país para ela ser candidata à reeleição. Ora, se for um adversário que ganhe, aí sim, pode estar previsto: "Bom, em 2014 é possível voltar"", afirmou anteontem, em entrevista ao grupo RBS, em Porto Alegre.

Em relação à disputa pelo governo de São Paulo, disse que a possível candidatura de Ciro Gomes (PSB-CE) "daria trabalho" a seus concorrentes.

Ao discursar ontem no 10º Fórum Internacional do Software Livre, em Porto Alegre, Lula foi ovacionado ao criticar a chamada "Lei Azeredo", projeto do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) que tipifica crimes cibernéticos.

"Podem ficar certos, companheiros, neste governo é proibido proibir." Para críticos da lei, ela vai contra os direitos do cidadão e tem brechas que podem transformar o simples ato de baixar música em crime que pode levar à cadeia.

"A lei não visa proibir o abuso na internet. Ela quer fazer censura", disse, acrescentando que é preciso mudar o Código Civil para responsabilizar questões que envolvem o mundo digital, e não sair fazendo condenações, porque "esse interesse é policialesco", uma vez que visa permitir, até mesmo, o sequestro de computadores.

Serra amplia comunicação online

Clarissa Oliveira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Governador tira restrição a ferramentas sociais para que órgãos do governo usem redes como Twitter e Orkut

Acompanhado em tempo real por mais de 14 mil pessoas no Twitter, o governador José Serra (PSDB) decidiu afrouxar as restrições ao uso da internet em todos os níveis da administração estadual, para que ferramentas sociais sejam utilizadas para prestar contas da gestão, divulgar realizações do governo e melhorar o relacionamento com o cidadão. Cotado para disputar a Presidência no ano que vem, Serra passará a contar com uma rede mais ampla de comunicação com cidadãos.

A nova orientação começa a valer hoje, com a publicação de uma resolução da Secretaria de Gestão no Diário Oficial, determinando que pastas e órgãos de governo revejam seus critérios de acessibilidade. Atualmente, não há uma proibição centralizada ao uso dessas ferramentas. A Secretaria de Comunicação, por exemplo, já mantém perfis ativos em diversas redes sociais. Mas várias áreas da administração paulista possuem políticas próprias de restrição a alguns ou a todos esses sites.

O texto da resolução pede que seja autorizado o acesso a redes sociais, blogs, wikis e serviços de compartilhamento de arquivos, como vídeos, áudio e planilhas. Assim, os órgãos poderão se comunicar com cidadãos em sites como Orkut, YouTube, Facebook, Flickr, além do Twitter, onde Serra mantém seu próprio miniblog. Dos cadastros de relacionamento mantidos pela administração, diz a resolução, deverão constar endereço de e-mail e telefone celular para contato.

O texto também prevê que órgãos do governo se comuniquem com cidadãos por mensagem de texto no celular, desde que seja obtida autorização prévia do usuário. Nesse caso, surge a possibilidade de confirmar o agendamento para a emissão de um documento no Poupa Tempo, enviar um lembrete sobre uma consulta médica ou divulgar a realização de eventos.

CANAIS


Com as ferramentas sociais, a administração deixa de depender da iniciativa própria do cidadão de entrar no site do governo, para buscar informações. Esses dados poderão ser levados diretamente ao usuário, por meio de uma mensagem no Twitter ou um post no Orkut. Além disso, o governo ganha a chance de multiplicar seus canais de comunicação.

"O governo está se preocupando em instituir normas, diretrizes e políticas nessa área de gestão do conhecimento e inovação. É mudar processos de trabalho, formas de relacionamento e estar mais próximo do cidadão", afirmou Roberto Agune, coordenador do Grupo de Apoio Técnico à Inovação (Gati) da Secretaria de Gestão Pública do governo.

Ele citou como exemplo dessa abordagem a última eleição americana, em que o hoje presidente Barack Obama fez amplo uso da internet para se promover junto ao eleitorado. Mas nega que a implantação desse modelo no governo paulista tenha qualquer relação com a eleição de 2010.

