sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Homenagem a Werneck Vianna e a Milton Coelho da Graça

“Hoje, na abertura do XVI Congresso do PPS, serão homenageados dois nomes bem expressivos do campo da esquerda histórica: Luiz Werneck Vianna e Milton Coelho da Graça. Milton Coelho da Graça, pelo que sei, é um quadro militante do pecebismo dos V e VI Congresso do PCB. Werneck Vianna, hoje conhecido como um dos últimos grandes intelectuais comunistas, é um dos quadros mais inquietos da nossa intelectualidade acadêmica, cujos textos, creio, já li e reli todos.

Intelectual de ação pública, Vianna tornou-se um intérprete da nossa formação social, nisso me lembrando o exemplo de Caio Prado e a larga interpelação do historiador a seu partido comunista. Werneck se dedicou - e se dedica cada vez mais nestes últimos tempos de abandono do estilo publicista do ensaismo brasileiro - a pensar o país com fins formulativos da política democrática.

Num empreendimento singular, Werneck associou a ideia leniniana da revolução na periferia capitalista, particularmente o tema da via prussiana, ao pensamento de Gramsci.

Primeiro, recorreu à teoria gramsciana da revolução passiva, buscando fundamentar o reformismo dos comunistas brasileiros. Depois, valorizou as notas que o comunista italiano escreveu sobre o americanismo, visando atualizar o agir das esquerdas aos novos tempos.

Com sagacidade, Werneck Vianna dialoga constantemente com o nosso pensamento social e com a ciência política internacional. Sua elaboração continua oferecendo uma das mais instigantes formulações da esquerda brasileira. Sobremaneira pelos seus dois pontos maiores: o do reforço da tese da democratização progressiva da vida nacional e o do tema da sociabilidade inovadora que Werneck Vianna vê pedindo plena passagem entre nós; neste país dinâmico – sempre insiste ele - e rico por suas energias socioculturais.

Salutar o otimismo do autor, neste momento de descrédito na política e de erosão das instituições.”

(Raimundo Santos, a propósito das homenagens que serão realizadas nesta 6ª. Feira, 7/8/2009, no centro do Rio de Janeiro, no Hotel Guanabara, av. Presidente Vargas, às 18 hrs., na abertura do XVI Congresso Nacional do PPS)

Sem vencedores

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O objetivo de dar transparência aos debates parlamentares ou às sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) está na origem da criação dos seus canais oficiais. Quando, recentemente, o presidente do STF, Gilmar Mendes, discutiu em plena sessão com o ministro Joaquim Barbosa, chegou-se a temer que o próprio Poder Judiciário perdesse a credibilidade diante da opinião pública, e cogitou-se até mesmo cancelar as transmissões ao vivo. Não aconteceu, e a atuação de ambos os ministros ganhou destaque, com apoios e críticas.

Ontem, aconteceu o contrário. A TV Senado mostrou, como uma espécie de ápice negativo de uma semana tumultuada, o bate-boca entre os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Renan Calheiros (PMDB-AL), um chamando o outro de "cangaceiro" e "coronel", culminando com Renan usando até mesmo palavras de baixo calão.

Era previsível o que aconteceu ontem no plenário do Senado, e espantoso é que não tivesse acontecido antes, ou na reunião do Conselho de Ética que, seguindo um padrão conhecido por todos, começou a tentar anular preliminarmente todas as acusações contra o senador José Sarney (PMDB-AP), sem permitir que uma investigação independente esclareça devidamente os fatos.

Está em vigor a tentativa de impor a lei do mais forte, a maioria governamental disposta a se entregar à simplória, porém truculenta, lei de Cafeteira: o que importa é quem está a favor ou quem está contra Sarney, e não o que fere ou não o decoro parlamentar.

O espírito de revanche está instalado no Senado, o que levou o senador Renan Calheiros a ler, em nome do PMDB, uma representação contra o senador tucano Arthur Virgílio (PSDB-AM), que havia mantido no exterior, com salário do Senado, um funcionário de seu gabinete que estudava teatro, sem os trâmites administrativos regulares.

O líder do PSDB também foi acusado pelo PMDB de ter pedido emprestado dólares ao ex-diretor-geral da Casa Agaciel Maia, para pagamento de despesas pessoais no exterior, entre outras coisas. O que diferencia os casos de Arthur Virgílio dos demais que estão sendo debatidos no Conselho de Ética é que o senador admitiu publicamente seus erros, e o fez reagindo a uma chantagem que procurava constrangê-lo, para que não continuasse a denunciar os desmandos do Senado.

O que o senador Arthur Virgílio fez, confessando a culpa e repondo o dinheiro, é um passo adiante nos costumes políticos brasileiros; e o hábito de usar o Conselho de Ética para retaliar os adversários políticos só faz com que a crise de credibilidade se aprofunde.

O clima que está instalado no plenário do Senado não tem data para terminar enquanto o senador Sarney continuar na presidência, e dificilmente o PMDB sairá vitorioso, se prevalecer o ambiente belicoso que interessa à "tropa de choque" impor.

A crise do Senado está explicitando para o grande público as características da forma de fazer política que o maior partido brasileiro adota com sucesso há muito tempo: chantagens, fisiologismo, patrimonialismo.

O que está claro é que, assim como o Senado necessita de uma reforma administrativa que dê cabo aos desmandos e imponha regras definidas, também o país está necessitado de uma reforma política e de legislação eleitoral profundas, que transformem os partidos políticos em canais efetivos de representação da sociedade e não de grupos políticos.

Quando os peemedebistas acusam a oposição de estar movida por interesses políticos com vistas à eleição de 2010, o que está por trás é a intenção de impor ao PT uma solidariedade compulsória à presença de José Sarney na presidência do Senado, como posição condicionante ao apoio do partido à candidatura oficial do governo.

O presidente Lula está disposto a pagar essa fatura, e tem manobrado pessoalmente para tentar mudar a posição da bancada do PT, que defende a licença de Sarney para que as denúncias sejam investigadas.

Nada indica que uma proximidade tão grande com o que há de pior na política brasileira possa trazer benefícios eleitorais a um governo tão popular quanto o de Lula no momento.

Ao contrário, é previsível que essa aproximação possa trazer resultados negativos, e não apenas entre os eleitores da elite, como acredita o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro. Ele negou que tivesse uma pesquisa que indica que a crise de Sarney não chegou às classes C, D e E.

O próprio Sarney falou sobre essa suposta pesquisa a vários senadores, para convencê-los de que não correriam perigo de prejuízos eleitorais ao apoiá-lo, como registrei na coluna de ontem.

O empenho do presidente Lula nesse apoio do PMDB parece inexplicável, pois os peemedebistas que estão hoje na base do governo na maior parte não têm alternativas políticas na oposição.

