segunda-feira, 27 de julho de 2009

PENSAMENTO DO DIA – Werneck Vianna

“Não haveria mais por que interpretar o mundo, pois os filósofos, diz Marx na 11ª. tese sobre Feuerbach, já fizeram isso — exemplar a obra de Hegel —, cabendo, agora, transformá-lo. A ação consciente dos homens já não deveria ser prisioneira da Providência nem vítima dos ardis com que a história parece se voltar contra as intenções dos humanos, tomando rumos que escapariam inteiramente do seu cálculo.”

(Luiz Werneck Vianna, no artigo A viagem (quase) redonda do PT)

O outono do patriarca

Marco Antonio Villa
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O presidente Lula tem razão: Sarney não é igual à maioria dos brasileiros. Ainda bem. Quem é Sarney? Ele é o símbolo maior do atraso

NA PRESIDÊNCIA do Senado, José Sarney conseguiu o impossível: ser pior do que alguns dos seus antecessores, como Antonio Carlos Magalhães, Jader Barbalho e Renan Calheiros, que acabaram defenestrados. Todos negaram as acusações que pesavam sobre eles. Pareciam inabaláveis, tal qual Sarney.

Porém, o velho coronel do Maranhão está conseguindo se manter no cargo por mais tempo do que seus velhos amigos. Afinal, como disse o presidente Lula, ele não é igual a nós, ele tem uma história. Lula tem razão: Sarney não é igual à maioria dos brasileiros. Ainda bem. Quem é Sarney? José Ribamar Ferreira de Araújo Costa nasceu em 1930, ano da revolução que mudou o Brasil. Paradoxalmente, ele é o símbolo maior do atraso, do passado que nunca passa, da antirrevolução.

Fez a pequena política local até chegar, em 1958, ao Rio de Janeiro, como deputado federal, ainda jovem, eleito pela UDN. Participou pouco dos debates, nunca foi um bom orador. A voz soava mal, as ideias eram ultrapassadas e sem nenhuma novidade, o raciocínio era lento e era pobre sua linguagem gestual. Não tinha nada que o destacasse.

Na grave conjuntura de 1963-1964, raramente apareceu nos debates. Omitiu-se. Preferiu as sombras, aguardando hora mais tranquila. Candidatou-se ao governo do Maranhão em 1965 e venceu com o apoio dos novos donos do poder, os militares. Depois foi para o Senado -e lá ficou por quase 15 anos.

Se consultarmos os anais daquela Casa, raramente veremos Sarney participando de um debate. A sua preocupação central não eram os grandes problemas nacionais, nada disso. Seu pensamento e sua ação política estavam na província. Controlava as nomeações e os recursos orçamentários. Dessa forma, conservou sua força política local graças à influência que mantinha na capital federal.

Mas o coronel era hábil. Não queria ser um novo Vitorino Freire, o mandão que o antecedeu. Buscou dar um verniz intelectual ao poder discricionário que exercia na província. Isso pode explicar a publicação de romances e contos, a entrada para a Academia Brasileira de Letras e o estabelecimento de amplo círculo de relações sociais com intelectuais e jornalistas.

No Sul do país mostrava seu lado cosmopolita, falando de poesia e filosofia. Na província voltava ao natural, não precisava de nenhum figurino: era o senhor do baraço e do cutelo. Que digam os oposicionistas -e foram tantos- que sofreram a violência do mandão local. Lá, durante mais de 40 anos de poder, o interesse público nunca esteve separado do interesse da família Sarney e de sua parentela.

Por um acaso da história, acabou presidente da República. Durante os comícios da Aliança Democrática, em 1984, ficava escondido no palanque. Quando era anunciada a sua presença, era vaiado impiedosamente. Afinal, servira fielmente o regime militar por 20 anos.

A sua Presidência foi um desastre completo. Três planos de estabilização econômica. E todos fracassaram. Terminou o governo com a inflação próxima de uma taxa de 100% ao mês. Omitiu-se quanto aos principais problemas. No ocaso do governo foi instalada no Congresso Nacional uma CPI para apurar casos de corrupção, com graves acusações à gestão presidencial e a sua família, em especial seu genro, Jorge Murad.

O desprestígio era tão acentuado que nenhum candidato às eleições presidenciais de 1989 -e eram mais de uma dúzia- buscou seu apoio. Mas o oligarca sobreviveu. Buscou um mandato de senador no recém-criado Amapá. Precisava como nunca da imunidade parlamentar.

O tempo passou e a memória nacional foi se apagando, como sempre. O oligarca, em uma curiosa metamorfose, transformou-se em estadista. Encontraram até qualidades no seu período presidencial. Não tinha sido um indeciso. Não, nada disso. Fora um conciliador, avalista da transição para a democracia.

No governo Lula, mandou mais do que na sua Presidência. Conseguiu até depor o governador Jackson Lago, que teve a ousadia de vencer nas urnas a sua filha. A sua cunhada, presidente do TRE, anulou a eleição e, pior, obteve a chancela do TSE.

Contudo, não há farsa que perdure na história. O que foi revelado pela mídia nacional não é nenhuma novidade para os maranhenses. Lá, o rei está nu há muito tempo.

No encerramento do semestre legislativo, Sarney discursou para um plenário vazio. Não houve palmas ou apupos. Desceu e caminhou pelo corredor, silenciosamente. Nas galerias não havia um simples espectador. O velho oligarca estava só. Parou e, como se dissesse adeus, dirigiu-se para seu gabinete: a tragicomédia está chegando ao fim.

MARCO ANTONIO VILLA, 54, é professor de história da UFScar (Universidade Federal de São Carlos) e autor, entre outros livros, de "Jango, um Perfil".