"A sociedade tem todos os mecanismos legais para verificar que o governo está fazendo o uso correto disso", rebateu Agune, acrescentando que o foco é melhorar o relacionamento e a prestação de serviços ao cidadão. "É obrigação do governo, e isso está na Constituição, prestar contas à sociedade", completou.

Segundo Agune, o alívio nas restrições ao uso da internet é mais uma etapa de uma estratégia iniciada em 2004. No início deste ano, Serra estabeleceu em decreto as diretrizes para uma política de gestão do conhecimento e inovação.

Entre os objetivos listados está a "promoção da transparência na gestão pública por meio do provimento de informações governamentais ao cidadão, possibilitando a crescente capacidade de participar e influenciar nas decisões político-administrativas que lhe digam respeito".

Agune esclareceu que a nova política não significa que o governo tenha afrouxado sua segurança de internet, que hoje está a cargo da Prodesp. Um relatório referente ao primeiro trimestre deste ano mostrou que foram barradas mais de 6 mil tentativas de ataque virtual na estrutura de tecnologia do governo.

PSDB inicia mobilização para 2010 em SP

Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Partido começa hoje encontros em todo o Estado para fortalecer a candidatura de Serra

O PSDB estadual inicia hoje uma série de reuniões em São Paulo que têm, como principal objetivo, estruturar o movimento de pré-candidatura do governador José Serra (PSDB) à Presidência da República em 2010. Apesar da resistência do tucano em falar publicamente sobre o assunto, o PSDB paulista vai defender nesses encontros regionais que Serra é o candidato do partido ao Palácio do Planalto e sugerir que o trabalho de mobilização para a corrida eleitoral comece desde já.

Serra disputa com o governador de Minas, Aécio Neves, a vaga de presidenciável pelo PSDB. Os paulistas querem emplacar Serra sem disputa interna, como alternativa de consenso. Em Minas, os tucanos pressionam pela realização de prévias.

A primeira reunião será hoje, no município de Americana. Até o fim do semestre serão realizados entre 18 e 20 encontros.

Participa dessas reuniões a base do partido - líderes locais, prefeitos, vereadores e deputados. Nelas discutem-se também estratégias eleitorais em nível regional. No plano nacional, servirão para afinar os discursos pró-Serra em 2010, dando a essas lideranças munição para ampliar a popularidade do governador - um repertório de obras e ações dele no Estado.

"O objetivo fundamental do partido é eleger o Serra e que São Paulo faça a diferença. Temos de sair com 65%, 70% dos votos", diz o secretário-geral do PSDB paulista, Cesar Gontijo.

Os encontros vão ainda ajudar na elaboração de um mapeamento das áreas em que o PSDB tem maior dificuldade de mobilização. Já se sabe que regiões como o Vale do Ribeira, parte da Grande São Paulo e o entorno dos municípios de Ribeirão Preto e Presidente Prudente precisam de um trabalho mais forte para ampliar a popularidade de Serra.

O plano dos serristas é aumentar ao máximo a votação em São Paulo para compensar dificuldades de penetração no Norte e Nordeste. "Nossa possibilidade de crescer em São Paulo é muito maior, porque aqui temos uma estrutura já montada e muito bem organizada", defendeu Gontijo.

São esperados em uma ou outra reunião os secretários Aloysio Nunes Ferreira (Casa Civil) e Geraldo Alckmin (Desenvolvimento), cotados para suceder Serra no Estado.

Exemplar secretário- geral da Câmara

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Durante os muitos anos em que frequentei a Câmara e o Senado, de 1948 até a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, acostumei-me a conferir informações com o secretário-geral da Mesa, sempre um servidor de alto nível, que assessorava o presidente da Casa nas interpretações do Regimento Interno. De pé, ao lado do presidente, atendia a parlamentares, funcionários e jornalistas, e era tratado com estima e respeito.

Muito da minha indignação com a crise ética e moral que degrada o Legislativo pode ser debitado às trapaças de Agaciel Maia, ex-diretor-geral do Senado, e de outros denunciados pela rapinagem do dinheiro público.

