terça-feira, 25 de agosto de 2009

Educação, política de Estado

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A entrevista do economista Geraldo Langoni, da Fundação Getulio Vargas, no GLOBO de domingo, em que ele afirma que investir em educação é mais importante para o futuro do Brasil do que o petróleo do pré-sal, é uma atualização de seu pensamento sobre o assunto, já explicitado na década de 70 do século passado por um trabalho famoso que mostrava que a taxa de retorno da educação no Brasil era muito alta já naquela época. Hoje, estudos demonstram que, a cada ano de escolaridade acrescentado, o salário aumenta cerca de 10%, principalmente no ensino básico. E, apesar disso, não foi feita a opção de investir em educação.

O livro “Educação básica no Brasil — construindo o futuro do país”, recentemente lançado, mostra que somente a partir da década de 90 do século passado finalmente a ficha começou a cair. Coordenado pelos economistas Fernando Veloso, Samuel Pessoa, Ricardo Henriques e Fabio Giambiagi, o livro mostra que desde o governo Fernando Henrique, e com certa continuidade no governo Lula, embora não muito linear, especialmente a partir da gestão do ministro Fernando Haddad, o Brasil começou a reverter um pouco essa história.

Primeiro universalizando o acesso, embora sem universalizar a conclusão, e construindo um arcabouço de avaliação para poder melhorar a qualidade do ensino. O Brasil demorou muito tempo para acordar para a importância da educação, e, para os autores do livro, temos que passar da fase de “mais educação” para uma educação de mais qualidade.

Segundo Fernando Veloso, do Ibmec do Rio, é um processo lento, mas a mensagem dos gráficos é positiva: a taxa de conclusão, tanto do ensino fundamental quanto do médio, aumentou significativamente, embora esteja ainda bem abaixo do que deveria ser.

Por exemplo, em 1995 a taxa de conclusão do ensino fundamental era de 30%, e, em 2007, passou para 60%. Já no ensino médio, girava em torno de 15% e passou para a casa dos 45%, num período relativamente curto.

Nesse período, lembra Veloso, surgiram vários movimentos na sociedade civil pela melhoria da educação, entre os quais destaca o “Todos pela Educação”, que trabalha inclusive com o MEC.

As cinco metas propostas são as seguintes: toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; todo aluno com aprendizado adequado à sua série; todo jovem com o ensino médio concluído até os 19 anos; investimento em educação ampliado e bem gerido.

Lançado em 2005, o movimento “Todos pela Educação” fez um primeiro balanço no fim de 2008, mostrando que os avanços aconteceram, mas que ainda temos muito chão a percorrer.

O movimento é organizado por um grupo de empresários e especialistas em educação que decidiu se unir para, além dos projetos que fundações ou ONGs das quais participam fazem na área de educação, criar um movimento para qualificar a demanda do ensino.

Uma das metas, por exemplo, de que todo jovem esteja com o ensino médio concluído até os 19 anos, teve superados os objetivos propostos para 2007, mas para que se chegue a 2022, no bicentenário da independência do país, com educação de qualidade para todos, é grande o desafio de corrigir o fluxo escolar.

O fato de mais da metade dos jovens não concluírem o ensino médio na idade correta, o mesmo acontecendo com quase 40% do ensino fundamental, revela que o Brasil está longe de garantir bom fluxo escolar para seus alunos, diz o primeiro balanço do movimento.

Para Fernando Veloso, na questão da qualidade, era preciso primeiro medir, e o país não tinha até a década de 90 um termômetro para isso.

Os avanços nesse setor foram importantes.

Em 1995, criou-se o novo Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb) e, a partir daí, pode-se construir uma série histórica de notas. Depois veio a Prova Brasil, em 2005, que é feita em todas as escolas públicas de 4aa 8asérie. Passamos a não apenas ter um diagnóstico, como uma nota para cada escola pública.

Depois veio o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que combina a Prova Brasil com um índice de aprovação, “para evitar que escolas melhorem suas notas expulsando o pior aluno, e penaliza a evasão e a repetência”.

Veloso vê nisso “um processo evolutivo que vai começar a dar resultados”. Segundo ele, o MEC tem trabalhos interessantes, como, por exemplo, analisar o resultado da Prova Brasil em escolas de locais desfavoráveis, com um ambiente socioeconômico difícil, no interior do Nordeste, e constatar que várias escolas já mostraram saltos expressivos na nota.

O resultado já está sendo mapeado. O próximo passo agora, diz Fernando Veloso, “é pegar esses casos isolados de sucesso e institucionalizá-los nas políticas públicas para melhorar todo o sistema”.

Para Fernando Veloso, “esse é um processo lento; a sociedade não está muito acostumada a trabalhar com metas na educação, é uma experiência nova”. Ele vê “um papel fundamental” da sociedade, de fazer pressão sobre gestores, diretores de escolas e professores, para fazer a cobrança.

“Isso funciona muito bem na Coreia do Sul, onde os pais têm a maior preocupação com a qualidade da educação e efetivamente cobram isso das escolas”.

Embora o Brasil ainda esteja no início desse processo, no livro “Educação básica no Brasil — construindo o futuro do país” são analisadas essas novas ferramentas que apontam, segundo Veloso, para “um final otimista”.

Esse processo “não tem receitas, não tem fórmulas mágicas, é lento, é difícil, o resultado nem sempre é imediato, mas como está resistindo, e passando de governo para governo, está virando uma política de Estado”.

O que é um bom sinal para o futuro. (Continua amanhã)

Latifúndio ilógico

Xico Graziano
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O que é um latifúndio? No passado, a resposta vinha fácil. Hoje, a pergunta exige esforço para ser respondida, remetendo ao núcleo do problema agrário no Brasil. Semântica da boa.

A historiografia consagrou o latifúndio como mal maior de nossa formação social. O termo se origina no latim - lato fundis -, significando os grandes domínios da aristocracia na Roma antiga. O conceito se vincula à ideia da imensidão e da opressão no campo.

Na época colonial, o latifúndio surgiu por aqui disfarçado nas capitanias hereditárias. Grandes porções do território se dividiram entre os fidalgos do rei encarregados de colonizar as terras longínquas. No ciclo açucareiro do Nordeste, séculos atrás, a grande exploração comandava a economia. Historiadores também a chamaram de plantation, a vasta propriedade monocultora.

