quarta-feira, 8 de julho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA - Jarbas Vasconcelos

“Ao enquadrar a bancada do PT no Senado e interferir de maneira despudorada em outro Poder da República, Lula encerra de vez o sonho daqueles que o elegeram acreditando em um país mais justo. A estrela vermelha ruma para o ocaso pelas mãos de seu próprio líder.”


(Senador Jarbas Vasconcelos, (PMDB-PE) em discurso segunda-feira, no Senado)

O fantoche PT

Meval Pereira
DEU EM O GLOBO

A profunda divergência que existe entre a maioria da bancada petista do Senado e o presidente Lula com relação à permanência do senador José Sarney à frente do Senado reflete a diferença de visão que os dois lados têm sobre a eleição de 2010, embora não seja tão forte a ponto de fazer com que o PT se rebele contra seu criador. O máximo que a bancada conseguirá é não ser obrigada a dar uma declaração formal de apoio a Sarney, e fingir que nada aconteceu, na esperança de que os eleitores se esqueçam deste e de outros episódios.

Para começar, as divergências surgiram na escolha da candidata petista à sucessão de Lula, a ministra Dilma Rousseff, imposta ao partido por Lula, que tirou seu nome do bolso do colete há mais de dois anos, e vem trabalhando com afinco sua identificação junto ao eleitorado não com o PT, mas consigo mesmo.

Assim como Lula tem como objetivo prioritário eleger sua sucessora, os senadores do PT têm outro objetivo: nove dos doze da atual bancada vão tentar a reeleição, e, na maior parte, são políticos de voto de opinião, que não se beneficiarão diretamente da mudança de público operada por Lula nos últimos anos.

Com essa mudança, que fortaleceu sua imagem política no Norte e no Nordeste do país, é importante o apoio do PMDB mais até do que o do PT, já que há um consenso em torno do eleitorado ideológico petista, que dificilmente deixará de votar no candidato do partido, seja ele quem for.

Esse eleitorado, pelas pesquisas, gira em torno de 20% do total, e Dilma Rousseff já está praticamente com ele garantido. O eleitorado chamado "de esquerda" tem cerca de 30% dos votos, e essa diferença de 10% é que Dilma disputará com o governador de São Paulo, José Serra, e com outros eventuais candidatos que se apresentem, como Ciro Gomes, do PSB.

Portanto, para vencer a eleição o candidato petista terá que fazer o que Lula já fez a partir da eleição de 2002, correr atrás dos 30% do eleitorado que, não sendo de esquerda, pode eventualmente votar num candidato esquerdista "palatável", no que Lula se transformou pelas graças do marqueteiro Duda Mendonça.

A partir daí, ele mesmo tratou de aprofundar sua relação com as oligarquias políticas no governo, e é por isso que está tão empenhado na defesa de Sarney e na manutenção da parceria política com o PMDB.

Da mesma maneira, tratou com a mesma dose de atenção os que estavam abaixo da linha de pobreza e os "do andar de cima", conseguindo a proeza de agradar aos dois, o que não é ruim se as doses de bondade distribuídas forem sustentáveis, o que é discutível.

O cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio, vem fazendo há anos estudos sobre as transformações da geografia eleitoral dos candidatos a presidente. Seus estudos mostram que para se ganhar eleição no Brasil, o candidato não pode deixar de lado as oligarquias que dominam os grotões, os pastores pentecostais e os políticos populistas das periferias metropolitanas pobres.

As oligarquias continuam sendo as máquinas eleitorais nos grotões do país, e os trabalhos do professor Cesar Romero indicam que o programa Bolsa Família, em vez de ter substituído as oligarquias nos grotões, transformou-se em mais um instrumento dessas oligarquias, manipulado pelas prefeituras.

Os programas assistencialistas do governo como o Bolsa Família fizeram do Nordeste a base do lulismo, e alteraram a oratória eleitoral do próprio Lula, que trocou a ênfase em sua origem operária pela do pobre nordestino. Uma sutileza que o distancia do PT do voto de opinião e o aproxima do populismo e das máquinas oligárquicas, porque nos municípios pobres as oligarquias não têm ideologia, e o chamado "voto de opinião" fica para as classes médias urbanas das cidades grandes e médias.

Em 2002, os mapas de Cesar Romero já mostram que a capilaridade da candidatura de Lula cresce para o interior do país graças às alianças com as oligarquias políticas.

Todos esses movimentos políticos não acontecem por acaso, representam o lulismo em ação, para um segundo mandato acima dos partidos e baseado nos programas assistencialistas que lhe deram a reeleição.

Lula teve 17% da votação em 1989, 27% em 1994 e 32% em 1998, um "crescimento endógeno", somando os votos da esquerda, na definição de Cesar Romero: se somar os 17% de Lula com os 16% de Brizola em 1989, dá 33%; em 1994, os 27% do Lula com os 3% do Brizola dá 30%; e Brizola e Lula juntos em 1998 somam 32%.

Quando o presidente Lula alcança esse ponto, se afirmando como o principal líder de esquerda, para chegar à Presidência ele tem que fazer um movimento para o centro, e foi o que aconteceu em 2002.

O PT seguiu quase que involuntariamente esse traçado lulista, e cresceu no Nordeste, onde ganhou diversos governos estaduais, e caiu no Sudeste.

Atualmente, tem dificuldade até mesmo de ter um candidato ao governo de São Paulo para a disputa de 2010 e não existe no Rio de Janeiro, onde há uma intervenção branca para garantir o apoio do partido ao governador do PMDB Sérgio Cabral.

É esse o partido que se transformou em mero fantoche do presidente Lula, infestado de fisiológicos, mensaleiros e aloprados de todos os calibres, que disputam um lugar na máquina administrativa em busca de consolo para a utopia perdida, se é que houve utopia um dia. Parece irreversível sua peemedebização.