Mas o que o presidente quer mesmo é impedir que o PMDB se divida, como costuma fazer, e levar para a candidatura oficial os valiosos minutos de televisão na propaganda da campanha eleitoral para presidente em 2010. Na definição do próprio Lula, os partidos políticos só têm importância em dois momentos: antes da campanha eleitoral, na definição das coligações, por causa do tempo de televisão, e durante o governo, para garantir a maioria parlamentar.

Durante a campanha, o eleitor segue sua lógica própria, independentemente dos partidos em que os candidatos estejam inscritos. Mas, para isso, precisa de exposição pela televisão. Fiel a essa estratégia, Lula está jogando tudo na manutenção de Sarney. Pode estar cometendo um grave erro.

A fita

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Em meio à avalanche de informações e contrainformações, uma acusação feita por Sarney no longo discurso de quarta passou quase despercebida: a de que "fraudaram a fita que distribuíram e incluíram o meu nome com a voz de uma outra pessoa...". Mas quem fraudou e distribuiu?

Ele se baseou num parecer do perito Ricardo Molina para o empreiteiro Zuleido Veras, da Gautama, que foi preso pela PF por suspeitas diversas, inclusive de superfaturamento de obras públicas. O parecer tem serventia tanto para Sarney quanto para Zuleido. Conclui que uma fita gravada pela PF, em operações que ora pegam o construtor, ora é o filho de Sarney e ora misturam os dois, contém enxertos e o que Sarney e Veras chamam de "montagens".

A fita é da investigação de fraudes em obras no aeroporto de Macapá, e Veras diz, mais ou menos, que tudo vai dar certo porque Sarney está por trás do projeto. E a PF atribui a Veras a seguinte frase: "Vou chegar na casa do Sarney, já, já".

Molina fala explicitamente em "montagem" no seu parecer, sendo incisivo quanto ao trecho em questão: "não é a voz do interlocutor que se identifica como "Zuleido" na conversação telefônica".


E Sarney e Zuleido Veras juram que o construtor nunca foi à casa do senador.

Da tribuna, Sarney indignado perguntou: "Se foi feito isso, quantas dessas gravações que publicaram aí não foram montadas? Quantas? E onde foram montadas? Quem é responsável por isso?". Para salvar a própria pele, ele acusa a imprensa de fazer campanha contra, acena com dossiês contra senadores da oposição e manda processar deputado do PT. A PF também entrou na linha de tiro?

Todas as perguntas devem ser respondidas pela PF e pelo Ministério da Justiça. Para não parecer que Sarney é simultaneamente defendido com unhas e dentes por Lula e perseguido pela PF, que o presidente é quem comanda, até com fitas fraudadas. E aí?

O voo de galinha, na política

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - O leitor Marcio Bandeira de Azevedo, um dos indignados com o lodaçal político, importa da economia a expressão "voo de galinha" para dizer: "Chega de voo de galinha na política". Ajuda-memória: "voo de galinha" designa aqueles muitos períodos em que a economia brasileira tinha voos curtíssimos, como o da galinha, para ser logo abatida em geral por crises de confiança, interna ou externa.

Parêntesis: não é o caso do recuo econômico dos dois trimestres mais recentes, causado unicamente por fatores externos.

Fecho parêntesis e volto a Marcio Bandeira de Azevedo: "A economia realmente parece que mudou; falta um basta nesse submundo político para virarmos um país correto".

A observação merece uma discussão aprofundada. Por partes:

1 - A eliminação da inflação colocou o país em uma situação de razoável normalidade. Agora, o brasileiro pode conversar em condições de certa igualdade com qualquer europeu ou norte-americano, porque a agenda é, no essencial, a mesma. Antes não. Falávamos um dialeto incompreensível, centrado em como acabar com a superinflação.

2 - No governo Lula, acentuou-se essa normalidade com a eliminação (definitiva ou temporária, ainda está por se ver) das crises de balanço de pagamentos.

Criaram-se, pois, quase todas as condições para acabar com os voos de galinha, uma maldição que durou décadas. A questão que o leitor levanta, se ele me permite uma livre interpretação, é a seguinte: uma economia que parece basicamente saneada pode voar quando o mundo político é tão podre como o era a economia nos tempos da superinflação?

Minha resposta, por puro palpite, mas também por gosto, é "não". Mais cedo que tarde, até uma economia saneada bate no muro da podridão política.

Do clã Da Silva

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


No final de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a Cruzeiro do Sul (AC) para inaugurar as obras do novo aeroporto e dar início às da ponte sobre o rio Juruá. Ao lado dos irmãos Jorge e Tião Viana e do governador Binho Marques (PT), fez um discurso em que citou oito vezes o nome do seringueiro Chico Mendes.
Ausente da cerimônia, a senadora Marina Silva (PT-AC) não foi citada pelo presidente, mas seus olheiros registraram no discurso uma referência indireta à ex-ministra do Meio Ambiente.

"A gente está fazendo um túnel no Rio Grande do Sul (...) Esse túnel tem mil e poucos metros, e encontraram ao seu lado uma perereca. Todo mundo aqui sabe o que é uma perereca. Pois bem, e aí resolveram fazer um estudo para saber se aquela perereca estava em extinção. Aí teve que contratar gente para procurar a perereca, e procure perereca, e procure perereca... Sabem quantos meses demorou para descobrir que a perereca não estava em extinção? Sete meses, a obra parada. Eu espero que aqui no Acre não apareça nenhuma perereca na ponte do rio Juruá", disse o presidente.

Cruzeiro do Sul sempre foi um eleitorado difícil para Marina. Adversário político da senadora, o ex-governador Orleir Cameli, que tem na cidade seu berço político, chegou a abrir a pista do aeroporto para que a população impedisse o avião de Marina, em campanha, pousar. Levou anos para que a senadora petista conseguisse reverter a imagem cultivada por Cameli de que ela era uma inimiga do progresso.

Não é difícil imaginar por que os aliados de Marina, ao ouvirem o presidente entoar a saga da perereca naquela cidade, o tenham considerado deselegante com a senadora.

O entorno da senadora que ameaça ser a maior novidade da sucessão é um pote até aqui de mágoas do presidente da República e de seu partido. Em nenhuma declaração desde que deixou o governo e amealhou novas derrotas na pauta ambiental do Congresso, Marina explicita essa mágoa. Mas se não é este o motor de sua candidatura, tampouco é a proximidade com os ideais do Planalto que a move.

A especulação de que se trata de uma candidatura auxiliar da oposição não encontra sustentação da história política da senadora. Está ligada ao fato de o partido que a convida, apesar de ser um recalcitrante integrante da base do governo no Congresso, estar no jogo da oposição no mapa regional.