O latifúndio sempre caracterizou o domínio da oligarquia agrária, terra do coronel. No triste período escravista, os conflitos entre a casa grande e a senzala expunham as mazelas da desigual sociedade. Mais tarde, na economia cafeeira que abriu São Paulo, com o trabalho sendo liberto, o latifúndio manteve sua forte presença até a grande crise de 1929-1930. Quando Getúlio Vargas assumiu o poder, a oligarquia começou a se desmantelar. Surgia, com a ajuda da imigração, a classe média no campo.

Derrotar o tradicional sistema latifundiário e vencer o imperialismo norte-americano configurou o estridente grito nacionalista que, nos anos 1960, mobilizou a esquerda latino-americana. Todos se uniram contra o atraso rural. Na receita do desenvolvimento, eliminar o latifúndio virou mantra.

A unanimidade política se provou no Estatuto da Terra, promulgado pelo regime militar em novembro de 1964. Nem a turma da direita, que chutou a democracia no golpe, se opôs à desapropriação do latifúndio, um obstáculo ao progresso.

A nova lei deu nome aos bois. Os latifúndios passaram a ser divididos em dois grupos: "por dimensão" e "por exploração". No primeiro caso, 600 módulos de terra eram o limite de sua extensão, área situada entre 20 mil e 50 mil hectares, dependendo da região. Maior que isso, poderia ser desapropriado para reforma agrária. Terra dividida.

Já os latifúndios "por exploração" precisavam, independentemente de seu tamanho, provar que eram produtivos. Daí surgiram os índices de produtividade que o Incra utiliza, até hoje, para caracterizar a função social da propriedade rural. Se estiver ociosa, com baixa produção, pau nela. Vai para o assentamento dos sem-terra. Muito bem.

Dois cadastramentos gerais foram realizados naquela época. As estatísticas eram devastadoras, configurando forte concentração da estrutura agrária. Em 1984, atualizados, os dados serviram para fundamentar o plano de reforma agrária da Nova República. Eles mostravam que os latifúndios se apropriavam de 90% do território. Um escândalo.

O cadastro indicava existirem 305 latifúndios "por dimensão", que, somados, detinham área maior do que a explorada, na outra ponta, por milhões de pequenos agricultores. Ninguém poderia concordar com isso. Reforma agrária já.

Se a ditadura não aplicou, na prática, o Estatuto da Terra, a democracia, restabelecida, o faria. Assim, há 25 anos, se iniciava a fase moderna da reforma agrária brasileira. Seus resultados, sofríveis, frustraram as expectativas, transformando a prometida redenção da miséria rural numa polêmica interminável. Por quê?

Duas explicações importam aqui. Primeiro, destrinchando as estatísticas oficiais, verificou-se que, entre os latifúndios "por exploração", 700 mil detinham área menor que 100 hectares de terra. Quer dizer, eram "pequenos" latifúndios. Um contrassenso incompreensível. Segundo, entre os grandões, apenas um ou outro acabou efetivamente desapropriado na reforma agrária, por uma razão elementar: dificilmente eles eram encontrados nas vistorias de campo. Representavam enormes terras griladas, cadastradas no Incra, porém fictícias. Latifúndios "fantasmas".

O equívoco desnorteou os agraristas. Estava em curso um processo de modernização agropecuária que, hoje, caracteriza o capitalismo no campo. Nos últimos 30 anos, o latifúndio transformou-se em grande empresa rural, mantendo-se grande, mas tornando-se produtivo. Integrado com a agroindústria, ao lado de fortes cooperativas, constitui o complexo chamado agronegócio.

Após a Constituição de 1988, mudou a lei agrária. Desapareceram as antigas denominações do latifúndio, substituídas pela nova caracterização econômica da grande propriedade: produtiva ou improdutiva. Até hoje, entretanto, o conceito histórico, tão marcante, permanece sendo utilizado. E, infelizmente, deformado.

João Pedro Stédile, ideólogo do MST, caracteriza atualmente o latifúndio como a propriedade rural que, embora cultivando café, soja, cana, eucalipto, ou utilizada na pecuária, ocupe área superior a mil hectares. Ponto. Não interessa se utiliza tecnologia, paga bem aos empregados ou conserva o solo. Importa apenas o tamanho, aliás, bem abaixo dos antigos latifúndios "por dimensão".

Ora, o modelo agrícola do País, ainda concentrador, pode ser criticado. Mas o latifúndio sempre caracterizou relações atrasadas de produção, mau uso da terra, servilismo. Confundir a empresa capitalista no campo com a propriedade oligárquica entorpece o raciocínio. Latifúndio produtivo soa ilógico.

Curiosa a mente das pessoas. Há quem, não percebendo que o mundo mudou, repete o mesmo chavão a vida toda. Tromba com a realidade. Outros, mais inteligentes, sabem das mudanças. Mas, para manter o discurso atrasado, escondem-se na mentira dos conceitos. Deturpam a realidade.

Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

Qual o formato da recuperação?

Yoshiaki Nakano
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O mercado financeiro e as autoridades do governo, dos bancos centrais e de outras instituições internacionais têm mandado a mensagem de que a crise financeira acabou e de que há sinais de recuperação. De fato, países emergentes, principalmente os asiáticos, liderados pela China, dão sinais mais claros de recuperação. Alguns países desenvolvidos, como Alemanha, França e Japão, apresentaram surpreendentemente ligeira recuperação no segundo trimestre. Nos EUA, a notícia mais importante é que aparentemente o mercado imobiliário está se estabilizando. Assim, reina no mercado surpreendente sentimento de alívio, mas todos mantêm a cautela e perguntam se a recuperação tomará a forma de V, U, W ou WWW.

A recuperação pode estar iniciando e, no passado recente, a recessão típica apresentou uma recuperação rápida em forma de V. Foram recessões causadas, em regra, pela contração momentânea na demanda agregada, em função de aperto na política monetária, e a recuperação foi rápida e vigorosa, ocupando a capacidade ociosa criada pela própria recessão e a economia retomando a trajetória anterior. A revista "The Economist" considera que imaginar a recuperação em V na atual recessão seria fantasioso. A recuperação está sendo promovida por uma política monetária extremamente agressiva e por fortes estímulos fiscais e o consumo alimentado pelo crédito acabou, pois os consumidores têm que pagar a dívida que se revelou excessiva acumulada ao longo de anos, empresas faliram, parte do sistema financeiro desapareceu e o que resta precisa de conserto. Neste quadro, dificilmente teremos retomada dos investimentos . A revista alerta que no caso atual a recuperação tomará a forma de U com a base bastante achatada e longa.

