(Ulisses Guimarães no discurso da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
segunda-feira, 20 de julho de 2009
PENSAMENTO DO DIA - Ulisses Guimarães
(Ulisses Guimarães no discurso da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
E o general Golbery, afinal, não se enganou
José de Souza Martins*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS
Ao elogiar Collor, Renan e Sarney, Lula retrocede na história e confirma avaliação inicial do guru da ditadura
Quem viu as fotografias e leu o noticiário sobre a visita do presidente Luiz Inácio a Palmeira dos Índios, em Alagoas, deve ter estranhado exuberantes elogios (além da carona no Aerolula) ao ex-presidente Collor, extensivos a Renan Calheiros, que teve problemas na presidência do Senado. A que se pode juntar os elogios e o empenhado apoio que nestes dias deu a José Sarney, presidente do Senado, enrolado na questão dos atos secretos de nomeações para funções naquela casa do Congresso.
O Lula e o PT de hoje são irreconhecíveis em face do que disseram que seriam, no manifesto de fundação do partido, em 1980. Eles se tornaram interessantes enigmas para a compreensão dos nossos impasses políticos, os de uma história política que avança recuando. Em discurso de 1980, na Escola Superior de Guerra, o general Golbery do Couto e Silva, militar culto, ideólogo do regime instaurado pelo golpe de Estado de 1964, deu indicações sobre a armação do futuro político do País e do lugar que nele vislumbrara para Lula. O discurso está centrado nos requisitos da segurança nacional e se refere ao âmbito da liberdade política que romperia a dependência de facções da oposição em relação à polarização da Guerra Fria.
Para ele, a redução da liberdade política criara uma rede de organizações extrapolíticas de oposição ao regime. A abertura se justificava como meio de fazer com que os partidos renascessem "na plenitude de sua função de partidos", para que a política retornasse ao seu leito natural, forma de manter as oposições divididas. Dedica umas poucas palavras à "ala esquerdista da Igreja", e é quando cita Lula enquanto membro de uma elite sindical de líderes autênticos, "sem revanchismo ideológico". Lula "poderia ter sido" um desses líderes, diz Golbery, que se confessa desapontado com ele porque fora atraído "para as atividades mais políticas do que propriamente sindicais".
Intuitivo e prático, tudo sugere que Lula aos poucos compreendeu o plano de Golbery melhor do que o próprio Golbery. Era evidente a orfandade das esquerdas, que culminaria com a queda do Muro de Berlim no fim de 1989. No Brasil essa orfandade se traduzia numa fragmentação tão extensa que Paulo Vannuchi, hoje secretário de Direitos Humanos, chegou a escrever utilíssimo manual que mapeia e lista todos os grupos partidários da esquerda clandestina, indicando a origem de cada um como fragmento de outro. Sem passar pela aglutinação de ao menos parte dessa esquerda fragmentária, Lula nunca teria conseguido a legitimidade propriamente política que o tornaria a personagem que é.
Assim como Golbery, Lula também compreendeu que a Igreja Católica estava dividida em consequência das inovações do Concílio Vaticano II e que nela havia uma importante facção, que ia de leigos a bispos, ansiosa por aliar-se às esquerdas com base no capital político das comunidades eclesiais de base. A Igreja tinha seus motivos, temerosa de ver-se repudiada por ponderáveis parcelas da população, vitimadas por notórias carências sociais. A primeira manifestação da Igreja em favor da reforma agrária fora em 1950 e viera de um bispo conservador da diocese de Campanha (MG), dom Inocêncio Engelke, que alude em sua carta pastoral ao risco de que o êxodo de trabalhadores rurais para a cidade os colocasse à mercê do proselitismo comunista. É evidente que essa Igreja também compreendeu que Lula era um personagem politicamente à deriva ao qual poderia aliar-se, como se aliou.
Operário qualificado e bem pago de multinacional, Lula compreendia que o sindicalismo da era Vargas se tornava obsoleto e agonizava, impróprio para a nova militância do entendimento e da mesa de negociação. O sindicalismo lulista era apenas o instrumento da nova realidade das relações laborais, divorciadas da concepção de classes sociais, tendente ao fortalecimento das categorias profissionais e setoriais. Longe, portanto, do mito da greve geral, a greve política, mais de confronto com o Estado do que com o capital, que era a estratégia dos comunistas, fortes no ABC operário. Lula e o PT serão decisivos na demolição da esquerda característica e histórica.
O carisma crescente de Lula, a figura mítica buscada pelas esquerdas órfãs e pelo catolicismo social, foi fundamental para o salto de modernização política representado pelo surgimento do PT (e também pelo PSDB, entre outros partidos), com a abertura política promovida pela ditadura no marco das concepções de Golbery. Lula e o PT cresceram, aglutinando o que nem sempre corretamente se autodefine como esquerda. O manifesto de 2002, pelo qual o PT realinha suas orientações ideológicas a favor de uma generosa aliança com o capital e com as multinacionais, bem como com os grupos políticos de origem oligárquica, representa o cume na construção de esquerda do partido e o início do processo de sua desconstrução de direita. Ainda antes das eleições presidenciais daquele ano, Lula, falando a usineiros de açúcar e fornecedores de cana de Pernambuco e da Paraíba, fez a crítica do socialismo e lhes prometeu benefícios de política econômica, o que resultou na imediata adesão de todos a sua candidatura.
Daí em diante, Lula no poder e o próprio PT foram descartando pessoas e facções internas à esquerda de sua opção conservadora. Foram descartando também as organizações que atuam como movimentos sociais, abandonando ou atenuando programas e projetos. Inicialmente, para trazer o apoio do latifúndio e do grande capital a sua pessoa e a seu governo. Depois, para agregar a sua base política o que de mais representativo há do remanescente oligarquismo brasileiro e da obsoleta, e não raro corrupta, dominação patrimonial.
O solidário e empolgado abraço de Lula, com sorrisos, nesses três aliados, emblemáticos senadores da República, é sobretudo um fraterno e decisivo abraço no retrocesso histórico e nos reacionários arcaísmos da política brasileira. O general Golbery achou que se enganara. Não se enganou.
*Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Autor de Fronteira - A Degradação do Outro nos Confins do Humano
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS
Ao elogiar Collor, Renan e Sarney, Lula retrocede na história e confirma avaliação inicial do guru da ditadura
Quem viu as fotografias e leu o noticiário sobre a visita do presidente Luiz Inácio a Palmeira dos Índios, em Alagoas, deve ter estranhado exuberantes elogios (além da carona no Aerolula) ao ex-presidente Collor, extensivos a Renan Calheiros, que teve problemas na presidência do Senado. A que se pode juntar os elogios e o empenhado apoio que nestes dias deu a José Sarney, presidente do Senado, enrolado na questão dos atos secretos de nomeações para funções naquela casa do Congresso.
O Lula e o PT de hoje são irreconhecíveis em face do que disseram que seriam, no manifesto de fundação do partido, em 1980. Eles se tornaram interessantes enigmas para a compreensão dos nossos impasses políticos, os de uma história política que avança recuando. Em discurso de 1980, na Escola Superior de Guerra, o general Golbery do Couto e Silva, militar culto, ideólogo do regime instaurado pelo golpe de Estado de 1964, deu indicações sobre a armação do futuro político do País e do lugar que nele vislumbrara para Lula. O discurso está centrado nos requisitos da segurança nacional e se refere ao âmbito da liberdade política que romperia a dependência de facções da oposição em relação à polarização da Guerra Fria.
Para ele, a redução da liberdade política criara uma rede de organizações extrapolíticas de oposição ao regime. A abertura se justificava como meio de fazer com que os partidos renascessem "na plenitude de sua função de partidos", para que a política retornasse ao seu leito natural, forma de manter as oposições divididas. Dedica umas poucas palavras à "ala esquerdista da Igreja", e é quando cita Lula enquanto membro de uma elite sindical de líderes autênticos, "sem revanchismo ideológico". Lula "poderia ter sido" um desses líderes, diz Golbery, que se confessa desapontado com ele porque fora atraído "para as atividades mais políticas do que propriamente sindicais".
Intuitivo e prático, tudo sugere que Lula aos poucos compreendeu o plano de Golbery melhor do que o próprio Golbery. Era evidente a orfandade das esquerdas, que culminaria com a queda do Muro de Berlim no fim de 1989. No Brasil essa orfandade se traduzia numa fragmentação tão extensa que Paulo Vannuchi, hoje secretário de Direitos Humanos, chegou a escrever utilíssimo manual que mapeia e lista todos os grupos partidários da esquerda clandestina, indicando a origem de cada um como fragmento de outro. Sem passar pela aglutinação de ao menos parte dessa esquerda fragmentária, Lula nunca teria conseguido a legitimidade propriamente política que o tornaria a personagem que é.
Assim como Golbery, Lula também compreendeu que a Igreja Católica estava dividida em consequência das inovações do Concílio Vaticano II e que nela havia uma importante facção, que ia de leigos a bispos, ansiosa por aliar-se às esquerdas com base no capital político das comunidades eclesiais de base. A Igreja tinha seus motivos, temerosa de ver-se repudiada por ponderáveis parcelas da população, vitimadas por notórias carências sociais. A primeira manifestação da Igreja em favor da reforma agrária fora em 1950 e viera de um bispo conservador da diocese de Campanha (MG), dom Inocêncio Engelke, que alude em sua carta pastoral ao risco de que o êxodo de trabalhadores rurais para a cidade os colocasse à mercê do proselitismo comunista. É evidente que essa Igreja também compreendeu que Lula era um personagem politicamente à deriva ao qual poderia aliar-se, como se aliou.
Operário qualificado e bem pago de multinacional, Lula compreendia que o sindicalismo da era Vargas se tornava obsoleto e agonizava, impróprio para a nova militância do entendimento e da mesa de negociação. O sindicalismo lulista era apenas o instrumento da nova realidade das relações laborais, divorciadas da concepção de classes sociais, tendente ao fortalecimento das categorias profissionais e setoriais. Longe, portanto, do mito da greve geral, a greve política, mais de confronto com o Estado do que com o capital, que era a estratégia dos comunistas, fortes no ABC operário. Lula e o PT serão decisivos na demolição da esquerda característica e histórica.