Satisfação garantida

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Distante do PMDB atormentado no Senado pelo cerco das denúncias, o abandono dos mais fiéis aliados e uma crise em que qualquer hipótese representa uma derrota, há um PMDB feliz da vida que não pensa em criar problemas para o governo Lula e não condiciona a eleição de 2010 a atitudes do presidente da República em relação ao senador José Sarney.

É o PMDB que controla a estrutura partidária, sabe o que se passa em cada um dos diretórios regionais, administra o andar da carruagem rumo à convenção decisiva, negocia com o presidente Luiz Inácio da Silva seus interesses específicos, transita pelo campo adversário e calibra as regras do jogo do processo sucessório no dia a dia.

Empresta solidariedade contida ao presidente do Senado, lamenta muito toda a situação, mas acha que Sarney está pagando o preço da imprudência de ter levado adiante o plano de ser pela terceira vez presidente do Senado, quando a vida já não lhe dava tempo de tentar a volta por cima se algo saísse errado.

Portanto, a esse PMDB interessa menos o desfecho da crise e mais as possibilidades futuras. Logo, nesse quadro não cabem ameaças de ruptura.

Ao contrário, o interesse é de crescente aproximação. Por exemplo, por ali se considera que a entrega ao partido de um assento no Palácio do Planalto seria um passo de peso em direção à formalização da aliança com a candidatura da ministra Dilma Rousseff.

Meio à brinca, meio à vera é citado o cargo hoje ocupado pelo ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, em vias de se transferir para o Tribunal de Contas da União.

Nesse caso seriam sete ministérios, sem contar os penduricalhos, muitos deles fabulosamente valiosos, espalhados pela administração federal Brasil afora.

Osso que o PMDB não se dispõe a largar ainda que Lula, por hipótese absurda, resolvesse entregar Sarney à própria falta de sorte. Essa participação governamental é apresentada como o principal motivo da tendência do partido em fechar com a candidatura Dilma.

É o mais provável, segundo o comando do PMDB, que já começa a "ver semelhanças" entre 2002 e 2010. Lá, o partido estava no governo Fernando Henrique e fechou com o candidato José Serra dizendo que não poderia se transformar do dia para noite de governo em oposição. Agora diria o mesmo.

A outra possibilidade - tida nesse momento como menos cotada - seria a adesão à candidatura tucana. Se a convenção nacional assim decidisse por força da posição dos diretórios regionais, não precisaria outra justificativa.

A indecisão de resultados, que possibilitaria ao partido se dividir entre os dois principais oponentes, é praticamente descartada. Posição surpreendente, porque sempre se esperou que o PMDB seguisse com um pé em cada canoa.

Os dirigentes alegam que seria uma desmoralização para o partido.

Altiva, a alegação. Mas inverossímil. Mais provável é que a tomada de uma posição oficial seja exigência de Lula. Afinal, só assim a candidatura presidencial poderia dispor do tempo de televisão do PMDB no horário eleitoral gratuito. Só assim também o PMDB poderia ficar com a vaga de vice.

Ademais, a formalização da aliança não impede que os candidatos pemedebistas aos governos dos Estados façam outras coligações, porque a lei não obriga mais que haja uniformidade partidária entre a parceria nacional e as regionais. Cada qual se alia com quem bem quiser.

Mas o PMDB da bonança negocia com Lula o maior número possível de alianças com o PT nos Estados. Pede que o presidente convença os petistas a desistir de disputar governos, apoie os candidatos do PMDB que, em troca, sustentariam os candidatos petistas ao Senado.

A ideia de Lula é montar bancada forte no Senado, uma fonte de problemas para o governo federal muito maior que os governadores. Estes, mesmo quando de partidos de oposição, são obrigados a manter boa relação com o Planalto por força das questões administrativas.

Toda essa engenharia passa ao largo da crise do Senado e está sendo montada para chegar a um desfecho ainda este ano, provavelmente em outubro.

Muito antes do prazo fatal da lei, em julho. Oficialmente, a justificativa é a de que a antecedência permitiria ao PMDB guardar honrosa quarentena, caso a decisão seja apoiar a oposição. Mas, na prática, a antecipação favorece a opção Dilma, pois daqui a três meses Lula ainda estará dando as cartas como o todo poderoso.

Redução de dano

O PT adiou nova rodada de discussão sobre a posição dos senadores em relação ao presidente do Senado e, tão cedo, a bancada não deverá voltar a se pronunciar.

Considerando as opiniões externadas por Tião Viana e Marina Silva e o fato de que a maioria também acha que Sarney não é capaz de levar o Senado à melhor solução, o silêncio deve ser interpretado como um gesto de reverência à autoridade do presidente Lula.

FHC cobra decência na política e critica Lula

Renato Andrade, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não é uma pessoa ou governo que fazem Nação, diz

Da tribuna do Senado, adotando um discurso diplomático, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso cobrou ontem dos políticos "mais decência, frugalidade e simplicidade". O ex-presidente, no entanto, evitou comentar a atual crise do Congresso, ao afirmar que "em casa de enforcado, não se fala em corda."

Numa referência ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, FHC afirmou que "não são uma pessoa e um governo" que constroem uma nação. Acrescentou que as nações são construídas com memória, história e, "fundamentalmente, com instituições." As frases de FHC se contrapuseram à expressão "nunca antes neste País", usada por Lula, para falar das políticas do seu governo. FHC contou a história do Plano Real e atribuiu o trabalho à "democracia", que teve na construção a "tolerância (de Sarney) no Congresso e no Planalto". Sem citar nominalmente o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), FHC disse que a discussão de "detalhes constrangedores" tomou o lugar do debate de ideias dentro do Parlamento brasileiro. "O Congresso ficou menos ativo e quando fica menos ativo as questões que não deveriam ser as mais importantes se tornam mais importantes", disse FHC, após participar de comemoração aos 15 anos do Plano Real.