A única prefeita de capital do PV é Micarla de Souza, eleita em Natal com o apoio do senador Agripino Maia (DEM-RN). No Rio, o nome mais nacional do partido, o deputado Fernando Gabeira, quase virou prefeito com o apoio de DEM e PSDB. No Maranhão, o partido é feudo do deputado Sarney Filho. E, em São Paulo, o PV é aliado de primeira hora do governador José Serra (PSDB), que lhe entregou a Secretaria de Meio Ambiente da prefeitura, onde o ex-petista Eduardo Jorge permanece até hoje.

Corre que uma candidatura Marina tira mais votos da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, do que de Serra. Numa campanha que ameaçava ser polarizada entre dois perfis tecnocratas, Marina ocupa o lugar da utopia. Aquele que um dia foi de Lula.

Um sinal evidente disso é que nunca se ouviram tantos elogios de petistas à Marina quanto nas últimas 72 horas desde que o convite do PV foi formalizado. Se os petistas não forem capazes de evitar que a Marina saia do partido, urge cuidar que sua candidatura não seja hostil ao Planalto. A ordem é reconhecer a legitimidade de sua liderança e o peso de sua candidatura - "É uma excelente candidata. Como José Dirceu já definiu, ela é um Jedi. Por trás de uma aparente fragilidade, ergue-se uma fortaleza", dizia ontem poderoso petista.

Enquanto Dilma ("mãe do PAC") precisa se esforçar para aproximar sua imagem da de Lula ("pai dos pobres"), Marina é a imagem do presidente no espelho. Um dos 11 filhos de um casal de nordestinos emigrados para o Acre, analfabeta até os 14 anos, empregada doméstica para poder estudar e sobrevivente a sucessivas malárias, Maria Osmarina da Silva Vaz de Lima é a cara de Lula. "Ela é do clã Da Silva", resume o jornalista acreano Altino Machado.

A presença de Marina no cenário sucessório é, no mínimo, uma garantia de que a disputa vá para o segundo turno. Aos petistas, restará impedir que em torno dela se forme uma aliança partidária que garanta mais do que os segundos de televisão a que um minguado PV teria direito no horário eleitoral gratuito.

Em entrevista a Altino Machado, a senadora minimizou a restrição: "Já fui candidata com um tempo de um minuto, que tinha que ser dividido com o Chico Mendes (...) Tínhamos que nos apresentar ao vivo na TV. Isso não tem nada pragmático. Prefiro continuar acreditando que o sonho remove montanhas. Foi isso que fizemos em 30 anos. Removemos algumas montanhas, mas não removemos outras porque não nos expusemos com a radicalidade necessária (...) Tem que ser um movimento da sociedade, dos empresários, dos políticos, dos acadêmicos, dos jornalistas, homens e mulheres, principalmente da juventude, que não se deixa aprisionar pelos projetos imediatistas, que não fica fazendo cálculos do presente, mas que coloca a contabilidade do futuro para ser resolvida agora".

Representante de um Estado que tem 0,3% do eleitorado, eventual candidata de um partido dono de 2,5% das cadeiras da Câmara, e portadora de um discurso acolhido com previsíveis dificuldades entre os grandes doadores de campanha, Marina precisa apostar na viabilidade de uma militância apartidária, movida a internet e embalada pelo cansaço com a política tradicional.

Se ficar nos 10% a 14% que as pesquisas lhe atribuem já assegurará um lugar na política nacional. Foi esse patamar que projetou o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), que só não o ultrapassou pela verve desabalada que em nada se assemelha à de Marina.

No pior dos cenários, tornaria-se o mais cobiçado apoio dos finalistas do segundo turno.

Nessa condição, garantiria para o desenvolvimento sustentável uma posição mais privilegiada do que o tema desfrutou nos anos Lula. No melhor dos cenários, Marina engole um dos favoritos. Dilma? Não é impossível, ainda que, numa economia a galope como vem a de 2010, pareça improvável que os governistas fiquem de fora de um segundo turno.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Bate-boca com palavrão reabre guerra no Senado

Maria Lima, Isabel Braga e Leila Suwwan
DEU EM O GLOBO

Manifesto assinado por 39 pede que Sarney deixe comando da Casa

Um dia após o arquivamento das acusações contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), um novo bate-boca no plenário da Casa, com xingamentos e até um palavrão, reacendeu a guerra entre oposição e governo. Um dos comandantes da tropa de choque de Sarney, o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), pediu a cassação do líder tucano, Arthur Virgílio (AM), e Tasso Jereissati (CE) defendeu o correligionário. Renan chamou Tasso de "coronel", e este rebateu chamando o peemedebista de "cangaceiro". Renan xingou o tucano com um palavrão. Sarney, que presidia a sessão, ficou impassível, sem condições de conter o tumulto. Quatro partidos contrários ao arquivamento das acusações contra Sarney divulgaram manifesto assinado por 39 senadores de vários partidos, pedindo seu afastamento. Na primeira reunião da CPI da Petrobras, os governistas barraram pedidos da oposição e adiaram votações sobre a Receita Federal e a Fundação José Sarney.

"Cangaceiro de 3ª categoria"

"Coronel de merda"

Após arquivamento de denúncias contra Sarney, clima de guerra volta com bate-boca entre Tasso e Renan

O arquivamento sumário das quatro primeiras representações contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), pelo Conselho de Ética levou ontem a uma conflagração geral no plenário da Casa. O confronto violento entre aliados e adversários de Sarney quase terminou em agressão física. O clima de guerra, com xingamentos, palavrões e leitura de dossiês na tribuna, se deu diante de Sarney, que assistiu a tudo sem mudar o semblante. A sessão mostrou que Sarney perdeu as condições de conter a onda crescente de ameaças e intimidações na Casa.

O momento de maior tensão aconteceu quando Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), aos gritos, quase partiram para a troca de ataques físicos. O estopim foi a leitura da representação do PMDB contra o líder tucano, Arthur Virgílio (AM), da tribuna, por Renan. A leitura foi recheada de ironias e pesados ataques a Virgílio.

Um aliado de Renan, sentado numa das laterais do plenário, começou a provocar Virgílio, chamando-o de "vestal" e "falso moralista". Nervoso, Tasso pediu a Sarney que o retirasse do plenário. Renan retrucou dizendo que ele, como minoria, não podia agir como maioria e mandar o homem para fora. Começou o bate-boca.

- Senador Renan, não aponte esse dedo sujo para cima mim! Não aponte esse dedo sujo para cima mim! Estou cansado de suas ameaças.

- O dedo sujo, infelizmente, é o de Vossa Excelência, são os dedos dos jatinhos que o Senado pagou - retrucou Renan, em referência à denúncia de que Tasso usou parte de sua cota de passagens para fretar jatinhos.