O carisma crescente de Lula, a figura mítica buscada pelas esquerdas órfãs e pelo catolicismo social, foi fundamental para o salto de modernização política representado pelo surgimento do PT (e também pelo PSDB, entre outros partidos), com a abertura política promovida pela ditadura no marco das concepções de Golbery. Lula e o PT cresceram, aglutinando o que nem sempre corretamente se autodefine como esquerda. O manifesto de 2002, pelo qual o PT realinha suas orientações ideológicas a favor de uma generosa aliança com o capital e com as multinacionais, bem como com os grupos políticos de origem oligárquica, representa o cume na construção de esquerda do partido e o início do processo de sua desconstrução de direita. Ainda antes das eleições presidenciais daquele ano, Lula, falando a usineiros de açúcar e fornecedores de cana de Pernambuco e da Paraíba, fez a crítica do socialismo e lhes prometeu benefícios de política econômica, o que resultou na imediata adesão de todos a sua candidatura.
Daí em diante, Lula no poder e o próprio PT foram descartando pessoas e facções internas à esquerda de sua opção conservadora. Foram descartando também as organizações que atuam como movimentos sociais, abandonando ou atenuando programas e projetos. Inicialmente, para trazer o apoio do latifúndio e do grande capital a sua pessoa e a seu governo. Depois, para agregar a sua base política o que de mais representativo há do remanescente oligarquismo brasileiro e da obsoleta, e não raro corrupta, dominação patrimonial.
O solidário e empolgado abraço de Lula, com sorrisos, nesses três aliados, emblemáticos senadores da República, é sobretudo um fraterno e decisivo abraço no retrocesso histórico e nos reacionários arcaísmos da política brasileira. O general Golbery achou que se enganara. Não se enganou.
*Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Autor de Fronteira - A Degradação do Outro nos Confins do Humano
Gramsci e a esquerda brasileira, hoje
Gildo Marçal Brandão
DEU NA REVISTA IHU ON LINE & GRAMSCI E O BRASIL
De acordo com Gildo Marçal Brandão, cientista político e coordenador científico do núcleo de apoio à pesquisa sobre democratização e desenvolvimento da USP, a partir dos anos 1980 e 1990 Gramsci passou a ser um autor importante no Brasil, propagado por autores ligados ao velho Partido Comunista Brasileiro. O pesquisador ressalta que Gramsci foi importante na construção da esquerda em nosso país, porque justificava, delineava e trazia elementos de reflexão para uma esquerda que tentava fazer uma política de frente democrática contra o regime militar. Entretanto, Brandão ressalta que a análise das classes como motor das mudanças sociais, critério chave do marxismo e do próprio Gramsci, “é ultrapassada”. A entrevista foi realizada por telefone.
Brandão é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco e doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo (USP). É pós-doutor pela University of Pittsburgh e, atualmente, é coordenador científico do núcleo de apoio à pesquisa sobre democratização e desenvolvimento da USP. De sua vasta obra bibliográfica, destacamos A esquerda positiva: as duas almas do Partido Comunista, 1920-1964 (São Paulo: Hucitec, 1997), A esquerda no Brasil (São Paulo: Duetto Editorial, 2006) e Linhagens do pensamento político (São Paulo: Hucitec, 2007).
Qual é a importância de Gramsci na construção da esquerda brasileira?
Gramsci foi influente no Brasil a partir dos anos 1970. O Brasil foi um dos primeiros países que traduziu sua obra. Num determinado momento, ele passou em “brancas nuvens”. Depois, a partir dos anos 1980 e 1990, se tornou um autor importante, propagado no Brasil, em geral, por autores ligados ao velho Partido Comunista Brasileiro: Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, Luiz Werneck Vianna, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Alguns liberais e pessoas de extrema-esquerda também interpretaram as obras de Gramsci, de maneira diferente. Gramsci foi importante na construção da esquerda, porque justificava, delineava e trazia elementos de reflexão para uma esquerda que tentava fazer uma política de frente democrática contra o regime militar. Várias categorias de Gramsci e do eurocomunismo foram usadas no Brasil por uma parte da esquerda que estava se reconciliando com a democracia e que achava que não se devia lutar pela derrubada da ditadura, mas sim pela derrota da ditadura. A ideia era fazer uma política de frente para isolar o regime militar. Então, categorias de Gramsci, como a guerra de posição e a ideia de que o País já era ocidentalizado e não oriental, comportavam a luta política institucional, luta de massa, reivindicação da democracia. Esse foi o Gramsci importante para a reconstrução da esquerda brasileira. Isso influenciou no começo o velho comunismo e depois se propagou pelo petismo, que tinha muitos elementos em contradição com a velha esquerda comunista. Mas Gramsci foi particularmente influente nos dois casos, porque, em ambos, a atenção à luta democrática, institucional e eleitoral, era importante.
Hoje, que reflexos de sua obra sobrevivem nos partidos de esquerda do Brasil?
Eu não conheço bem os partidos de esquerda que sobrevivem no Brasil. Mas eu tenho impressão de que a obra de Gramsci deixou algum resquício intelectual. Por exemplo, existe um site chamado Gramsci e o Brasil, que reúne intelectuais que ainda são ligados a uma posição de esquerda democrática, de esquerda gramsciana, no Brasil. Mas Gramsci como elemento de direção política, de definidor de estratégias, não existe mais. A influência dele na esquerda brasileira é muito pequena. É claro que ficou a marca de um certo setor da esquerda democrática, da esquerda que considera a democracia um valor universal. É aí que Gramsci sobrevive como influência intelectual.
Por que os ensinamentos de Gramsci se perderam nos partidos de hoje?
Primeiro porque o marxismo saiu do cenário, ou seja, ele foi fortemente abandonado e superado. O desprestígio das ideias marxistas afetou muito os teóricos latinos. Gramsci, deles todos, talvez seja um dos que melhor resista, justamente porque tem o marxismo muito voltado para a análise de situações e processos políticos. Nesse ponto, Gramsci tem muito o que dizer. Boa parte do pensamento marxista, hoje, não é nem muito considerada. Por exemplo, um critério-chave do marxismo e do próprio Gramsci é a análise das classes como motor das mudanças sociais. Ora, se observarmos a sociologia moderna, dos últimos 20 anos, se percebe que há um abandono quase generalizado da teoria das classes para explicar as mudanças sociais. Muitos sociólogos tomavam a teoria das classes como o principal vetor que explicava a mudança social. Hoje, não se tem mais nenhuma teoria nesse estilo. Não se tem mais, nas ciências sociais, teorias que explicam o conjunto. Existem, sim, teorias que explicam partes, de alcance médio, mas não globais. Há um desprestígio que afetou o marxismo, o funcionalismo, o estruturalismo. Toda essa influência recente do pós-modernismo jogou teóricos como Gramsci em segundo plano. Isso não quer dizer que não sobrevivam ou existam intelectuais marxistas de primeira categoria, com posições divergentes.
Carlo Rosselli referiu-se a Gramsci como um gênio. Quais são suas principais contribuições à ciência política atual?
Gramsci sempre se recusou de separar a política da sociologia, da economia, da cultura. Ele sempre pensou globalmente. Hoje, as ciências sociais são muito fragmentadas e segmentadas. Então, ele batia de frente com isso. Apesar de ser um marxista, e ser contra qualquer tipo de elitismo, ele sempre achou que as ciências sociais tinham que estudar e abarcar o conjunto de atividades pelas quais as classes dirigentes não só mantêm como justificam seu domínio e tentam obter o consentimento passivo dos governados. Para ele, o problema político central era superar a divisão entre governantes e governados, isto é, transformar os governados, que constituem a classe subalterna, em capazes de serem governantes. Por isso, ele acreditava que não bastava vencer; era necessário convencer. Era possível que um grupo político, mesmo sem estar no poder, se transformasse numa classe dirigente da sociedade, desde que soubesse transformar os seus interesses em interesses universais desta sociedade. Por esse caminho, Gramsci cunhou a razão da hegemonia, que é fundamental para as ciências políticas. Essa ideia de hegemonia, ao meu ver, é a principal contribuição que ele deu às ciências sociais.
Como Gramsci pode contribuir para fortalecer a democracia brasileira?
Do jeito que entendo, Gramsci nos ajuda a pensar em como construir democraticamente a democracia, e construir o socialismo, no qual ele acreditava. Gramsci aposta nesse caminho democrático e tende a ver essas duas coisas como um mesmo processo. Nesse sentido, ele é bastante coerente e reforça a capacidade que se tem de refletir e atuar no sentido de construir uma direção política que não apenas vença o adversário, mas convença.
DEU NA REVISTA IHU ON LINE & GRAMSCI E O BRASIL
De acordo com Gildo Marçal Brandão, cientista político e coordenador científico do núcleo de apoio à pesquisa sobre democratização e desenvolvimento da USP, a partir dos anos 1980 e 1990 Gramsci passou a ser um autor importante no Brasil, propagado por autores ligados ao velho Partido Comunista Brasileiro. O pesquisador ressalta que Gramsci foi importante na construção da esquerda em nosso país, porque justificava, delineava e trazia elementos de reflexão para uma esquerda que tentava fazer uma política de frente democrática contra o regime militar. Entretanto, Brandão ressalta que a análise das classes como motor das mudanças sociais, critério chave do marxismo e do próprio Gramsci, “é ultrapassada”. A entrevista foi realizada por telefone.
Brandão é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco e doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo (USP). É pós-doutor pela University of Pittsburgh e, atualmente, é coordenador científico do núcleo de apoio à pesquisa sobre democratização e desenvolvimento da USP. De sua vasta obra bibliográfica, destacamos A esquerda positiva: as duas almas do Partido Comunista, 1920-1964 (São Paulo: Hucitec, 1997), A esquerda no Brasil (São Paulo: Duetto Editorial, 2006) e Linhagens do pensamento político (São Paulo: Hucitec, 2007).
Qual é a importância de Gramsci na construção da esquerda brasileira?
Gramsci foi influente no Brasil a partir dos anos 1970. O Brasil foi um dos primeiros países que traduziu sua obra. Num determinado momento, ele passou em “brancas nuvens”. Depois, a partir dos anos 1980 e 1990, se tornou um autor importante, propagado no Brasil, em geral, por autores ligados ao velho Partido Comunista Brasileiro: Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, Luiz Werneck Vianna, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Alguns liberais e pessoas de extrema-esquerda também interpretaram as obras de Gramsci, de maneira diferente. Gramsci foi importante na construção da esquerda, porque justificava, delineava e trazia elementos de reflexão para uma esquerda que tentava fazer uma política de frente democrática contra o regime militar. Várias categorias de Gramsci e do eurocomunismo foram usadas no Brasil por uma parte da esquerda que estava se reconciliando com a democracia e que achava que não se devia lutar pela derrubada da ditadura, mas sim pela derrota da ditadura. A ideia era fazer uma política de frente para isolar o regime militar. Então, categorias de Gramsci, como a guerra de posição e a ideia de que o País já era ocidentalizado e não oriental, comportavam a luta política institucional, luta de massa, reivindicação da democracia. Esse foi o Gramsci importante para a reconstrução da esquerda brasileira. Isso influenciou no começo o velho comunismo e depois se propagou pelo petismo, que tinha muitos elementos em contradição com a velha esquerda comunista. Mas Gramsci foi particularmente influente nos dois casos, porque, em ambos, a atenção à luta democrática, institucional e eleitoral, era importante.