Logo ao chegar ao Congresso, Fernando Henrique disse que não faria comentários sobre a crise que envolve diretamente Sarney, acusado de patrocinar uma série de atos secretos e o emprego de parentes em diferentes cargos dentro do Senado. "Em casa de enforcado, não se fala em corda", afirmou, então, o ex-presidente, antes de ser recebido por Sarney no gabinete da presidência do Senado.

Sarney, que esteve durante toda a solenidade ao lado de Fernando Henrique, não fez comentários, limitando-se apenas a parabenizar os idealizadores e condutores políticos da implementação do plano econômico que encerrou um longo período de inflação no País a partir de 1994.

As críticas de FHC sobre a falta de atividade dentro do Congresso não se limitaram aos parlamentares. Para o ex-presidente, boa parte do problema decorre da falta de uma agenda por parte do Poder Executivo.

"Num sistema presidencialista, o Congresso funciona quando o Executivo tem uma agenda. Quando o Executivo não tem uma agenda, não quer reformas, o Congresso fica menos ativo", disse.

No fim de semana, em entrevista à revista Veja, o senador Tião Viana (PT-AC) já havia tratado do desgaste que o governo do presidente Lula impõe ao Legislativo. Depois de admitir que o governo se relaciona com a Câmara à base do "fisiologismo", Viana acrescentou que "Lula nada fez para evitar a desconstrução e a perda de autoridade moral do Congresso".

"Os partidos estão mais fracos e deteriorados do que antes da sua posse. E é papel do chefe de Estado fazer com que as instituições como o Parlamento sejam vigorosas", afirmou o parlamentar.

Culpa de todos justifica perdão aos amigos?

José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A notícia de que aliados do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), estocam munição para atacar os oposicionistas e, com isso, reduzir a pressão do noticiário de escândalos do Senado dá ideia do ponto a que a luta política leva os homens públicos no Brasil, mas se apoia em lógica plana. Foi-se o tempo em que o Partido dos Trabalhadores (PT) e seu constante candidato à Presidência da República buscavam diferenciar-se dos adversários para chegar ao poder pela distinção de seu estofo do restante dos colegas. Sua aliança com a velha elite dirigente dos mandachuvas regionais (Jader Barbalho, José Sarney e tantos outros) e o baixo clero mais rastaquera (que tem em Severino Cavalcanti seu pontífice) os levou a mudar o tom do discurso político. E a delação do "mensalão" pelo ex-aliado Roberto Jefferson forçou-os a virar o discurso pelo avesso: "Eles não são diferentes de nós, somos farinha do mesmo saco" - eis seu lema oculto.

A vitória eleitoral em 2006 levou Luiz Inácio Lula da Silva e toda a sua corte de áulicos a investirem cada vez mais na tática genialmente definida pelo cafajeste Tavares, personagem imortal do humorista Chico Anysio, que consagrou o bordão: "Sou, mas quem não é?" Ou seja, "meus pecados deverão ser perdoados, pois também são podres os dedos de todos quantos nos delatam". O feito inédito e espetacular de atingir índices estratosféricos de popularidade no segundo mandato, que normalmente conduz ao purgatório da execração e, depois, ao ostracismo (vide Fernando Henrique e Carlos Menem, dois exemplos recentes), fez com que o presidente imaginasse que os milhões de votos somados a porcentuais crescentes de prestígio popular lhe dão o condão da inimputabilidade transferível. Ou seja, ele passaria não apenas a merecer indulgência plenária por todos os pecados que viesse a cometer - incluindo os mais graves -, mas também a poder ungir com o dom seus amigos de fé, seus irmãos, companheiros. Por isso, saiu pelo País distribuindo essa unção a aliados de última hora cujos pecados foram remidos pelos serviços prestados ao governo que redime os pobres brasileiros de séculos de miséria e opróbrio.

Noço guia genial obra diariamente, mercê de sua notória capacidade de falar a língua de flagelados da terra seca e favelados da periferia das urbes, o milagre da transposição da redenção, distribuindo-a aos companheiros de jornada e negando-a a renegados. Cultor da lógica simplista da metáfora do ludopédio, Sua Excelência abusa de forma absurda do truísmo.

Ao aceitar o convite para participar de um ágape frequentado por tiranetes africanos em Trípoli, recorreu a uma duvidosa norma social - ninguém pergunta quais são os outros convidados de uma festa à qual comparece - para negar a obviedade mais ululante de que ninguém é obrigado a dizer sim a todos os convites que lhe são dirigidos. E fingiu desconhecer a evidência de que nenhum chefe de Estado frequenta ambientes que não sejam antes devassados por seus batedores e diplomatas. Foi essa crença na própria capacidade de manipular a ignorância alheia (de mais de uma centena de milhões de patrícios) que o levou a apostar todo o seu cacife em lances de jogadores para os quais a definição de suspeitos chega a ser elogiosa e cuja disposição para os deveres cívicos inexiste.

Com a prática de anos de investimento na demolição da reputação alheia, Lula deve saber melhor que ninguém que a fonte da divulgação dos escândalos na administração do Senado fica a uma distância lunar dos adversários da oposição. É mais provável que ela jorre nos jardins dos companheiros derrotados na disputa pela presidência da Casa. Quando atribuiu ao PSDB e ao DEM a vontade de ganhar o jogo no "tapetão", não estava fazendo um diagnóstico, mas prolatando uma sentença dirigida principalmente aos próprios correligionários. Como se diz no interior de Pernambuco, de onde ele saiu em tenra idade, para o burro entender basta bater na cangalha. Sua Excelência aposta na incompetência dos oposicionistas e na cega adesão dos governistas.