De fato, esta recessão é diferente. E há muitas razões para isto. É uma recessão global desencadeada por crise financeira global que destruiu trilhões em ativos financeiros, afetando os balanços não só das instituições financeiras, como também das famílias e das empresas. Essa recessão exigirá esforços para sua recomposição e com isso podemos ter aquilo que se tornou conhecido como "balance-sheet recession". Por trás de qualquer crise financeira necessariamente há, de um lado, uma forte expansão do crédito, e de outro, demanda excessiva de ativos financeiros e formação de bolhas, baseadas no endividamento com alavancagem crescente. A crise promove a destruição de ativos, desalavancagem e forte contração no crédito. Ao mesmo tempo, a destruição de ativos e superendividamento obriga tanto os bancos e empresas como as famílias a reequilibrar os seus balanços - a redução dos seus passivos passa a ser prioridade absoluta para a sobrevivência. Os bancos e empresas têm que canalizar os seus lucros e as famílias, parte maior da renda para pagar as dívidas, subtraindo assim tanto o consumo como os investimentos. Assim, na crise financeira há tanto a contração da oferta de crédito como da demanda de crédito.

Não devemos esquecer de que enfrentamos um choque negativo na demanda agregada que poderá persistir por anos. Os EUA deixarão de ter o papel dinâmico na economia mundial como importador em última instância, exercido para atender o consumismo de suas famílias e sustentado pelo endividamento crescente. A taxa de poupança das famílias americanas, que estava próximo a zero, aumentou depois da crise para 6% a 7%, e o seu déficit em transações correntes já caiu de 6% do PIB para cerca de 3% do PIB, e assim deixará de ser uma das locomotivas do crescimento mundial. Além disso, para que os EUA possam reduzir o seu déficit em transações correntes, o resto do mundo, particularmente a China e países exportadores de petróleo, terão que reduzir o superávit em transações correntes. Em outras palavras, estes países terão que reduzir a sua poupança e seus consumidores terão de tomar a posição que os consumidores americanos ocupavam antes.

O consumo caiu não só nos EUA, mas também na Europa e Japão. Agora sustentada por estímulos fiscais, ainda assim a demanda das famílias por exportações de outros países, isto é, importações destes países, caíram, e nem há perspectiva de que comércio mundial volte a crescer como nos anos pré-crise. Isso significa que a demanda de exportações também sofreu choque negativo persistente. Com o consumo e as exportações caindo, a probabilidade de que a retomada do investimento venha alimentar a recuperação é nula.

Países que adotaram política fiscal agressiva terão sua dívida pública crescendo em ritmo acelerado. Esta política não é sustentável por longo prazo e será um forte ônus para o crescimento. Certamente o déficit público em países como os EUA deverá ser elevado ainda no ano que vem, mas em algum momento o ajuste será necessário. Qualquer que seja a forma do ajuste - seja por elevação de impostos, corte nos gastos ou inflação - afetará negativamente o crescimento. Na hipótese pouco provável que o déficit persista por longo período e a dívida continue crescendo, a taxa real de juros deverá elevar-se, ou mesmo que isto não aconteça, o governo disputará recursos com o setor privado, em ambos os casos restringindo o investimento privado.

Mais assustador do que a retomada lenta e prolongada é que as políticas monetárias extremamente agressivas dos bancos centrais, particularmente do Federal Reserve, estão gerando minibolhas que poderão desencadear novas crises financeiras. A rigor, o mundo foi inundado de dólares e outras moedas com o socorro aos bancos e empresas. Nos EUA a base monetária mais do que dobrou e, mesmo que parcela significativa esteja represada sob forma de aumento de reservas bancárias, as instituições financeiras têm acesso a crédito barato, com taxa de juros próxima a zero, sustentada pelo Fed. Como o Fed já demonstrou que não permitirá que grandes instituições entrem em falência, estas voltaram a especular e estão canalizando recursos para bolsa de valores, petróleo e outras commodities. Não faz sentido as bolsas valorizarem no ritmo que está ocorrendo, o preço do petróleo subitamente voltar a mais de US$ 70 o barril e as commodities recuperarem rapidamente os seus preços em plena recessão. Não será surpresa se estas minibolhas estourarem e aí as consequências serão novamente imprevisíveis. Portanto, a forma de recuperação da crise pode ser muito mais de um "W" ou "WW", do que U.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

O jeito PT de governar

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Na Casa Civil, assessores faziam dossiês de cunho nitidamente político contra um ex-presidente da República.

No Banco do Brasil, o sindicalismo tomou de assalto a Previ, a Cassi, a Fundação BB e quase todas as diretorias (só escaparam a de agronegócio e a de relações internacionais, por falta de quadros com desenvoltura nessas áreas). Daí a surgirem aloprados comprando dossiês contra adversários em eleições e coisas do gênero foi um pulo.

Na Polícia Federal, por mais méritos que a maioria das operações tenha, virou cada um por si e ninguém por todos. Ao ponto de um delegado grampear os telefonemas do Planalto, rechear relatórios policiais de adjetivos "ideológicos" e no final cada um ter de ser despachado para bem longe.

Não há surpresa quando esse jeito petista de governar chega à Receita Federal. Aliás, já não era sem tempo. E foi assim que mais de dez funcionários colocaram seus cargos à disposição ontem, inclusive o subsecretário de Fiscalização, Henrique Jorge Freitas da Silva. O último apague a luz. Até que o novo grupo, ligado ao PT do B, ou PT do C, venha acender as luzes, reativar a tática de ocupação e fazer tudo o que seu mestre mandar.

A debandada foi resultado direto da exoneração de Alberto Amadei Neto e de Iraneth Maria Dias Weiler, que foram assessor e chefe de gabinete de Lina Vieira, demitida em 9 de julho numa situação que ainda não ficou muito clara.

Por incompetência? Será? Ou pode muito bem ter sido por incompatibilidade de métodos -segundo Lina, a ministra Dilma queria "agilizar" as investigações contra o empresário Fernando Sarney. E "agilizar" combina mais com o vocabulário do PT no poder do que com o da técnica com 30 anos de carreira.

É assim, de órgão em órgão, de instituição em instituição, que vamos aprendendo como é uma "gestão republicana". Sem falar na Petrobras da companheirada.

Governabilidade porca

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Quem inventou, pelo menos na história recente, esse modelo porco de governabilidade que vigora no Brasil foi Fernando Henrique Cardoso, lembra-se?