Pai patrão

Ricardo Noblat
DEU EM O GLOBO

"O desejo de glória é a última coisa que mesmo os sábios são capazes de abandonar" ( Tácito, historiador e jusrista romano )

Diga se o PT pode achar graça nisto: Lula pôs na cabeça que uma mulher, executiva, de temperamento forte, estreitamente ligada a ele, seria a melhor aposta para sucedê-lo. Relevou o fato de ela nunca ter disputado uma eleição, não ter feito carreira dentro do PT, não ter carisma, nem trânsito fácil entre os partidos que apoiam o governo.

Para elegê-la, caberia ao PT curvar-se obsequioso às decisões de Lula. Por exemplo: assistir sem chiar a ocupação pelo PMDB de cargos-chaves na administração pública. Ceder ao PMDB a vaga de vice na chapa à Presidência da República. Ceder também a candidatura ao governo nos Estados onde o PMDB for mais forte. E, por fim, socorrer o PMDB em suas atribulações. Afinal, pelo poder supremo tudo vale.

Em 2002, para ganhar o apoio à sua candidatura do PL de José de Alencar, Lula avalizou o pagamento ao partido de R$ 6 milhões. O negócio foi conduzido por Delúbio Soares, tesoureiro do PT, e José Dirceu, na época coordenador da campanha de Lula. Enquanto eles conversavam em um quarto de apartamento de Brasília com o deputado Valdemar Costa Neto, presidente do PL, Lula e Alencar esperavam no terraço o desfecho da negociação.

O PT aborreceu-se, mas engoliu a seco a indicação de Dilma Rousseff para presidente da República. Fazer o quê? Não tinha um candidato natural. Nem coragem para desafiar Lula. Engoliu também a ideia de que o lugar de vice na chapa de Dilma é do PMDB. Antes havia engolido a entrega ao PMDB de seis ministérios e de algumas centenas de cargos que, juntos, movimentam algo como R$ 240 bilhões por ano.

Agora empanturrado, diante do risco de sofrer uma indigestão, o PT ameaça regurgitar o socorro a José Sarney (PMDB-AP) e a montagem de palanques estaduais na condição de coadjuvante do PMDB. O chamego do PT com o PMDB é novidade. Há 20 anos, candidato a presidente pela primeira vez, Lula desprezou o apoio do PMDB. Em 2002, foi o PMDB que desprezou o apoio a Lula preferindo a companhia do PSDB de José Serra.

O exercício do poder tem lá muitas vantagens, mas desgasta. O PT coleciona cicatrizes dolorosas desde que subiu a rampa do Palácio do Planalto. A pior delas tem a ver com seu papel de protagonista em alguns dos mais rumorosos escândalos políticos recentes. Foi pelo ralo a imagem construída pelo PT de partido campeão da ética, aferrado a sólidos valores compartilhados pela maioria dos seus militantes.

Se amanhã o PT quiser retomar o discurso contra a corrupção ouvirá uma gargalhada nacional. Se disser que está disposto a se livrar das más companhias, simplesmente não será ouvido. A situação do PT não faz diferença para Lula que se descolou dele. Em 2014, se ceder à tentação de concorrer à Presidência pela sexta vez, Lula se apresentará como candidato preferencial de uma ampla coligação de partidos. O PT será apenas mais um.

É por isso que o partido esboça uma reação às cobranças de Lula. Por ora ainda tímida, é verdade. Tome-se o caso de Sarney, abandonado pelo PSDB, DEM, PDT, PSB e por senadores do próprio PMDB. Sarney mentiu a seus pares quando negou qualquer ingerência na Fundação José Sarney. E mentiu novamente ao dizer que jamais houve atos secretos. Gravação o liga a ato secreto que empregou no Senado o namoradinho da neta.

Oito dos 12 senadores do PT são candidatos à reeleição. Que tal serem apontados durante a campanha como aqueles que salvaram Sarney da degola? Quanto a abrir espaço para o PMDB nos Estados, o PT rumina em silêncio: e se Dilma perder? E se parte do PMDB largá-la de mão no meio da campanha ou mesmo antes? Que vantagem teria levado Maria? É a eleição de governador que costuma puxar a eleição de senadores e deputados. E então?

Lula tem gordura suficiente para perder se insistir em bancar Sarney. E não perderá nenhuma se Dilma perder ou se o PT sair enfraquecido das eleições estaduais. O PT não poderá se dar a esse luxo.

Sem PT, Sarney pode ser afastado

Isabel Braga e Cristiane Jungblut
DEU EM O GLOBO

Fragilizado por novas denúncias, presidente do Senado é cobrado até por aliados da base Após as últimas denúncias e sem a certeza de contar com o apoio do PT, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), não teria mais os 41 votos necessários para barrar em plenário as iniciativas para retirá-lo do cargo. Até aliados do governo cobram uma solução definitiva e pressionam Sarney a tomar uma posição até agosto. O presidente Lula deve discutir a crise no Senado na reunião de hoje da coordenação política.

Sarney por um triz

Presidente do Senado perde apoio entre aliados, que cobram solução rápida para crise

Fragilizado e sem a certeza de ainda ter maioria consolidada no Senado, o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), está sendo pressionado a decidir seu destino político em agosto, quando acaba o recesso do Congresso. Aliados da base governista no Senado apostam que Sarney não resistirá à pressão cada vez mais forte das ruas e tentarão articular uma solução negociada com o próprio Sarney. Hoje, o presidente do Senado não tem mais a certeza de que dispõe dos 41 votos necessários para barrar, no plenário da Casa, qualquer iniciativa de retirá-lo do cargo. Hoje, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discute a crise do Senado em reunião com ministros da coordenação política.