E fui lavar as manchas da alma com a releitura de O Congresso em meio século, livro editado pela Câmara dos Deputados, com as memórias de Paulo Affonso de Oliveira, servidor da Câmara de 1946 a 1997, 42 anos na Câmara dos Deputados e 13 no cargo de secretário-geral. Na Introdução, o jornalista, meu amigo de décadas Tarcísio Holanda, conta a saga para convencer o autor a prestar o seu depoimento sobre meio século da história do Congresso. Paulo Affonso começou a contar parte do que sabia em fevereiro de 1999 e terminou em 3 de maio. Na primeira etapa do mutirão, que se prolongaria em cima de um texto de 390 laudas até o segundo semestre de 2004, conta Tarcísio que, com a presença de Paulo Affonso, reescreveu o calhamaço dezenas de vezes, com o acréscimo de novos documentos, até que o livro ganhou forma.

Valeu a pena. Trata-se de um grande livro, de leitura indispensável para quem tenha interesse pela história de meio século de profundas transformações e entender como o Congresso pagou o preço da sua decadência com a mudança precipitada para a nova capital antes de estar pronta, um canteiro de obras em meio ao lamaçal do ermo do cerrado. E de se emocionar lendo afirmações como esta: "Nunca fui filiado a partido político. Entendia que, em razão das funções que exercia, não podia comprometer minha independência e a linha de isenção absoluta no trabalho de assessoria ao presidente em exercício da Câmara dos Deputados. Tinha sempre em vista o prestígio da instituição que me abrigava, assim como seu conceito perante a opinião pública". E adiante: "Congresso e democracia não vivem um sem o outro".

Nos 23 anos como secretário-geral da Mesa, Paulo Affonso assessorou os presidentes Bilac Pinto, Adaucto Lúcio Cardoso, Batista Ramos, José Bonifácio, Geraldo Freire, Pereira Lopes, Flávio Marcílio, Sérgio Borja, Marcos Maciel e Ulysses Guimarães, reeleito em 1987 simultaneamente para a presidência da Constituinte (1097-1988), em que também foi secretário-geral.

Seria exagero afirmar que se trata de uma seleção irretocável. Mas, comparado com o que temos hoje, é de avermelhar o rosto. Até chegar ao alto da escalada, Paulo Affonso lembra que entrou para a Câmara, em março de 1946, com 19 anos de idade, como datilógrafo, lotado no Departamento de Taquigrafia. Desde a modesta função começou a ter contactos com políticos que frequentavam a Taquigrafia para correção dos discursos. Os repórteres que cobriam o plenário, para as seções fixas em todos os matutinos da época, também se valiam da Taquigrafia para conseguir a íntegra de discursos importantes, dos duelos parlamentares do jogo do poder. Os líderes do governo e da oposição falavam em nome dos partidos. E o da maioria, em nome do presidente da República. Poucos parlamentares frequentavam o Palácio do Catete, distante do Centro da cidade.

A fila de senadores e deputados na antessala do gabinete do presidente é uma moda brasiliense, das menos recomendáveis. A decadência da oratória que lotava as galerias do Palácio Tiradentes nas tardes da semana de seis dias úteis, de segunda a sábado, esvaziou as galerias. A mudança de hábitos, costumes, do comportamento dos senadores e deputados passa pelas centenas de páginas na moda lançada pela Plenarium, a Editora do Congresso. E é uma leitura saborosa os retratos traçados com elegância dos presidentes a que o autor prestou assessoramento, de pé, ao lado do presidente, com o regimento sempre ao alcance da mão.

Um grande livro. E que deveria ser distribuído a metade dos 81 senadores e aí por uns 200 deputados recuperáveis. Com o resto, é perder tempo.

Contas amarelas

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Pergunte ao governo sobre o déficit primário de maio ou a queda da arrecadação e ele dirá que em crises o Estado gasta mais e a arrecadação cai. É verdade. Mas a calma com que o governo analisa a deterioração das contas públicas é um dos maiores riscos que o país enfrenta na atual crise. Até agora, ele arrecadou R$63 bilhões a menos do que previa e tem aumentado o gasto errado.