Hoje, que reflexos de sua obra sobrevivem nos partidos de esquerda do Brasil?
Eu não conheço bem os partidos de esquerda que sobrevivem no Brasil. Mas eu tenho impressão de que a obra de Gramsci deixou algum resquício intelectual. Por exemplo, existe um site chamado Gramsci e o Brasil, que reúne intelectuais que ainda são ligados a uma posição de esquerda democrática, de esquerda gramsciana, no Brasil. Mas Gramsci como elemento de direção política, de definidor de estratégias, não existe mais. A influência dele na esquerda brasileira é muito pequena. É claro que ficou a marca de um certo setor da esquerda democrática, da esquerda que considera a democracia um valor universal. É aí que Gramsci sobrevive como influência intelectual.
Por que os ensinamentos de Gramsci se perderam nos partidos de hoje?
Primeiro porque o marxismo saiu do cenário, ou seja, ele foi fortemente abandonado e superado. O desprestígio das ideias marxistas afetou muito os teóricos latinos. Gramsci, deles todos, talvez seja um dos que melhor resista, justamente porque tem o marxismo muito voltado para a análise de situações e processos políticos. Nesse ponto, Gramsci tem muito o que dizer. Boa parte do pensamento marxista, hoje, não é nem muito considerada. Por exemplo, um critério-chave do marxismo e do próprio Gramsci é a análise das classes como motor das mudanças sociais. Ora, se observarmos a sociologia moderna, dos últimos 20 anos, se percebe que há um abandono quase generalizado da teoria das classes para explicar as mudanças sociais. Muitos sociólogos tomavam a teoria das classes como o principal vetor que explicava a mudança social. Hoje, não se tem mais nenhuma teoria nesse estilo. Não se tem mais, nas ciências sociais, teorias que explicam o conjunto. Existem, sim, teorias que explicam partes, de alcance médio, mas não globais. Há um desprestígio que afetou o marxismo, o funcionalismo, o estruturalismo. Toda essa influência recente do pós-modernismo jogou teóricos como Gramsci em segundo plano. Isso não quer dizer que não sobrevivam ou existam intelectuais marxistas de primeira categoria, com posições divergentes.
Carlo Rosselli referiu-se a Gramsci como um gênio. Quais são suas principais contribuições à ciência política atual?
Gramsci sempre se recusou de separar a política da sociologia, da economia, da cultura. Ele sempre pensou globalmente. Hoje, as ciências sociais são muito fragmentadas e segmentadas. Então, ele batia de frente com isso. Apesar de ser um marxista, e ser contra qualquer tipo de elitismo, ele sempre achou que as ciências sociais tinham que estudar e abarcar o conjunto de atividades pelas quais as classes dirigentes não só mantêm como justificam seu domínio e tentam obter o consentimento passivo dos governados. Para ele, o problema político central era superar a divisão entre governantes e governados, isto é, transformar os governados, que constituem a classe subalterna, em capazes de serem governantes. Por isso, ele acreditava que não bastava vencer; era necessário convencer. Era possível que um grupo político, mesmo sem estar no poder, se transformasse numa classe dirigente da sociedade, desde que soubesse transformar os seus interesses em interesses universais desta sociedade. Por esse caminho, Gramsci cunhou a razão da hegemonia, que é fundamental para as ciências políticas. Essa ideia de hegemonia, ao meu ver, é a principal contribuição que ele deu às ciências sociais.
Como Gramsci pode contribuir para fortalecer a democracia brasileira?
Do jeito que entendo, Gramsci nos ajuda a pensar em como construir democraticamente a democracia, e construir o socialismo, no qual ele acreditava. Gramsci aposta nesse caminho democrático e tende a ver essas duas coisas como um mesmo processo. Nesse sentido, ele é bastante coerente e reforça a capacidade que se tem de refletir e atuar no sentido de construir uma direção política que não apenas vença o adversário, mas convença.
CPMF: Governo é acusado de negligência administrativa
Gustavo Paul – Brasília
DEU EM O GLOBO
Para tributaristas e oposição, verba paga a mais terá de ser devolvida
O governo terá de cobrar a devolução do que pagou pelo equivalente à extinta CPMF nos contratos com fornecedores mesmo após o fim do tributo do cheque, derrubado pelo Congresso há um ano e meio. Gestores governamentais também poderão ser responsabilizados pelos prejuízos aos cofres públicos. Para tributaristas, os pagamentos, descobertos em auditorias do TCU e revelados ontem pelo GLOBO, são um caso típico de negligência administrativa.
PSDB e DEM, da oposição, anunciaram que vão exigir a devolução do dinheiro e a revisão dos contratos.
Pela devolução do dinheiro
Tributaristas e oposição dizem que governo precisa cobrar de volta gastos com CPMF extinta
O governo terá de pedir a devolução do equivalente à Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) pago nos últimos meses a fornecedores e rever os contratos que ainda incluem o pagamento do tributo, apesar de ele ter sido extinto pelo Congresso há um ano e meio. Essa é a avaliação de tributaristas e parlamentares da oposição ouvidos ontem pelo GLOBO. Na opinião dos especialistas, os gestores públicos responsáveis pelos contratos também poderão ser responsabilizados pelo ressarcimento aos cofres públicos.
De acordo com reportagem publicada ontem pelo GLOBO, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que órgãos e empresas do governo continuam repassando o valor do tributo, já extinto, a fornecedores. Essa prática seria generalizada na administração pública e teria dado prejuízo de milhões aos cofres públicos.
Para o tributarista Ives Gandra Martins, trata-se de um típico caso de inércia administrativa. Como a contribuição foi extinta em dezembro de 2007, não há fato que justifique sua cobrança contratual. Mas, em princípio, Gandra não acredita em má-fé dos gestores: — As empresas que receberam têm de devolver, porque o governo repassou o valor de um imposto que já não existe. Mas os gestores não se aperceberam disso. A burocracia brasileira é esclerosada e tem procedimentos que se perpetuam.
A seu ver, seria responsabilidade do governo providenciar esse ressarcimento, pois este — por meio de suas empresas e órgãos — repassou-o indevidamente, causando prejuízos aos cofres públicos. Nos contratos do governo, o percentual de 0,38% da CPMF era considerado como um dos componentes do custo da obra ou do serviço e ficavam embutidos no preço.
— É algo inacreditável. O governo tem de pedir o dinheiro de volta.
Oposição também vai exigir devolução
O tributarista Everardo Maciel, exsecretário da Receita Federal e um dos pais da CPMF, também defende a devolução do dinheiro, além da revisão dos contratos. Ainda que os pagamentos estejam baseados em contratos assinados antes do fim da CPMF, Maciel afirma que há base legal para renegociação.
— Estamos diante do famoso “motivo de força maior”. Os recursos foram pagos a maior e por isso o dinheiro tem de ser devolvido.
Para Maciel, o caso caracteriza negligência administrativa por parte dos gestores públicos, que têm obrigação de zelar pelos recursos públicos: — Cada contrato público tem um responsável por sua execução. O que se vê é algo absurdo e mostra a forma descuidada como são tratados esses assuntos. O gestor pode ter de responder por desídia (desleixo e descaso) e negligência.
A oposição promete brigar para que o dinheiro retorne aos cofres públicos. O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), vai reunir hoje os advogados do partido para avaliar qual será a representação a ser adotada. Segundo ele, existe a possibilidade de entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) ou no TCU.
— Queremos, no mínimo, a devolução desses recursos e a responsabilização de quem não tirou essa cláusula dos contratos — afirma Maia.
Os tucanos também vão se mobilizar a partir de hoje em torno do assunto.
Segundo o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, José Aníbal, a assessoria técnica da bancada fará uma avaliação de quanto foi pago indevidamente desde o ano passado.
Os pagamentos a mais têm sido feitos desde janeiro de 2008: — Deve ser uma soma considerável.
Vamos levantar os contratos e esses valores. Os cofres públicos não podem ficar com esse prejuízo.
Aníbal foi irônico ao comentar as cobranças feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre os empresários, que não repassaram aos preços o fim da cobrança da contribuição: — Se a metamorfose ambulante (Lula) parasse de viajar e ficasse mais tempo no país, poderia ver que seu próprio governo está pagando mais do que devia.
A devolução do dinheiro pode não ser algo tão simples, alega o vicelíder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Segundo ele, não há ilegalidade na cobrança da CPMF, pois ela consta dos contratos. A repactuação, porém, dependerá de um acordo entre o contratante e o fornecedor. Neste caso, a negociação poderá incluir outros itens de custo e acabará sendo ruim para os cofres públicos: — Cabe ao órgão do governo pedir a revisão do contrato. Mas o fornecedor poderá pedir para incluir a variação de outros preços, como o do combustível e aumentos salariais. Esse é o risco das discussões.
Segundo uma fonte ligada à área jurídica do governo, a devolução dos recursos — se ocorrer — deverá ser feita por meio administrativo, e não pela Justiça. O governo não teria interesse em judicializar a discussão com fornecedores. Mas, caso decida fazê-lo, a via mais provável seria através da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, subordinada ao Ministério da Fazenda
DEU EM O GLOBO
Para tributaristas e oposição, verba paga a mais terá de ser devolvida
O governo terá de cobrar a devolução do que pagou pelo equivalente à extinta CPMF nos contratos com fornecedores mesmo após o fim do tributo do cheque, derrubado pelo Congresso há um ano e meio. Gestores governamentais também poderão ser responsabilizados pelos prejuízos aos cofres públicos. Para tributaristas, os pagamentos, descobertos em auditorias do TCU e revelados ontem pelo GLOBO, são um caso típico de negligência administrativa.
PSDB e DEM, da oposição, anunciaram que vão exigir a devolução do dinheiro e a revisão dos contratos.