Foi ele quem buscou um acordo com o então PFL, hoje DEM, apesar de os líderes do PSDB e do pefelê terem estado na calçada oposta desde sempre.

Na campanha de 1994, durante um "Roda Viva", apontei ao então candidato o que me parecia uma contradição grave. FHC respondeu com uma falácia, ao citar como exemplo de aliança entre contrários o fato de que o Partido Socialista e a Democracia Cristã do Chile governavam em coligação (governam até hoje), embora tivessem sido adversários a vida toda.

É verdade, mas é só metade (ou menos) da verdade. PS e DC uniram-se já na ditadura -e contra a ditadura. PSDB e PFL uniram-se pelo poder. Ponto. É da mesma natureza a aliança PT-PMDB.

Eu seria capaz de apostar que, assim como FHC acabou entrando em confronto com Antonio Carlos Magalhães, a mais estridente liderança pefelista, sem que a governabilidade tivesse sido minimamente afetada, Lula também poderia ter se omitido no caso Sarney -e não aconteceria rigorosamente nada com a governabilidade.

Sejamos francos: não há nenhum tipo de lealdade na política brasileira, nem programática, nem partidária, nem mesmo pessoal. A lealdade é com o poder. Ponto.

Basta lembrar que Renan Calheiros (PMDB) foi forçado a renunciar à Presidência do Senado sem que se rompesse a aliança do partido com o poder de turno.

O PMDB só se mexeria de fato se Lula (ou FHC antes dele, seja com o PFL, seja com o próprio PMDB) começasse a tirar as "boquinhas" cedidas ao partido. Aí, sim, haveria uma verdadeira ameaça ao único programa do PMDB, que é o poder, a maior cota possível dele.

Histórias entrelaçadas

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Por mais que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diga o contrário, o PT está novamente em crise e deve perder quadros, a exemplo do que sucedeu na aprovação da reforma da Previdência, gênese do PSOL, e o mensalão. O racha era esperado para depois das eleições de 2010, mas alguns petistas podem se antecipar e sair até 3 de outubro, o prazo legal de filiação para quem vai disputar as eleições do próximo ano.

A insatisfação ocorre em todos os níveis. Desde a cúpula, como demonstrou o desligamento da senadora Marina Silva, um ícone do partido, e do senador Flávio Arns, ao devotado militante de uma comunidade eclesial de base, da Igreja Católica, uma das parte do tripé que moldou o caráter do PT, ao lado de sindicalistas e intelectuais de esquerda.

Os sindicalistas foram os que mais rapidamente se amoldaram ao perfil desse novo PT, uma máquina de fazer votos, profissional e pragmática. Intelectuais e artistas retesaram os músculos no mensalão. Na reeleição, em jantar no Rio de Janeiro, reclamaram com Lula que não foram ouvidos sobre a política cultural do primeiro mandato e que o presidente só os procurava em épocas de eleição.

A queixas da Igreja Católica vão além dos desvios éticos, apontados a partir de 2005, e de políticas agrárias assumidas pelo PT. Há também o conflito religioso. Petistas católicos não engolem o apoio que o governo Lula deu aos meios de comunicação da Igreja Universal. Sem esquecer que o vice-presidente da República, José Alencar, é do PRB, partido com vínculos com a igreja do bispo Edir Macedo.

Os tempos de camaradagem e companheirismo passaram, deles falam apenas os mais saudosistas. Prova disso é que Lula nem sequer telefonou para Marina, depois que a senadora saiu do governo. Nada impedia Lula de ter chamado Marina e dizer que, apesar de sua saída do ministério, gostaria que ela elaborasse o programa ambiental de um eventual governo Dilma. Ninguém do PT - nem Lula - falou nada com Marina.

O distanciamento já estava explicitado desde abril quando, em vista ao Acre, Lula fez um comentário que todos entenderam como uma citação indireta e deselegante à ex-ministra, ao se referir a construção de um túnel no Rio Grande do Sul.

"Esse túnel tem mil e poucos metros, e encontraram ao seu lado uma perereca (...).Pois bem, e aí resolveram fazer um estudo para saber se aquela perereca estava em extinção (...).Sabem quantos meses demorou para descobrir que a perereca não estava em extinção? Sete meses, a obra parada".

O fato é que Lula e o PT só se lembraram de Marina quando circulou que ela poderia trocar de partido e ser candidata a presidente, candidatura que só atrapalha os planos de Lula para 2010.

Em maior ou menor grau, todas as facções do PT sentem-se de alguma forma abandonadas por Lula. Exceção são os movimentos sociais mais bem aquinhoados pelo Tesouro. A própria candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) a presidente foi imposta por Lula ao partido, e o compromisso petista com ela será maior ou menor de acordo com o seu desempenho nas pesquisas - no Planalto afirma-se que, se Dilma chegar a 20% em dezembro, já será um índice muito bom. Pode ser, mas no PT esperava-se que ela já tivesse ultrapassado essa barreira.

Numa época em que Brasília costuma ser castigada por uma seca implacável, choveu neste final de agosto em que a crise do Senado é só a última das más notícias para o PT. Dobrado pelo Palácio do Planalto, o partido ajudou a salvar o mandato do presidente do Senado, José Sarney. Mas o líder Aloizio Mercadante não renunciou ao mandato, como prometera fazer em discurso no Senado.

Não renunciou e ainda exibiu uma carta em que Lula dizia ser imprescindível que ele ficasse. Um trecho da carta chamou a atenção para a autoria: "Mercadante, estamos juntos há 30 anos travando as lutas que interessam ao povo brasileiro e mudando a história do País". Os petistas mais antigos estranharam: trata-se de um bordão que Mercadante costuma repetir em discursos.

De resto, os "saudosistas" do PT não têm reparos à carta. De fato, as histórias de Lula e Mercadante se entrelaçaram nesses 30 anos. Exemplos: Mercadante foi candidato a vice de Lula na eleição de 1998. E na eleição de 2006 seu comitê de campanha e o do presidente compuseram o "bando de aloprados", como Lula definiu os petistas que tentaram comprar um dossiê contra tucanos.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Itamar Franco será homenageado no Dia Câmara

A solenidade em comemoração ao Dia da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, no próximo dia 26, às 10h, prestará uma homenagem ao ex-presidente Itamar Franco.