- O mês de agosto é um mês decisivo para o Senado. Precisamos dar um desfecho para a crise. O recesso está demonstrando a necessidade de posições mais firmes dos senadores, em sintonia com a população que cobra a saída de Sarney - afirmou o senador Renato Casagrande (PSB-ES).

A reunião antecipada do Conselho de Ética, antes do fim do recesso, está praticamente descartada. Mas, segundo Casagrande, ex-membro do Conselho, haverá uma batalha quando os conselheiros voltarem a se reunir. Isso porque o grupo de Sarney defende que, se o presidente do colegiado, Paulo Duque (PMDB-RJ), decidir engavetar as representações contra o presidente da Casa, o único recurso possível é levar o tema ao plenário do Conselho. Mas o entendimento é que o regimento prevê recurso ao plenário do Senado. Nesse caso, Sarney precisa ter 41 votos (entre os 80 colegas) para impedir tanto a abertura de processo, em caso de recurso, como de cassação. E sua base de apoio, sem o DEM e provavelmente sem o PT, está em torno de 40 votos.

- Eles, os aliados do presidente Sarney, dizem que o caso morre no Conselho. Mas, em tese, caberia recurso ao plenário da Casa. Se o Conselho aprovar a abertura de processo por quebra de decoro, Sarney é afastado automaticamente da presidência até o fim do processo, em plenário - explica Casagrande.

Segundo interlocutores do Palácio do Planalto, Lula não deve fazer novas defesas públicas de Sarney, mas ainda quer a manutenção do aliado no comando do Senado, por temer que a oposição assuma o cargo em caso de licença. Nem mesmo os aliados acreditam que Lula volte a enquadrar o PT, cobrando um novo recuo da bancada no Senado, depois da nota do líder, senador Aloizio Mercadante (SP), pedindo a afastamento de Sarney até o esclarecimento das denúncias. Mas Lula, afirmam interlocutores, interpretou a nota não como uma mudança de postura da bancada, e sim como uma manifestação de Mercadante como líder.

Sarney ainda terá a semana do recesso parlamentar, mas em agosto tudo será retomado. Há os que avaliam que ele deverá seguir o mesmo caminho de Jader Barbalho (PMDB-PA) e Renan Calheiros (PMDB-AL), renunciando à presidência da Casa, depois de resistir, para manter o cargo de senador. Mesmo ressalvando a força de Sarney e a capacidade de dar a volta por cima, alguns senadores acreditam que a pressão forte das ruas poderá fazer com que os integrantes do Conselho de Ética forcem uma solução acordada, que evite maior desgaste.

A cúpula do PMDB monitora o desgaste imposto ao presidente do Senado, que em conversas tem reiterado que sua prioridade, neste momento, é a saúde de dona Marly, sua mulher, que está desde ontem internada no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde deverá ser submetida a uma cirurgia ortopédica. Sarney está em São Paulo, acompanhando a situação de dona Marly.

O presidente do Senado continua disposto a não sair do cargo. Segundo um cacique do PMDB, o problema é que não haveria um nome de consenso dentro do partido, e com o aval de Lula, para um substituto.

- Partidariamente, não existe isso (decisão de renúncia). Se Sarney decidir, ele é o dono do mandato. E acho que ele não renunciará, ele está firme na presidência - afirmou o senador Wellington Salgado (PMDB-MG).

Integrantes do PMDB acreditam que, se a situação piorar, antes de se falar em renúncia, teria que se analisar a possibilidade de uma licença de Sarney. Isso poderia retirar o senador da linha de tiro, mas complicaria a situação do governo, que não aceita a oposição no comando da Casa (o vice-presidente do Senado é o senador tucano Marconi Perillo). Para um aliado do presidente do Senado, "além do desafio pessoal de Sarney, há o problema da governabilidade de Lula".

De volta da viagem ao Paraguai, Lula se reúne com a coordenação política hoje, às 10h. O ministro das Relações Institucionais, José Múcio, disse apenas que o presidente conversará "sobre tudo" com sua equipe.

- O presidente já disse qual é a posição dele e, evidentemente, não vai analisar cada episódio. Esta semana vamos saber se (a nota) foi uma posição isolada ou da bancada do PT em si - disse Múcio.

O presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), demonstrou irritação com o tom da nota de Mercadante e afirmou que não conversou com ele sobre isso:

- A posição do partido é de que o que está denunciado seja apurado. Mas fazer qualquer movimentação para constranger o presidente Sarney a se licenciar é fazer parte do jogo daqueles que sempre querem retirar a pessoa do cargo. Agora, o presidente Sarney tem total autonomia para decidir - disse Berzoini, afirmando que a licença de Sarney poderia "criar uma insegurança no comando do Senado", porque quem assumiria a Casa seria Perillo (GO).

O líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN), disse que só na volta do recesso haverá novas reuniões para tratar do assunto e que eles e o PSDB já decidiram o que fazer: novas representações no Conselho de Ética. Para ele, esta semana, o necessário é saber até onde vai a separação de Lula e do PT.

- O Lula, num primeiro momento, entregou ao PT a responsabilidade de manter Sarney, e agora o Mercadante devolveu a responsabilidade a Lula - disse Agripino.

Na mesma linha, o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), é cético. Ele acredita que, apesar do desgaste de Sarney, a base conseguirá adiar as reuniões do Conselho de Ética. E confirmou que o PSDB transformará as denúncias do líder do partido no Senado, Arthur Virgílio (AM), em representações junto ao Conselho de Ética.