É normal em períodos de recessão a arrecadação cair pelo óbvio motivo de que a atividade econômica é menor e há menos fator gerador. É também livro-texto o governo ampliar os gastos para tentar reverter o quadro. O mundo está tendo uma overdose de estímulo econômico.

Quando se pergunta às autoridades econômicas sobre aumento de gastos, a resposta é que o Brasil, dentro do G-20, é um dos melhores. Afinal, no acumulado do ano, ainda tem superávit primário. Maio foi um mês à parte, com déficit primário.

O problema é que o crescimento da despesa de pessoal é maior do que o próprio aumento da despesa geral. Na ponta do lápis, as receitas do Tesouro, divulgadas na quinta-feira, mostraram uma queda de 4,4% no acumulado de cinco meses até maio, em relação ao mesmo período do ano anterior. Ao mesmo tempo, a despesa teve aumento de 14,4% e o gasto com pessoal cresceu 18,3%. Em termos reais.

O investimento cresce pouco. O número registrado, de 20,4%, parece promissor, mas o que o engorda é o fato de que no ano passado o Congresso demorou a aprovar o Orçamento, então não se pôde fazer investimentos. A base de comparação é baixa.

Queda de arrecadação de um lado e aumento de despesas fixas, de outro. Essa é a síntese das contas públicas do país em meio à crise. E o que é pior, os investimentos do PAC, que são gastos em infraestrutura, custam a sair do papel.

De acordo com o economista Gil Castello Branco, do Contas Abertas, das mais de 10 mil obras previstas para serem executadas no programa, de 2007 a 2010, apenas 3% foram concluídas até dezembro de 2008, na metade do prazo. Os números são diferentes dos apresentados pela ministra Dilma Rousseff. A discrepância tem uma explicação constrangedora. Na hora do balanço, retira-se o que está apresentando problema para que o percentual de obras concluídas fique maior. Foi assim que as obras de saneamento não apareceram no último balanço, segundo Castello Branco.

- Basicamente, o PAC só vai bem nas obras tocadas pelas estatais, principalmente a Petrobras, que já possui logística, pessoal e orçamento para ser executado. Já as obras de saneamento, principalmente as que passam pela Funasa, estão com problemas. Não é à toa que o governo exclui essas obras dos balanços, fazendo com que o percentual concluído salte para 14% - explicou.

O economista Raul Velloso acha que a luz amarela acendeu nas contas públicas brasileiras com os dados de maio. E a luz pode ficar vermelha se continuar aumentando a relação dívida/PIB. Em conversa com Bruno Villas Bôas, do blog, ele lembrou que no início da crise econômica, em novembro, a taxa estava em 35%. Essa relação foi para 38,8% em dezembro e continua crescendo:

- Essa alta pode passar a sensação de que o governo está perdendo o controle da dívida, que não vai honrar seus compromissos.

O Banco Central no relatório de inflação prevê que essa relação chegará a 42%. É bom lembrar que essa forma de fazer a conta é a mais favorável ao governo porque é a dívida externa, mais dívida interna, menos reservas cambiais. Como as reservas crescem, a dívida cai. Mas a dívida interna como proporção do PIB foi de 40% para 60% no governo Lula. E isso numa época de forte crescimento de arrecadação.

O problema agora é que a arrecadação cai, as renúncias fiscais tomam parte da receita, e as despesas que aumentam são as de custeio, Previdência, pessoal e encargos sociais. Despesas fixas que não poderão ser eliminadas no futuro.

Parte do problema agora é fruto de o governo ter subestimado a crise. Até março deste ano, o governo ainda previa crescimento de 3,5% do PIB em 2009, enquanto no mercado há muito tempo já se falava em recessão. Ainda hoje, a estimativa é alta demais para a média. O Boletim Focus estima queda de 0,57%. O governo ainda mantém crescimento acima de 1%.

Pelas contas do economista Felipe Salto, da Tendência consultoria, cerca de dois terços da queda de 6% da receita líquida do governo central são resultado das desonerações para setores industriais que, curiosamente, até o presidente Lula criticou esta semana.