Do líder de seu partido no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), não surpreende a pusilanimidade de sugerir uma licença de 30 dias para José Sarney na véspera e, no dia seguinte, assumir o comando da luta pela permanência do presidente da Casa em seu assento, mas, sim, a incapacidade de perceber o óbvio. Até os peixes do espelho d?água do Planalto sabem que Lula precisa do grupo de Sarney para continuar fazendo o que bem entende no Congresso e, sobretudo, para ajudar a carregar o poste Dilma Rousseff ao longo de uma exaustiva e complicada campanha eleitoral presidencial. O que pode, então, ter dado ao professor Mercadante a ilusão da autonomia que ele não tem, nunca teve nem jamais terá? Muito mais esperto, Eduardo Suplicy (PT-SP) sabe que pode bancar o independente, pois essa imagem é útil ao partido e Lula aposta que, na hora de a onça beber água, ele será o primeiro a evitar que alguma ovelha afoita impeça sua chegada ao rio. Suplicy só pede a renúncia de Sarney porque tem a certeza de que nem este renunciará nem ele será obrigado a votar por seu afastamento - não porque não se disponha a isso, mas porque essa votação nunca vai ocorrer.

A escolha da estratégia de defesa de Sarney - a crise não é da pessoa do velho patriarca, mas, sim, da instituição - revela, no fim das contas, a causa da luta pela manutenção do status quo no Senado e também a justificativa de Lula para exercer as funções - que se atribuiu no poder - de perdoador-geral dos amigos e carrasco-mor dos inimigos. O raciocínio é simplista: "Se a culpa é de todos e é impossível punir todos, pois seria o fim do Estado Democrático de Direito, vamos manter os companheiros no céu e os adversários no purgatório da distância do poder." O resto é papo furado.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

A favor dos eleitores, dos partidos e do Legislativo

Marcos Cintra e Maria Celina D´Araujo
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Democracia é cara em qualquer parte do mundo, mas é sempre mais barata do que os desmandos das ditaduras

A reforma eleitoral merece exame objetivo e detalhado. A proposta colocada no Congresso (e aparentemente já descartada) não é solução ideal, mas apresenta vantagens que não são desprezíveis.

O projeto de reforma eleitoral em discussão no Congresso tenta atingir três objetivos: a) atribuir diretamente aos partidos a responsabilização pela qualidade dos candidatos; b) permitir maior (e não menor) correlação entre a vontade do eleitor e a resultante representação popular nos Parlamentos; e c) ajustar a representação parlamentar às características da população brasileira.

Para atingir esses objetivos a reforma eleitoral propõe quatro instrumentos: a) financiamento público exclusivo de campanha como medida moralizadora e inibidora do famoso "caixa 2"; b) votação em listas partidárias fechadas que contariam com o aval das direções partidárias e dariam ao eleitor mais transparência do que o partido lhe oferece atualmente; c) proibição de coligações nas eleições parlamentares como forma de fortalecimento dos partidos éticos e programáticos; e d) obrigatoriedade de quotas na representação em termos de gênero e de etnias.

Vejamos como os objetivos seriam atendidos.

Em primeiro lugar, ao atribuir diretamente aos partidos a responsabilidade de selecionar a ordem dos eleitos, nomes "sujos", maculados eticamente ou notoriamente despreparados, e que hoje se elegem facilmente com a lista aberta, precisariam ser endossados pela direção partidária para encabeçar a lista. Os partidos seriam cobrados pela qualidade das escolhas que fazem. Com o sistema atual, apenas o eleitor é "culpado"... o partido apenas lhes dá legenda para concorrerem.

Em segundo lugar, o eleitor pode identificar quem ele está elegendo. Ao votar em uma lista partidária, o eleitor sabe exatamente quem e em que ordem os eleitos serão chamados a assumir suas funções. A consequência disto é a aproximação do eleitor com os eleitos, o fortalecimento dos mecanismos de accountability e de cobrança e a valorização da atividade política, hoje profundamente desprestigiada perante a opinião pública. O afastamento dos cidadãos de bem da vida política, como ocorre hoje, é caldo de cultura para a forte atração de aventureiros, corruptos e oportunistas para a atividade pública.

Em terceiro lugar, obrigar a presença dos dois sexos a cada três candidatos nas listas seria a forma mais fácil para incorporar as mulheres ao sistema político. Além do mais, cada partido seria praticamente forçado ainda a mesclar suas listas com minorias étnicas e sociais dando maior densidade e qualidade à representação política.

Bom lembrar que o financiamento público de campanha não é novidade no Brasil, ainda que atualmente coexista com o financiamento privado. Os fundos partidários distribuídos aos partidos políticos brasileiros somam altas quantias, chegando a cerca de R$ 136 milhões em 2008. Bom lembrar também que democracia é cara em qualquer parte do mundo, mas é sempre mais barata do que os desmandos das ditaduras, e do que o desperdício da corrupção.

Na proposta em pauta, o financiamento público se tornaria exclusivo. Ao excluir o financiamento privado, as campanhas se tornariam mais baratas, o poder econômico perderia força eleitoral e os controles de custeio de campanha seriam coletivos, em benefício de todos os candidatos da legenda. Os partidos seriam mais solidários, mais coesos em seus interesses. A proibição de financiamento privado de campanhas faria os lobbies econômicos, a corrupção e o tráfico de influência perderem importante instrumento de ação na vida pública.

Vale lembrar que o fundamental para o sucesso desta medida é o rigor da punição aos infratores. Doações privadas em dinheiro ou qualquer ação estimável em dinheiro precisariam ser rápida e rigorosamente punidas com a imediata perda de mandato, perda de registro partidário e outras sanções, até mesmo penais. Democracia só existe com rígidos controles.

As listas partidárias, por sua vez, diferentemente do que se apregoa, serão importantes instrumentos de fortalecimento do voto popular. O sistema proporcional atual afasta o eleitor dos legisladores, pois em geral o voto nominal em um candidato resulta na eleição de um desconhecido ou até mesmo de um candidato visceralmente rejeitado pelo eleitor. No nosso sistema de lista aberta, o eleitor vota em um candidato e elege outro, pois, de fato, por decisão do STF, o voto é do partido e não do candidato. Com a lista fechada e ordenada ele saberia de antemão quem seriam os eleitos com o seu voto.