Várias personalidades já confirmaram presença no evento, como o governador de Minas Gerais Aécio Neves e o presidente nacional do PPS Roberto Freire

Jarbas acusa Lula de agir como um caudilho

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) comparou ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com os “caudilhos latino-americanos”, citando, por exemplo, a “semelhança” dos atos do petista com o do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. O discurso, que correlacionou o comportamento de Lula com o “terreno da esperteza, da mentira e do cinismo”, foi proferido durante sessão no plenário do Senado.

O senador pernambucano persiste na estratégia de atacar as ações do presidente Lula, através de discursos em que não economiza nas críticas. De acordo com Jarbas, “as duas pernas principais” da administração Lula – a política macroeconômica e os programas assistencialistas - foram criadas pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso(PSDB). “E qual foi o projeto do PT?”, questionou.

Jarbas também respondeu à crítica que o presidente fez às oposições, na última semana. “A oposição, quando não tem discurso para fazer oposição, é pior que doença que não tem cura”, disse Lula, no Rio Grande do Norte. “O presidente tem uma memória curta e bastante seletiva, pois ele mesmo foi oposição por 24 anos (...) Foi contra a Constituição de 1988, combateu o Plano Real e tentou barrar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Era sempre a estratégia do quanto pior, melhor”, rebateu Jarbas.

Após salvar Sarney, Lula debate 2010 com PMDB

Pedro Dias Leite
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Menos de uma semana depois de intervir diretamente para enterrar as investigações contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu ontem com PT e PMDB para discutir as alianças para a eleição do ano que vem.

Os dois partidos identificaram seis Estados onde deve ser "muito difícil" um acordo entre PT e PMDB. Quatro são tidos como praticamente perdidos: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Pernambuco e, um pouco menos pior, São Paulo e Bahia.Nestes Estados, o objetivo é "trabalhar para não ter troca de tiro", na descrição de um dos presentes ao encontro.

Participaram da reunião com Lula o presidente do PT, Ricardo Berzoini, o presidente interino do PMDB, Michel Temer, o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP), e o líder do governo, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). O encontro foi ontem à tarde, na sede da Presidência em São Paulo.

Os quatro combinaram de se reunir uma vez por semana, sem Lula, para tratar das alianças pelo país afora.

Uma das principais preocupações é garantir que as disputas estaduais não prejudiquem a candidatura do governo no plano federal. Onde não houver acordo, a ordem é tentar garantir que os dois palanques estejam à disposição de Dilma Rousseff (PT), a candidata escolhida por Lula.

O próprio presidente já passou por isso nas eleições de 2006, quando teve dois palanques em Pernambuco, um do petista Humberto Costa e outro do hoje governador Eduardo Campos, pelo PSB.

Sarney e 2010

Tanto PT quanto PMDB negam que a discussão político-eleitoral de ontem tenha relação com a operação de salvamento de Sarney. "O nome dele não foi nem mencionado", afirmou Berzoini.

Na quarta-feira da semana passada, o PT foi fundamental para salvar Sarney de processos no Conselho de Ética do Senado. Sob ordem de Lula, os três senadores do partido votaram contra a reabertura de todas as 11 denúncias e representações contra o presidente do Senado.

Lula tem dito a aliados que ajudar Sarney é importante para atrair o PMDB para um apoio oficial à candidatura de Dilma nas eleições do ano que vem. Isso aumentaria em quase cinco minutos o tempo de TV da candidata do governo, decisivo numa campanha num país tão vasto como o Brasil, onde é impossível aparecer em carne e osso mesmo diante de uma parcela ínfima dos mais de 100 milhões de eleitores.

Sarney tenta esquecer crise, mas é cobrado por Suplicy

Eugênia Lopes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Senador do PT acusou presidente do Senado de ter cometido erros e adotado ‘procedimentos inadequados’

Passada uma semana de sua absolvição no Conselho de Ética, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), tentou retomar ontem a rotina com um discurso sobre o centenário da morte do escritor Euclides da Cunha e do 55º ano da morte do presidente Getúlio Vargas. O script com ares de normalidade traçado por ele foi, no entanto, alterado pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Em aparte, o petista cobrou Sarney e o acusou de ter cometido erros e adotado "procedimentos que não foram adequados".

"As coisas não podem ficar como estavam. E essa é a voz que ouço por toda a parte, nas centenas de e-mails que tenho recebido", disse Suplicy. O discurso para constranger Sarney foi combinado com o líder da bancada do PT, Aloizio Mercadante (SP), que na semana passada ameaçou renunciar ao cargo, depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a cúpula do partido orientaram os três senadores petistas no Conselho de Ética a votarem pela absolvição de Sarney.

Mercadante era contra a absolvição de Sarney e queria que pelo menos uma das 11 ações contra o presidente do Senado seguisse adiante e ele fosse investigado.

A fala original de Suplicy era bem mais dura. Citava nomes, cobrava explicações sobre a contratação de pelos menos três parentes de Sarney e da empresa de seu neto para intermediar crédito consignado para servidores do Senado. Também abordava textualmente a atuação do presidente do Senado para captar recursos para a fundação que leva seu nome.

No entanto, momentos antes de fazer o discurso que tinha escrito, Suplicy recebeu um telefonema que, segundo ele próprio, teria sido de Mercadante. Mais tarde, o gabinete do líder do PT informou que foi Suplicy quem ligou para Mercadante.

O fato é que, depois do telefonema, Suplicy desistiu de ler o discurso. Falou de improviso, sem citar os dados e as eventuais contradições de Sarney ao longo da crise. Mas foi firme ao dizer que tinha muitas dúvidas em relação às denúncias contra o presidente do Senado. Em sua opinião, vários fatos permanecem sem explicação. Avisou ainda que a bancada do PT vai se reunir hoje, quando será definida a posição sobre o caso Sarney.

"Vim hoje a Brasília para fazer um pronunciamento que acabo aqui fazendo, neste aparte. Inclusive, transmiti ao senador Aloizio Mercadante, e ele ponderou que será melhor refletirmos amanhã (hoje), na reunião da bancada, que eu acho que a solução não está bem resolvida", disse Suplicy. "O arquivamento das representações não significou que nós tenhamos resolvido os problemas do Senado, para já começarmos as votações. Estamos, desde o início de agosto, sem votar uma matéria importante sequer. Então, quero aqui lhe dizer que eu acho que nós não tivemos a solução do Senado suficientemente resolvida."