Pela devolução do dinheiro
Tributaristas e oposição dizem que governo precisa cobrar de volta gastos com CPMF extinta
O governo terá de pedir a devolução do equivalente à Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) pago nos últimos meses a fornecedores e rever os contratos que ainda incluem o pagamento do tributo, apesar de ele ter sido extinto pelo Congresso há um ano e meio. Essa é a avaliação de tributaristas e parlamentares da oposição ouvidos ontem pelo GLOBO. Na opinião dos especialistas, os gestores públicos responsáveis pelos contratos também poderão ser responsabilizados pelo ressarcimento aos cofres públicos.
De acordo com reportagem publicada ontem pelo GLOBO, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que órgãos e empresas do governo continuam repassando o valor do tributo, já extinto, a fornecedores. Essa prática seria generalizada na administração pública e teria dado prejuízo de milhões aos cofres públicos.
Para o tributarista Ives Gandra Martins, trata-se de um típico caso de inércia administrativa. Como a contribuição foi extinta em dezembro de 2007, não há fato que justifique sua cobrança contratual. Mas, em princípio, Gandra não acredita em má-fé dos gestores: — As empresas que receberam têm de devolver, porque o governo repassou o valor de um imposto que já não existe. Mas os gestores não se aperceberam disso. A burocracia brasileira é esclerosada e tem procedimentos que se perpetuam.
A seu ver, seria responsabilidade do governo providenciar esse ressarcimento, pois este — por meio de suas empresas e órgãos — repassou-o indevidamente, causando prejuízos aos cofres públicos. Nos contratos do governo, o percentual de 0,38% da CPMF era considerado como um dos componentes do custo da obra ou do serviço e ficavam embutidos no preço.
— É algo inacreditável. O governo tem de pedir o dinheiro de volta.
Oposição também vai exigir devolução
O tributarista Everardo Maciel, exsecretário da Receita Federal e um dos pais da CPMF, também defende a devolução do dinheiro, além da revisão dos contratos. Ainda que os pagamentos estejam baseados em contratos assinados antes do fim da CPMF, Maciel afirma que há base legal para renegociação.
— Estamos diante do famoso “motivo de força maior”. Os recursos foram pagos a maior e por isso o dinheiro tem de ser devolvido.
Para Maciel, o caso caracteriza negligência administrativa por parte dos gestores públicos, que têm obrigação de zelar pelos recursos públicos: — Cada contrato público tem um responsável por sua execução. O que se vê é algo absurdo e mostra a forma descuidada como são tratados esses assuntos. O gestor pode ter de responder por desídia (desleixo e descaso) e negligência.
A oposição promete brigar para que o dinheiro retorne aos cofres públicos. O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), vai reunir hoje os advogados do partido para avaliar qual será a representação a ser adotada. Segundo ele, existe a possibilidade de entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) ou no TCU.
— Queremos, no mínimo, a devolução desses recursos e a responsabilização de quem não tirou essa cláusula dos contratos — afirma Maia.
Os tucanos também vão se mobilizar a partir de hoje em torno do assunto.
Segundo o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, José Aníbal, a assessoria técnica da bancada fará uma avaliação de quanto foi pago indevidamente desde o ano passado.
Os pagamentos a mais têm sido feitos desde janeiro de 2008: — Deve ser uma soma considerável.
Vamos levantar os contratos e esses valores. Os cofres públicos não podem ficar com esse prejuízo.
Aníbal foi irônico ao comentar as cobranças feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre os empresários, que não repassaram aos preços o fim da cobrança da contribuição: — Se a metamorfose ambulante (Lula) parasse de viajar e ficasse mais tempo no país, poderia ver que seu próprio governo está pagando mais do que devia.
A devolução do dinheiro pode não ser algo tão simples, alega o vicelíder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Segundo ele, não há ilegalidade na cobrança da CPMF, pois ela consta dos contratos. A repactuação, porém, dependerá de um acordo entre o contratante e o fornecedor. Neste caso, a negociação poderá incluir outros itens de custo e acabará sendo ruim para os cofres públicos: — Cabe ao órgão do governo pedir a revisão do contrato. Mas o fornecedor poderá pedir para incluir a variação de outros preços, como o do combustível e aumentos salariais. Esse é o risco das discussões.
Segundo uma fonte ligada à área jurídica do governo, a devolução dos recursos — se ocorrer — deverá ser feita por meio administrativo, e não pela Justiça. O governo não teria interesse em judicializar a discussão com fornecedores. Mas, caso decida fazê-lo, a via mais provável seria através da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, subordinada ao Ministério da Fazenda
Lavanderia Lula
Ricardo Noblat
DEU EM O GLOBO
“Um homem decente envergonha-se do governo sob o qual vive” (H. L. Mencken, jornalista americano do século passado)
O senador Antonio Carlos Magalhães inaugurou a Lavanderia Lula. Em 2003, acusado de grampear telefones de adversários políticos na Bahia, correu o risco de ser julgado pelo Conselho de Ética do Senado por quebra de decoro. Apoiara a eleição de Lula um ano antes. Lula retribuiu salvando-lhe o mandato.
Desde então a lavanderia é um sucesso.
O que Lula fez por ACM não impediu que os dois quase saíssem no tapa anos mais tarde. ACM sentiu seu império baiano ameaçado pelo PT de Jaques Wagner. Soltou os cachorros em cima de Lula. Que respondeu chamando-o de rato e suando a camisa para eleger Wagner. Os dois só voltaram a se encontrar quando ACM estava em um hospital de São Paulo a poucos dias de morrer. Lula fez questão de visitá-lo.
Entre ACM e José Sarney (PMDB-AP), o mais recente freguês da lavanderia, Lula meteu as mãos em muito pano sujo. O êxito dele não consiste em transformar pano sujo em pano imaculado.
Por ora, ainda não opera milagres. Amanhã, nunca se sabe. Mas Lula sempre tenta dar um jeito de impedir que pano encardido acabe jogado no lixo por imprestável.
Na maioria das vezes, é bem-sucedido.
Lula não discrimina entre aliados fiéis, aliados nem tão confiáveis assim, adversários moderados e adversários históricos. Se vir alguma vantagem em enxaguá-los até que recuperem parte da pureza perdida ou se livrem de nódoas comprometedoras, ele se entrega à tarefa com gosto. Do controverso Roberto Jefferson, na época presidente do PTB, Lula disse que se tratava de um homem a quem daria um cheque em branco.
O homem merecedor de tamanha prova de confiança deflagrou o escândalo que quase derrubou o governo.
Em meio ao escândalo, informado sobre a disposição do publicitário Marcos Valério de contar tudo o que sabia, um Lula alterado por algumas doses a mais de bebida chegou a falar em renúncia.
Foi um Deus nos acuda. Lula só sossegou quando lhe garantiram que Valério estava sob controle. Está até hoje.
Procurem algo de duro dito depois por Lula a respeito de Jefferson. É possível que encontrem um elogio. Nada encontrarão contra José Dirceu, apontado pelo Procurador Geral da República como o chefe da “sofisticada organização criminosa” que quis se apoderar de parte do aparelho do Estado.
Lula escalou Dirceu para pagar a conta do mensalão.
Para compensar, lava a biografia do amigo toda vez que julga necessário.
Foi quase pedindo desculpas públicas a Antonio Palocci que Lula o demitiu do Ministério da Fazenda forçado pelo caso da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Pereira. Palocci jurou diante de uma CPI que jamais frequentara certa mansão suspeita de Brasília. O caseiro jurou têlo visto por lá uma dezena de vezes. Lula chamou Palocci de “meu irmão”. E sonha com o dia de tê-lo de volta no governo.
E o “nosso Delúbio”, hein? E Romero Jucá, que ofereceu fazendas inexistentes como garantia de um empréstimo tomado em banco oficial? Lula saiu em defesa dos dois. Ficou rouco de repetir: “Ninguém é culpado até ser condenado pela Justiça”.
Ao pé da letra, de acordo.
Mas o que se espera de um presidente não é o mesmo que se espera de um juiz. Presidente deve satisfações à sociedade. Juiz, somente à sua consciência.
Um mau exemplo dado por um juiz nem de longe equivale a um mau exemplo dado pela pessoa mais observada e admirada pelos brasileiros.
Foi um bom exemplo o empenho de Lula em manter Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência do Senado? Quase conseguiu. Lula dá um bom exemplo quando chama Sarney de “pessoa incomum” e obriga o PT a sustenta-lo no cargo? A Lavanderia Lula presta inestimáveis serviços ao seu fundador e único dono, e também aos que dela precisam.
Mas bem não faz — pelo contrário — ao avanço entre nós de uma prática política decente e justa, capaz de atrair gente interessada em servir à coisa pública, e não em se servir dela. Essa será a herança maldita de Lula.
DEU EM O GLOBO
“Um homem decente envergonha-se do governo sob o qual vive” (H. L. Mencken, jornalista americano do século passado)
O senador Antonio Carlos Magalhães inaugurou a Lavanderia Lula. Em 2003, acusado de grampear telefones de adversários políticos na Bahia, correu o risco de ser julgado pelo Conselho de Ética do Senado por quebra de decoro. Apoiara a eleição de Lula um ano antes. Lula retribuiu salvando-lhe o mandato.
Desde então a lavanderia é um sucesso.
O que Lula fez por ACM não impediu que os dois quase saíssem no tapa anos mais tarde. ACM sentiu seu império baiano ameaçado pelo PT de Jaques Wagner. Soltou os cachorros em cima de Lula. Que respondeu chamando-o de rato e suando a camisa para eleger Wagner. Os dois só voltaram a se encontrar quando ACM estava em um hospital de São Paulo a poucos dias de morrer. Lula fez questão de visitá-lo.
Entre ACM e José Sarney (PMDB-AP), o mais recente freguês da lavanderia, Lula meteu as mãos em muito pano sujo. O êxito dele não consiste em transformar pano sujo em pano imaculado.
Por ora, ainda não opera milagres. Amanhã, nunca se sabe. Mas Lula sempre tenta dar um jeito de impedir que pano encardido acabe jogado no lixo por imprestável.
Na maioria das vezes, é bem-sucedido.
Lula não discrimina entre aliados fiéis, aliados nem tão confiáveis assim, adversários moderados e adversários históricos. Se vir alguma vantagem em enxaguá-los até que recuperem parte da pureza perdida ou se livrem de nódoas comprometedoras, ele se entrega à tarefa com gosto. Do controverso Roberto Jefferson, na época presidente do PTB, Lula disse que se tratava de um homem a quem daria um cheque em branco.