Outro equívoco que precisa ser desfeito é o de que os chefes partidários manipularão as listas de forma a favorecer a eles mesmos e a seus acólitos. Os "donos" dos partidos que montarem listas compostas por candidatos notoriamente despreparados ou corruptos simplesmente afastarão os eleitores, inviabilizando a legenda e suas próprias eleições. Seria ilógico uma legenda ser dada a figuras carimbadas da alta corrupção política brasileira. Tais figuras sempre atrairão mais rejeição do que votos para o partido, diferentemente do que acontece hoje. No atual sistema proporcional, essas figuras não apenas obtêm legenda, mas ainda conseguem se eleger, pois se beneficiam dos votos dados a outros candidatos não eleitos e de financiamentos privados nem sempre declarados ou limpos. Ademais, com a votação proporcional de lista aberta, um candidato notoriamente corrupto ou criminoso pode fazer campanha quase incógnito dentro de seu partido e se eleger. Os partidos lhes dão legenda pois, ao fazerem milionárias campanhas silenciosas, eles trazem votos sem atrair rejeição.

Isto não poderia ocorrer nas listas partidárias fechadas e ordenadas. Um candidato ruim tenderia a afastar votos da legenda e a criar constrangimentos para a direção partidária, enfraquecendo sua organização. A imprensa, lembremos, será importante elemento fiscalizador da qualidade dos candidatos.

Outro ponto problemático de nosso atual sistema proporcional atual é que os maiores adversários de um candidato são seus próprios companheiros de partido. A lista fechada obrigaria os candidatos a serem mais solidários em seus compromissos e em suas ações eleitorais.

Finalmente, a proibição de coligações nas eleições legislativas acabaria com as legendas de aluguel. Com isso, beneficiar-se-ia a consolidação partidária e a nitidez programática seria acentuada. Hoje, partidos de última hora, com caráter aventureiro, coligam-se com partidos fortes e elegem representantes na esteira dos votos dados a outros candidatos.

Em suma, as listas podem moralizar os partidos, fortalecer o voto popular, garantir maior rigor e mais accountability dos partidos perante a sociedade. Demonizar o voto em lista fechada simplesmente, apelidando-o de golpe, sem analisar os problemas do sistema proporcional entre nós não é bom caminho para o exame de um assunto tão importante para a qualidade da democracia.

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas.

Maria Celina D´Araujo é doutora em Ciência Política e professora do Cpdoc/FGV.

PPS lança Soninha ao governo de SP

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A direção do PPS paulista decidiu lançar a candidatura da ex-vereadora paulistana Soninha Francine ao governo do Estado de São Paulo. "Não tenho vontade de ser parlamentar novamente, foi muito bom, aprendi muita coisa, mas minha vontade é estar no Poder Executivo", disse Soninha, ao confirmar sua candidatura ontem na capital paulista.

A ex-vereadora falou ainda sobre sua campanha à prefeitura no ano passado e sua relação com o PPS. "Tive total liberdade [durante a campanha], nunca o partido falou não diga isso ou aquilo. Fui muito feliz, uma campanha atrevida, afirmou a ex-apresentadora da MTV.

Soninha afirmou que recebeu o convite da legenda para sair candidata ao governo há cerca de um mês. Na segunda-feira, no entanto, a candidatura foi oficializada pela legenda. Ela disse que o partido ainda não tratou de alianças políticas, e que primeiro está "arrumando a casa".

A direção do PPS marcou para o dia 23 de agosto o ato político que apresentará a candidata oficialmente ao partido e aos eleitores. Antes disso, entre os dias 7 e 9 de agosto, a sigla irá realizar seu Congresso Nacional, que este ano ocorre no Rio de Janeiro.

Na ocasião, o partido vai para reafirmar o apoio da legenda à candidatura do governador paulista José Serra (PSDB) à Presidência da República, com a indicação do governador mineiro Aécio Neves (PSDB) para ser o vice na chapa puramente tucana.

Soninha, também ligada ao prefeito Gilberto Kassab (DEM-SP), comanda a Subprefeitura da Lapa, na capital paulista.

Nem só os quartéis desafiam a democracia na região

Mary Beth Sheridan / The Washington Post
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governo Barack Obama evidenciou seu apoio à democracia na América Latina. Washington condenou o golpe em Honduras e uniu-se aos países do continente, no domingo, para suspender Tegucigalpa da Organização dos Estados Americanos (OEA), em uma rara decisão.

Mas soldados de baioneta em punho não são a maior ameaça à democracia na região, onde mais de dez presidentes foram tirados prematuramente de seus cargos desde 1990. Nos últimos anos, uma série de líderes eleitos, de tendência autoritária, encheu os tribunais de partidários, promoveu eleições duvidosas e atacou a imprensa.

As legislaturas também forçaram os limites da ordem, dando cobertura a "golpes civis" em que grupos se uniram em protestos, obrigando presidentes a renunciar. "A ameaça contra a democracia na América Latina - e de modo nenhum quero atenuar o que ocorreu em Honduras - não é a dos golpes militares, mas de governos que ignoram o sistema de freios e contrapesos, passando por cima de outras instituições", disse Jeffrey Davidow, embaixador americano que foi assessor de Obama na Cúpula das Américas.

Tem sido difícil para o governo americano e para organismos regionais responder a crises constitucionais muito próximas de um golpe. Embora a OEA tenha feito um esforço para recolocar Manuel Zelaya na presidência de Honduras, reagiu muito brandamente a outras mudanças irregulares do poder e aos abusos de presidentes e Congressos.

Os acontecimentos em Honduras refletiram uma mudança do modelo antigo de golpes militares na América Latina. As Forças Armadas hondurenhas reconheceram rapidamente um novo presidente civil, juramentado pelo Congresso, enquanto os deputados hondurenhos votaram de maneira esmagadora pela destituição de Manuel Zelaya depois que ele foi posto em um avião rumo à Costa Rica.