REGRAS

Irritado com a interrupção, Sarney disse que o petista feriu as regras do Senado, com um aparte sobre outro tema. "Nesse gesto, há algo que não é da personalidade de V. Exª, a não ser que V. Exª esteja tomado por tamanha paixão política que deixe de respeitar as regras mais comezinhas da educação e da convivência parlamentar", afirmou Sarney. "Eu aqui tive a oportunidade, nesta mesma tribuna, com um quadro aqui exposto com todas as acusações que foram feitas à minha presidência no Senado, de respondê-las todas, sem exceção."

A intervenção de Suplicy foi planejada. Se cumprisse o regimento, Sarney poderia se retirar após seu discurso do plenário, deixando o petista "falando sozinho" sobre a crise.

Em seu discurso, Suplicy citou ainda célebre artigo do francês Émile Zola - J?accuse - contra a condenação do capitão Dreyfus, cujo destinatário era o presidente da França, Félix Faure, em 1898. Suplicy explicou que fazia a citação a pedido do professor Claude Machline, da Escola de Administração de Empresas.

"J""accuse é um livro no qual Zola defende a história de uma injustiça, que foi a do capitão Dreyfus. Judeu, foi expulso, veio para a Guiana. Ele, então, faz aquele livro de defesa de uma grande injustiça", contestou Sarney, que já ia saindo do plenário do Senado e voltou depois que o senador Roberto Cavalcanti (PRB-PB) fez um discurso em sua defesa. "Eu disse que Euclides escreveu Os Sertões justamente com esse sentido do J""accuse, quer dizer, no qual ele defendia a injustiça que foi o massacre de Canudos."

"Não entendo que o professor Suplicy não conheça esse livro tão célebre no mundo, que se aplica muito bem se eu fosse colocar em meu lugar - é contra a história de uma grande injustiça que foi conhecida", concluiu Sarney, ao se enganar e dizer que a frase se refere a um livro.

Gabeira revela diálogo com Tuma no Dops

Daniel Bramatti
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"Essa gente só matando", teria dito o então delegado em encontro com preso político


Personagem símbolo de duas efemérides de 2009 - os 30 anos da anistia e os 40 anos do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick -, o deputado e ativista Fernando Gabeira fala de guerrilha, tortura, exílio e ecologia no recém-lançado Dossiê Gabeira, o filme que nunca foi feito, livro do jornalista Geneton Moraes Neto.

Praticamente todos os temas que emergem na obra já foram tratados por Gabeira em livros autobiográficos, principalmente em O que é isso, companheiro, lançado no começo dos anos 80. Mas há novidades sobre duas figuras públicas do País: o senador Romeu Tuma (PTB-SP) e o ator Carlos Vereza.

No livro, estruturado como entrevista, Gabeira, hoje deputado pelo Partido Verde, revela que foi o ator quem cortou e pintou seus cabelos quando se escondia da polícia e dos militares, em 1969, logo depois de participar do sequestro de Elbrick. O embaixador foi libertado em troca da soltura de 15 presos políticos, entre eles o então líder estudantil José Dirceu. "Antecipei, sem querer, o corte grunge. Quem era louro ficou moreno, quem era moreno ficou louro", disse Vereza, em depoimento para o livro. Ele alega que ajudou os envolvidos no sequestro sem saber quem eram.

Tuma é citado, pela primeira vez, como o delegado com quem Gabeira teve um breve diálogo quando estava preso no Departamento de Ordem Pública e Social (Dops) de São Paulo. "Tuma falou assim: ‘Você se feriu? Levou um tiro? Respondi que sim. E ele: ‘Você acertou alguém?. Eu disse: ‘Não, estava desarmado’. Ele: ‘Ah, então estava desarmado! Quer dizer que se estivesse armado reagiria? A conversa foi rápida. Hoje somos amigos.

Esquecemos completamente. A palavra ‘amigos’ pode ser forte: somos colegas de trabalho."

Em O Que é isso, companheiro?, Gabeira não cita o nome do então delegado, mas faz uma descrição um pouco mais detalhada do diálogo, que teria terminado com o seguinte comentário: "Essa gente só matando". Procurado, o hoje senador disse, por meio de sua assessoria, que não se manifestaria antes de ler o novo livro.

Sobre o sequestro que lhe trouxe notoriedade e que o levou à prisão e ao exílio de quase 10 anos, Gabeira manifesta arrepedimento. Ele cita o caso da senadora que passou seis anos em poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). "Depois de ler relatos de Ingrid Betancourt, eu que participei do comitê para libertá-la, digo: hoje vejo o sequestro com os olhos da Ingrid Betancourt. (...) Passei para o outro lado. Você tem de estar com a vítima do sequestro, não com os sequestradores."

Serra acha difícil prever peso eleitoral de Marina

Sérgio Dávila, Washington
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Governador paulista diz que pode ser candidato à Presidência ou à reeleição

Aécio Neves diz no Rio que o PV está mais próximo do PSDB e que gostaria de ter os verdes como aliados já no primeiro turno da sucessão


A saída da senadora Marina Silva (AC) do PT, sua entrada no PV e na disputa presidencial de 2010 criaram um fato cujas consequências são difíceis de prever, disse o governador José Serra (PSDB), que lidera as principais pesquisas de intenção de voto à sucessão de Lula.

"Foi um fato político sem dúvida nenhuma, esse é o dado fundamental", disse o governador de São Paulo na entrada do Banco Mundial, em Washington, cidade onde passou o dia para apressar um empréstimo para estradas vicinais. "Mas como vai ser a campanha dela, que efeito direto vai ter etc., é muito difícil de prever."

Na pesquisa Datafolha mais recente, Marina chega a 3% das intenções de voto. Serra lidera com percentuais que vão de 32% a 44%. Já Dilma Rousseff (PT) tem entre 16% e 24%.Serra evitou fazer análises. "Para mim, então, que posso vir a ser candidato, mais complicado ainda é prever e ficar falando", disse ele, respondendo a uma pergunta da Folha.

Sim, o tucano assume que é candidato -não diz a quê. "Vou ser, existem possibilidades, eu posso ir à reeleição [ao governo estadual] e posso me candidatar a presidente. Certamente será uma dessas duas coisas."

Indagado sobre a chamada chapa "puro-sangue", composição com o governador Aécio Neves (MG), ele desconversa. "Se você falar chapa "puro-sangue", pressupõe que um vai ser vice do outro, logo está tirando alguém da jogada rapidamente." Para ele, Aécio "é um excelente nome também para ser candidato a presidente".