- Lula fez discurso de solidariedade, e o PT faz discurso crítico - disse o tucano, cobrando uma definição.

2010 ameaça blindagem de Sarney

Eugênia Lopes, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Governistas contam 45 votos a favor do peemedebista, mas 37 estão pressionados por ter de disputar eleição

A uma semana do fim do recesso parlamentar, o cerco em torno do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), começa a se fechar com o aumento da pressão para que ele renuncie ao comando da Casa. Aliados de Sarney avaliam que as férias dos senadores fragilizaram ainda mais a situação do peemedebista. Afinal, 54 senadores - dois terços do total de 81 parlamentares - vão disputar as eleições em 2010 e retornam na semana que vem de suas bases com cobranças de eleitores, como a contratação do namorado da neta de Sarney por ato secreto, como relevou o Estado.

Os supostos estragos do recesso na blindagem feita pelos governistas para manutenção de Sarney no cargo começam a ser sentidos em todos os partidos da base aliada. Até o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi aconselhado a não defendê-lo mais com tanta veemência. Levantamento feito por governistas aponta que hoje Sarney conta com 45 votos seguros a seu favor, na eventualidade de processo de cassação chegar ao plenário do Senado.

Esses mesmos governistas alertam que, desses 45 senadores, nada menos do que 37 são candidatos nas eleições do ano que vem, o que os deixaria mais suscetíveis à mudança de opinião. Daí, o aumento da pressão para o afastamento.

Nessa situação encontra-se, por exemplo, o PMDB. Dos 19 senadores do partido, 16 perdem o mandato no ano que vem - apenas Jarbas Vasconcelos (PE), Pedro Simon (RS) e próprio Sarney têm mais quatro anos pela frente. Por isso, parte dos peemedebistas estaria mais preocupada agora em garantir a sua reeleição em 2010.

Um dos primeiros a ensaiar a retirada foi o ex-presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), que defendeu claramente o afastamento do presidente do Senado do cargo, na semana passada. "O Garibaldi ocupou a presidência e gostou e, agora, está com a nostalgia de voltar para o cargo", disse o senador Wellington Salgado (PMDB-MG), integrante da tropa de choque de Sarney e do líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL). Garibaldi acredita que poderá ser o sucessor de Sarney no comando da Casa, caso ele renuncie.

A tropa de choque do PMDB tenta minimizar a perda de apoio de Sarney junto aos aliados. "Apenas os senadores que estão no ocaso político e em final de carreira que estão com essa preocupação em potencializar a crise no Senado", afirmou ontem o senador Almeida Lima (PMDB-SE). "Não estou dizendo que não existam cobranças nas ruas, mas a temperatura é de tranquilidade e chegarei de volta ao Senado do mesmo jeito que saí", completou Lima, que enfrentará uma difícil disputa por uma nova vaga no Senado no ano que vem.

"Não achamos que a situação esteja se complicando. Estamos de recesso e está tudo normal", desconversou o líder Renan Calheiros. Apesar da aparente despreocupação, ele estaria cogitando reunir-se esta semana com Sarney. A ideia seria aproveitar a estadia do presidente do Senado em São Paulo, que acompanha sua mulher numa operação no Hospital Sírio Libanês, para o encontro.

Apesar da pressão do presidente Lula, a bancada do PT está disposta a abandonar Sarney. Assim como no PMDB, a maioria dos petistas é candidata à reeleição: nove do total de 12 senadores. O primeiro passo foi dado na sexta-feira quando, em nota, o líder do partido, senador Aloizio Mercadante (SP), defendeu a licença de Sarney. "A cobrança da população é muito grande. A situação do presidente Sarney está muito delicada. Quem andou pelas ruas nesse recesso viu isso", disse ontem o senador Renato Casagrande (PSB-ES).

Uma "colocação" no Senado

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Tem sido ressaltado, com razão, o traço de manifestação "oligárquica" e patrimonialista que se pode apontar nas ações que são objeto das denúncias recentes no Senado, com destaque para o papel do senador José Sarney. Como avaliar esse traço do ponto de vista do que tende a aparecer como crise ética geral do país, na suposição de que ela exista como algo especial no momento, como propõe certa tese de "perda de qualidade" atual em nossa vida política?

Um ângulo pelo qual a questão pode ser tomada é o de como esse caráter oligárquico, ou a própria crise ética de hoje, se relaciona com a ideia de que teríamos, no Brasil, uma "cultura" geral anômica e uma propensão à desatenção para com as normas em diversos planos: a criminalidade e a violência crescentes, com as formas que assumem especialmente nas camadas populares; o ânimo de "esperteza" e as maracutaias próprias dos setores de classe média e mais altos; e até a instabilidade político-institucional que temos experimentado há tempos, evidenciando fragilidade das instituições e vigência problemática do aparato legal pertinente.

Seria a corrupção "oligárquica" simplesmente uma manifestação dessa cultura? Ou caberia antes, de certa forma, inverter a linha de causalidade e ligar o quadro geral de anomia justamente à secular estrutura aristocratizante e elitista que produziria, em primeiro lugar, a disposição oligárquica (e os meios...) em certa parcela da população?