Jennifer McCoy, diretora do Programa Américas do Centro Carter, afirmou que, nos últimos anos, raramente a comunidade internacional insistiu na reinstalação de um presidente deposto na América Latina.

Mas, desta vez, a visão de soldados atacando um presidente de pijama foi demais. Obama uniu-se ao coro para condenar o golpe, apesar de sua frustração com Zelaya, aliado do venezuelano Hugo Chávez.

"Agora, estamos em um contexto diferente de arcabouços democráticos na América Latina. O que não significa que não haverá crises. É a natureza das crises que é diferente. E não descobrimos como solucioná-las", afirmou McCoy.

"Estávamos do lado errado. Pagamos por isso de inúmeras maneiras, em termos bilaterais na região, e também na OEA", comentou Peter Romero, ex-assistente para a América Latina do Departamento de Estado.

A declaração de Obama de que o golpe hondurenho era "ilegal" e constituía um "terrível precedente" foi aplaudida em uma parte do mundo em que o governo americano está perdendo influência.

Obama andou cortejando a América Latina e o Caribe, prometendo uma "parceira entre iguais" com a região em uma cúpula realizada em abril. Em um estímulo para a política dos EUA, a OEA tratou a crise recorrendo à Carta Democrática Interamericana, adotada em 2001.

No mês passado, diplomatas americanos travaram uma batalha extremamente difícil em uma assembleia da OEA para que o documento final evitasse a readmissão de Cuba após 47 anos.

Com a crise hondurenha, a OEA invocou, pela primeira vez, uma parte da carta que pode suspender um país em razão da interrupção da ordem democrática.

Alguns críticos questionam por que razão a OEA não agiu com mais rigor quando Zelaya resolveu levar adiante uma consulta popular ilegal, chegando a demitir o comandante do Exército por recusar-se a ordenar aos soldados que distribuíssem as cédulas de votação.

"Aparentemente, não há vontade política de opor resistência ao caudilhismo que está ressurgindo no continente", disse Roger Noriega, estrategista sênior para a América Latina no governo George W. Bush.

A forte reação da região ao golpe hondurenho contrasta com a resposta limitada à situação na Venezuela. Na última década, Chávez assumiu o controle dos tribunais, das Forças Armadas e de todos os organismos de fiscalização, restringiu a imprensa contrária ao governo e ordenou investigações de políticos da oposição.

O Equador experimentou uma série de impasses constitucionais, com três presidentes destituídos, de 1996 a 2006. A Nicarágua ficou atolada em uma crise por meses após as eleições locais de 2008, criticadas pela oposição e por observadores internacionais.

"Isso é o que hoje estamos enfrentando na América Latina na medida em que suas democracias amadurecem, com conflitos entre as instituições governamentais", disse McCoy. "Precisamos solucionar essas situações antes que elas se transformem em crises totais. Mas ainda não aprendemos como fazer isso."

* Mary Beth Sheridan é jornalista especializada em política latino-americana

Zelaya e líder de facto reúnem-se amanhã sob mediação da Costa Rica

Patrícia Campos Mello, Washington
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Após encontro com Hillary, presidente deposto de Honduras aceita costa-riquenho Oscar Arias como mediador

O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, e o governante de facto, Roberto Micheletti, concordaram em se reunir amanhã na casa de Oscar Arias, presidente da Costa Rica. Arias, que recebeu o prêmio Nobel da Paz em 1987 por liderar o acordo de paz que pôs fim à guerra civil em El Salvador e Nicarágua, será o mediador da crise em Honduras.

A ideia de trazer Arias para a negociação veio do governo americano. "Arias era a escolha natural para assumir esse papel", disse a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, após se reunir com Zelaya, ontem. "Esperamos que as negociações levem à restauração da ordem constitucional e democrática em Honduras."

Hillary tentou convencer Zelaya a não tentar voltar novamente para o país nos próximos dias para não provocar mais mortes. Segundo Hillary, em vez disso, o presidente deveria esperar pelas negociações mediadas por Arias. No domingo, quando o avião no qual ele viajava tentou pousar em Tegucigalpa e foi impedido, houve tumultos e uma pessoa morreu. "Vamos experimentar o diálogo e ver o que vai dar", disse Hillary.

Segundo a secretária de Estado, os EUA passaram vários dias tentando convencer a Organização dos Estados Americanos (OEA) e os envolvidos de que a melhor solução era pôr os hondurenhos para dialogar entre eles. A escolha de Arias foi considerada também uma alfinetada no secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, que esteve em Honduras na semana passada. Insulza chegou a dar um "ultimato" a Micheletti, mas saiu de mãos vazias.

O governo de facto de Honduras começou a ceder porque está sob intensa pressão econômica. Segundo fontes, Tegucigalpa tem petróleo suficiente para apenas mais cinco dias. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, principal aliado de Zelaya, cortou na quinta-feira o fornecimento de petróleo subsidiado para o país, que no mês passado aderiu à Aliança Bolivariana para as Américas (Alba).

A missão de Arias será mediar um plano para que Zelaya volte a seu posto, com o compromisso de não tentar se reeleger. Micheletti disse estar muito feliz com a escolha do presidente costa-riquenho e afirmou estar "aberto para o diálogo". Em seguida ele recuou, dizendo que não iria à Costa Rica "negociar, mas conversar". Zelaya, por sua vez, disse que a reunião será "uma plataforma de retirada dos golpistas" e sua restituição.

O embaixador de Honduras em Washington, Roberto Flores Bermúdez - que ontem teve suas credenciais retiradas pelo Departamento de Estado -, disse que Micheletti agradeceu a Arias seu papel de mediador.

DIÁLOGO

"Estamos abertos ao diálogo, não queremos impor condições logo de cara", disse Flores, em um discurso mais conciliador do que o de Micheletti. Após o golpe, o embaixador declarou apoio a Micheletti e foi destituído verbalmente por Zelaya.