- Pelo menos, era com o meu dinheiro, o jato é meu. Não é do que o senhor anda, dos seus empreiteiros. O dinheiro é meu, é meu, é meu! - rebateu Tasso, exaltado.

Fora do microfone, Renan gritou:

- Seu coronel de merda!

- Eu coronel? Cangaceiro! Cangaceiro de terceira categoria! Olha o decoro parlamentar. Repita o que você disse aí - disse Tasso, que escutou Renan dizer "coronel de merda".

- Você não é coronel de nada. Você é minoria com complexo de maioria. Me respeite - continuou Renan.

- Presidente, o senador Renan Calheiros acabou de quebrar o decoro parlamentar me dirigindo palavras de baixo calão. Eu peço que seja feita uma representação sobre isso - pediu Tasso ao presidente Sarney.

- Presidência, eu peço desculpas e peço para vossa excelência retirar da sessão de hoje que minoria com complexo de maioria é falta de decoro parlamentar - tentou consertar Renan.

Antes do bate-boca, mostrando frieza, durante a leitura da representação contra Virgilio, Renan se disse constrangido de fazê-lo. Depois, quando pediu a palavra, Virgílio devolveu as ironias, chegando a dizer que Renan era "quase um super-homem".

Patrimonialismo e tráfico de influência

Ao ler a representação, Renan enfatizou que Virgílio era réu confesso de atos que constituem quebra de decoro parlamentar. Acentuou o fato de o tucano manter, por 18 meses, o pagamento de salário e horas extras de seu funcionário Carlos Alberto Nina Neto, quando ele estudava teatro no exterior, com um custo de R$210 mil.

Também citou o pagamento, pelo Senado, de valores acima do previsto no tratamento de saúde da mãe de Virgílio, e a "doação" de R$10 mil que teria recebido do ex-diretor Agaciel Maia, "prática vedada pelo Código de Ética porque ele era uma autoridade pública". Renan disse que Virgílio pagava com verba do Senado seu personal trainer, Oswaldo Alves. Disse que o tucano não usa mais o carro oficial de senador, mas impôs humilhações a 20 motoristas da Casa; que ele escondeu da Receita Federal a doação que recebeu de Agaciel e o imóvel em que mora; e que levou um policial do Senado para fazer serviços domésticos. Renan afirmou ainda que Virgílio empregava outros parentes de Nina Neto.

"O senador Arthur Virgílio elevou às culminâncias do absurdo a prática do clientelismo, do patrimonialismo e do tráfico de influência, exacerbando o uso das prerrogativas parlamentares", diz um trecho da representação.

Virgílio, da tribuna, devolveu as ironias, citando reportagens com denúncias contra Renan: o inquérito que responde no Supremo Tribunal Federal, por enriquecimento ilícito, corrupção e notas fiscais frias; o emprego de funcionários fantasmas; e acusação de que a Polícia Federal investiga vazamento de informação da Operação Mão de Obra (sobre superfaturamento em contratos do Senado) para beneficiar Agaciel, entre outras.

- V. Excelência representa o PMDB. Ulysses (Guimarães) perdeu a vez. Está tão poderoso que temo que me tome o PSDB e me destitua da liderança - disse, irônico. - Mas pode estar cometendo o maior erro de sua vida: ter avançado o quanto avançou. É uma advertência que faço. Não tenho lobista pagando minhas contas - disse, referindo-se ao episódio de que o lobista de uma empreiteira bancava despesas de sua filha fora do casamento, que resultou em processos contra ele no Conselho de Ética.

Renan reagiu:

- Eu não tenho!

Muitos senadores se mostraram assustados com o tumulto.

- Hoje experimentei talvez a sessão mais degradante na minha vida aqui no Senado. Chegamos a um ponto extraordinariamente baixo. Temos que dar um basta a isso. Para que existe o Senado? Para que existe o Congresso Nacional? Somos um bando de fouchês, figuras menores que vêm aqui com o único objetivo do enriquecimento pessoal e não para defender os interesses da sociedade? - discursou Demóstenes Torres(DEM), citando o político francês Christian Fouchet, que buscava o poder a todo custo.

Sarney assistiu a tudo em silêncio. Apenas disparou a campanhia e ssuspendeu a sessão por dois minutos após o bate-boca. Tasso requisitou as fitas da sessão, para estudar representação contra Renan.

Tarso: decisão contra jornal 'não é censura'

DEU EM O GLOBO

Para ministro, no entanto, liminar proibindo divulgação de investigação sobre Fernando Sarney deve ser revista

BRASÍLIA e SÃO PAULO. O ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou ontem que não classifica como censura a decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, de proibir o jornal "O Estado de S. Paulo" de divulgar dados sigilosos da investigação da Polícia Federal sobre Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). O ministro disse, no entanto, que dificilmente o despacho de Vieira será mantido nas instâncias superiores da Justiça.

- Não acho que seja censura. Na verdade, o que está sendo obstado ali seria, segundo o despacho, a divulgação de fatos que podem ser inverídicos. Portanto, não é censura à imprensa, embora em relação à imprensa, em particular, possa parecer como tal - afirmou Tarso Genro, depois de participar da solenidade de posse do novo defensor público-geral da União, José Rômulo Plácido Sales, segundo informou a Agência Brasil.

Tarso disse que provavelmente a restrição não terá o efeito esperado pela defesa de Fernando Sarney. Segundo o ministro, os limites estabelecidos por Vieira, em vez de diminuir, podem aumentar o interesse em torno do caso. Tarso disse entender que a medida não resistirá por muito tempo.

- Acho que é uma decisão que não vai se sustentar juridicamente e que certamente será revisada. Temos outras decisões nesse sentido, e elas normalmente funcionam ao contrário. Em vez de proteger a pessoa que está sendo mencionada, funciona como instrumento que até chama mais a atenção para os fatos imputados, justa ou injustamente.

A organização internacional "Repórteres sem Fronteiras" divulgou manifesto contra a censura ao "Estado". Para a entidade, que defende jornalistas em todo o mundo, "a decisão (...) constitui um ato de censura que lesa a liberdade de expressão".

"Trata-se de abuso de poder, que esperamos que seja corrigido pela decisão em recurso", diz a nota da ONG.

Além da censura ao jornal, a entidade denuncia que um jornalista do Pará vem recebendo ameaças de morte por ter denunciado a existência de funcionários fantasmas na Prefeitura de Barcarena, no Sul do Pará.