Há outro ângulo que o exame do problema geral sugere: o ângulo dado pela assimetria que a sociologia da política, mesmo da política dos países de maior tradição democrática, há muito indica existir quanto ao papel de diferentes estratos sociais, com graus de informação e envolvimento políticos diversos, na operação das instituições políticas da democracia. A tese, que dados diversos corroboram, é a de que minorias ativas se contrapõem a maiorias apáticas, com as fronteiras do debate político sendo estabelecidas por minorias sensíveis às questões políticas e delimitando espaços dentro dos quais as maiorias seriam amplamente manipuladas - donde a consequência (como propõe David Elkins com base em dados canadenses, por exemplo) de que o problema da estabilidade democrática dependeria da agregação que se venha a realizar entre aquelas minorias, e não do grau de apoio às instituições na coletividade em geral. A questão é de se haveria uma assimetria de efeitos equivalentes também no que se refere especificamente ao aspecto ético: o decisivo é o que vem "de cima"?

Falei aqui há pouco do convencionalismo na adesão às normas da coletividade, em contraste com uma postura liberal mais exigente e atenta à autonomia dos cidadãos e a sua capacidade de obter certo distanciamento em relação às normas socialmente dadas ou impostas. Na ótica de agora, o problema está em que o convencionalismo pode expressar justamente a assimetria e redundar na conformação moral (eventualmente na subjugação moral) de alguns pelos outros: será que o ethos "oligárquico" é o ethos há muito dominante e difuso, na verdade? Quantos não terão considerado simplesmente familiar, em vez de impróprio ou chocante, o revelado na fita em que a neta de Sarney aciona com desenvoltura os parentes para obter por meios expeditos uma "colocação" no Senado, como se dizia antigamente, para o namorado? Não é de hoje que Hélio Jaguaribe, por exemplo, nos fala do nosso estado cartorial, inflado artificialmente como instrumento, entre outras coisas, da política de clientelas - cujos mecanismos penetrantes operam também bem abaixo do nível de comando da máquina dos poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário.

Naturalmente, a violência no nível popular é a negação desse convencionalismo conformista de raiz oligárquica. Na medida em que se difunde e adquire ela própria certa feição de "cultura" nova, ela tenderá possivelmente a aparecer cada vez mais como ameaça à "elite" - lembrem-se os "dias de periferia" a que teve de submeter-se a classe média paulistana, há algum tempo, pela ação violenta de comandos criminosos. E essa difusão, dada a natureza do problema e a eficácia potencial da ação de poucos, não tem que significar que o "povão" como tal se torne violento ou aprove a violência - mesmo se, infelizmente, isso de fato ocorre em ampla medida, como mostram os dados sobre o desapreço pelos direitos civis, forte nos estratos populares justamente como outra manifestação perversa de convencionalismo em condições de desigualdade e assimetria, nas quais os supostos associados à democracia na própria "elite" excluem a adesão à visão de direitos civis assegurados igualitariamente para todos.

Do ponto de vista de "que fazer", não há como lidar com a afirmação da dimensão violenta de nossa cultura negativa sem, em perspectiva de prazo mais longo, contemplar a execução eficaz de políticas social-democráticas - e, em perspectiva de curto prazo, o recurso necessário também à máquina de repressão do Estado, oxalá tornada a um tempo mais eficiente e democrática em sua ação. Quanto à face convencional-oligárquica da crise ética, conjunturalmente talvez mais visível agora mas de raízes talvez perenes, há quando nada uma espécie de contraface positiva das desigualdades e assimetrias sociais com que se vincula: pela própria lógica da operação dessas assimetrias, provavelmente basta, para que as ações que se consiga empreender junto à aparelhagem legislativa e fiscalizadora do Estado venham a ter efeitos gerais e profundos, que elas se dirijam com firmeza aos malfeitos da "elite". Claro, há o paradoxo de que em princípio é a própria elite, como se sugeriu acima, a conformar os rumos da política e da administração. Estamos vendo, porém, que de repente é possível por um Sarney na berlinda. Ou um Daniel Dantas.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Gabeira analisa candidatura em função das 'chances reais' de vitória de Cabral

Ana Paula Grabois, do Rio
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Quase eleito como prefeito no ano passado ao prometer um estilo de política diferente aos cariocas, o deputado Fernando Gabeira (PV) procura manter o jeitão apolítico, mas nunca esteve tão próximo das confabulações eleitorais. Afinado com o PSDB desde o início da campanha municipal de 2008, partido que o vê como palanque ideal para a candidatura presidencial do governador José Serra no Estado, o deputado agora aguarda o desenlace dos arranjos regionais para decidir se sai candidato ao Palácio da Guanabara, como querem os tucanos e o DEM, ou se tenta um vaga no Senado.

Gabeira recebeu o Valor com o estilo usual: camisa estampada, jeans e tênis de camurça. Além dele e da mulher, moram no apartamento duas gatas. A decoração é despojada, sem luxo, embora fique na valorizada Ipanema, na zona sul carioca. Mineiro de Juiz de Fora, 68 anos de idade, se diz cansado de Brasília, onde cumpre o quarto mandato consecutivo na Câmara Federal.

"Tem que ter sanidade mental para ouvir esse discursos durante 15 anos", diz.

O ambiente do Planalto Central, onde apenas se respira política, não é um atrativo para Gabeira.

Acha até monótono. Por isso, desenvolveu um hobby, a fotografia. Está montando o que chama de diário visual da capital federal e de suas idas, vindas e esperas nos aeroportos. Divaga sobre as perspectivas de sua carreira dizendo vislumbrar até a possibilidade de abandonar a política para fazer assessoria em temas nos quais se concentrou nos últimos anos, como ambiente, política externa e transparência política.

Crítico da corrupção no Congresso, acabou na lista dos deputados que se beneficiaram da farra das passagens aéreas na Câmara. Ele deu de presente uma passagem para uma das duas filhas, a que mora no Rio, visitar a outra no Havaí. Logo depois, foi acusado de beneficiar a mulher em contrato de prestação de serviços de internet pago com a verba indenizatória de seu gabinete.