Um dado favorável será a queda do custo da dívida interna com a redução da taxa de juros.

Mesmo assim é uma das dívidas mais caras do mundo. O mais preocupante na questão fiscal não são nem os números, é a interpretação do governo Lula de que pode-se fazer aqui o que outras economias estão fazendo. Aqui, a carga tributária é alta demais, a dívida interna é alta, os juros cronicamente elevados e o governo está contratando aumento de despesa que não poderá reduzir. Isso sem falar nos esqueletos previdenciários que podem sair do armário, confirmando que no Brasil até o passado é incerto.

De olho em 2010, governo deve manter reajustes

Gustavo Paul e Geralda Doca
DEU EM O GLOBO

Suspensão do aumento salarial prometido a servidores chegou a ser cogitada, por causa da queda na arrecadação

BRASÍLIA. De olho nas eleições do próximo ano, o governo está decidido a pagar o reajuste dos servidores públicos que entra em vigor no próximo mês, com impactos na folha de agosto. Por causa do agravamento da crise global no início do ano, o governo chegou a cogitar a suspensão do pagamento dessa parcela dos reajustes, aprovados ano passado.

O aumento será concedido apesar da piora das contas públicas, causada pelo crescimento das despesas com pessoal e pela queda na arrecadação. Já o aumento salarial previsto para 2010 está sendo reavaliado; uma das alternativas é dividir os percentuais em duas vezes no ano, ou mesmo atrasar as datas de pagamento.

"Ninguém no governo tem coragem de vetar o aumento"

Acertado com o funcionalismo no ano passado, o reajuste concedido a mais de 1,6 milhão de servidores terá impacto de R$29 bilhões em 2009, com reflexos até 2012. A suspensão do reajuste deste ano voltou a ser recomendada, no último dia 17, pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, assustado com a queda da arrecadação.

Nas últimas reuniões da Junta Orçamentária, técnicos do Ministério do Planejamento chegaram a propor o adiamento do reajuste previsto para 2010 e assim ganhar mais tempo. A ideia, no entanto, foi descartada antes mesmo de ser levada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

- Ninguém no governo tem coragem de vetar o aumento do funcionalismo - disse uma fonte da equipe econômica.

Segundo técnicos envolvidos nas discussões, vetar este ano o aumento salarial para o funcionalismo representaria um custo político enorme, com repercussão que duraria até o ano que vem, podendo ter reflexos negativos na campanha da candidata do governo à eleição presidencial, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Já em relação ao cronograma de 2010 (terceira etapa de aumento), seria mais fácil atrasar os pagamentos por alguns meses, ou dividi-los ao longo do ano.

As medidas provisórias que autorizaram os ajustes incluíram um dispositivo que permite que os aumentos sejam postergados em caso de queda de receita. O martelo sobre os reajustes de julho, e os futuros, será batido na próxima semana em outra reunião da junta orçamentária. O tema foi discutido anteontem entre os ministros Paulo Bernardo e Guido Mantega (Fazenda) e o presidente Lula.

A receita acumulada em 2009 até maio, de R$269,7 bilhões, está R$63 bilhões menor que a estimada pelo governo. Só a arrecadação do mês passado, de R$49,8 bilhões, está R$3 bilhões abaixo do esperado. O resultado das contas públicas se deteriorou nesse início de ano, o que preocupa a equipe econômica. Mas, nas últimas semanas, de acordo com uma fonte, a arrecadação voltou a dar sinais de recuperação, o que permitirá manter os aumentos previstos para este ano.

Além do reajuste do funcionalismo, está na pauta do governo a redução do limite de gastos dos ministérios, que deve ser anunciada nos próximos dias, em novas reuniões da Junta Orçamentária.

BCs mais poderosos

Celso Ming
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Até agora, os bancos centrais estavam encarregados de executar quase tão somente a política monetária (política de juros). Mas cada vez mais se exige deles que formulem e executem a chamada política prudencial, aquela que toma providências para evitar a formação de bolhas de ativos e cuida da saúde dos bancos, objetivos que nem sempre estão diretamente ligados à política monetária.