O homem merecedor de tamanha prova de confiança deflagrou o escândalo que quase derrubou o governo.
Em meio ao escândalo, informado sobre a disposição do publicitário Marcos Valério de contar tudo o que sabia, um Lula alterado por algumas doses a mais de bebida chegou a falar em renúncia.
Foi um Deus nos acuda. Lula só sossegou quando lhe garantiram que Valério estava sob controle. Está até hoje.
Procurem algo de duro dito depois por Lula a respeito de Jefferson. É possível que encontrem um elogio. Nada encontrarão contra José Dirceu, apontado pelo Procurador Geral da República como o chefe da “sofisticada organização criminosa” que quis se apoderar de parte do aparelho do Estado.
Lula escalou Dirceu para pagar a conta do mensalão.
Para compensar, lava a biografia do amigo toda vez que julga necessário.
Foi quase pedindo desculpas públicas a Antonio Palocci que Lula o demitiu do Ministério da Fazenda forçado pelo caso da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Pereira. Palocci jurou diante de uma CPI que jamais frequentara certa mansão suspeita de Brasília. O caseiro jurou têlo visto por lá uma dezena de vezes. Lula chamou Palocci de “meu irmão”. E sonha com o dia de tê-lo de volta no governo.
E o “nosso Delúbio”, hein? E Romero Jucá, que ofereceu fazendas inexistentes como garantia de um empréstimo tomado em banco oficial? Lula saiu em defesa dos dois. Ficou rouco de repetir: “Ninguém é culpado até ser condenado pela Justiça”.
Ao pé da letra, de acordo.
Mas o que se espera de um presidente não é o mesmo que se espera de um juiz. Presidente deve satisfações à sociedade. Juiz, somente à sua consciência.
Um mau exemplo dado por um juiz nem de longe equivale a um mau exemplo dado pela pessoa mais observada e admirada pelos brasileiros.
Foi um bom exemplo o empenho de Lula em manter Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência do Senado? Quase conseguiu. Lula dá um bom exemplo quando chama Sarney de “pessoa incomum” e obriga o PT a sustenta-lo no cargo? A Lavanderia Lula presta inestimáveis serviços ao seu fundador e único dono, e também aos que dela precisam.
Mas bem não faz — pelo contrário — ao avanço entre nós de uma prática política decente e justa, capaz de atrair gente interessada em servir à coisa pública, e não em se servir dela. Essa será a herança maldita de Lula.
Valor que não se mede
Marina Silva
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O PRÓXIMO relatório sobre desenvolvimento humano no Brasil terá valores como tema. A escolha foi feita pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), diante do resultado de pesquisa que recebeu 500 mil respostas à pergunta: "O que deve mudar no Brasil para sua vida melhorar de verdade?"
A novidade dessa pesquisa, em relação a trabalhos semelhantes feitos pelo PNUD em outros países, foram as perguntas abertas, sem temas predefinidos. E a maioria das respostas mostrou que os brasileiros querem, com urgência e antes de tudo, respeito, justiça, honestidade, responsabilidade, solidariedade, ética.
Saindo dos limites da pura objetividade estatística, o estudo encontrou a alma dos brasileiros clamando por valores. As pessoas não estão preterindo a saúde, a escola, a casa, o trabalho, a segurança. Só estão dizendo que valores são a base para a solução dos problemas. Eles antecedem e transcendem as demandas materiais.
Estão dizendo também que a grande saída para o Brasil está em outro patamar, acima do binômio poder-dinheiro. Ela passa pela coerência dos processos, pela inteireza ética das decisões, pela sensibilidade para aquilo que não se mede, não se pesa, não se coloca preço, mas nem por isso deixa de -como diz uma das cartas paulinas- ter "largura, comprimento, altura e profundidade" e de ser decisivo para significar e dar qualidade às nossas vidas.
Não se trata de colocar no pedestal a sociedade supostamente virtuosa contra um território vicioso, que seria o da política. Há enormes contradições no cotidiano de cada ser humano, entre o que se entende ser o correto e aquilo que de fato se pratica. Mas é animador que o anseio por valores dirija-se basicamente às instituições, de onde vêm os estímulos que consolidam os princípios de convivência coletiva.
Pois o desencanto vem não só dos pequenos tropeços individuais, mas sobretudo dos sinais emanados das instituições, quando parecem indicar que só nos resta o caminho do vale-tudo.
Esse é o foco de uma erosão cultural que vai nos habituando a conviver com agressões cada vez maiores, sem nos sentirmos indignados. É um processo que acaba virando doença coletiva.Há, portanto, um debate fundamental para arejar o ano eleitoral de 2010, até porque o resultado da pesquisa PNUD remete naturalmente à política e sua capacidade de promover ou enterrar valores.
Será o momento de a sociedade escolher quais valores deseja promover. É isso que torna viáveis as mudanças necessárias, é o que move a boa escola, o bom governo, a boa empresa, um bom país, é o que faz a vida melhorar de verdade.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O PRÓXIMO relatório sobre desenvolvimento humano no Brasil terá valores como tema. A escolha foi feita pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), diante do resultado de pesquisa que recebeu 500 mil respostas à pergunta: "O que deve mudar no Brasil para sua vida melhorar de verdade?"
A novidade dessa pesquisa, em relação a trabalhos semelhantes feitos pelo PNUD em outros países, foram as perguntas abertas, sem temas predefinidos. E a maioria das respostas mostrou que os brasileiros querem, com urgência e antes de tudo, respeito, justiça, honestidade, responsabilidade, solidariedade, ética.
Saindo dos limites da pura objetividade estatística, o estudo encontrou a alma dos brasileiros clamando por valores. As pessoas não estão preterindo a saúde, a escola, a casa, o trabalho, a segurança. Só estão dizendo que valores são a base para a solução dos problemas. Eles antecedem e transcendem as demandas materiais.
Estão dizendo também que a grande saída para o Brasil está em outro patamar, acima do binômio poder-dinheiro. Ela passa pela coerência dos processos, pela inteireza ética das decisões, pela sensibilidade para aquilo que não se mede, não se pesa, não se coloca preço, mas nem por isso deixa de -como diz uma das cartas paulinas- ter "largura, comprimento, altura e profundidade" e de ser decisivo para significar e dar qualidade às nossas vidas.
Não se trata de colocar no pedestal a sociedade supostamente virtuosa contra um território vicioso, que seria o da política. Há enormes contradições no cotidiano de cada ser humano, entre o que se entende ser o correto e aquilo que de fato se pratica. Mas é animador que o anseio por valores dirija-se basicamente às instituições, de onde vêm os estímulos que consolidam os princípios de convivência coletiva.
Pois o desencanto vem não só dos pequenos tropeços individuais, mas sobretudo dos sinais emanados das instituições, quando parecem indicar que só nos resta o caminho do vale-tudo.
Esse é o foco de uma erosão cultural que vai nos habituando a conviver com agressões cada vez maiores, sem nos sentirmos indignados. É um processo que acaba virando doença coletiva.Há, portanto, um debate fundamental para arejar o ano eleitoral de 2010, até porque o resultado da pesquisa PNUD remete naturalmente à política e sua capacidade de promover ou enterrar valores.
Será o momento de a sociedade escolher quais valores deseja promover. É isso que torna viáveis as mudanças necessárias, é o que move a boa escola, o bom governo, a boa empresa, um bom país, é o que faz a vida melhorar de verdade.
UNE tem nova direção afinada com governo
Gustavo Paul
DEU EM O GLOBO
Augusto Chagas assume dizendo que vai brigar por auxílio estudantil, construção de prédio no Rio e meia-entrada
BRASÍLIA. Adotando um discurso afinado com o governo — que bancou pelo menos R$ 920 mil para a realização do 51oCongresso — a nova diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE) foi eleita ontem para o biênio 2009-2011. O novo presidente da entidade é o paulista Augusto Chagas, de 27 anos, estudante do primeiro período do curso de Sistemas de Informação da Universidade de São Paulo (USP), que substitui a gaúcha Lúcia Stumpf, também de 27 anos. Como ocorreu nos últimos anos, a chapa vencedora é ligada ao PCdoB, que tem mais da metade dos delegados, de acordo com estudantes de outros partidos.
Oito chapas disputaram a eleição. A aliança que elegeu Chagas, chamada de Movimento da Unidade vai Nascer a Novidade, é ecumênica. Ele contou com o suporte da União da Juventude Socialista (UJS, braço estudantil do PCdoB), do PSB, do PDT, PMDB e do Partido Pátria Livre (PPL, antigo MR-8). O PT, no entanto, entrou rachado na discussão em quatro movimentos: Mudança, Reconquistar a UNE, Quizomba e CNB. Apenas uma parcela dos seus membros apoiou Chagas. O Congresso reuniu cerca de 10 mil universitários, mas 3 mil delegados participaram da votação.
Chagas acaba de deixar a União Estadual dos Estudantes (UEE) de São Paulo, onde exerceu a presidência duas vezes (2005 e 2007). Ao assumir, Chagas, que se disse favorável às políticas sociais do governo, prometeu aumentar a presença da entidade em questões nacionais, mas focar em assuntos de interesse estudantil. Um deles é a mobilização em torno da aprovação, no Congresso, do projeto de reforma universitária apresentado em maio ao Parlamento.
O texto prevê a implementação de um auxílio estudantil de cerca de três quintos do salário mínimo vigente para todos os estudantes carentes, de universidades públicas e privadas.
— A UNE sempre teve participação em assuntos nacionais.
Nossa maior batalha é sempre a próxima — avisa Chagas.
Chagas: benefício da meia entrada foi desvirtuado A nova diretoria também vai brigar para a construção da nova sede da UNE, na Praia do Flamengo, no Rio, que pode custar até R$ 36 milhões aos cofres da União. Esse é o valor máximo previsto no projeto de lei que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou à Câmara em agosto do ano passado. Segundo o texto, os gastos podem chegar a até seis vezes o valor do terreno, que é avaliado em R$ 6 milhões. O projeto, do arquiteto Oscar Niemeyer, prevê um edifício de 13 andares e um centro cultural, com teatro e um museu em memória ao movimento estudantil.
Outra batalha será a regulamentação da legislação da meia entrada. Segundo Chagas, esse benefício, originalmente destinado aos estudantes, desvirtuou-se. Ele também é contrário à proposta do meio artístico de estabelecer cotas para a meia-entrada.