Gabeira, que diz possuir como bens apenas "duas motocicletas e uma bicicleta", não enxerga eventuais impactos negativos sobre seus eleitores, especialmente sobre aqueles conquistados na eleição passada, boa parte desencantados com a política e de perfil mais conservador. "Quero prestar contas. No caso da passagem, devolvi o dinheiro. Foram R$ 86 mil de crédito. Apresentei ao Temer (Michel Temer, presidente da Câmara) as normas, que acabaram sendo adotadas e que reduziram os gastos. Foram medidas claras de reparação", explicou o deputado. "Me sinto numa posição muito melhor do que os ingleses", brinca o deputado, numa referência aos escândalos recentes no Parlamento inglês envolvendo gastos supérfluos dos parlamentares.

Sobre a mulher, Neila Tavares, disse ter contratado seus serviços quando ainda namoravam.

Depois de casados, o contrato acabou, diz.

Pioneiro na divulgação das doações de campanha na internet durante as eleições, Gabeira não viu espaço político para inserir o tema na recente mudança na lei eleitoral, pois havia uma grande parcela de parlamentares defensora da anistia a todas as multas eleitorais. "Quem está neste afã de anistiar quem foi multado está querendo reduzir ao máximo essa possibilidade (de controle)", afirmou.

Praticamente um estranho no ninho dentro do PV, não acompanha sempre o voto da bancada de 13 deputados. "Sou oposição, eles (o governo) apoiaram meu adversário, Eduardo Paes, no Rio", diz. O PV faz parte da base do governo, tem a pasta da Cultura nas mãos de Juca Ferreira e não apoia a eventual candidatura de Gabeira ao governo do Rio. Prefere a disputa por uma cadeira do Senado. O PV também já se pronunciou a favor de uma candidatura própria à Presidência da República, em favor da senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, ainda no PT.

O deputado, porém, parece mais interessado em aliar-se aos tucanos. "Não tenho uma posição formada. Temos conversado com o PSDB. Fomos, toda a bancada do PV, almoçar com o Aécio (Neves, governador de Minas Gerais) e estamos combinando um almoço com o (José) Serra (governador de São Paulo)", disse. O que vai pesar na escolha da eventual candidatura para concorrer com o governador Sérgio Cabral, candidato à reeleição pelo PMDB, são as chances reais de vitória. "Candidatura só para marcar posição não me interessa".

Vê Cabral como candidato "muito forte" num contexto de mais dificuldades em financiar campanhas devido à crise. "Ele tem a máquina e grandes fornecedores que, de certa maneira, são gratos ao governo por sua parceria. Vamos examinar porque não quero levar a população do Rio, do Estado, que me acompanharia, a uma nova derrota", diz o deputado.

Oito meses depois de terminada a campanha municipal, reconhece como seu principal erro o episódio no qual disse ser a vereadora Lucinha (PSDB) dona de pensamento suburbano. A frase, ouvida por jornalistas sem que ele tivesse percebido, acabou virando combustível para o adversário, Eduardo Paes (PMDB), vencer a disputa.

De gestos suaves e voz tranquila, o ex-guerrilheiro, que participou do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick em troca da libertação de 15 presos políticos em 1969, tem visão extremamente crítica ao governo e ao PT, partido do qual foi filiado de 2001 a 2003. Em um texto intitulado "Última Sessão" publicado no último dia 17 em seu blog e também no jornal "Folha de São Paulo", o deputado do PV defende a saída do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) do cargo e mira sua metralhadora para o PT. "A estrela vermelha, para mim, não tem sentido. Eu a vi nos tanques sérvios que atiravam nos civis e em nós, repórteres. Agarrados à estrela vermelha, perpetraram crimes horrendos sob o título de limpeza étnica. Assim como a suástica, estrelas vermelhas levam ao desastre, quando se decide obedecer cegamente a um projeto de poder", diz um trecho do texto.

Gabeira adquiriu postura mais moderada ao defender as questões ambientais. Chega a se colocar fora dos grupo dos ecologistas e vê avanços na Medida Provisória 458, conhecida como MP da Grilagem, diante da falta de regulamentação anterior. A MP foi criticada por conceder algumas vantagens aos ruralistas. "Para negociar essa MP, com todas as suas dificuldades, em primeiro lugar foi preciso quebrar a resistência de representantes do agronegócio. Eles achavam que o governo queria chamar os proprietários para confiscar as terras. A gente mostrou que não, que se o governo quisesse, era só confiscar. Por outro lado, tinha também os ecologistas, que queriam uma lei bastante dura. E eu dizia que se a gente fizesse uma lei muito dura, ainda que passasse, as pessoas iriam preferir continuar na clandestinidade", explicou.

O assunto, diz ele, deverá ser tratado com cautela pelos candidatos a presidente do PT e do PSDB, de olho no capital eleitoral ruralista. Em 2006, foi nos Estados de base predominantemente rural que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdeu no primeiro turno para o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB). Aprendeu a lição e assumiu o segundo mandato disposto a fazer mais concessões aos ruralistas e disputar esse terreno com a oposição.

"Os dois lados precisam e vão fazer concessões. O discurso centrista vai predominar", afirma o deputado do PV. Por enquanto, Gabeira aproveita o recesso de dez dias na Câmara viajando ao interior do Estado, onde tem pouca popularidade. Visitará Niterói e cidades da região Serrana, localidades onde obteve boa votação como deputado. Pretende entender melhor as demandas desses eleitorado e fazer um "trabalho de aproximação".