Essa exigência não é sem consequências. À medida que seja levado a executar e aprofundar políticas prudenciais, um banco central ganha poderes e, como os elefantes, incomoda muita gente.

Um banco central convencional dispõe de apenas um instrumento de trabalho: a política de juros, que é o dispositivo que bombeia dinheiro para dentro e para fora do sistema de modo a definir seu preço: menos dinheiro na economia significa juros mais altos; mais dinheiro, juros em queda. O resultado esperado é o de que, meses depois, a inflação esteja lá onde o banco central quer que esteja, com o impacto conhecido sobre a atividade econômica: juros mais baixos tendem a acelerar a produção e o aumento de renda; juros mais altos, a contê-los.

Mais e mais, os bancos centrais são encarregados também da fiscalização (supervisão) das instituições financeiras, atuando como emprestadores de última instância. Nos Estados Unidos essas funções estão descentralizadas em vários organismos federais e estaduais, e alguns agem em complexa superposição.

O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) é acusado de ter sido omisso quando as bolhas se formaram. Deveria, segundo os críticos, ter feito duas coisas: aumentado os juros para cortar o crédito fácil e, assim, evitar a inflação dos preços dos ativos (imóveis, ações e moedas); e exigido dos bancos mais capital e provisões (reservas) para deixá-los em condições de enfrentar calotes dos seus credores.

Lá por 2003/2004, quando os juros nos Estados Unidos giravam em torno de 1% ao ano, o então presidente do Fed, Alan Greenspan, advertia que não havia critério que definisse um ativo muito caro e, assim, não tinha como agir. E como não existia inflação a atacar nem crescimento econômico a estimular, não havia por que elevar os juros.

Hoje, as críticas estão mais precisas. Apontam problema na medição da inflação pelo Fed. Os critérios adotados para medir o núcleo da inflação (core inflation) não levaram em conta o impacto da deflação importada provocada pela venda no mercado americano de produtos cada vez mais baratos provenientes da China.

Outra crítica aponta para as consequências na cabeça dos agentes econômicos quando ouviram das autoridades monetárias que os juros permaneceriam (como permaneceram) baixos por longo período. Foi um estímulo irresistível à tomada de empréstimos a longo prazo e a juros baixos, o que ajuda a formar bolhas de todo tipo, sobretudo as hipotecárias. Elas, coincidentemente, são de longo prazo. E isso poderia ter sido evitado.

Os novos projetos de regulação estão dotando o Fed (e outros bancos centrais) de mais poderes para exigir dos bancos aumento de capital mínimo para dar cobertura a seus ativos (empréstimos) e mais provisões sempre que se deteriorem as condições econômicas dos tomadores de empréstimo. A contrapartida é ter bancos centrais mais autônomos e poderosos, capazes de decidir e impor exigências a cada vez mais instituições financeiras, bancárias e não bancárias.

Um copo meio vazio

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - É tolice acreditar em promessas de políticos sobre transparência. A adoção de práticas mais abertas é algo atípico no âmbito do serviço público. A prestação de contas espontaneamente não existe como um valor estabelecido na cultura brasileira.

Quando eclodiu a onda de escândalos no Congresso neste ano -já são mais de 60 casos-, os presidentes da Câmara, Michel Temer, e do Senado, José Sarney, sacaram rapidamente do coldre o velho discurso de "transparência total".

Seria má vontade só desprezar os resultados apresentados. Alguma coisa foi colocada à disposição na internet. Mas há ainda um caminho longo pela frente.

O caso das verbas indenizatórias é emblemático. Um salário disfarçado, o benefício existe há quase uma década. O valor mensal é de R$ 15 mil (senadores) e varia de R$ 23 mil a R$ 34,2 mil (deputados). Só a partir de abril deste ano o uso do dinheiro passou a ser divulgado em detalhes. O passado foi enterrado.

Foram perdoados, por tabela, os sabe-se lá quantos delitos cometidos no emprego desses recursos. Não se fala mais a respeito.