— Tivemos um retrocesso grande nos últimos anos e temos de restringir esse benefício apenas aos estudantes
DEU EM O GLOBO
Augusto Chagas assume dizendo que vai brigar por auxílio estudantil, construção de prédio no Rio e meia-entrada
BRASÍLIA. Adotando um discurso afinado com o governo — que bancou pelo menos R$ 920 mil para a realização do 51oCongresso — a nova diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE) foi eleita ontem para o biênio 2009-2011. O novo presidente da entidade é o paulista Augusto Chagas, de 27 anos, estudante do primeiro período do curso de Sistemas de Informação da Universidade de São Paulo (USP), que substitui a gaúcha Lúcia Stumpf, também de 27 anos. Como ocorreu nos últimos anos, a chapa vencedora é ligada ao PCdoB, que tem mais da metade dos delegados, de acordo com estudantes de outros partidos.
Oito chapas disputaram a eleição. A aliança que elegeu Chagas, chamada de Movimento da Unidade vai Nascer a Novidade, é ecumênica. Ele contou com o suporte da União da Juventude Socialista (UJS, braço estudantil do PCdoB), do PSB, do PDT, PMDB e do Partido Pátria Livre (PPL, antigo MR-8). O PT, no entanto, entrou rachado na discussão em quatro movimentos: Mudança, Reconquistar a UNE, Quizomba e CNB. Apenas uma parcela dos seus membros apoiou Chagas. O Congresso reuniu cerca de 10 mil universitários, mas 3 mil delegados participaram da votação.
Chagas acaba de deixar a União Estadual dos Estudantes (UEE) de São Paulo, onde exerceu a presidência duas vezes (2005 e 2007). Ao assumir, Chagas, que se disse favorável às políticas sociais do governo, prometeu aumentar a presença da entidade em questões nacionais, mas focar em assuntos de interesse estudantil. Um deles é a mobilização em torno da aprovação, no Congresso, do projeto de reforma universitária apresentado em maio ao Parlamento.
O texto prevê a implementação de um auxílio estudantil de cerca de três quintos do salário mínimo vigente para todos os estudantes carentes, de universidades públicas e privadas.
— A UNE sempre teve participação em assuntos nacionais.
Nossa maior batalha é sempre a próxima — avisa Chagas.
Chagas: benefício da meia entrada foi desvirtuado A nova diretoria também vai brigar para a construção da nova sede da UNE, na Praia do Flamengo, no Rio, que pode custar até R$ 36 milhões aos cofres da União. Esse é o valor máximo previsto no projeto de lei que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou à Câmara em agosto do ano passado. Segundo o texto, os gastos podem chegar a até seis vezes o valor do terreno, que é avaliado em R$ 6 milhões. O projeto, do arquiteto Oscar Niemeyer, prevê um edifício de 13 andares e um centro cultural, com teatro e um museu em memória ao movimento estudantil.
Outra batalha será a regulamentação da legislação da meia entrada. Segundo Chagas, esse benefício, originalmente destinado aos estudantes, desvirtuou-se. Ele também é contrário à proposta do meio artístico de estabelecer cotas para a meia-entrada.
— Tivemos um retrocesso grande nos últimos anos e temos de restringir esse benefício apenas aos estudantes
O oligarca José Sarney
Cláudio Gonçalves Couto
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A cada novo escândalo que lhe afeta, o senador José Sarney tem mais demonstrada sua verdadeira natureza política. Cada vez sobram menos ilusões (para quem ainda as tinha) sobre sua condição de patrono da democracia, que teria conduzido o final do processo brasileiro de transição do regime autoritário, ficando mais nítido o caráter oligárquico de sua liderança. Seu estilo oligárquico marca o longo domínio de seu clã político no Maranhão, que foi apenas brevemente interrompido com a defecção de José Reinaldo Tavares e, depois, com a eleição de Jackson Lago para o governo do Estado. Todavia, com a decisão unânime do Tribunal Superior Eleitoral em cassar o mandato do governador eleito, deu-se a reintegração de posse - e Roseana Sarney pôde retomar o domínio familiar.
Sintoma dessa percepção de que o Estado do Maranhão (que tem o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano do país) é posse da família foi a pronta reação dos aliados de Sarney à eleição de Lago, em 2006, quando levantou-se a proposta de criar um novo Estado na federação, correspondendo ao sul do que é hoje o Maranhão. Dessa forma se permitiria que nesse novo pedaço as disputas eleitorais fossem menos influenciadas pelo voto urbano de São Luiz - menos subalterno às veleidades oligárquicas do clã local - garantindo assim uma posse mais segura do domínio territorial familiar.
Novas demonstrações de que a família Sarney tem grande preocupação com a coisa pública - ao ponto de tratá-la como se fosse sua - são as revelações feitas nesta semana pelo jornal "O Estado de S. Paulo". Uma neta do presidente do Senado, cujas conversas telefônicas foram gravadas numa investigação da polícia federal, reivindicou o "direito" de indicar o ocupante de um determinado cargo na Casa pelo fato de se tratar de um posto pertencente à família. Certamente, um órgão de Estado que funciona com base neste princípio - da posse privada (familiar ou clãnica) de cargos públicos - não pode operar num registro democrático - e nem republicano.
A lógica subjacente a este modus operandi é a da sociedade estamental - na qual as pessoas se distinguem por seus laços de sangue e pelas afinidades familiares. Neste contexto, ocupa-se um cargo ou desempenha-se uma função (como a intermediação financeira) em virtude do pertencimento a um determinado clã familiar. Isto seria aceitável numa sociedade aristocrática, mas como supostamente vivemos numa república democrática, este tipo de procedimento passa a significar uma clara desvirtuação. E a lógica aristocrática desvirtuada é justamente o que (desde Aristóteles) se denomina como oligarquia.
Se estivéssemos num contexto histórico em que o desvirtuamento fosse o resultado de uma degeneração da aristocracia, isto provavelmente se daria pelo rompimento das tradições, que balizariam o que seria ou não legal. Assim, o oligarca seria o aristocrata que se desvirtua por não mais respeitar as normas que vigoram na própria sociedade estamental em que está inserido. Numa sociedade como essa o problema não está na distinção pouco nítida entre o público e o privado, já que ele é inerente a uma ordem política na qual os laços de sangue e afinidade familiar são o fator determinante da posse dos cargos públicos e do exercício do poder. O problema na verdade surge quando se violam os princípios da tradição que definem como os laços se criam e se perpetuam, ou como se toma posse dos cargos e se exerce o poder.
Não faria nenhum sentido numa república democrática, como o Brasil, falar em desrespeito a princípios aristocráticos. Portanto, o desvirtuamento aqui é justamente trazer a lógica estamental para o âmbito de relações políticas que deveriam se pautar 1º numa relação entre iguais (independentemente de seus laços familiares ou clãnicos) e 2º numa lei que leva em conta outros princípios (o mérito, o voto e a conduta dentro da lei) para a posse de cargos públicos, o exercício de funções de Estado e o julgamento das pessoas. É por isto que são imorais (a) a ocupação de tantos cargos no Senado por apaniguados de Sarney, (b) a atuação de seu filho como intermediário de transações financeiras de servidores da Casa, (c) a reivindicação feita por sua neta, da posse familiar de postos no aparato de Estado e (d) a reivindicação feita por José Sarney, de que não pode ser julgado pelos atos seus e de seus subordinados.
Este último ponto merece destaque. Ao reivindicar que não poderia ser julgado, Sarney colocou-se, sem qualquer cerimônia, como um indivíduo acima dos demais. Neste sentido, colocou-se como um aristocrata acima da plebe; afinal, a justiça que vale para a plebe não pode valer para os nobres, que possuem outra natureza e, portanto, fazem jus a privilégios. Contudo, como isto não faz sentido numa sociedade democrática e republicana, a pretensão aristocrática aqui é uma clara distorção, que torna oligarca quem a reivindica.
Claudio Gonçalves Couto é professor de Ciência Política da PUC-SP e da FGV-SP.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A cada novo escândalo que lhe afeta, o senador José Sarney tem mais demonstrada sua verdadeira natureza política. Cada vez sobram menos ilusões (para quem ainda as tinha) sobre sua condição de patrono da democracia, que teria conduzido o final do processo brasileiro de transição do regime autoritário, ficando mais nítido o caráter oligárquico de sua liderança. Seu estilo oligárquico marca o longo domínio de seu clã político no Maranhão, que foi apenas brevemente interrompido com a defecção de José Reinaldo Tavares e, depois, com a eleição de Jackson Lago para o governo do Estado. Todavia, com a decisão unânime do Tribunal Superior Eleitoral em cassar o mandato do governador eleito, deu-se a reintegração de posse - e Roseana Sarney pôde retomar o domínio familiar.
Sintoma dessa percepção de que o Estado do Maranhão (que tem o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano do país) é posse da família foi a pronta reação dos aliados de Sarney à eleição de Lago, em 2006, quando levantou-se a proposta de criar um novo Estado na federação, correspondendo ao sul do que é hoje o Maranhão. Dessa forma se permitiria que nesse novo pedaço as disputas eleitorais fossem menos influenciadas pelo voto urbano de São Luiz - menos subalterno às veleidades oligárquicas do clã local - garantindo assim uma posse mais segura do domínio territorial familiar.
Novas demonstrações de que a família Sarney tem grande preocupação com a coisa pública - ao ponto de tratá-la como se fosse sua - são as revelações feitas nesta semana pelo jornal "O Estado de S. Paulo". Uma neta do presidente do Senado, cujas conversas telefônicas foram gravadas numa investigação da polícia federal, reivindicou o "direito" de indicar o ocupante de um determinado cargo na Casa pelo fato de se tratar de um posto pertencente à família. Certamente, um órgão de Estado que funciona com base neste princípio - da posse privada (familiar ou clãnica) de cargos públicos - não pode operar num registro democrático - e nem republicano.
A lógica subjacente a este modus operandi é a da sociedade estamental - na qual as pessoas se distinguem por seus laços de sangue e pelas afinidades familiares. Neste contexto, ocupa-se um cargo ou desempenha-se uma função (como a intermediação financeira) em virtude do pertencimento a um determinado clã familiar. Isto seria aceitável numa sociedade aristocrática, mas como supostamente vivemos numa república democrática, este tipo de procedimento passa a significar uma clara desvirtuação. E a lógica aristocrática desvirtuada é justamente o que (desde Aristóteles) se denomina como oligarquia.