Lula e Sarkozy divergem sobre eleições no Irã

Deborah Berlinck – Correspondente
DEU EM O GLOBO

Brasileiro volta a defender legitimidade

PARIS. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente francês Nicolas Sarkozy fizeram esforço para mostrar sintonia em relação à crise política no Irã. Ao saírem de um encontro no Palácio do Eliseu, ontem, eles condenaram a violência do governo iraniano contra os manifestantes que saíram às ruas denunciando fraude na reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad.

Mas a diferença de posição e tom entre França e Brasil ficou evidente quando Lula disse que, até que se prove o contrário, os resultados das eleições não podem ser contestados: — Houve uma eleição.

Um cidadão teve 62% dos votos, outro cidadão teve 38% dos votos. Até agora não se provou absolutamente se houve qualquer ato ilícito no processo eleitoral.

Lula afirmou que o Brasil condena a violência. E disse que se a Justiça ou “qualquer outro foro” comprovasse que as eleições no Irã foram fraudulentas, “a comunidade internacional pode pedir para que haja novas eleições no Irã”. Mas até agora, frisou, não houve esta comprovação.

— O Brasil respeita o resultado de cada eleição de cada país, até que se prove o contrário — disse Lula.

Um contraste com o presidente Sarkozy, que tem multiplicado declarações denunciando fraude nas eleições e chegou a dizer que o povo iraniano “merece coisa melhor” do que os atuais dirigentes.

— Os primeiros a contestarem o resultado das eleições iranianas são os próprios iranianos. Não é uma intervenção da França ou do Brasil. Centenas de milhares de manifestantes querem dizer alguma coisa — argumentou Sarkozy. — Se o presidente Ahmadinejad estivesse tão tranquilo em relação ao resultado das eleições, nos perguntamos por que houve uma tamanha repressão contra os manifestantes.

Ameaças e fatos

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


No fim de 2007, o presidente Lula atacou os senadores da oposição que votavam o fim da CPMF. Definiu-os como "a direita impiedosa". Afirmou que pediria aos governadores que fossem às casas dos pobres, explicando quem eram os responsáveis por eles ficarem sem o dinheiro do Bolsa Família. Os fatos: a carga tributária subiu e o governo gasta com Bolsa Família apenas 1% do dinheiro que arrecada.

Lula continuou ofendendo. Chamou de "mesquinhos" e criticou a "pequenez" dos que estavam contra o imposto. Quando a contribuição foi derrubada, ele prometeu que não aumentaria imposto algum. Quinze dias depois, o governo subiu as alíquotas do IOF para todos os contribuintes e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) para o setor financeiro.

O ministro Guido Mantega disse que se a CPMF acabasse o Brasil seria rebaixado pelas agências de risco. O país foi promovido e chegou ao grau de investimento. Quando subiu o IOF e a CSLL, Mantega garantiu que a carga não subiria, pelo contrário, já que as novas alíquotas não compensariam a perda da contribuição. Durante todo o ano passado, o governo insistiu que estava eliminando impostos e que, por isso, a carga não aumentaria. Como se viu ontem, ela subiu um ponto percentual do PIB. Como o PIB subiu 5%, significa que os impostos pagos pelos brasileiros subiram ainda mais. Na conta da Fazenda, 8%.

O fato é: os brasileiros pagam impostos demais, seu peso é mal distribuído, o fruto da arrecadação é também desigualmente distribuído em benefícios. Como agora. A Fazenda conta que as desonerações para estimular a economia já provocaram a perda de R$11 bilhões. A maior parte foi para quem produz carro e para quem compra carro.

- Para ser justo, o governo deveria, quando há um aumento de carga tributária, devolver isso ao contribuinte, mas os planos de desoneração tem sido injustos. Da forma que tem feito, o governo tem beneficiado alguns setores em detrimento do resto da sociedade - diz Gilberto Amaral, do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário.

Tudo é desigual. Até a fúria da Receita. Ela se abate implacável sobre o contribuinte pessoa física que, às vezes, apenas se enganou, não entendeu o que tinha que recolher. Mas a Petrobras, que deixou de pagar R$4 bilhões, não foi chamada para se explicar. Pelo menos foi isso que o presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli, disse em entrevista ao jornal "Estado de S. Paulo". Gabrielli defendia a tese de que esse assunto não deveria ser tratado pela CPI. "No máximo deveria ser uma discussão entre a Petrobras e a Receita Federal. E nem isso existe porque não fomos intimados". Como a entrevista saiu no dia 28 de junho, quem sabe a Receita já tomou alguma providência?

A carga tributária era 30% em 2000. Ontem, a Receita divulgou que ela fechou 2008 em 35,8%: quase seis pontos percentuais do PIB em oito anos. O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel explica que existe aumento de carga sem pressão fiscal e com pressão fiscal. Um pouco o que o governo está dizendo:

- Parte do aumento se deve ao fato de que as empresas tiveram mais lucratividade no começo do ano e mesmo que tenha havido crise no final do ano não foi suficiente para derrubar a arrecadação. Houve um aumento muito forte de consumo.

O problema, segundo Maciel, é que o governo está fazendo "um caminho suicida":

- Está aumentando o gasto corrente de maneira irreversível. Ao mesmo tempo, está, por causa da crise, tendo uma queda de arrecadação de 6%, maior do que a queda do PIB. Está compensando os aumentos dos gastos e a queda da arrecadação, com a redução progressiva do superávit primário, o que elevará a dívida/PIB. Isso é um caminho suicida.

Com essa queda de arrecadação maior do que a queda do PIB, a carga tributária cairá no ano que vem. Mas por maus motivos. O que o governo deveria fazer é o que o ministro Guido Mantega disse esta semana ao "Financial Times" que fará, mas que dificilmente fará: a redução dos impostos que pesam sobre a folha de pagamentos das empresas. Ou seja, o custo enorme, de quase 25%, que as empresas têm que recolher pelo fato de estarem concedendo emprego e pagando salário.