Agora, o Senado ameaçou divulgar os nomes e os salários de todos os cerca de seus 10 mil funcionários. Outra promessa cumprida pela metade. Só apareceram os nomes. Nada de divulgar o valor dos vencimentos de cada um.

Já é um avanço ter a lista de nomes de quem trabalha no Senado. Na Câmara, esse documento não existe para consulta pública.

Nos próximos dias, o Senado promete também permitir consultas mais avançadas em seu site, com o cruzamento de nomes e de valores de despesas. Será mais um degrau na criação de um mecanismo de cobrança de responsabilidade.

Esses pequenos movimentos ainda representam um copo mais vazio do que cheio. Mas são bons efeitos produzidos pela atual crise.

Para Lula, país é prejudicado por fiscalização

Pedro Dias Leite
Enviado Especial a Itajaí (Sc)
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O presidente Lula criticou a fiscalização sobre obras do governo, que acha excessiva, e afirmou que o Brasil “foi construído para não funcionar”: “A máquina de fiscalização é muito mais eficiente que a de execução”. Nos bastidores, o Planalto tenta redefinir a ação do Tribunal de Contas da União.

Fiscalização é excessiva e não deixa país funcionar, diz Lula

Para o presidente, investimento em obras foi menor que o feito em órgãos fiscalizadores

Petista afirmou, sobre a provável candidatura de Dilma em 2010, que em março a ministra "se afasta e começa a campanha"


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou ontem a fiscalização sobre as obras e ações do governo no Brasil, por considerá-la excessiva, e afirmou que "esse país foi construído para não funcionar".

No que ele próprio classificou de "desabafo", o presidente afirmou que "a máquina de fiscalização é muito mais eficiente que a máquina de execução": "É só ver quanto é que ganha um engenheiro do Dnit para fazer uma estrada e quanto é que ganha um auditor do Tribunal de Contas para fiscalizar a estrada que o engenheiro vai fazer", disse ele.

A remuneração inicial de um auditor do TCU é de cerca de R$ 12.000. O salário inicial de um engenheiro do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) é de R$ 4.270.

O discurso faz parte de uma campanha do governo nos bastidores para redefinir a forma de atuação do Tribunal de Contas da União, tido como principal agente de fiscalização do Executivo. No ano passado, o tribunal fez uso de 124 medidas cautelares, por meio das quais suspende licitações e bloqueia repasses para obras com irregularidades graves. Por meio delas, o órgão calcula que evitou prejuízo de R$ 1,7 bilhão.

Lula culpou "a teoria do Estado mínimo, de que era preciso privatizar tudo, de que a Petrobras e a Vale do Rio Doce não valiam nada" pelo "desmonte" do Estado.O presidente esteve em Itajaí (SC) para assinar a transformação da Secretaria Especial da Pesca em ministério e para assinar a Lei da Pesca.

DilmaUm dia após a última sessão de quimioterapia da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, provável candidata do governo à sucessão de Lula, o presidente disse em entrevista à RBS que ela "vai ficar extraordinária, e a hora que tiver de anunciar [a candidatura], estará pronta para o embate".

De acordo com o petista, "a partir de março ela se afasta e começa a campanha", se tiver condições físicas e políticas. O presidente espera uma aliança com PMDB, PDT, PTB e PC do B no plano nacional, apesar das dificuldades nos Estados, e já admite uma aliança no segundo turno.
"Temos de ter maturidade de saber como vamos nos tratar no primeiro turno."

Como forma antecipada de resistir à pressão dos partidos aliados, o presidente já disse que deve colocar os secretários-executivos no lugar dos ministros que deixarem o cargo para disputar as eleições no ano que vem. "Não vou trazer uma pessoa para chegar sem conhecer o histórico do próprio ministério. Desse jeito irei paralisar o governo por dez meses."

O presidente se eximiu ainda de responsabilidade na derrota da ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, a uma vaga na Organização Mundial do Comércio. "Ninguém atribuiu a mim a derrota de Ellen. Ela reconheceu, com muita gentileza, que deveria ter estudado mais", afirmou Lula.

Em entrevista à Folha em maio, porém, a ministra disse ter se preparado "com a seriedade necessária" para a vaga.