Se estivéssemos num contexto histórico em que o desvirtuamento fosse o resultado de uma degeneração da aristocracia, isto provavelmente se daria pelo rompimento das tradições, que balizariam o que seria ou não legal. Assim, o oligarca seria o aristocrata que se desvirtua por não mais respeitar as normas que vigoram na própria sociedade estamental em que está inserido. Numa sociedade como essa o problema não está na distinção pouco nítida entre o público e o privado, já que ele é inerente a uma ordem política na qual os laços de sangue e afinidade familiar são o fator determinante da posse dos cargos públicos e do exercício do poder. O problema na verdade surge quando se violam os princípios da tradição que definem como os laços se criam e se perpetuam, ou como se toma posse dos cargos e se exerce o poder.
Não faria nenhum sentido numa república democrática, como o Brasil, falar em desrespeito a princípios aristocráticos. Portanto, o desvirtuamento aqui é justamente trazer a lógica estamental para o âmbito de relações políticas que deveriam se pautar 1º numa relação entre iguais (independentemente de seus laços familiares ou clãnicos) e 2º numa lei que leva em conta outros princípios (o mérito, o voto e a conduta dentro da lei) para a posse de cargos públicos, o exercício de funções de Estado e o julgamento das pessoas. É por isto que são imorais (a) a ocupação de tantos cargos no Senado por apaniguados de Sarney, (b) a atuação de seu filho como intermediário de transações financeiras de servidores da Casa, (c) a reivindicação feita por sua neta, da posse familiar de postos no aparato de Estado e (d) a reivindicação feita por José Sarney, de que não pode ser julgado pelos atos seus e de seus subordinados.
Este último ponto merece destaque. Ao reivindicar que não poderia ser julgado, Sarney colocou-se, sem qualquer cerimônia, como um indivíduo acima dos demais. Neste sentido, colocou-se como um aristocrata acima da plebe; afinal, a justiça que vale para a plebe não pode valer para os nobres, que possuem outra natureza e, portanto, fazem jus a privilégios. Contudo, como isto não faz sentido numa sociedade democrática e republicana, a pretensão aristocrática aqui é uma clara distorção, que torna oligarca quem a reivindica.
Claudio Gonçalves Couto é professor de Ciência Política da PUC-SP e da FGV-SP.
Doutrina Lula
Vaguinaldo Marinheiro
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Presidentes norte-americanos ajudaram a moldar o mundo em que vivemos hoje com o que ficou conhecido como suas doutrinas. No século 19, houve a doutrina Monroe, contra o colonialismo na América. No 20, a doutrina Truman, que definiu a Guerra Fria e a disputa com os comunistas. Neste século, foi a vez da doutrina Bush.
Ela tratava da luta contra o terrorismo e dividia o mundo entre os bons (as vítimas) e os maus (o eixo do mal), que mereciam bombas.
Sua frase-síntese era: quem não está comigo está contra mim.
Agora, ouve-se por aqui, de forma muito jocosa, sobre a "doutrina Lula". Não se trata de diretrizes de política externa, mas da forma adotada pelo presidente para garantir a tal governabilidade e perpetuar os seus no centro do poder.
Na doutrina Lula, tudo é um pouco embaralhado. O bem e o mal inexistem. Na verdade existem, mas mudam de lado de acordo com as conveniências. O demônio de 20 anos atrás (Collor) vira o companheiro de agora, com direito a abraços públicos e agradecimentos.
Ela não tem uma frase-síntese, mas todo um raciocínio. É mais ou menos assim: quem não está comigo, não está porque não quer. Se quiser vir para o meu lado, estou de braços abertos e pronto a oferecer meu apoio e toda a minha popularidade numa disputa eleitoral. Ou minha defesa, em caso de você ser pego com a boca na botija.
A doutrina Bush teve um efeito devastador para o presidente dos EUA. Ele terminou o governo como um pato manco, como definem os americanos -com a popularidade no chão e sendo evitado por candidatos que temiam perder voto caso associassem seus nomes ao dele.
Já Lula, ao que tudo indica, terminará o mandato como um pato supersônico: hiperpopular e desejado por todos os candidatos. É uma pena que com tal cacife não reveja essa sua doutrina e seja mais seletivo em suas relações.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Presidentes norte-americanos ajudaram a moldar o mundo em que vivemos hoje com o que ficou conhecido como suas doutrinas. No século 19, houve a doutrina Monroe, contra o colonialismo na América. No 20, a doutrina Truman, que definiu a Guerra Fria e a disputa com os comunistas. Neste século, foi a vez da doutrina Bush.
Ela tratava da luta contra o terrorismo e dividia o mundo entre os bons (as vítimas) e os maus (o eixo do mal), que mereciam bombas.
Sua frase-síntese era: quem não está comigo está contra mim.
Agora, ouve-se por aqui, de forma muito jocosa, sobre a "doutrina Lula". Não se trata de diretrizes de política externa, mas da forma adotada pelo presidente para garantir a tal governabilidade e perpetuar os seus no centro do poder.
Na doutrina Lula, tudo é um pouco embaralhado. O bem e o mal inexistem. Na verdade existem, mas mudam de lado de acordo com as conveniências. O demônio de 20 anos atrás (Collor) vira o companheiro de agora, com direito a abraços públicos e agradecimentos.
Ela não tem uma frase-síntese, mas todo um raciocínio. É mais ou menos assim: quem não está comigo, não está porque não quer. Se quiser vir para o meu lado, estou de braços abertos e pronto a oferecer meu apoio e toda a minha popularidade numa disputa eleitoral. Ou minha defesa, em caso de você ser pego com a boca na botija.
A doutrina Bush teve um efeito devastador para o presidente dos EUA. Ele terminou o governo como um pato manco, como definem os americanos -com a popularidade no chão e sendo evitado por candidatos que temiam perder voto caso associassem seus nomes ao dele.
Já Lula, ao que tudo indica, terminará o mandato como um pato supersônico: hiperpopular e desejado por todos os candidatos. É uma pena que com tal cacife não reveja essa sua doutrina e seja mais seletivo em suas relações.
Um Bric "no topo do mundo"
Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O Brasil é o exemplo a ser seguido, mas, como bom caipira, fico desconfiado com tanto elogio para nosso país
EM SUA coluna de 12 deste mês, Clóvis Rossi escreveu que o Brasil, que agora deve participar do G14, chegou ao "topo do mundo", mas continua caipira. Não sei se nosso problema é realmente o caipirismo. A dialética entre o elemento nacional e o cosmopolita foi sempre uma fonte fértil do progresso humano. Mas, como ao notável jornalista, também me preocupa esse "topo do mundo". No início do século 20, os brasileiros foram vítimas do ufanismo local; no início do século 21, é a vez de sermos vítimas do ufanismo alheio. Viajo bastante, e nunca vi tanto elogio para o Brasil e para Lula como atualmente. Fico feliz pelo presidente, mas, como bom caipira, fico desconfiado com tanto elogio para nosso país.
Estamos sendo elogiados desde os anos 1990, quando inventaram os Brics. De repente, fomos guindados à condição de potência emergente, ao lado da China, da Índia e da Rússia. Graças aos nossos 190 milhões de habitantes. Porque somos um país de renda média. Tudo bem.Mas, afinal, continuamos a representar pouco mais de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial.
Por que e para que tanto barulho? O grave, porém, é que se lermos com atenção o noticiário, verificaremos que somos o melhor -o Bric mais elogiado pela imprensa e pelo establishment internacional. Os outros três são nacionalistas demais para esse establishment aprovar: a Rússia, apesar da boa visita de Obama, continua "o inimigo"; a China é "a ameaça competitiva"; a Índia, o país que ainda não fez as reformas. O Brasil, sim, é o exemplo a ser seguido por todos. Sua política monetária é um exemplo de bom comportamento: segue todas as recomendações dos países ricos. Definitivamente, somos um sucesso para eles.
Mas não somos um sucesso para nós mesmos. O gráfico ao lado, sobre o crescimento dos outros três Brics em comparação com o nosso, diz tudo. Desde 1996, crescemos a uma taxa média correspondente a menos da metade da alcançada por aqueles países: nosso crescimento anual médio per capita foi de 3%, contra 7% dos outros três.
Mas não seria esse, afinal, o "limite" do nosso crescimento? É o que dizem nossos concorrentes ricos. É o que afirmam as histórias do "crescimento potencial". Acredite nela quem quiser. Outra pergunta: para um país que experimentou inflação tão alta entre 1980 e 1984, como o Brasil, não seria essa uma taxa suficiente? Não é porque não há razão para que o crescimento traga a inflação de volta. Talvez essa taxa seja suficiente para os poucos brasileiros que estão ganhando muito apesar do nosso modesto desempenho.
Mas o fato é que uma perda de crescimento de 4% ao ano durante 13 anos equivale a uma perda total de crescimento, nesse período, de aproximadamente 65%. Em média, os brasileiros estariam hoje 65% mais ricos se a renda per capita houvesse crescido à taxa média dos outros três Brics. Definitivamente, é melhor desconfiarmos de tanto elogio e tratarmos de cuidar da nossa vida em vez de seguir os conselhos dos outros.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O Brasil é o exemplo a ser seguido, mas, como bom caipira, fico desconfiado com tanto elogio para nosso país
EM SUA coluna de 12 deste mês, Clóvis Rossi escreveu que o Brasil, que agora deve participar do G14, chegou ao "topo do mundo", mas continua caipira. Não sei se nosso problema é realmente o caipirismo. A dialética entre o elemento nacional e o cosmopolita foi sempre uma fonte fértil do progresso humano. Mas, como ao notável jornalista, também me preocupa esse "topo do mundo". No início do século 20, os brasileiros foram vítimas do ufanismo local; no início do século 21, é a vez de sermos vítimas do ufanismo alheio. Viajo bastante, e nunca vi tanto elogio para o Brasil e para Lula como atualmente. Fico feliz pelo presidente, mas, como bom caipira, fico desconfiado com tanto elogio para nosso país.
Estamos sendo elogiados desde os anos 1990, quando inventaram os Brics. De repente, fomos guindados à condição de potência emergente, ao lado da China, da Índia e da Rússia. Graças aos nossos 190 milhões de habitantes. Porque somos um país de renda média. Tudo bem.Mas, afinal, continuamos a representar pouco mais de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial.
Por que e para que tanto barulho? O grave, porém, é que se lermos com atenção o noticiário, verificaremos que somos o melhor -o Bric mais elogiado pela imprensa e pelo establishment internacional. Os outros três são nacionalistas demais para esse establishment aprovar: a Rússia, apesar da boa visita de Obama, continua "o inimigo"; a China é "a ameaça competitiva"; a Índia, o país que ainda não fez as reformas. O Brasil, sim, é o exemplo a ser seguido por todos. Sua política monetária é um exemplo de bom comportamento: segue todas as recomendações dos países ricos. Definitivamente, somos um sucesso para eles.