- Desejável, a redução do custo da folha é. Factível, não acho que seja - afirmou Everardo.

Provavelmente essa promessa vai engrossar outras tantas feitas pelo governo que não foram cumpridas, como a da reforma tributária ou do mecanismo que o governo disse que iria criar para inibir o aumento da carga tributária.

No dia 26 de fevereiro do ano passado, uma terça-feira, o ministro Guido Mantega se reuniu com líderes da oposição e fez várias promessas. Disse que enviaria na quinta-feira, dois dias depois, a proposta de reforma tributária. Ela teria um mecanismo que inibiria o aumento da carga tributária daí para diante. Prometeu que a carga não aumentaria e disse que, três meses depois de aprovada a reforma, o governo iria propor a desoneração da folha. Nada disso aconteceu.

Carga tributária cresce mesmo com fim da CPMF e crise global

Adriana Fernandes, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O peso dos tributos cobrados pela União, Estados e municípios bateu novo recorde histórico e chegou a 35,8% do Produto Interno Bruto em 2008, informou ontem a Receita Federal. Esse nível de tributação é comparável ao de países desenvolvidos como Canadá, Estados Unidos e Alemanha, que oferecem serviços públicos de alta qualidade aos cidadãos. Mesmo com a crise global e o fim de impostos como a CPMF, os brasileiros pagaram R$ 1,03 trilhão aos cofres públicos no ano passado. De 2007 para 2008, a carga tributária cresceu 1,08 ponto porcentual mantendo sequência de altas consecutivas. Para este ano, segundo o economista Amir Khair, a carga tributária deverá cair para 35% do PIE. Mas, em Brasília, a maioria dos ministérios vem aumentando despesas e pedindo mais dinheiro ao Tesouro. A demanda por recomposição orçamentária já chega a R$ 16 bilhões, conforme apurou o Estado.

Carga tributária chega a 35,8% do PIB e bate novo recorde

Fatia dos impostos no total das riquezas produzidas no Brasil em 2008 é semelhante à de países como a Alemanha

Nem mesmo o agravamento da crise financeira e o fim da cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) contiveram a escalada da carga tributária no País. O peso dos impostos cobrados por União, Estados e municípios bateu novo recorde e atingiu 35,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2008.

O nível é comparável ao de países desenvolvidos, como Canadá e Alemanha - que oferecem serviços públicos de qualidade aos cidadãos. Sem o mesmo nível de atendimento do Estado, os brasileiros pagaram aos cofres públicos R$ 1,03 trilhão, informou a Receita Federal.

De 2007 para 2008, a carga tributária cresceu 1,08 ponto porcentual, mantendo uma sequência de altas consecutivas. Enquanto o PIB avançou 5,1% em 2008, a arrecadação tributária cresceu 8,3%. Segundo a Receita, uma das características do sistema brasileiro é que, em momentos de aceleração da economia, a arrecadação cresce mais que o PIB. Nos momentos de queda, a receita cai mais rápido, como neste ano.

De 1995 até o ano passado, a carga tributária só caiu em dois momentos: em 1996 e em 2003. A distribuição do bolo tributário permaneceu estável, com a União ficando com cerca de 70% das receitas. Os Estados têm 26% e os municípios, 4%.

Mesmo reconhecendo em vários momentos que a carga tributária é muito elevada, o presidente Lula e sua equipe econômica não aproveitaram o maior crescimento dos últimos anos para reduzi-la. Desde o início do primeiro mandato, a carga aumentou 3,8 pontos porcentuais.

Antes e depois do agravamento da crise, em setembro, a opção do governo tem sido desonerar os tributos de forma pontual, beneficiando alguns setores, como o de automóveis e a construção civil, em vez de fazer um corte generalizado.

Em 2008, a carga da União cresceu em velocidade maior do que a de Estados e municípios. O peso dos tributos federais subiu de 24,3% para 24,9% do PIB. O movimento ocorreu a despeito do fim da CPMF e de desonerações tributárias, que somaram no ano passado, segundo a Receita, R$ 16 bilhões. A carga dos Estados subiu de 8,8% para 9,2% do PIB, e a dos municípios manteve-se estável em 1,6%.

O Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) puxaram a alta da alta da carga tributária. O IRPJ respondeu por mais da metade do aumento (0,56 ponto porcentual), refletindo o maior lucro das empresas, o crescimento da massa salarial e o ganho com aplicações financeiras. Até o terceiro trimestre do ano passado, a arrecadação acompanhava de forma mais robusta o cenário econômico favorável, que impulsionou o resultado das empresas, a renda das famílias e o consumo.

ICMS SALTA

Principal tributo cobrado pelos Estados, o ICMS respondeu por 0,39 ponto porcentual de elevação da carga. Somente a arrecadação do Estado de São Paulo foi responsável por 46% desse aumento. O coordenador de estudos, previsão e análise da Receita, Marcelo Lettieri, atribuiu o desempenho paulista ao novo "boom" da indústria.

Também contribuiu para o aumento a alta das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) cobrada das instituições financeiras. As alíquotas desses dois tributos foram aumentadas para compensar a perda de arrecadação da CPMF. A correção de 4,5% da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e a redução da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para absorver o impacto do aumento dos combustíveis também trabalharam em favor da redução do peso dos tributos.

Para a Receita, a tendência é de redução da carga em 2009. Segundo Lettieri, "sem dúvida nenhuma", a carga da União vai cair este ano, por causa do efeito das desonerações, que até maio somam R$ 11 bilhões, e da desaceleração econômica. Ele admitiu que a carga é elevada para o nível de desenvolvimento do País. Mas ponderou que é compatível com as necessidades de investimentos, serviços públicos e equilíbrio das contas públicas.