'A questão da censura é a mesma da crise do Senado'

Julia Duailibi
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Entrevista - José Arthur Giannotti: filósofo; para professor, não é papel do Judiciário impor restrições à veiculação de informações de interesse público

Professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), José Arthur Giannotti, um dos filósofos mais respeitados do País, afirmou ontem, em entrevista ao Estado, não ser papel do Judiciário impor restrições à veiculação de informações de interesse público. "A questão da censura, ao meu ver, é a mesma questão que está levando à crise do Senado, que está levando à esculhambação da política na América Latina. É uma questão mundial, mas no Brasil acontece de forma muito aguda", afirmou.

No dia 30, o desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, proibiu o Estado de publicar informações sobre Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de quem é amigo. "Quando você tem juízes que estão tomando parte no festim de Brasília, eles entendem perfeitamente que precisam defender o festim", disse. Para o filósofo, a democracia brasileira, "frágil", propicia situações como essa. "Temos sempre de estar vigilantes", disse Gianotti, que completou: "O que temos é uma bagunça generalizada."

A seguir, trechos da entrevista.

Qual avaliação o sr. faz da proibição imposta ao jornal O Estado de S. Paulo de publicar informações sobre o filho de Sarney?

Em primeiro lugar, isso está dentro de um problema geral na América Latina, que é a ameaça à democracia formal, que é uma democracia de direitos. Passamos por uma época de crescimento, do Brasil em particular. Uma massa grande de cidadãos entrou para o sistema político, e os seus representantes são pessoas que estavam inteiramente de fora da vida política tradicional. E esse pessoal não tem nenhum compromisso com a democracia formal. A questão da censura, ao meu ver, é a mesma questão que está levando à crise do Senado, que está levando à esculhambação da política na América Latina. É uma questão mundial, mas no Brasil acontece de forma aguda.

O sr. acha ser papel do Judiciário impor restrições à veiculação de informações de interesse público?

Não, óbvio que não. Acontece que, quando você tem juízes que estão tomando parte no festim de Brasília, eles entendem perfeitamente que precisam defender o festim.

Decisões do Judiciário são influenciadas por questões políticas?

Quando decisões do Judiciário chegam à Corte Suprema, sempre são influenciadas pelo jogo político. A Suprema Corte é o lugar onde se faz a união entre direito e política, em qualquer lugar do mundo.

No Brasil, por ser ainda uma democracia recente, essa influência ocorre com mais frequência?

Sim, no Brasil temos que resistir ao máximo. Temos que perceber também que isso não é apenas um epifenômeno (fenômeno acessório), não é uma coisa acidental. Está ligado ao aumento da cidadania no Brasil. Na medida em que uma massa enorme entrou no mercado, passou a participar da vida cotidiana, com seus direitos. Eles (integrantes dessa massa), como acabaram de vir, pensam em termos dos ganhos imediatos. Não são capazes de perceber que um ganho imediato pode ser abolido numa perspectiva mais longa. Essa falta de previsão, que marca o governo Lula, leva ao desprezo da democracia formal. Se os nossos representantes tivessem uma cultura política mais aprofundada, isso não aconteceria.

Como conciliar liberdades individuais e direito à informação num País em que a Justiça está sujeita à influência política? São necessárias novas regras?

Não adianta regra. O problema é que você passa a obedecer à regra, e outras pessoas reclamam quando a regra é obedecida. Sempre haverá um desgraçado que vai querer passar a perna na regra.O que tem de ser feito, e ao meu ver está sendo bem feito, é lutar contra a decisão imposta de uma forma férrea e ainda com a bênção de um direito que, afinal de contas, é mal interpretado.

Qual lição o País deveria tirar de episódios como esse?

Que a nossa democracia é muito frágil. E nós temos sempre de estar vigilantes.

Essa censura remete a épocas como a do regime militar?

Acho que não. Na ditadura, tivemos outro processo.Houve uma ruptura do sistema democrático. Não é isso que acontece agora. O que temos é uma bagunça generalizada. Ela reflete a enorme variedade da sociedade brasileira hoje. É a integração dessa massa na vida cotidiana, pública e política.

As instituições brasileiras tendem a se fortalecer com o amadurecimento da democracia?

Tendem, mas também há tendências que são contrárias. Existem países que não dão certo. Nada leva a dizer que o Brasil vai dar certo. Veja o caso da Argentina. Era um grande país, mas se estrumbicou. Nada impede que o Brasil percorra este caminho.

Carlos Lessa
Ex-presidente do BNDES

"Não acho que seja correto obter uma liminar para não publicar. Se o Estadão está pegando erros do presidente do Senado, está prestando um serviço à sociedade. Quem não deve não teme"

Christiane Torloni
Atriz

"Qualquer tentativa de volta de censura é um retrocesso histórico. Não foi para isso que se lutou pela democracia. A imprensa tem que comprovar as denúncias. Neste caso, está comprovado"

Ricardo Ismael
Cientista político

"É papel da imprensa informar o que está acontecendo no País, em particular quando há suspeita de malversação do dinheiro público. Investigações sob sigilo têm restrições, mas se o jornal teve acesso deve publicar"

Jaguar
Cartunista

"Já levei tanta cacetada da censura. As coisas que estão acontecendo no Brasil são das mais malucas. Volta da censura, volta do Collor. Não tem o menor cabimento falar de censura hoje. Achei que era algo já enterrado"

Alba Zaluar
Antropóloga

"Significa um grande retrocesso. Por que não se pode noticiar sobre alguém que é filho de fulano e não sobre o filho de outro? Cria um privilégio que não tem cabimento numa democracia"

Ignácio Cano
Sociólogo

"É uma decisão descabida que atenta contra a liberdade de expressão e o senso comum. Algumas pessoas deste país infelizmente ainda conseguem no Judiciário tolher um direito básico como a informação"

Bete Mendes
Atriz

"É realmente um absurdo, absurdo, absurdo. Como o ex-ministro Fernando Lyra (da Justiça), que acabou com a censura no País, todos nós lutamos por muito tempo para termos liberdade
de expressão"

Roberto Farias
Presidente da Academia Brasileira de Cinema

"Tenho medo, porque vivi nos tempos da censura do governo militar. Tive um filme censurado. Me impressiona como um símbolo da luta contra a censura, como foi o Estadão, esteja passando por isso"

Carlos Lyra
Compositor

"Eu não estou proibido de falar. A imprensa é o único órgão que noticia e denuncia. Se não existe liberdade de imprensa, então nós voltamos à ditadura militar ou ao bolchevismo, que é o que existe dentro do governo"

Chico Anysio
Humorista

"No Brasil, tudo o que é ruim volta. Eu acho isso inadmissível, porque depois vão proibir de se falar da neta, da filha, do próprio Sarney... Ele não é uma pessoa, é uma comunidade. Daqui a pouco vai dizer que não conhece o neto. O Brasil inventou a impunidade"

Lúcia Murat
Cineasta

"Sou inteiramente contrária a qualquer tipo de censura à imprensa. E acho que toda a sociedade civil também é contra a censura. Numa democracia não se pode impedir que a informação seja divulgada"