Sobre a responsabilidade de estar à frente nas pesquisas, diz que os levantamentos criam o fato político. "Isso é indiscutível. Mas eu não tenho por que me dobrar ao fato político. A gente tem de ter muita firmeza." E cita o sambista Lupicínio Rodrigues: "Lembra? "Nervos de Aço" e ficar concentrado naquilo que é importante."

Serra acha precipitado falar tanto de sucessão como do modelo para o pré-sal. Sobre o segundo, acha que tem tempo: "Tem de ser um processo muito debatido, com uma espécie de audiência pública, não apenas com o Congresso, que é a instância que vai votar, mas também com os governos e com os municípios das regiões onde se vai extrair mais petróleo e com a opinião pública".

Aécio

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, disse ontem no Rio que o PV está mais próximo do PSDB do que do PT e que gostaria de ter os verdes como aliados já no primeiro turno. "Vejo hoje uma proximidade maior do PV conosco do que com o próprio governo. Até porque a ministra Marina tem sido muito crítica em relação à condução da política ambiental", disse Aécio após seminário promovido por "O Globo".

Colaborou a Sucursal do Rio

Marina se filia ao PV no domingo

DEU EM O GLOBO
RIO BRANCO e WASHINGTON (EUA).
A senadora Marina Silva (AC) confirmou ontem sua filiação ao PV no próximo dia 30, domingo, em São Paulo.

Segundo ela, este é o segundo passo da sua nova trajetória política, depois de deixar o PT, partido no qual militou por quase 30 anos.

A ex-ministra do Meio Ambiente afirmou estar honrada pelo fato de o PV considerá-la “candidata prioritária”, mas ressaltou que qualquer anúncio oficial só será feito em 2010: — Quero discutir um plano estratégico que contemple o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável para o Brasil, que deve ser considerado a maior potência ambiental do planeta.

Mesmo não assumindo a candidatura, Marina disse que ela e a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, têm visões diferentes sobre como realizar os projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

— Os brasileiros é que têm que fazer o julgamento do que é melhor para o Brasil. Ela defende as ideias dela, e eu defendo as minhas — disse.

Marina elogiou os investimentos sociais do governo Lula, mas foi crítica: — Ninguém pode viver a vida inteira dependendo de Bolsa Família.

Em Washington, o governador José Serra (PSDB-SP) afirmou que a provável entrada de Marina na disputa presidencial criou um fato político interessante: — Marina criou um fato político, este é o dado fundamental; agora, como vai ser a campanha dela, é muito difícil de prever.

Dirigentes se rebelam contra ingerência política na Receita

Jailton de Carvalho
DEU EM O GLOBO

Doze deixam a cúpula do órgão em protesto pela demissão de Lina Vieira

Doze dirigentes da Receita Federal pediram exoneração em protesto contra a demissão da ex-secretária Lina Vieira e o que consideraram “ingerência política” na instituição. Em carta ao novo secretário, Otacílio Cartaxo, o grupo afirma: “O que nos trouxe para a Receita foi a crença na possibilidade de construção de uma instituição mais republicana, com autonomia técnica e imune a ingerências e pressões de ordem política ou econômica.” O estopim da rebelião foi a demissão da chefe de gabinete de Lina, Iraneth Weiler, que confirmara o encontro da ex-secretária com Dilma Rousseff.

Entre os demissionários estão cinco dos dez superintendentes e o segundo homem na Receita. Cartaxo e o ministro Guido Mantega não comentaram a rebelião.

A revolta do Leão

Doze dirigentes da Receita pedem demissão coletiva em ato de desagravo a Lina Vieira


BRASÍLIA Numa rebelião sem precedentes de dirigentes do Fisco no país, cinco dos dez superintendentes da Receita Federal, um subsecretário, um superintendenteadjunto e cinco coordenadoresgerais pediram exoneração ontem em protesto contra a demissão da ex-secretária Lina Vieira e contra suposta ingerência política na instituição.

Entre os demissionários está o subsecretário de Fiscalização, Henrique Jorge Freitas da Silva, o segundo homem na hierarquia da instituição.

Em carta de demissão coletiva, entregue à tarde ao novo secretário, Otacílio Cartaxo, os 12 altos dirigentes da Receita lembram que tinham aceitado os cargos de chefia “na crença da possibilidade de construção de uma instituição mais republicana, com autonomia técnica e imune às ingerências e pressões de ordem política ou econômica”.

Eles afirmam ter pautado a carreira nos princípios da ética, da impessoalidade, da legalidade e da moralidade.

E completam: “Tendo em vista os últimos acontecimentos relacionados com a alta administração da Receita Federal, e considerando que essas medidas revelam, sem dúvida, uma clara ruptura com a orientação e as diretrizes que pautavam a gestão anterior, nós, subsecretário de Fiscalização, superintendentes e coordenadores abaixo relacionados, declaramonos impossibilitados de continuar participando da atual administração”.

Entre as medidas que estariam por trás da rebelião, o grupo cita “a forma como ocorreu a exoneração da ex-secretária Lina Vieira” e as supostas ameaças do governo de demitir todos os aliados da ex-secretária que ocupavam cargos estratégicos na Receita. Embora não citem nomes, as críticas seriam endereçadas aos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e da Casa Civil, Dilma Rousseff, responsáveis pela troca no comando da Receita e pela mudanças na forma de atuação do órgão.

Na mesma carta, o grupo apela ainda para que a nova administração “não tolere qualquer tipo de ingerência política no órgão” e preserve a “autonomia técnica da Receita na solução de consultas e divergências de interpretação”. Lina Vieira foi demitida por Mantega depois de se manifestar contra a decisão da Petrobras, a maior estatal do país, de fazer mudanças no regime de recolhimento de impostos.

A medida provocou perda de R$ 4 bilhões na arrecadação federal.

Chefe de Gabinete de Lina afastada


Horas antes da demissão dos dois, foi confirmado o afastamento de Iraneth Weiler, que era chefe de Gabinete de Lina Vieira e confirmara o suposto encontro da então secretária com a ministra Dilma Rousseff. Também foi afastado Alberto Anadeu Neto, que era assessor especial de Lina.

Os 12 demissionários pedem ainda que os novos administradores aprofundem “a política de fiscalização que vem sendo implementada com o foco nos grandes contribuintes”. Depois que deixou a Receita, Lina Vieira denunciou que Dilma Rousseff pediu para agilizar a fiscalização sobre os negócios do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Dilma nega o encontro com Lina.