Imigração e nacionalismo

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Aos imigrantes não resta alternativa senão lutar para que o país respeite seu direito ao multiculturalismo

A EMIGRAÇÃO dos povos pobres para os países ricos é hoje fenômeno social global que mostra o caráter inescapável do nacionalismo. O mundo seria mais belo se fosse uma grande comunidade e não existissem nações, mas isso só acontecerá quando as desigualdades diminuírem a ponto de se estabelecer um Estado mundial.

Enquanto isso não ocorrer, o nacionalismo estará entre nós e tanto poderá significar a legitimação do poder dos povos mais poderosos sobre os demais (imperialismo) quanto a ideologia necessária para que os povos mais fracos se defendam. Tanto poderá ser um nacionalismo étnico e agressivo quanto um patriotismo defensivo.

O nacionalismo é a ideologia de formação do Estado-Nação. Alguém é nacionalista se preenche duas condições: primeiro, se entende que é obrigação do governo de seu país defender os interesses dos seus habitantes e, segundo, se considera que, ao tomar decisões, esse governo deve pensar por conta própria em vez de se submeter aos conselhos e pressões dos países mais ricos. Assim definido, o nacionalismo é econômico e pode ser apenas defensivo. Já o nacionalismo econômico agressivo caracteriza os países ricos que exploram os mais fracos, mas seus cidadãos acreditam que os estão ajudando ou bem orientando.

Quanto ao nacionalismo étnico, é o nacionalismo perverso das pessoas e povos que discriminam de acordo com o critério da raça, da religião ou da origem nacional. É o nacionalismo que afirma que cada conjunto étnico homogêneo deve ter seu próprio Estado-Nação; é o nacionalismo que, ao rejeitar a imigração, se confunde com o nacionalismo econômico.

O nacionalismo econômico é inevitável porque o mundo e cada indivíduo estão organizados em famílias, organizações e países que competem e colaboram entre si. Dificilmente será reeleito um governo de um país rico se não tomar decisões de acordo com os interesses nacionais.

Nesses países, o nacionalismo hoje é econômico e étnico. Poucos são os cidadãos que têm dúvida de qual seja o papel de seu governo, poucos são os que reconhecem a exploração dos países mais fracos, e muitos são aqueles que discriminam e rejeitam os imigrantes.

Todos defendem seus salários que sofrem concorrência do trabalho barato dos imigrantes, e felizmente um número muito menor defende sua "pureza étnica". Na Europa e no Japão, existe um verdadeiro cerco contra os imigrantes. Nos EUA, o quadro é apenas um pouco melhor. Na Itália, uma nova lei acaba de classificar a situação de imigrante clandestino como crime.

Os imigrantes ficam sujeitos não apenas a serem extraditados mas, adicionalmente, a cumprir pena por terem imigrado.

Existem naturalmente aqueles que não estão de acordo com essa discriminação, como mostra um belo filme francês em exibição em São Paulo, "Bem-Vindo". Na Europa, os partidos de esquerda resistem a essa discriminação, mas essa é talvez a principal razão por que têm tido maus resultados eleitorais.

Em certos casos, a única defesa contra o nacionalismo dos outros é o nosso nacionalismo, é nos organizarmos como Estado-Nação. Mas essa alternativa não existe para os imigrantes. Não lhes resta alternativa senão, de um lado, se integrarem nas sociedades para onde emigram e, de outro, lutar para que o país respeite seu direito ao multiculturalismo. Ambos são processos sociais e políticos difíceis, plenos de contradições. Enquanto não se completarem, haverá muito sofrimento dos imigrantes e muita tensão social nos países ricos.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

Zelaya recua e fica na Nicarágua

Ricardo Galhardo
DEU EM O GLOBO

Presidente desiste de acampar na fronteira; Exército abre caminho para volta pacífica

Depois de anunciar com estardalhaço que ficaria acampado na fronteira da Nicarágua até reunir muitos partidários e conseguir entrar em seu país, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, mudou de ideia e voltou ao hotel onde está hospedado desde o golpe de estado, em Ocotal, a 26 quilômetros da fronteira.

A mobilização de manifestantes favoráveis a seu retorno também diminuiu. Milhares de militares estão espalhados nas estradas que ligam a capital, Tegucigalpa, à Nicarágua, proibindo a passagem dos partidários de Zelaya. Todos os carros são revistados e os passageiros obrigados a se identificar. Nem a família do presidente deposto consegue atravessar os bloqueios.

O Exército de Honduras, no entanto, assegurou ontem que respalda o processo de negociação política para a crise. Embora Zelaya tenha sido preso e deportado por militares, o Exército reiterou "o apoio irrestrito aos resultados das (negociações em Costa Rica), de acordo com a nossa Constituição e demais leis", abrindo caminho para a volta do presidente.

Depois de receber críticas do governo dos EUA e da Organização dos Estados Americanos (OEA) por tentar voltar a Honduras à força, Zelaya também baixou o tom das declarações. Ontem, sentado sobre o capô de um jipe, com um megafone em uma mão e a carteira de identidade na outra, pediu resistência pacífica ao golpe.

- Esta é a arma dos democratas. Com ela vamos vencer a ditadura - disse ele, brandindo o documento.

Embora tenha se recusado a revelar seus próximos passos, o presidente deposto deu sinais de que não pretende repetir as cenas que protagonizou na sexta-feira e de que vai aguardar a pressão da comunidade internacional sobre o governo golpista encabeçado por Roberto Micheletti.

- Há muitas coisas a serem feitas daqui (da Nicarágua). Temos que falar com muitos governos de muitos países - disse ele a uma plateia que não ultrapassava 50 pessoas, em Ocotal. - Além disso, há a minha família.