Adauto Novaes
Filósofo e jornalista

"É assustador que num momento em que o País tenta se estruturar pela liberdade e a democracia aconteça uma coisa dessa. Você não sabe onde pode parar. Pode ser a ponta de alguma coisa muito pior"

Giulia Gam
Atriz

"Acho muito perigoso a censura à imprensa. Se o jornal é irresponsável, se faz uma acusação que não procede, você pode processar. Mas se for verdade, não se pode cercear"

Flavio Marinho
Autor teatral

"Estou chocado, como ex-jornalista e cidadão brasileiro. Não acredito que a gente tenha levado tantos anos para conquistar a democracia para esse tipo de cerceamento de imprensa acontecer"
Eduardo Dussek
Cantor, compositor e ator

"É um absurdo, inaceitável. Todo mundo já sabe o que existe no Senado Federal. O que estamos vendo parece coisa de republiqueta da parte de cima da América do Sul"

Marieta Severo
Atriz

"Fico indignada. O papel da imprensa é importantíssimo para a transparência. Eu quero saber o que está acontecendo e acredito que tenho o direito de ser informada"

Dom João de Orleans e Bragança
Fotógrafo

"A própria relação do juiz com os Sarney registrada na fotografia mostra que ele não tem isenção para julgar o caso. A decisão representa censura, algo que abolimos há 25 anos"

Carlos Tufvesson
Estilista

"Acho que lutamos por muito tempo no período negro da ditadura para ter uma democracia plena num Estado de Direito para vê-la sendo usada da maneira pouco representativa, como tem sido ultimamente"

Marina Silva não descarta disputar Planalto pelo PV

DEU EM O GLOBO

Serra recebe Gabeira e discute sucessão de Lula

SÃO PAULO. Ao responder ontem se está preparada para enfrentar a ministra Dilma Rousseff, candidata do presidente Lula e do PT à Presidência em 2010, a senadora Marina Silva, que estuda convite para trocar o PT pelo PV, respondeu:

- Por que precisa ser um enfrentamento? Será que a gente não pode fazer a política de outra forma? - disse, sem descartar a possibilidade de disputar a sucessão de Lula.

Lembrada de que o PT já decidiu lançar Dilma e que ela teria que disputar a eleição por um outro partido, disse:

- A gente começa a ficar conservador quando fica embevecido, olhando apenas para a copa das árvores que a gente plantou, e não é capaz de perceber as novas sementes que estão germinando no quintal.

Marina afirmou ainda que os nomes de Dilma e Serra não podem ser vistos como únicas opções à Presidência:

- As pessoas têm que pensar o que é bom para o Brasil. Falo isso com a equidistância de alguém que não está se colocando nesse debate como candidata. Mas, uma vez que as pessoas dizem o que vai ser bom para a Dilma ou para o Serra, não estão considerando o que é bom para o Brasil e o que pode ser bom para a questão ambiental.

A análise sobre a eventual candidatura de Marina chegou ao gabinete do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que recebeu, ontem, o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ). Em meio às especulações de que Serra, pré-candidato à Presidência, teria interesse em embaralhar as cartas de 2010, contando que Marina disputaria o mesmo eleitorado de Dilma, Serra e Gabeira analisariam a sucessão do presidente Lula.

ARCO-IRIS (poesia)

Graziela Melo

O preto
É a cor
Da noite,

A manhã,
Dourado
Cintilante!

À tarde
O cinza-claro
Amortecido,

Simboliza
O amor-perfeito

Cinza-escuro

A saudade
No meu peito

Que me
Atormenta

Quando quero
Estar contigo...


Rio de Janeiro, julho 2009

O morto-vivo

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Enquanto a pátria mãe estava distraída, vendo as manobras para arquivar as ações contra o presidente do Senado, a Câmara deu vida a um esqueleto que pode custar mais de R$200 bilhões. A MP 460 é para subsidiar a casa dos pobres. Isso custa pouco. O subsídio aos muito ricos, pendurado no projeto, é caríssimo. Felizmente, a palavra final sobre a exigência dos exportadores será dada pelo Supremo.

Quando morreu o crédito-prêmio de IPI aos exportadores? Esta a pergunta que o Supremo Tribunal Federal (STF) terá que responder semana que vem. Pode decidir que ele morreu em 1983, ou em 1990, ou que está vivo. Se a decisão atender aos exportadores uma enorme dívida recairá sobre os cofres públicos. Os ganhadores serão os exportadores, as tradings, os consultores e tributaristas que trabalham intensamente para dar vida ao morto.

O crédito-prêmio é um fóssil. Vem do tempo em que se governava por decreto-lei, com base no AI-5; no tempo em que as regras do comércio internacional eram mais toscas; no tempo em que a transferência de dinheiro público para as empresas era mais explícita.

Os governos militares mudaram de ideia várias vezes sobre o subsídio. Isso produziu brechas pelas quais entraram as ações judiciais dos exportadores. Pelo artigo de ontem do jurista Tércio Sampaio Ferraz na "Folha de S. Paulo", foram baixados cinco decretos-lei entre 1969 e 1981 dizendo coisas diferentes. O primeiro criou o benefício; o segundo, dez anos depois, fez um cronograma de redução que o extinguiria em 1980; o terceiro prorrogou a morte para 1983. O quarto, baixado dias depois do terceiro, deu ao ministro da Fazenda o direito de ampliar, reduzir ou extinguir o benefício. O quinto, de 1981, no meio da crise da dívida, suspendeu a extinção em 1983.

O Supremo até agora só julgou um detalhe: considerou que aquela ideia de dar ao ministro da Fazenda o direito de manter ou extinguir o subsídio não vale. Mas no limbo do morre-não-morre, ele continuou dando lucro aos exportadores e sendo contestado pela Fazenda em vários governos desde então.

Essa confusão até dá aos exportadores algum respaldo para dizer que ele valeu até 1990, ainda que existam bons argumentos contrários. Mas aí veio o tiro final. A Constituição de 1988 disse, nas disposições transitórias, que todos os incentivos fiscais não confirmados em dois anos estariam extintos. Portanto, um legista diria que ele morreu em 1990. Foi o que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também julgou.

Mas os filhos do crédito-prêmio não se conformam com a sua morte. Ele era um pai tão generoso! Dava aos exportadores o prêmio de 15% sobre o valor exportado de produtos industriais. Esta era a alíquota máxima de IPI existente. Vários produtos tinham alíquotas menores. Não importa, o ressarcimento era sempre de 15%. Os países protestaram e retaliaram o Brasil por violar as regras do comércio internacional.