Num longo desabafo, os demissionários pedem ainda que o governo ponha fim à chamada “portaria da mordaça”, que determina que auditores só podem participar de palestras e entrevistas com autorização prévia do secretário. A regra nem sempre é respeitada. Mas os dirigentes temem que a norma seja usada para futuras retaliações contra quem diverge do comando.

O protesto tem entre seus líderes o superintendente de São Paulo Luiz Sérgio Fonseca Soares, um dos principais aliados de Lina Vieira. Numa demonstração de força, a exoneração de Luiz Sérgio foi acompanhada pela de mais seis altos dirigentes da Receita em São Paulo, entre eles os três superintendentesadjuntos. A rebelião pode se alastrar ainda por outros setores da Receita. Pelo menos outros 30 aliados de Lina Vieira ainda estão em postos intermediários, mas também estratégicos na instituição.

A demissão coletiva é crônica de uma rebelião ensaiada há mais de dois meses. Em 14 de julho, boa parte dos demissionários, entre eles Luiz Sérgio, participou de um almoço em solidariedade à ex-secretaria. Depois do encontro, o grupo avisou que, se não houvesse uma correção de rumos, haveria demissão coletiva.

— O grupo da Lina tem uma característica que é não recuar. Eles vão levar as críticas às últimas consequências — disse auditor.

O presidente do Unafisco, Pedro Delarue, também defendeu uma Receita livre de influências políticas, mas não quis dimensionar o impacto da demissão coletiva na instituição: — Temos que garantir a autonomia e a independência da Receita. A instituição deve ter uma administração técnica, livre de ingerência política.

Mantega e Otacílio Cartaxo não fizeram comentários sobre a rebelião. Em nota, a assessoria do Ministério da Fazenda informou que “as mudanças na Receita foram administrativas”, e que não houve mudança na orientação em relação ao trabalho do órgão. A assessoria se limitou a informar que as demissões seriam publicadas no Diário Oficial.

Por uma instituição mais republicana

DEU EM O GLOBO

A seguir, a íntegra da carta enviada pelos superintendentes e coordenadores-gerais demissionários ao secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo: “Senhor secretário: “Tendo em vista os últimos acontecimentos relacionados com a alta administração da RFB — a começar pela forma como ocorreu a exoneração da ex-secretária Lina Maria Vieira, passando pelos depoimentos realizados no Congresso Nacional, e as recentes notícias veiculadas pela mídia nacional, denotando a clara e evidente intenção do Ministério da Fazenda de afastar outros administradores do comando da Receita Federal — e considerando que essas medidas revelam, sem dúvida, uma clara ruptura com a orientação e as diretrizes que pautavam a gestão anterior, nós, subsecretário de Fiscalização, superintendentes e coordenadores abaixo relacionados, declaramo-nos impossibilitados de continuar participando da atual administração da RFB.

“Em que pese V. Sater cumprido um papel importante na administração anterior, os referidos fatos revelam uma ruptura no modelo de gestão, tanto no estilo de administrar quanto no projeto de atuação do órgão, que nos motivou a compor a equipe da RFB.

“Somos servidores públicos de Estado e pautamos nossa vida funcional pelos princípios da ética, da impessoalidade, da legalidade e da moralidade. O que nos trouxe para a administração da RFB foi a crença na possibilidade de construção de uma instituição mais republicana, com autonomia técnica e imune às ingerências e pressões de ordem política ou econômica.

Nesse sentido, seria desnecessário destacar o nosso desapego a cargos comissionados, pois o nosso compromisso se prende a projetos que privilegiem o interesse público.

“Compreendemos que a administração comandada por V. Sapode e deve assessorar-se de quadros que tenham o perfil técnico e administrativo mais adequado às novas diretrizes que serão implementadas, e nossa decisão deve ser compreendida como uma contribuição para facilitar a composição de sua equipe, considerando esse perfil.

“Reafirmamos, ainda, o nosso compromisso com a instituição, com a justiça fiscal e com a sociedade brasileira, e esperamos que a nova gestão: “— mantenha e aprofunde a política de fiscalização que vem sendo implementada com foco nos grandes contribuintes; “— preserve a autonomia técnica da RFB na solução de consultas e de divergências de interpretação; “— não tolere qualquer tipo de ingerência política no órgão; “— apoie as propostas de revisão e alteração de atos normativos e infralegais que visam a promover maior racionalidade administrativa, mediante a descentralização do processo decisório e o resgate da autoridade dos auditoresfiscais, entre os quais destacam-se: (a) revisão de competências na aduana; (b) edição de novo decreto para regulamentar os procedimentos fiscais e a requisição de movimentação financeira; (c) revisão das competências decisórias constantes do Regimento Interno; (d) revisão ou revogação de outros atos normativos (tais como a IN que disciplina a consulta fiscal e a revogação da portaria da ‘mordaça’); “— dê continuidade ao processo de unificação efetiva dos fiscos fazendário e previdenciário; “— dê continuidade às ações de fortalecimento da cooperação e integração dos fiscos; “— dê continuidade às ações de fortalecimento da Aduana; “— dê respaldo às superintendências para manter os projetos de mudança em andamento; e “— administre a RFB de forma participativa e descentralizada.

“Por fim, sr. secretário, queremos ressaltar que é por lealdade à instituição a que servimos que tomamos esta difícil decisão. Não podemos permanecer administradores, detentores de cargos de confiança, quando sabemos que hoje é diverso o contexto políticoinstitucional que nos motivou a assumirmos os postos de gerência em nossa casa, e que não mais subsiste, de parte a parte, a necessária sintonia que justificaria a nossa permanência na Gestão.

“Atenciosamente,

Altamir Dias de Souza, superintendente da RFB na 4aRegião Fiscal Dão Real Pereira dos Santos, superintendente da RFB na 10aRegião Fiscal Eugênio Celso Gonçalves, superintendente da RFB na 6aRegião Fiscal Fátima Maria Gondim Bezerra Farias, coordenadorageral da Cocif Frederico Augusto Gomes de Alencar, coordenadorgeral da Cocaj Henrique Jorge Freitas da Silva, subsecretário de Fiscalização José Carlos Sabino Alves, superintendenteadjunto da RFB na 7aRegião Fiscal Luis Gonzaga Medeiros Nóbrega, superintendente da RFB na 3aRegião Fiscal Luiz Sérgio Fonseca Soares, superintendente da RFB na 8aRegião Fiscal Luiz Tadeu Matosinho Machado, coordenadorgeral da Cosit Marcelo Lettieri Siqueira, coordenador-geral da Coget Rogério Geremia, coordenador-geral da Cofis”