Há três dias a mulher de Zelaya, Xiomara Castro, seus dois filhos, sua mãe e sua sogra tentam chegar a Las Manos, na fronteira, mas são impedidos pelas tropas. O comandante das Forças Armadas, Romeo Vásquez, que apoiou o golpe, ofereceu transporte aéreo a Xiomara mas ela recusou.

- Querem me tirar no meu país - acusou ela, que tem passado as noites em casas de partidários à beira da rodovia Panamericana.

Ontem foi a vez do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, principal articulador da tentativa de acordo entre Zelaya e os golpistas, criticar seu comportamento midiático.

- Este não é o caminho para a reconciliação do país - disse Arias em entrevista ao jornal "El País".
Presidente cobra postura dos EUA

De cima do capô de seu jipe branco, Zelaya negou que tenha recebido qualquer convite da secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, para uma reunião. Por outro lado, ele cobrou uma postura mais incisiva dos EUA em relação ao governo golpista.

- A secretária Clinton que enfrente a ditadura com força para sabermos verdadeiramente qual é a posição dos EUA diante deste golpe de estado - cobrou Zelaya.

Além da tranquilidade na fronteira, as mobilizações também diminuiram nos pontos de bloqueio onde ocorreram enfrentamentos durante a semana. A única exceção foi a localidade de Vila San Francisco, onde foi enterrado ontem o jovem Pedro Magdiel, de 23 anos, pró-Zelaya, encontrado morto em El Paraíso. Dois homens identificados como policiais infiltrados foram detidos por manifestantes e quase foram linchados durante o enterro. Segundo a Cruz Vermelha internacional, quatro pessoas (dois policiais e dois civis) ficaram feridas nos confrontos do final de semana.

Ontem, pelo menos uma centena de partidários de Zelaya que optaram por atravessar as montanhas para fugir dos bloqueios chegaram à Nicarágua. Com uma perna quebrada devido a uma queda no caminho, a professora Maria Paz Zúniga lamentou a falta de manifestantes:

- Esperava ver mais gente.

Raúl Castro convoca os cubanos a voltarem ao campo

DEU EM O GLOBO

Metade das terras cultiváveis está ociosa, e a retomada da produção seria forma de combater crise mundial


HAVANA. O presidente cubano, Raúl Castro, disse ontem que seu governo se prepara para o segundo ajuste nos gastos de 2009 devido ao impacto da crise econômica mundial e pediu aos cubanos que impulsionem a produção agrícola como meta de "prioridade estratégica".

O crescimento previsto para este ano é de 2,5%

Durante um discurso para comemorar o 56º aniversário da tomada do Quartel de Moncada - a ação militar que marcou o início da revolução de 1959 - Raúl, de 78 anos, reiterou a seus compatriotas a necessidade de retomada da produção agrícola em terras ociosas com o objetivo de diminuir a importação de alimentos porque a crise financeira mundial está reduzindo a entrada de dinheiro na ilha e dificulta os créditos. Segundo o presidente, mais da metade das terras cultiváveis de Cuba estaria ociosa.

Segundo Raúl, desde o fim de 2008, foram entregues, em usufruto, cerca de 690 mil hectares de terras a camponeses e organizações. A metade dessas áreas já estaria pronta para o plantio e um terço delas, semeado.

- Trata-se de uma questão de segurança nacional produzir no país - afirmou Raúl, lembrando que Cuba importa 80% dos víveres que consomem seus 11,2 milhões de habitantes.

Cuba havia anunciado recentemente um corte em sua meta de crescimento econômico para este ano dos 6% previstos para 2,5%. Já tinha lançado também um forte plano de austeridade para diminuir o consumo energético em 12%. Nos próximos dias, Raúl realizará três reuniões em seu gabinete para analisar o impacto da crise na ilha.

- A terra está aí, aqui estão os cubanos, vamos ver se trabalharemos ou não, se produziremos ou não, se cumpriremos nossa palavra ou não - disse Raúl, em um discurso enérgico.

O presidente cubano não mencionou o governo dos EUA, tema frequente em seus discursos políticos sobretudo em razão do embargo comercial que o país impõe à ilha há 47 anos e ao qual Cuba atribui parte de seus problemas econômicos.

- Não é uma questão de gritar "pátria ou morte" ou "abaixo o imperialismo", o bloqueio nos atinge e a terra está aí, esperando por nosso suor - disse Castro.

A data, também conhecida como o Dia da Rebeldia, coincide com o terceiro aniversário da última aparição pública de Fidel Castro, pouco antes de ficar doente, em 2006.

O governo cubano aposta em tornar a economia estatal mais produtiva em vez de empreender grandes reformas. Na próxima quarta-feira, o Conselho de Ministros analisará o segundo ajuste de gastos previsto no plano deste ano por causa dos efeitos da crise econômica mundial.

O mandatário disse também que sua equipe vai avaliar "a redução significativa dos ingressos provenientes das exportações e das restrições adicionais para acessar fontes de financiamento externo".

Raul lidera uma profunda reforma na agricultura que inclui a distribuição de terras e a descentralização da tomada de decisões para tornar o setor mais produtivo.

Governo anunciou ainda cortes nos gastos sociais

De um total de 110 mil pedidos, foram aprovados 82 mil, o que equivale a 40% da área não cultivada do país.

Desde 1º de junho, o governo já implementou algumas outras medidas de redução de gastos no setor estatal e começou ainda a sancionar com cortes de serviço diversas empresas e entidades que não estejam cumprindo seus planos energéticos.

Também já anunciou cortes em gastos sociais e tomou outras medidas de restrição para enfrentar a crise mundial.