Enquanto a Justiça decidia se valia ou não valia, as empresas continuaram usando o benefício para não pagar outros impostos. A política do fato consumado agora virou chantagem explícita. Dizem os muitos consultores, tributaristas, lobbistas, políticos que trabalham para os exportadores, que as empresas quebrarão se o crédito-prêmio for considerado extinto desde 1990.

Na economia, o defunto produziu um intenso comércio. Empresas venderam esses supostos "direitos", empresas quebradas foram compradas só porque em suas contabilidades tinham esses créditos. Nem todas as empresas entraram na Justiça, nem todas as que entraram, descontaram. As prudentes fizeram provisões contra o risco de perder na Justiça, ou não usaram um incentivo tão controvertido juridicamente.

Agora o fóssil voltou com tudo. Com medo de que o Supremo confirme que de fato ele já morreu, o lobby exportador começou a agir mais abertamente, enviou emissários mais poderosos ao governo, capturou defensores em todos os partidos políticos, manteve o governo em posição ambígua. O governo negociou abertamente a inclusão desse assunto na MP que trata de subsídio de casa para pobres. A oposição ajudou. A Fazenda disse que discordava, mas faltou ao Ministério força ou convicção. Na quarta-feira foi aprovado o projeto que disse que ele sobreviveu até 2002.

O lobby exportador diz que aceita a data de 2002 para a morte do benefício, de pura bondade. Alega que estaria abrindo mão do direito ao subsídio até os dias atuais. Descaramento, pelo visto, não tem limites.

Em pelo menos duas MPs a base aliada e seus aliados na oposição penduraram a proposta de dar vida ao crédito-prêmio até 2002. Isso cria um rombo de mais de R$ 200 bilhões nas contas públicas segundo a Procuradoria da Fazenda. Os exportadores mostram um estudo feito pelas consultorias de Luiz Gonzaga Belluzzo e LCA, que era Luciano Coutinho, dizendo que é de R$70 bilhões, mas que pode ser menos.

No dia 12, o ministro Ricardo Lewandowski apresentará seu voto sobre a data da morte do benefício. Se no Supremo a decisão final demorar, o presidente Lula terá que vetar o artigo aprovado da MP 460. Ou então aceitar, saindo da posição ambígua que o governo tem mantido.

A Fazenda diz que discorda mas o PT luta abertamente pelos interesses dos exportadores.

O real em um mundo bipolar

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Um novo sistema monetário deverá nascer; as regras que prevalecem desde o fim da 2ª Guerra não são mais funcionais

MAIS UMA vez está de volta o debate sobre o que fazer com a valorização do real. O agravamento da crise internacional, a partir da quebra do banco Lehman Brothers, pareceu sepultar a tese de que o real tinha se tornado uma moeda forte em relação ao dólar e a outras moedas emergentes.

Com o pânico tomando conta dos mercados assistimos a uma verdadeira corrida para a moeda americana, vista naqueles dias terríveis como um porto seguro para os investidores.

Em poucos meses o real sofreu uma desvalorização de quase 40%. A leitura do senso comum foi a de que estava enterrada a tese do descolamento do mundo emergente representada pela sigla Brics. A impressão dominante era de que nada tinha mudado na economia mundial, e a força do dólar era prova inconteste disso.

Mas nada como um teste forte como este para nos obrigar a repensar nossas convicções. No caso da crise americana a lição mais importante foi a de que a dinâmica do descolamento precisava ser relativizada. Mesmo a China, um dos centros do mundo bipolar que acredito vai existir em futuro próximo, ainda depende do crescimento da economia americana. Para que o descolamento ganhe um grau maior de autonomia é necessário que os EUA não sofram uma descontinuidade nos moldes da acontecida nos meses seguintes da quebra do Lehman.

Hoje podemos afirmar com alguma convicção que o caos previsto há alguns meses não vai ocorrer. Os mercados voltaram a ter alguma funcionalidade e a economia mundial começa a sair do buraco negro em que caiu a partir de setembro do ano passado.

Embora as feridas abertas na crise ainda sejam muito difíceis de serem curadas, podemos olhar para a frente com algum otimismo. Não tenho dúvidas de que o caráter bipolar da economia mundial vai ficar mais claro nos próximos anos.

Um grupo de países -do qual o Brasil faz parte- terá cicatrizes de mais fácil superação e vai voltar a crescer a taxas elevadas. Provavelmente não serão as verificadas nos primeiros três trimestres do ano passado, mas, mesmo assim, serão bastante fortes.

A economia chinesa pode crescer cerca de 9% em 2010, e o Brasil algo próximo a 4% ao ano. No outro polo -representado pelos países mais ricos-, o crescimento econômico vai voltar, ainda que de forma bastante lenta. Mas o caos financeiro está afastado.

Neste mundo bipolar, uma das questões centrais que terão de ser enfrentadas é a da posição do dólar americano como moeda internacional única. Um novo sistema monetário deverá nascer obrigatoriamente. As regras que prevalecem desde o fim da Segunda Guerra Mundial não são mais funcionais. O que não está claro hoje é como se chegará a esse novo arranjo monetário. O acordo de Bretton Woods foi definido em um momento em que havia uma única potência no mundo ocidental.

Essa realidade geopolítica facilitou a definição das regras a serem seguidas por todos os países fora da então chamada Cortina de Ferro. Não é o que acontece hoje com a redução da força americana de um lado e a emergência de uma nova China de outro. Vamos viver nos próximos anos um penoso processo de ajuste, com a volatilidade e a especulação sendo a marca dominante nos mercados de câmbio.

E o real vai ser participante importante nesse processo, o que vai trazer para o mercado de câmbio uma dinâmica nova para nós brasileiros. Precisaremos estar preparados para isso.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Uribe não convence Lula sobre bases

Denise Chrispim Marin e Tânia Monteiro
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Governo brasileiro queria garantias de Bogotá de que tropas dos EUA não vão atuar fora do território colombiano

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se satisfez com as explicações trazidas por seu colega colombiano, Álvaro Uribe, sobre a utilização de sete bases militares da Colômbia por soldados dos EUA. Ao final de uma conversa de duas horas entre os dois presidentes, o chanceler Celso Amorim revelou que o governo brasileiro teme que as forças dos EUA possam atuar fora do território colombiano.

Segundo Amorim, o Brasil não recebeu de Uribe nenhuma garantia sobre essa limitação. Esse mesmo temor foi expresso, dois dias antes, por Amorim e pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, ao assessor da Casa Branca para Segurança Nacional, general Jim Jones.