Mas não somos um sucesso para nós mesmos. O gráfico ao lado, sobre o crescimento dos outros três Brics em comparação com o nosso, diz tudo. Desde 1996, crescemos a uma taxa média correspondente a menos da metade da alcançada por aqueles países: nosso crescimento anual médio per capita foi de 3%, contra 7% dos outros três.
Mas não seria esse, afinal, o "limite" do nosso crescimento? É o que dizem nossos concorrentes ricos. É o que afirmam as histórias do "crescimento potencial". Acredite nela quem quiser. Outra pergunta: para um país que experimentou inflação tão alta entre 1980 e 1984, como o Brasil, não seria essa uma taxa suficiente? Não é porque não há razão para que o crescimento traga a inflação de volta. Talvez essa taxa seja suficiente para os poucos brasileiros que estão ganhando muito apesar do nosso modesto desempenho.
Mas o fato é que uma perda de crescimento de 4% ao ano durante 13 anos equivale a uma perda total de crescimento, nesse período, de aproximadamente 65%. Em média, os brasileiros estariam hoje 65% mais ricos se a renda per capita houvesse crescido à taxa média dos outros três Brics. Definitivamente, é melhor desconfiarmos de tanto elogio e tratarmos de cuidar da nossa vida em vez de seguir os conselhos dos outros.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Solução adiada
DEU EM O GLOBO
Zelaya e governo golpista entram em novo impasse e Arias pede prazo de 72 horas
Terminou ontem sem acordo a segunda rodada de negociações sobre a crise política de Honduras, com o presidente do governo golpista, Roberto Micheletti, considerando inaceitáveis os sete pontos da proposta apresentada pelo mediador do conflito, o presidente da Costa Rica, Oscar Arias. Já o presidente exilado José Manuel Zelaya, deposto num golpe de Estado em 28 de junho, anunciou que sua volta ao país é inegociável e disse, por meio de sua equipe de negociadores, que o diálogo com os atuais representantes do governo golpista estava encerrado.
- Ninguém pode me impedir de voltar a Honduras. Sou hondurenho e este é um direito meu - disse Zelaya, exilado em Manágua, na Nicarágua, afirmando que não atenderia nem mesmo ao prazo até sexta-feira para seu retorno pedido por Arias, numa tentativa do mediador, respaldada pelos Estados Unidos, de tentar evitar conflitos no país.
Do outro lado, a posição não foi mais animadora.
- Sinto muito, mas as propostas apresentadas são inaceitáveis para o governo constitucional de Honduras. Em particular sua proposta número um - disse Carlos Lopez, à frente do grupo de negociadores do governo interino de Roberto Micheletti, referindo-se ao ponto que prevê a volta de Zelaya ao governo para cumprir o restante de seu mandato, até janeiro de 2010.
Arias fala em risco de derramamento de sangue
Com o impasse, as negociações entraram em ponto morto e Arias - vencedor do Nobel da Paz de 1987 por sua colaboração para o fim de guerras na América Central - pediu um prazo de 72 horas para mais negociações, nas quais continuaria trabalhando para evitar o que classificou como um risco de "derramamento de sangue" no país.
- Não foi possível chegar a um acordo satisfatório. A delegação do presidente Zelaya aceitou integralmente minha proposta, mas não a de Roberto Micheletti - disse Arias. - Qual é a alternativa ao diálogo? Minha consciência me diz que não posso desistir e que devo continuar trabalhando por pelo menos mais três dias e é isso que proponho.
Apesar de ter rechaçado a proposta de Arias, a comissão de Micheletti, que assim como Zelaya não compareceu pessoalmente às negociações realizadas na Costa Rica, afirmou que não dará por terminadas as conversações e que não descarta retomá-las na quarta-feira. Lopez disse que sua delegação voltaria à Costa Rica em 72 horas "para continuar o diálogo", mas não ficou claro se a outra delegação participaria do encontro.
- Temos um amplo respeito pela institucionalidade e não vão nos tomar como intransigentes. Eles (representantes de Zelaya) são os que disseram que não voltarão ao diálogo - disse Vilma Morales, ex-presidente da Corte Suprema de Justiça e membro da comissão de Micheletti. - O diálogo não foi rompido.
Vilma se referia a um comentário de Rixi Moncada, do time de negociadores de Zelaya, de que "o diálogo com a atual comissão de fato está encerrada", mas que a disposição para voltar a sentar-se à mesa com novos representantes ainda estava aberta. A equipe de Micheletti não mencionou uma possível troca na delegação, mas o próprio presidente deposto declarou ontem que "não se pode fechar as portas nunca".
Micheletti justificara o golpe como uma forma de interromper um projeto de poder que julgou ser uma versão hondurenha do governo de Hugo Chávez. A crise começou depois de uma tentativa de Zelaya de consultar a população para alterar a Constituição e viabilizar uma reeleição presidencial. As Nações Unidas, os Estados Unidos e a Organização de Estados Americanos (OEA) defendem a volta do presidente eleito ao poder.
Além da restituição de Zelaya como presidente, a proposta do costa-riquenho recusada por Micheletti no sábado também previa a formação de um governo de unidade nacional composto por representantes dos principais partidos políticos do país, a declaração de uma anistia geral para todos os delitos políticos ocorridos antes e depois do golpe de Estado e a renúncia de Zelaya às suas intenções de reformar a Constituição para viabilizar sua reeleição.
Outros pontos incluíam a antecipação das eleições de 29 de novembro para 25 de outubro, a transferência do comando das Forças Armadas do Poder Executivo ao Supremo Tribunal Eleitoral um mês antes das eleições e a formação de uma comissão de verificação composta por hondurenhos e membros de organismos internacionais, especialmente da OEA, para supervisionar o cumprimento dos acordos e a volta à ordem constitucional.
Zelaya e governo golpista entram em novo impasse e Arias pede prazo de 72 horas
Terminou ontem sem acordo a segunda rodada de negociações sobre a crise política de Honduras, com o presidente do governo golpista, Roberto Micheletti, considerando inaceitáveis os sete pontos da proposta apresentada pelo mediador do conflito, o presidente da Costa Rica, Oscar Arias. Já o presidente exilado José Manuel Zelaya, deposto num golpe de Estado em 28 de junho, anunciou que sua volta ao país é inegociável e disse, por meio de sua equipe de negociadores, que o diálogo com os atuais representantes do governo golpista estava encerrado.
- Ninguém pode me impedir de voltar a Honduras. Sou hondurenho e este é um direito meu - disse Zelaya, exilado em Manágua, na Nicarágua, afirmando que não atenderia nem mesmo ao prazo até sexta-feira para seu retorno pedido por Arias, numa tentativa do mediador, respaldada pelos Estados Unidos, de tentar evitar conflitos no país.
Do outro lado, a posição não foi mais animadora.
- Sinto muito, mas as propostas apresentadas são inaceitáveis para o governo constitucional de Honduras. Em particular sua proposta número um - disse Carlos Lopez, à frente do grupo de negociadores do governo interino de Roberto Micheletti, referindo-se ao ponto que prevê a volta de Zelaya ao governo para cumprir o restante de seu mandato, até janeiro de 2010.
Arias fala em risco de derramamento de sangue
Com o impasse, as negociações entraram em ponto morto e Arias - vencedor do Nobel da Paz de 1987 por sua colaboração para o fim de guerras na América Central - pediu um prazo de 72 horas para mais negociações, nas quais continuaria trabalhando para evitar o que classificou como um risco de "derramamento de sangue" no país.
- Não foi possível chegar a um acordo satisfatório. A delegação do presidente Zelaya aceitou integralmente minha proposta, mas não a de Roberto Micheletti - disse Arias. - Qual é a alternativa ao diálogo? Minha consciência me diz que não posso desistir e que devo continuar trabalhando por pelo menos mais três dias e é isso que proponho.
Apesar de ter rechaçado a proposta de Arias, a comissão de Micheletti, que assim como Zelaya não compareceu pessoalmente às negociações realizadas na Costa Rica, afirmou que não dará por terminadas as conversações e que não descarta retomá-las na quarta-feira. Lopez disse que sua delegação voltaria à Costa Rica em 72 horas "para continuar o diálogo", mas não ficou claro se a outra delegação participaria do encontro.
- Temos um amplo respeito pela institucionalidade e não vão nos tomar como intransigentes. Eles (representantes de Zelaya) são os que disseram que não voltarão ao diálogo - disse Vilma Morales, ex-presidente da Corte Suprema de Justiça e membro da comissão de Micheletti. - O diálogo não foi rompido.
Vilma se referia a um comentário de Rixi Moncada, do time de negociadores de Zelaya, de que "o diálogo com a atual comissão de fato está encerrada", mas que a disposição para voltar a sentar-se à mesa com novos representantes ainda estava aberta. A equipe de Micheletti não mencionou uma possível troca na delegação, mas o próprio presidente deposto declarou ontem que "não se pode fechar as portas nunca".
Micheletti justificara o golpe como uma forma de interromper um projeto de poder que julgou ser uma versão hondurenha do governo de Hugo Chávez. A crise começou depois de uma tentativa de Zelaya de consultar a população para alterar a Constituição e viabilizar uma reeleição presidencial. As Nações Unidas, os Estados Unidos e a Organização de Estados Americanos (OEA) defendem a volta do presidente eleito ao poder.
Além da restituição de Zelaya como presidente, a proposta do costa-riquenho recusada por Micheletti no sábado também previa a formação de um governo de unidade nacional composto por representantes dos principais partidos políticos do país, a declaração de uma anistia geral para todos os delitos políticos ocorridos antes e depois do golpe de Estado e a renúncia de Zelaya às suas intenções de reformar a Constituição para viabilizar sua reeleição.
Outros pontos incluíam a antecipação das eleições de 29 de novembro para 25 de outubro, a transferência do comando das Forças Armadas do Poder Executivo ao Supremo Tribunal Eleitoral um mês antes das eleições e a formação de uma comissão de verificação composta por hondurenhos e membros de organismos internacionais, especialmente da OEA, para supervisionar o cumprimento dos acordos e a volta à ordem constitucional.
Nabucco – Giuseppe Verdi
Maestro: Pablo Varela
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http://www.youtube.com/watch?v=eUeHKHQJICM
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