Na Base Aérea de Brasília, onde se encontrou com um grupo de senadores da Comissão de Relações Exteriores, Uribe afirmou que a Colômbia negocia apenas a renovação do acordo para manter soldados dos EUA em uma única base. Disse, ainda, que ordenou ao embaixador da Colômbia que compareça ao Senado e preste os esclarecimentos necessários, apresentando até mesmo os documentos da negociação com o governo americano. "Ele nos disse que a tropa fará o que sempre faz: ajuda no combate ao narcotráfico", afirmou o senador Heráclito Fortes (DEM-PI).

Amorim disse que o Brasil "reiterou que um acordo com os EUA que venha a ser específico e delimitado ao território colombiano é uma matéria da soberania colombiana, sempre quando os dados gerais que se disponham sejam compatíveis com essa delimitação das ações ao território colombiano".

O chanceler esquivou-se de apresentar à imprensa quais seriam as dúvidas efetivas do Brasil com relação a essa limitação. "O presidente Uribe mais uma vez reiterou que esse é o propósito", reconheceu o chanceler, para logo em seguida indicar que a versão trazida pelo líder colombiano ainda está sob suspeita do governo brasileiro.

Segundo Amorim, a diluição dessas dúvidas exigirá novas consultas à Colômbia e também aos EUA. Conforme relatou, o presidente Lula exigiu de Bogotá garantias de que o combate ao narcotráfico - a razão do acordo EUA-Colômbia, que está em fase de conclusão - não significará ingerência militar americana na região. Também insistiu que o Conselho de Defesa da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) é o melhor fórum para a consolidação de um clima de confiança e para que as dúvidas de seus sócios sejam dirimidas "com tranquilidade, de forma técnica". Amorim acrescentou que "os países da América do Sul devem assumir o combate ao narcotráfico, sem ingerências externas".

Uribe dirigiu-se à imprensa para agradecer o "diálogo amplo" que manteve com Lula. Antes de embarcar para Bogotá, na Base Aérea de Brasília, Uribe garantiu a senadores da Comissão de Relações Exteriores que as bases estarão sob comando colombiano e não haverá a presença de forças de combate americanas, mas apenas militares que darão apoio às forças da Colômbia e da área de inteligência. "Manifestamos nossa preocupação, mas ficamos satisfeitos com as explicações de Uribe", afirmou o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), presidente da Comissão.

RESPOSTAS À VISITA DE URIBE

Brasil - Lula disse que bases americanas não o agradam e defendeu que acordo fosse discutido na Unasul; a Uribe, pediu garantias de que tropas americanas só atuariam no combate ao narcotráfico dentro de território colombiano, mas não obteve resposta clara

Uruguai - Apesar de se dizer contra toda presença militar dos EUA no continente, Tabaré Vázquez diz que não tem direito de intervir em "assuntos internos"

Paraguai - Fernando Lugo diz respeitar decisão colombiana e só espera que a presença dos EUA no país "não cause inconveniente a vizinhos"

Argentina - Segundo assessores, Cristina Kirchner repudiou o acordo, alegando que bases americanas são "elemento perturbador" em uma região onde é preciso reduzir as tensões

Chile - Depois de ter se pronunciado contra o acordo em viagem ao Brasil, Michelle Bachelet recebeu Uribe e amenizou o discurso, declarando que respeita a "decisão soberana" de Bogotá

Bolívia - Considera bases americanas uma "agressão" à região; Evo Morales promete levar à reunião da Unasul proposta para impedir que os Estados Unidos usem bases na América do Sul

Peru - Mesmo antes de receber Uribe, Alan García já havia expressado seu apoio ao acordo militar entre Bogotá e Washington; após visita, disse que Uribe "fez muito pela Colômbia e por todo continente"

Revista faz nova ligação de Chávez com as Farc

AP E REUTERS, Bogotá
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Caracas também estaria envolvida com o narcotráfico, diz a “Cambio”

Uma reportagem da revista colombiana Cambio publicada ontem afirma que o governo do presidente Hugo Chávez está envolvido em operações feitas da Venezuela por narcotraficantes ligados às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Na semana passada, Caracas já havia sido acusada de repassar armamento sueco para a guerrilha.

Segundo a revista, o general venezuelano Hugo Armando Carvajal, diretor do serviço de inteligência do país, é quem entrega armas e equipamentos às Farc. Carvajal, que é acusado pelos EUA de vínculo com a guerrilha, está também envolvido em operações feitas em solo venezuelano por narcotraficantes.

Dois ex-membros do governo venezuelano, de acordo com a Cambio - Henry de Jesús Rangel, ex-diretor da polícia secreta, e Ramón Emilio Rodríguez Chacín, ex-ministro do Interior e da Justiça -, também estão envolvidos com os narcotraficantes e as Farc.

Uma das fontes que ajudou a revista a documentar as denúncias é Germán Arturo Rodríguez Ataya, piloto capturado em 2005, que trabalhava no transporte de drogas e de guerrilheiros feridos em operações militares.

Ataya deu as coordenadas de bases das Farc em território venezuelano e entregou fotografias dos contatos feitos com oficiais da Guarda Nacional da Venezuela, que entregavam o armamento aos rebeldes por ordem do general Carvajal.

Oficiais do serviço de secreto colombiano, que tiveram acesso a dados obtidos por autoridades americanas, afirmaram à revista que um dos negociadores de Chávez, responsável pela mediação com o grupo, visitou Pedro Antonio Marín, o Tirofijo, número 1 das Farc morto em março de 2008.

A Cambio afirmou ainda que informações obtidas pela Colômbia comprometem também ex-assessores de confiança do presidente do Equador, Rafael Correa - entre eles o major Manuel Silva, ex-chefe de polícia, que confirmou a existência de encontros entre o ex-ministro de Interior equatoriano Gustavo Larrea com as Farc. O documento pode servir para processar Larrea, caso Correa cumpra o que prometeu. "Se provarem que Larrea se reuniu com as Farc, eu mesmo promoverei um processo por traição contra ele", disse Correa.

SAMPER EM CARACAS

Chávez reuniu-se ontem em Caracas com o ex-presidente colombiano Ernesto Samper. Os dois conversaram sobre a crise bilateral causada pelo acordo militar entre Colômbia e EUA. "Aqui não há mediadores, a única saída para normalizar as relações é se a Colômbia desistir de entregar seu território aos EUA", disse Chávez, insistindo que o encontro foi solicitado por Samper. Mas a Radio Caracol, de Bogotá, disse que o convite partiu de Caracas.

VAI E VEM


2007 - Uribe retira Chávez da condição de mediador na libertação de reféns. Em resposta, Chávez congela relações com a Colômbia

2008 - Operação militar colombiana no Equador mata Raúl Reyes, número 2 das Farc.

Chávez e Correa enviam tropas para a fronteira e rompem relações com Bogotá

2009 - Uribe anuncia acordo militar com EUA e denuncia que armas compradas pela Venezuela foram achadas com as Farc. Chávez congela novamente relações com Bogotá